Por: Silvério da Costa Oliveira.
Há vários
momentos da história que são interessantes e deveras importantes, para mim, no
entanto, um dos que entendo ser bem impactante e mesmo fascinante em sua
dinâmica é o Renascimento. Este período que fica localizado entre o final da Idade
Média e o início da Moderna, marcante e geograficamente definido e limitado em
seu início à região que hoje é ocupada pelo país Itália mas que na época era
composto por diversas cidades Estado com autonomia e independência política.
Podemos dizer que nesta região isto irá ocorrer entre os séculos XIV e XVI, sendo
que para os italianos, quando estes se referem ao período o fazem pela
expressão “quatrocento” (século XV) ou “cinquecento” (século XVI). Este
processo social surge inicialmente na região que hoje compõe mais
especificamente a Toscana, onde destacam-se inicialmente as cidades de Florença
e Siena. Com toda certeza, um momento único e irrepetível na história da Itália
e do mundo.
Posteriormente,
claro está, a influência de tudo que foi gerado nas cidades italianas se
espalhou pelo restante da Europa e obteve, inclusive, características próprias
originárias do somatório com a cultura dos povos locais e de outras influências
presentes em tais novos ambientes.
Não há uma
concordância entre os estudiosos sobre o início e o fim do Renascimento, isto
em parte também se deve pelo fato de que em outros países teve um início e fim
mais tardio quando comparado ao que ocorreu nas cidades italianas, além disto,
fica difícil datar um fato que marque em definitivo o início ou fim desta
época. Em regra, no entanto, há uma concordância por parte de todos que o
século XV é onde se desenrola o principal desta fase histórica, tendo, para
muitos, seu auge e também final no decorrer do século XVI. Eu particularmente
fico ao lado dos historiadores que entendem que o renascimento ocupa três
séculos, tendo começado no século XIV, se desenvolvido durante o século XV e se
encerrado, pelo menos em território italiano, no século XVI. Aliás, penso que o
termo Renascimento é melhor aplicado quando utilizado para designar o que
ocorreu nas cidades italianas, o restante da Europa importou parte do que ali
ocorreu, mas a força deste momento histórico esteve tão presente nas cidades
italianas que por um momento a língua italiana passou a ser a língua culta
internacional, do mesmo modo que hoje o inglês é a língua comercial
internacional.
É um momento que
gira principalmente em termos de uma elite de artistas patrocinados por
mecenas, não se caracterizando como sendo um movimento de base popular, mas
claro está que como tudo na vida e na história, não há como algo assim tão
expressivo e fabuloso não afetar a todos e fazer com que de algum modo todos
dele participem, se não por nele atuarem como principais atores, pelos menos
como participantes inclusos no momento de tempo histórico, como observadores
participantes e que usufruem em alguma escala do que ali é de fato criado.
Nomes como Verrocchio,
Leonardo, Michelangelo e Rafael, dentre outros, marcam em definitivo o gênio
individual neste período, em contraste com o momento histórico anterior, onde o
indivíduo e sua aptidão artística criativa se esvanecia em meio ao coletivo do
qual fazia parte. Se antes o artista não assinava sua obra, agora este a assina
e aqui temos o individualismo presente na valorização da pessoa humana no que
ela faz de único e que a diferencia das demais pessoas.
Eu entendo que o
que podemos aprender e levar desta época histórica para a nossa são os valores.
Os valores então adotados no Renascimento seriam importantes mesmo hoje em dia,
onde cada sociedade ou grupo social, ou mesmo ao nível individual, possa
utilizar de tal balizamento em valores, ambições, metas e desejos, para seu
próprio renascimento cultural. Os renascentistas até que não foram muito
criativos, apesar de termos grandes contribuições inovadoras neste período,
pois, diante de tanta informação nova provinda da antiguidade clássica, tanta
coisa nova para aprender e tornar parte da vida e do tempo destas pessoas,
pouco sobra para algo novo, já que tudo é novo, diante do dilúvio como encher
um copo d’água na bica?
Podemos entender
o Renascimento como um movimento histórico-social que marca justamente este
renascer cultural amplo e em particular das artes clássicas.
Um período
histórico que por vezes é chamado de Renascimento, bem como Renascença ou
Renascentismo. Este período nos traz profundas mudanças e transformações em
todos os setores da sociedade e da cultura, abrangendo a esfera social,
política, econômica, científica, artística, literária, religiosa e filosófica. Nele
temos transformações presentes em todos os campos do saber e do viver.
