Professor Doutor Silvério

Blog: "Comportamento Crítico"

Professor Doutor Silvério

Silvério da Costa Oliveira é Doutor em Psicologia Social - PhD, Psicólogo, Filósofo e Escritor.

(Doutorado em Psicologia Social; Mestrado em Psicologia; Psicólogo, Bacharel em Psicologia, Bacharel em Filosofia; Licenciatura Plena em Psicologia; Licenciatura Plena em Filosofia)

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terça-feira, 30 de novembro de 2021

Anaxímenes de Mileto: O ar está na origem e constituição de tudo que há

  Por: Silvério da Costa Oliveira.

 Anaxímenes de Mileto

 Anaxímenes de Mileto (588/585-528/524 a.C.), também seguindo a tradição inaugurada em sua cidade, aponta que há um princípio único, arché, mas entende que este é o ar, o qual está presente em tudo, foi a origem de tudo e tudo irá para ele retornar. O ar infinito é a substância primordial na qual tudo que existe tem a sua origem e esta se dá por meio da condensação e da rarefação. Também afirma a eternidade do movimento e da mudança. O ar, segundo Anaxímenes, é determinado e infinito.

Fato interessante é que pouco depois do falecimento deste filósofo a sua cidade, Mileto, foi invadida e destruída pelos Persas em 494 a.C., desaparecendo este centro cultural do qual brotou e começou a se desenvolver a filosofia.

Entendia que a Terra é plana e no formato de um disco, rodeada de água por todos os lados, e ficava flutuando no ar, que a lua não tinha luz própria e que refletia a luz do sol, este sim, com luz própria. Já os eclipses eram entendidos por Anaxímenes como uma obstrução temporária ocasionada por algum corpo celeste.


 

Buscou explicar fenômenos da natureza sem o uso da presença de deuses, seres fantásticos ou do sobrenatural, todas suas explicações partiam do elemento material único que ele havia proposto como sendo o ar, que atuava por condensação e rarefação, deste modo, os terremotos podiam ser entendidos pela falta ou excesso de água no solo, os relâmpagos seriam ocasionados pela separação violenta de nuvens pelo vento, o arco-íris seria formado pelo ar densamente comprimido ao encontrar os raios de sol.

Segundo Diógenes Laércio, Anaxímenes foi discípulo de Anaximandro. Sua doutrina muito o aproxima de Anaximandro, se bem que a escolha do ar como elemento primordial apresenta de certo modo um retorno a Tales, quando este afirmava a água como elemento primordial.

Apesar da tradução comum e aceita para “ar”, cabe o destaque importante que o termo grego usado por Anaxímenes era “aer” que estaria mais próximo de algo a semelhança de uma “névoa densa” ou mesmo de “vapor”.

Segundo Aristóteles, o entendimento de Anaxímenes é que o ar é anterior a água e, portanto, dentre os corpos simples, o princípio único. Substituindo a água de Anaximandro pelo ar, entende que este ar é infinito e que tudo dele surge por meio de condensação e rarefação, ou dito de outro modo, tudo provém do ar, sendo este comprimido ou dilatado para tudo criar. Os demais elementos dele surgem ao ser o ar comprimido ou dilatado, assim temos o fogo, a água e a terra. O ar é um elemento dinâmico e vivo que se opõe à passividade da matéria.

A água surge do ar condensado e o fogo do ar rarefeito, tudo surge do ar e em algum momento a ele retornará. O ar dá vida ao humano, se identificando com sua alma, e também dá vida a tudo que existe. Trata-se também de uma filosofia do movimento, pois, o ar está em constante movimento. O mundo ou mesmo o cosmos pode ser entendido como um ser vivo que respira. Mesmo os deuses surgem a partir do ar.

Pela rarefação do ar este produz o fogo e pela condensação produz primeiramente o vento, depois as nuvens e depois ainda, a água. Pela condensação o ar cria a terra e posteriormente as pedras, as quais podem retornar a ser terra com o tempo e a fricção. O frio se daria pela condensação e o calor pela rarefação do ar.

 

Segundo o pensamento de Anaxímenes, o cosmos é um animal vivente que respira e tudo está envolvido pelo ar, princípio primordial de todas as coisas. Não chega a igualar ao ar atmosférico, e mais se aproxima de um proto-elemento eterno, divino, vivente, ilimitado, inextinguível, sutil, ligeiríssimo, penetrante, movilíssimo, quase incorpóreo, princípio da vida e do movimento de tudo que há. O ar está em um movimento eterno. Infinitos mundos e mesmo os deuses dele se originam. Com Anaxímenes passamos a ter a ideia de um dualismo presente entre a condensação e a rarefação do ar.