Trata-se de um
momento de transição entre de um lado o feudalismo então reinante e do outro o capitalismo
que começava a surgir no horizonte social. É o fim da Idade Média com todas as
estruturas sociais que a caracterizaram no Ocidente e o surgimento da Idade
Moderna. Apesar disto tudo, o termo popularmente ficou mais associado a
mudanças profundas ocorridas em campos específicos do saber humano: artes,
filosofia e ciências em geral.
Para que possa
ficar mais claro e esquemático, entendamos que o Renascimento é um período
histórico do Ocidente onde temos presente os seguintes importantes elementos:
Retorno a
antiguidade clássica;
Marcado por
crise envolvendo o conjunto então reinante de crenças e idéias anteriormente
aceitas;
Desenvolvimento
do conceito de individualidade;
Conceber o
Estado como uma obra de arte;
Descobrimento de
novos fatos e idéias;
Ampliação dos
limites geográfico e histórico;
Desenvolvimento
de novas idéias sobre o mundo e o papel do ser humano;
Confiança na
capacidade de adquirir no conhecimento o domínio sobre a natureza;
Ceticismo;
Misticismo;
Exercício da crítica;
Etc.
De fato,
trata-se de um momento histórico de transição entre a Idade Média e a Moderna,
por conseguinte, apresenta diversas correntes e idéias por vezes conflitivas,
não sendo possível apontar uma única direção por onde tal momento histórico
seguiu e se pautou.
Cabe lembrar e
mesmo afirmar que todo o pensamento dito moderno tem início com o Renascimento
italiano.
Os textos
clássicos são lidos e estudados não mais com a intenção de acomodá-los à
tradição religiosa, e sim numa tentativa de descobrir o que o próprio texto diz
e seus significados originais, deste modo, temos também presente o estudo do
latim e do grego e uma nova importância dada ao conhecimento destas línguas no
seu uso mais correto. Temos aqui neste período uma orientação toda voltada para
a antiguidade clássica.
Se antes
tínhamos um teocentrismo, onde Deus era entendido como o princípio e fim de
todos os demais seres finitos, agora temos o humano no centro de tudo, havendo
um afastamento da idéia do teocentrismo e da própria unidade da cristandade,
esta ênfase colocada no ser humano, como centro de todos os estudos nos traz o
surgimento de um antropocentrismo.
Predomina o
naturalismo, onde no meio da liberdade de novas doutrinas e pensamentos então
reinantes, temos que não há uma submissão do todo a uma regra transcendente e
sim uma busca pela imanência das coisas na natureza. Esta valorização da
natureza e da experiência é que irá direcionar vários renascentistas famosos,
dentre eles nosso Leonardo, a se dedicarem seriamente ao estudo de anatomia,
dissecando cadáveres para estudar como se dá a postura e movimento do corpo a
partir de seus músculos, órgãos internos e ossos, proporcionando posições mais
reais a obras de arte tais como as esculturas e pinturas de pessoas.
Para os
bizantinos em Constantinopla (capital do império bizantino), Deus era o centro
e significado de tudo, mas com a queda da cidade (1453) e sua tomada pelos
turcos, o polo principal de nossa civilização mudou-se para a Itália e a idéia
motriz do pensamento então reinante também mudou, de Deus para o homem. Era o
início do humanismo.
Renascimento e
humanismo são momentos socioculturais e artísticos heterogêneos. Não há como
falar em um único humanismo ou renascimento e sim em uma pluralidade dos mesmos.
Há diversas
correntes e formas de apresentação do que venha a ser o humanismo, bem como sua
presença na Idade Média, no Renascimento e na Idade Moderna. Há hoje os que veem
o humanismo dentro de uma concepção de mundo liberal capitalista e outros que veem
o humanismo dentro de uma abordagem marxista. Ou seja, não há um consenso sobre
o que seja e o campo abarcado pelo humanismo. Desde o estudo de grego e latim
somado a disciplinas provenientes da Antiguidade clássica, até uma maior
valorização do ser humano, colocando-o no centro de nossa história, temos
abordagens que variam diametralmente de um pensador/estudioso para outro.
A problemática
central do humanismo é o homem. O Renascimento e o Humanismo vêm ambos a se caracterizarem
como um momento de oposição a escolástica e de confiança na natureza e nas
forças do homem, bem como de uma atitude ativa diante da vida. O homem passa a
ocupar o centro do mundo.