Anaxímenes, apesar de defender a existência de uma arché, discorda de Tales quanto a esta ser a água, pois a mesma seria concreta demais, por sua vez, o ápeiron de Anaximandro seria por demais abstrato, e o elemento do qual tudo se originaria deveria estar presente a nossa observação da realidade ao nosso redor, daí a escolha do ar, o qual, pela condensação e rarefação daria origem a tudo que existe. O ar (pneuma) é invisível e infinito.

Anaxímenes concorda com Anaximandro que haja um princípio único, arché, e que este seja ilimitado, mas discorda quanto a este ser indeterminado, pois, para Anaxímenes o primeiro princípio é o elemento ar e como tal, determinado. Deste modo, o princípio único não é indefinido, e sim definido.

Do mesmo modo que seus antecessores na Escola de Mileto, Tales e Anaximandro, há também de ser um filósofo cuja principal preocupação se dá com a “physis”, entendida como física ou natureza, daí ser considerado um físico ou filósofo da natureza. Sua obra está voltada para o estudo do “cosmos”, no sentido dado pelos gregos de “ordem” e defende a existência de um princípio único ou primeiro princípio, a arché, só que enquanto para Tales era a água e para Anaximandro o ápeiron, para Anaxímenes a arché se encontra no elemento ar. Pelo fato de afirmar ser o ar o primeiro princípio de tudo o mais, arché, temos nele o monismo e a partir também da afirmação desta arché, encontramos em sua filosofia a presença da unidade na multiplicidade, o hilozoísmo e o panteísmo. Todos estes dados aproximam as filosofias de Tales, Anaximandro e Anaxímenes. Para todos os membros da Escola Jônica de Mileto o elemento primordial do qual tudo o mais é constituído é algo material, logo, todos além de monistas, são também materialistas.

 Silvério da Costa Oliveira.

 

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sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Anaximandro de Mileto (1) * O ápeiron

 


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Anaximandro de Mileto (610-547/546 a.C.) não somente é originário da mesma cidade do fundador da filosofia, Tales, como também tende a dar prosseguimento ao trabalho deste, ao manter o afastamento de explicações de cunho religioso ou mítico e buscar na razão a explicação mais adequada para tudo que observa na natureza. Anaximandro é considerado pela tradição, discípulo de Tales de Mileto e por sua vez tendo como discípulo a Anaxímenes. Anaximandro há de trocar este princípio único ou elemento presente a tudo. Se para Tales era a água, para Anaximandro será o ápeiron (infinito, ilimitado, indeterminado, indefinido). Cabe ao ápeiron ser a causa da criação e destruição de tudo no mundo. Aliás, todo o cosmos, a natureza, o mundo ao nosso redor, se forma e se mantém por meio de um equilíbrio de forças contrárias. A alternância entre estes contrários se dá no tempo, o qual tende a priorizar ora um, ora outro. Coisas contrárias vão se alternando no tempo, uma sucessivamente destruindo a outra infinitamente, deste modo, por exemplo, as estações climáticas se seguem e se no inverno temos o frio intenso, no verão este cede lugar ao calor. O predomínio de um dos opostos gera uma injustiça que deverá ser sanada com a substituição deste pelo outro oposto deste par. Assim, um inverno rigoroso gera uma injustiça que deverá ser sanada por um verão também rigoroso. Para Anaximandro um oposto destrói o outro, substituindo-o e não havendo possibilidade da existência simultânea de ambos opostos.

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quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Anaximandro de Mileto: A arché é o ápeiron

 Por: Silvério da Costa Oliveira.

 Anaximandro de Mileto

 Anaximandro de Mileto (610-547/546 a.C.) não somente é originário da mesma cidade do fundador da filosofia, Tales, como também tende a dar prosseguimento ao trabalho deste, ao manter o afastamento de explicações de cunho religioso ou mítico e buscar na razão a explicação mais adequada para tudo que observa na natureza. Anaximandro é considerado pela tradição, discípulo de Tales de Mileto e por sua vez tendo como discípulo a Anaxímenes.

Anaximandro foi filósofo, discípulo de Tales, pertence também a Escola Jônica e atuou como geógrafo, matemático, astrônomo e político. Segundo a tradição ele teria escrito um livro, “Sobre a natureza”, mas este se perdeu no correr da história, não chegando até nossos dias. Atribui-se a ele a invenção ou pelo menos a introdução na Grécia do relógio de sol (gnômon, a parte que projeta a sombra do sol). Coube também a ele elaborar um mapa do mundo conhecido e habitado.