O Renascimento
italiano nos traz uma explosão de novas idéias e saberes, um retorno e
redescoberta de autores clássicos da Antiguidade greco-romana, a substituição
do transcendental pelo natural, a valorização não do homem meramente
especulativo, mas do homem de ação que pela sua atuação se compromete com a
mudança real do mundo que o circunda. Há alguns homens que marcaram
profundamente esta época histórica e que são excelentes representantes do ideal
de homem então buscado, dentre os quais, com certeza, cabe identificar e nomear
a Leonardo, que inquestionavelmente muito bem veio a representar pela sua vida
e obra o ideal contido neste período histórico-cultural.
Leonardo da
Vinci (1452-1519), pintor, escultor, músico, arquiteto, engenheiro, anatomista,
físico, matemático, astrônomo, mecânico, cientista, inventor, botânico, poeta,
adotou a filosofia natural e é o precursor da aviação, da balística e de outros
campos do saber. Sem dúvida alguma um polímata, ou seja, alguém que possui
proficiência em vários campos distintos do saber. Leonardo apresenta um
conjunto de idéias filosóficas e pode ser visto como um dos precursores da
ciência moderna. Ter amplos conhecimentos perpassando diversas e distintas
áreas do saber humano também era um dos ideais do homem do Renascimento, daí o
fato histórico de Leonardo ser polímata vir a colocá-lo mais ainda em
consonância com o espírito então da época.
Leonardo nasceu
em 15 de abril de 1452 na região de Toscana, Itália, no vilarejo de Anchiano,
pertencente a República de Florença, mas especificamente na comuna(1)
de Vinci, no Vale do Arno, donde o “da Vinci”, que segue o seu nome, referência
ao lugar de seu nascimento e não a um suposto sobrenome familiar, e faleceu aos
67 anos de idade em 2 de maio de 1519 no Reino de França (Amboise). A época em
que viveu e exerceu suas atividades é considerada por alguns estudiosos como
sendo o alto renascimento. Trabalhou em Florença, Milão, Veneza, Roma, Bolonha
e França, além de ter percorrido outras cidades italianas. Durante boa parte de
sua vida trabalhou em Milão (1482-1499) para o então Duque Ludovico Sforza,
posteriormente à ocupação francesa saiu para Mântua, Veneza e novamente
Florença. Em 1506 retorna a Milão onde é muito bem recebido pelos franceses e
onde fica até a saída dos franceses em 1512, receando que algo pudesse lhe
acontecer, sai novamente de Milão e segue para Roma, onde fica até 1515. Veio a
falecer na França de Francisco I em casa lhe presenteada pelo rei.
Mais conhecido
hoje como pintor, cerca de 15 pinturas ainda existem em nossos dias, das quais
podemos citar a Mona Lisa, a Dama com Arminho, La Belle Ferronière, Retrato de
um Músico, a Última Ceia e a Virgem dos Rochedos. Cabe destaque também ao
famoso desenho: O Homem Vitruviano. Nos seus cadernos de anotações temos
desenhos, diagramas, pensamentos. Deixou-nos mais de 13 mil páginas escritas
que hoje estão divididas formando diversos códex (livros).
Há hoje uma
certa polêmica com relação a sexualidade de Leonardo(2), no entanto,
um homem com tantos interesses e tão diversos, uma multiplicidade de interesses
distintos, tornando-o conhecido em diversas áreas do saber que nos permitem
usar sem receio o termo “gênio” para descrevê-lo, que com autorização dos
governantes locais passava noites e madrugadas acompanhado de cadáveres que dissecava
em seus estudos de anatomia ricamente documentados por inúmeros desenhos de sua
autoria das mais distintas partes do corpo humano, um homem perfeccionista que
por vezes demorava a entregar trabalhos prometidos em virtude de sua busca da
perfeição e que por isto deixou várias obras inacabadas, um Leonardo tão
absorto totalmente no trabalho, me parece mais alguém que não tenha interesse
sexual seja por homens ou por mulheres. O que não é algo raro de se observar
quando toda a energia de vida de alguém está totalmente comprometida com seu
trabalho, sua produção, sua criação. No tocante a opinião de Leonardo sobre a
sexualidade, em suas próprias palavras retiradas de suas anotações: "O
ato da procriação e tudo com ele relacionado é tão nojento que a raça humana
rapidamente desapareceria se não existissem caras bonitas e inclinações
sensuais".
Leonardo durante
sua vida profissional manteve a crença na busca, experimentação e investigação o
que também é percebido quando observamos como já dissemos acima, que ele
dissecava cadáveres nos seus estudos de anatomia, elaborando lindos e
detalhados desenhos sobre as mais diversas partes internas do corpo humano. Se
sua obra baseada nos estudos de cadáveres fosse publicada teria revolucionado o
estudo de anatomia. Cabe destacar também que seu mestre em Florença foi o
renomado artista e pintor Andrea Verrocchio.
Leonardo com
certeza é um gênio em busca da perfeição em tudo o que faz e um grande artista
que marca e bem representa o período histórico que denominamos por Renascença,
este espaço entre de um lado a Idade Média que se vai e a Idade Moderna que se
aproxima. Dentre tantos, Leonardo é com certeza um dos mais fiéis
representantes do movimento renascentista, sendo sua vida e valores por ele
adotados a expressão do ideal de sua época e talvez seja por isto que ele nos
impressione até hoje, gerando uma infinidade de livros, romances, filmes e
diversas outras obras que acompanham nossa cultura formal e popular. Quadros
por Leonardo pintados ou desenhos por ele feitos são inumeramente reproduzidos
em camisas e outros objetos, bem como em paredes ou jornais, por vezes de modo
fiel ao original e por vezes de modo satírico, mas sempre presente como parte
de um mistério a ser decifrado.
Pensando em
nossa sociedade contemporânea e no total de desconhecimento presente a maioria
de nós sobre nossas próprias origens históricas e filosóficas, imagino o quanto
que cada um de nós individualmente ou a sociedade como um todo não possa vir a
se beneficiar de um novo renascimento, não voltado somente para a antiguidade
esquecida, mas sim para toda a cultura perdida na falsa intimidade de uma
simplificação obscena que diariamente nos é dada como restos do que já fomos e,
meramente talvez, esperança do que um dia nossa sociedade possa vir a ser.
A vida de
Leonardo e sua obra quando comparada a situações que vivemos hoje nos fazem
pensar na atual dualidade entre o descartável e o perene. Nem tudo pode ser
visto e criado para ser meramente descartável e jogado fora ou substituído pelo
novo modismo que venha a surgir, há necessidade de aprendermos ou reaprendermos
o caráter imutável e eterno de certas produções. Criar uma vida, família, sociedade,
cidade ou outra obra humana deve por vezes ser entendido como algo que deva
mostrar a nossa perfeição em sua própria essência para que as gerações futuras
possam admirar, invejar e recriar.
Silvério da Costa Oliveira.
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Notas:
(1) cidade –
Equivalente no Brasil a um município ou cidade, trata-se na Itália de uma
unidade básica de organização do território
(2) Vou tomar a
liberdade aqui de fazer uma pequena nota, em virtude de diversos comentários
absurdos com os quais tomei contato. Há os que tentam deturpar a história
encontrando em personagens do passado lutadores por causas contemporâneas das
quais estes não tinham sequer idéia ou conceito. Infelizmente e sem base em
fatos históricos narrativas são construídas e defendidas ferozmente contra
qualquer um que possa pô-las em dúvida. Devo frisar que o termo homossexual ou
homossexualismo tem uma origem na clínica psiquiátrica e em um modo de ver o
homossexualismo como doença, o que já era para a época algo revolucionário,
pois, anteriormente era tal comportamento visto em geral como crime ou pecado e
também que o surgimento deste termo se dá na segunda metade do século XIX (por
volta de 1870), não sendo correto usar o mesmo para se referir a um período
histórico anterior. Já o termo gay, apesar de ter origem bem mais antiga, com o
atual significado passou a ser empregado na segunda metade do século XX,
ganhando maior destaque e ampliação por volta do final do século, também
entendo não ser correto sua aplicação para antes desta época. Apesar das lutas políticas sexuais
contemporâneas em prol de uma ou outra orientação ou direcionamento, penso que
o número de pessoas assexuais, que não se interessam por qualquer sexo, tem
sido enormemente subestimado. Acrescentaria ainda que, mesmo não sendo correto
transpor um conceito contemporâneo para uma época anterior a sua criação,
relacionamentos afetivo-sexuais de adultos com crianças ou adolescentes ou
mesmo somente o desejo e excitação por tal, recebe o nome de pedofilia e é
considerado uma doença e mesmo crime de acordo com a legislação do país.
Prof. Dr. Silvério da Costa
Oliveira.
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