 

Quanto ao seu livro “Sobre a natureza”, pode-se dizer que sua importância se deve ao fato de ser o primeiro tratado filosófico escrito em prosa, desvinculando o texto filosófico da métrica e do verso. A tradição lhe coloca como autor de quatro obras hoje para nós perdidas: “Sobre a natureza”, “Perímetro da Terra”, “Sobre as estrelas” e “Esfera celeste”. É provável, no entanto, que todas estas obras sejam capítulos de um único livro, “Sobre a natureza”, pois, era comum a época juntar todos os escritos sem nome sobre um mesmo tema e dar-lhes um título coerente com o que a tradição entendia sobre aquele filósofo ou obra, no caso, Aristóteles havia expressado sua opinião que Anaximandro e outros eram filósofos que estudavam a “physis”, ou seja, físicos ou filósofos da natureza. Neste caso, seria conveniente ao juntar trabalhos sem título em uma única obra, batizá-la pelo tema abordado, no caso, a natureza, por Anaximandro ser considerado por Aristóteles um filósofo da natureza, daí, “Sobre a natureza”.

Anaximandro há de trocar este princípio único ou elemento presente a tudo. Se para Tales era a água, para Anaximandro será o ápeiron (infinito, ilimitado, indeterminado, indefinido). Para melhor compreender este conceito de ápeiron, deve-se entender que não se trata de algo abstrato e sim de algo material, uma matéria primordial, ilimitada, homogênea, indeterminada, inqualificada, eterna, imperecedora, imutável, incorruptível, inesgotável, fecunda, que gera todos os seres e a qual todos os seres hão de retornar. Ápeiron: a (prefixo de negação) + péras (limites) = sem limites.


 

Cabe ao ápeiron ser a causa da criação e destruição de tudo no mundo. Aliás, todo o cosmos, a natureza, o mundo ao nosso redor, se forma e se mantém por meio de um equilíbrio de forças contrárias. A alternância entre estes contrários se dá no tempo, o qual tende a priorizar ora um, ora outro. Coisas contrárias vão se alternando no tempo, uma sucessivamente destruindo a outra infinitamente, deste modo, por exemplo, as estações climáticas se seguem e se no inverno temos o frio intenso, no verão este cede lugar ao calor.

O predomínio de um dos opostos gera uma injustiça que deverá ser sanada com a substituição deste pelo outro oposto deste par. Assim, um inverno rigoroso gera uma injustiça que deverá ser sanada por um verão também rigoroso. Para Anaximandro um oposto destrói o outro, substituindo-o e não havendo possibilidade da existência simultânea de ambos opostos.

Por ápeiron Anaximandro entende uma substância indefinida, infinita e eterna. O ápeiron em verdade é um princípio complexo. Quando falamos que o ápeiron é eterno, isto não é sinônimo de imortal, são coisas diferentes. O eterno é algo que existe hoje, existiu ontem e continuará sempre a existir, não tendo um nascimento e também não tendo um fim. Já a imortalidade é diferente. Os deuses do Olimpo que os gregos adotavam em seus cultos eram imortais, mas houve um momento no qual nasceram e antes deste momento não existiam.

O ápeiron por sua vez, é o resultado de um turbilhão de relações possíveis entre diversos opostos. Por opostos entende pares tais como quente e frio, seco e úmido, escuridão e claridade, dentre outros, esta pluralidade de opostos, por sua vez, resultam em uma unidade que se encontra presente em todas as coisas.

O ápeiron é neutro por ser uma mistura de contrários, de todas as coisas. Todas as coisas são finitas e limitadas, só o ápeiron é infinito e ilimitado e ele produz todas as coisas. O ápeiron produz todas as coisas e por isto é algo de divino, por poder ordenar, governar, criar as leis.

O ilimitado é um vórtice infinito em movimento constante pelo qual todos os elementos contrários são produzidos.

Aristóteles ao comentar os filósofos da natureza que o antecederam, questiona o fato interessante de que os quatro elementos (água, ar, fogo e terra) trabalhados por Empédocles não aparecem em sua totalidade nos filósofos anteriores, pois, falta o elemento terra em seus antecessores. Tales adotará o elemento água, Anaxímenes o elemento ar e Heráclito o elemento fogo. Mas se observarmos com atenção perceberemos a influência do elemento terra em Anaximandro. Se pensarmos na terra, ou melhor, no barro usado pelos oleiros para confeccionar vasos e outros itens, teremos que este processo tradicional pouco mudou dos dias de hoje até os dias de Anaximandro e este, provavelmente, teve oportunidade de observar oleiros moldando o barro, indefinido, indeterminado, em uma forma qualquer. Deste trabalho com o barro pode ter surgido a inspiração de Anaximandro para o ápeiron e se assim o entendermos, passamos a ter, também, o elemento terra.

O tempo atua como um juiz que ora permite a presença de um contrário e depois a presença de outro, deste modo, os contrários se auto-excluem todo o tempo e o mundo que conhecemos e no qual vivemos surge por meio de duas injustiças, a saber: 1- da separação dos opostos que afeta a unidade 2- da luta entre opostos e da supremacia temporária de um sobre outro.

Segundo o pensamento de Anaximandro, a Terra teria o formato cilíndrico e seria circundada por várias enormes rodas cósmicas de fogo. A Terra ficaria suspensa sem qualquer tipo de apoio, pois, a igual distância entre as partes conservaria sua estabilidade. Todas as forças que atuam sobre a Terra estariam em equilíbrio.

Por meio do calor do sol sobre a água, nasceram os primeiros seres marinhos e estes foram se desenvolvendo e tornando-se mais complexos. Em um determinado momento um destes seres, um tipo de peixe com um humano dentro, veio da terra e dele saiu o primeiro humano. O humano não tem condições de se defender sozinho durante o período em que ainda é bebê e depois criança, por isto se desenvolveu dentro de um animal marinho e quando veio a terra já estava com idade de um adulto jovem, capaz de se defender sozinho e sobreviver por conta própria.

Nele temos a ideia da pluralidade e sucessão dos mundos. A existência de mundos infinitos simultâneos e/ou sucessivos também está presente na concepção teórica de Anaximandro. Há quem defenda que estes mundos infinitos não ocorreriam simultaneamente e sim sucessivamente e há outros comentadores que defendem justamente o oposto. Se existem de modo simultâneo estamos diante da ideia de multiversos (múltiplos universos) e, se existem sucessivamente, estamos diante da ideia da destruição do cosmos e de uma nova reconstrução deste mesmo cosmos.

Podemos partir de duas divisões fundamentais para todas as coisas: o princípio e o derivado. O princípio é um só, arché, e tudo o mais é derivado. O princípio é infinito e indeterminado e tudo o mais é finito e determinado. Tales falou que o princípio era a água, mas como esta poderia criar o seu oposto, o fogo? A água é determinada, é preciso que o princípio seja indeterminado e formado pela junção de todos os opostos, ou seja, algo neutro.

Nos três filósofos de Mileto pertencentes a Escola Jônica, Tales, Anaximandro e Anaxímenes, temos três teses fundamentais por eles defendidas: 1- o monismo presente em uma substância material única, primeiro princípio, arché; 2- o hilozoísmo (do grego hyle, matéria, e zoe, vida) decorrente de tudo ser criado e organizado a partir da arché e deste modo o elemento material e princípio único estaria em tudo presente, mesmo nos seres inanimados como, por exemplo, uma pedra, logo, tudo tem vida e a vida está em tudo; 3- panteísmo, pois o princípio que tudo cria é divino enquanto criador e organizador de tudo, logo, deus está em tudo. Temos também que este ser divino é imanente e não transcendente.

 Silvério da Costa Oliveira.

 

Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.

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quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Tales de Mileto (1) * O surgimento da filosofia



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Tales de Mileto (640/639 ou 624/623-548/545 a.C.) é o primeiro filósofo, cabe a ele demarcar o surgimento da filosofia em solo grego. Personagem quase mitológico, pouco ou quase nada se sabe ao certo sobre sua vida. A data de seu nascimento e morte foi obtida por conjecturas e varia de comentador para comentador, o que ele fez, onde foi, com quem estudou, tudo são conjecturas baseadas na doxografia. Mesmo os pensadores mais antigos, como Platão, Aristóteles, Heródoto e Diógenes Laércio, dentre outros, quando falam sobre Tales não o fazem com fontes primárias. Na Grécia antiga, quando fizeram a primeira lista dos sete homens mais sábios, coube, segundo Diógenes Laércio, que Tales a encabeçasse. Segundo alguns, nasceu e viveu em Mileto, mas há divergências. Heródoto afirma que sua origem é fenícia. Foi legislador da cidade de Mileto, matemático e astrônomo. Dentre seus enormes feitos, a tradição nos diz que este previu um eclipse solar, o que poderia ter ocorrido na data de 28 de maio de 585 a.C., ocorre que com o que sabemos hoje sobre o conhecimento que os gregos possuíam nesta época, a previsão correta de um eclipse solar soa como algo fantástico e não possível.

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terça-feira, 23 de novembro de 2021

Tales de Mileto: O primeiro filósofo

 

 Por: Silvério da Costa Oliveira.

 Tales de Mileto

 “A Filosofia grega parece começar com uma ideia absurda, com a proposição: a água é a origem e a matriz de todas as coisas. Será mesmo necessário determo-nos nela e levá-la a sério? Sim, e por três razões: em primeiro lugar, porque essa proposição enuncia algo sobre a origem das coisas; em segundo lugar, porque o faz sem imagem e fabulação; e, enfim, em terceiro lugar, porque nela, embora apenas em estado latente, está contido o pensamento: “Tudo é Um”. A razão citada em primeiro lugar deixa Tales ainda em comunidade com os religiosos e supersticiosos, a segunda o tira dessa sociedade e o mostra como investigador da natureza, mas, em virtude da terceira, Tales se torna o primeiro filósofo grego”. Nietzsche, Friedrich A Filosofia na Idade Trágica dos Gregos.

 

Tales de Mileto (640/639 ou 624/623-548/545 a.C.) é o primeiro filósofo, cabe a ele demarcar o surgimento da filosofia em solo grego. Personagem quase mitológico, pouco ou quase nada se sabe ao certo sobre sua vida. A data de seu nascimento e morte foi obtida por conjecturas e varia de comentador para comentador, o que ele fez, onde foi, com quem estudou, tudo são conjecturas baseadas na doxografia. Mesmo os pensadores mais antigos, como Platão, Aristóteles, Heródoto e Diógenes Laércio, dentre outros, quando falam sobre Tales não o fazem com fontes primárias.


 

Na Grécia antiga, quando fizeram a primeira lista dos sete homens mais sábios, coube, segundo Diógenes Laércio, que Tales a encabeçasse. Segundo alguns, nasceu e viveu em Mileto, mas há divergências. Heródoto afirma que sua origem é fenícia. Foi legislador da cidade de Mileto, matemático e astrônomo. Dentre seus enormes feitos, a tradição nos diz que este previu um eclipse solar, o que poderia ter ocorrido na data de 28 de maio de 585 a.C., ocorre que com o que sabemos hoje sobre o conhecimento que os gregos possuíam nesta época, a previsão correta de um eclipse solar soa como algo fantástico e não possível. Se escreveu alguma coisa não sabemos, mas nada que possa ter escrito chegou aos nossos dias, não havendo sequer fragmentos de suas possíveis obras citadas por autores historicamente próximos. Algumas obras que no passado foram dadas como sendo de sua autoria, hoje entende-se que não foi ele quem as escreveu. Há quem defenda que Tales nada escreveu.

Nasceu na cidade de Mileto, na região da Jônia, localizada na Ásia Menor, pertencente à assim chamada Escola Jônica. A tradição nos diz que era comerciante e que viajou por várias cidades, conhecendo outros povos, dentre os quais o Egito e o Oriente Médio, o que lhe proporcionou o contato com a matemática e a engenharia egípcias, bem como com a astronomia babilônica.

A tradição atribui a Tales as seguintes formulações e descobertas da matemática e geometria:

  • Na matemática e geometria, por meio de demonstrações dedutivas, formulou teorias sobre: a semelhança dos triângulos e as relações sobre seus ângulos, as retas paralelas, as propriedades da circunferência.
  • A demonstração de que os ângulos da base de dois triângulos isósceles são iguais.
  • A demonstração do teorema: se dois triângulos têm dois ângulos e um lado respectivamente iguais, então são iguais.
  • A demonstração de que todo diâmetro divide um círculo em duas partes iguais. A demonstração de que ao unir-se qualquer ponto de uma circunferência aos extremos de um diâmetro AB obtém-se um triângulo retângulo em C.

·        Hoje também é lembrado pelo teorema que leva seu nome, teorema de Tales, pelo qual pode-se calcular a altura a partir do comprimento de retas paralelas e de retas transversais a construção. Por meio de tal teorema teria Tales calculado a altura de uma pirâmide (Quéops) no Egito. Também é conferida a ele a descoberta do triângulo isósceles.

·        Quanto ao teorema de Tales, temos que este estabelece que se A, B e C são pontos em um círculo, onde a linha AC é o diâmetro do círculo, então o angulo ABC é um angulo reto.

·        Já quanto ao teorema da Intersecção, temos que este estabelece que, se duas retas transversais cortarem um feixe de retas paralelas, teremos medidas proporcionais nos segmentos delimitados nas transversais.

 

Também coube a Tales se debruçar sobre o problema das enchentes do rio Nilo, no Egito, e propor uma teoria para explicar as mesmas e sua periodicidade. A prosperidade do Egito antigo deveu-se a fertilidade do solo ocasionado pelas cheias do Nilo.

É atribuído a ele ter durante uma visita ao Egito, medido a altura das pirâmides utilizando-se da sombra projetada pelo sol em uma vareta fincada no chão. A ele é atribuído pela tradição o cálculo da altura da pirâmide de Quéops, que pode ser feito por dois modos, sendo o mais simples fincar uma vareta no chão e medir a altura da pirâmide quando a altura da vareta for igual a sua sombra, pois, deste modo e neste momento, a altura da pirâmide também será igual a sua sombra, cabendo, no entanto, somar a distância que vai da base da pirâmide até a sua metade. Também lhe é atribuído outro cálculo, o da distância da terra até navios no mar, por meio do uso da triangulação.

Também lhe foi atribuído o assim chamado teorema de Tales. O teorema de Tales pode ser assim enunciado: “Um feixe de retas paralelas determina sobre duas retas transversais segmentos proporcionais”.

Ele também atuou como engenheiro civil, um precursor nesta área, realizando a proeza de desviar as águas do rio Hilas para que o rei Creso passasse com seu exército.

A tradição também nos fala que participou ativamente da política de sua cidade e consta que defendeu a federação das cidades jônicas da região do Egeu e impediu uma aliança formal com Creso, último rei da Lídia (560-546 a. C.).

A tradição nos fala que certa vez caminhava olhando os céus e não viu a sua frente um enorme buraco, caindo dentro do mesmo e ao ser ajudado por uma mulher do povo (uma escrava Trácia), esta o ridicularizou dizendo “Tanto olha para o céu que não percebe o que tem debaixo dos pés”.

Também se diz que certa vez previu uma abundante colheita de azeitonas e na sequência adquiriu (comprou ou arrendou) todas as máquinas de prensa usadas para prensar as azeitonas e deste modo produzir o azeite. Como todos precisavam das máquinas e Tales era o único que as possuía, ficou rico com a empreitada somente para provar que “a filosofia não era uma coisa inútil”.

Tales era conhecido como sábio e por exercer atividade de astrônomo e geômetra. Sua previsão do eclipse, se real, provavelmente baseou-se em informações obtidas junto as observações e registros efetuadas pelos babilônios e egípcios. Além de sua teoria de que tudo seria formado pela água, enquanto arché, primeiro princípio ou princípio único, cabe também mencionar que este entendia que a Terra flutuava sobre as águas, teoria esta que pode ter sua origem nos mitos cosmogônicos oriundos do Oriente. Mas jamais devemos esquecer que por mais que Tales tenha sofrido influência na formação de suas ideias sobre o papel da água, nos mitos, sua visão de mundo rompe com tudo isto ao firmar sua explicação por meio do uso da razão.

Podemos deduzir pelo que nos chegou pela tradição sobre sua vida e obra, que Tales seria um observador inquieto, atento a tudo e buscando por meio do uso de sua razão e descartando soluções que envolvam o sobrenatural ou divino, solucionar problemas ou propor soluções mais corretas para situações de seu tempo, esta curiosidade intelectual e a busca de soluções por meio da razão irão dar origem a filosofia, bem como, ao estudo sistemático da matemática.

Desde os primórdios da história da humanidade, diante das incertezas e do medo perante o desconhecido, buscou-se explicações diversas para fenômenos da natureza e para questões tais como a vida e a morte ou a origem e fim de tudo. Explicações de cunho mítico e religioso abundaram em todos os povos e culturas no decorrer dos tempos, mas coube a Tales, da cidade de Mileto, ser o primeiro a buscar uma explicação por meio do uso da razão e baseada em um princípio único (arché), a unidade na pluralidade.

Este filósofo propõe que tudo tem a origem nesta substância, a água, e a ela retornará. Estamos diante da originalidade de se afirmar um elemento ou princípio único e primeiro de tudo que exista, elemento este que será entendido por Tales como sendo a água ou o húmido. Isto é fantástico, pois, trata-se de um ponto de ruptura com toda a tradição mítica e religiosa anterior. Agora o saber não é pautado na crença em alguma coisa qualquer e sim na investigação racional. Aliás, já que há um único princípio ou elemento material que em tudo está presente, passa a ser correta a afirmação de que “todas as coisas estão cheias de deuses”, pois todas as coisas são formadas por este princípio ou elemento, no caso, a água.

Por entender haver um princípio único, arché, que tudo formaria e que estaria presente em tudo e que este princípio é vivo, pois capaz de criar, organizar e ordenar a matéria de tudo que há, temos nele a presença do hilozoísmo, do grego, “hyle” igual a “matéria” e “zoe” igual a “vida”, segundo o qual toda a matéria ou natureza, mesmo uma pedra ou qualquer outra coisa inerte, é animada por um princípio ativo.

Podemos entender que há três teses presentes ao pensamento de Tales. 1- Que tudo é formado pela água, sendo este o elemento primordial; 2- Como a água forma tudo, então é a responsável pelas leis e pelas regras de tudo na natureza; 3- A água tem alguma coisa de divino. Não se trata aqui de ser a água divina e por este motivo ela tudo criar e organizar, não, é justamente o oposto. A água é divina pelo fato dela tudo criar e organizar. Como tudo é formado pela água, todas as coisas são divinas, o cosmos é divino, todas as coisas estão cheias de deuses. Temos aqui que deus está nas coisas, que ele é imanente e não transcendente. O divino se irradia de tudo, temos um panteísmo.

 Silvério da Costa Oliveira.

 

Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.

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sábado, 20 de novembro de 2021

O surgimento da filosofia com os filósofos pré-socráticos

 Por: Silvério da Costa Oliveira.

 Os filósofos pré-socráticos

 Os filósofos pré-socráticos (século VII ao IV a.C.) são assim chamados não por antecederem cronologicamente o filósofo Sócrates, se bem que muitos de fato estejam temporalmente antes de Sócrates, mas a questão aqui é a temática principal que será abordada, pois, enquanto em Sócrates a primazia se dá para o estudo do humano, temos uma filosofia voltada para uma antropologia, já nos pré-socráticos a ênfase se dá no cosmos, no universo, na física, daí serem também chamados de “físicos”, no sentido grego de “Physis”, ou de filósofos da natureza. Seu interesse principal é a formação do mundo, do universo, do cosmos. A problemática oriunda do humano e seu mundo cognitivo e emocional, seu mundo interior, ocupa um segundo plano diante da primazia do estudo do mundo exterior a este mesmo humano. Muito importante e fator de destaque nestes filósofos é o rompimento com a explicação mítica religiosa da origem do universo e a busca de uma explicação de cunho racional.

Neste tocante, cabe citar em particular aos seguintes pensadores: Tales de Mileto (624/623-548/546 a.C.), Anaximandro de Mileto (610-546 a.C.), Anaxímenes de Mileto (588-524 a.C.), Pitágoras de Samos (571/570-500/490), Xenófanes de Colofón (570-475 a.C.), Heráclito de Éfeso (540-470 a.C.), Parmênides de Elea (530-460 a.C.), Arquelau de Atenas (século V a.C.), Leucipo de Mileto (século V a.C.), Anaxágoras de Clazomene (499-428 a.C.), Diógenes de Apolônia (499-428 a. C.), Empédocles de Acragas (495-430 a.C.), Zenão de Elea (490-430 a.C.), Filolau de Crotona (480/470-385 a.C.), Melisso de Samos (470-430 a.C.), Demócrito de Abdera (460-370 a.C.).


 

Os assim chamados filósofos pré-socráticos podem também ser divididos por Escolas, dentre as quais, a principal divisão possível se dá da seguinte forma: Escola Jônica (Ásia menor), Itálica ou Pitagórica (Magna Grécia), Eleática (Magna Grécia), Pluralista e Eclética.

• Escola Jônica: Anaximandro de Mileto, Anaximenes de Mileto, Tales de Mileto e Heráclito de Éfeso;
• Escola Itálica: Pitágoras de Samos, Árquitas de Tarento e Filolau de Crotona;
• Escola Eleática: Xenófanes, Parmênides de Eleia, Melisso de Samos e Zenão de Eleia.
• Escola da Pluralidade: Anaxágoras de Clazômena, Empédocles de Agrigento, Leucipo de Abdera e Demócrito de Abdera.

• Escola eclética: Diógenes de Apolônia e Arquelau de Atenas.

Muitos fatores contribuíram para o surgimento do pensamento filosófico em Grécia antiga, dentre os quais podemos citar a expansão dos gregos pela região, formando núcleos de povoamento e posteriormente cidades-estado com relativa independência uma das outras, mantendo alianças e fazendo guerra, eventualmente, uma com outras. Influência do pensamento religioso proveniente do oriente a partir dos povoamentos e cidades gregas localizadas na Ásia menor. A introdução do uso de moedas para facilitar o comércio e as trocas de mercadoria; o contato frequente com outros povos por meio das viagens marítimas; o surgimento da lei escrita. Enfim, diversos fatores históricos, culturais, econômicos e culturais estiveram presentes junto ao povo grego e propiciaram condições mais favoráveis para o surgimento da filosofia nesta região e tempo em particular.

O que nos chegou foram fragmentos de suas obras, em grande parte perdidas no decorrer da história humana. Por vezes, temos também comentários e explicações dados por autores antigos. Infelizmente, muitos dos autores antigos não tiveram a preocupação com a fidelidade aos textos originais, aliás, visão esta muito recente na história da humanidade, e sempre estamos diante da possibilidade bem real de os filósofos e historiadores posteriores terem sido tendenciosos.

Estes pensadores farão uso de alguns termos de modo recorrente e com um sentido todo particular e, por vezes, difícil de ser traduzido em virtude da amplitude dos mesmos, como tal é o caso da expressão “Physis”, ora traduzida por “física” e ora por “natureza”, mas que tende a englobar a tudo o que existe, seja material ou espiritual, trata-se da totalidade de tudo que há. Outra expressão importante e que denota cuidado com a tradução é “arché”, que normalmente é entendida como “primeiro princípio” ou “princípio único” da origem de tudo. Só que aí temos um problema quanto a “arché” ser ou estar na origem do Cosmos ou da natureza, pois, para os gregos não temos a ideia de criação, ideia esta que estará presente no povo judeu e posteriormente no Deus cristão, um deus criador que tudo cria a partir do nada. Para os gregos não é possível criação do nada, os deuses gregos não criam a natureza, eles fazem parte da natureza. No máximo teríamos um Demiurgo organizador da matéria e não criador. O tempo cronológico com princípio, meio e fim surge com o cristianismo (religião judaico-cristã), antes, com os demais povos e o povo grego em particular, o que temos é um tempo cíclico, provavelmente inspirado nas observações dos diversos ciclos existentes no mundo, como o de nascimento e morte, criação e destruição, as estações climáticas que se revezam no decorrer do ano, etc. Outra palavra presente aos pré-socráticos e também complicada quando buscamos uma mera tradução é a expressão “cosmos”, cujo sentido não é meramente o que entendemos hoje por “cosmos” na nossa física contemporânea ou mesmo o sentido de “universo”. A expressão “cosmos” será mais corretamente compreendida se a entendermos como “ordem”, em oposição ao “caos”.

Com estes pensadores temos em solo grego, pela primeira vez na história da humanidade, a troca de explicações baseadas na crença e presentes em mitos e religiões, para explicações sobre a origem e natureza do cosmos por meio do uso da razão humana, buscando um princípio (arché) único que pudesse explicar a origem de tudo que temos ao nosso redor. Com eles surge a filosofia e apesar de eclipsados por Sócrates, Platão e Aristóteles, mesmo se estes três não existissem ou se sua obra jamais tivesse chegado ao nosso conhecimento, os trabalhos empreendidos por estes primeiros pensadores já seriam o suficiente para colocar a antiga Grécia em destaque com a elaboração e formação de um modo único de entender o mundo, por meio da razão e não por qualquer outra forma.

Os filósofos pré-socráticos se puseram diante do problema da origem de tudo de modo diverso do tradicionalmente aceito e praticado não somente em solo grego, mas também por outros povos e, deste modo, se afastaram das explicações baseadas em mitos ou religião, saindo da mera crença infundada para o uso da razão, fazendo perguntas e propondo respostas que abarcassem a verdadeira origem e essência de tudo. Implícito em suas obras temos a tentativa racional de responder a perguntas, tais como: de onde tudo vem? Qual a origem das coisas? Do que é composto a criação? Como explicar a pluralidade de seres? Como a matemática se aplica e relaciona com a natureza?

O estudo destes pensadores é muito importante para o estudante da filosofia, pois, entender estes filósofos nos permite instrumentos para poder também entender a base de toda a nossa atual civilização. Sua influência esteve presente na elaboração das filosofias posteriores, a partir mesmo de Sócrates, Platão e Aristóteles e ainda se faz presente em pensadores nossos contemporâneos.

 Silvério da Costa Oliveira.

 

Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.

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