Professor Doutor Silvério

Blog: "Comportamento Crítico"

Professor Doutor Silvério

Silvério da Costa Oliveira é Doutor em Psicologia Social - PhD, Psicólogo, Filósofo e Escritor.

(Doutorado em Psicologia Social; Mestrado em Psicologia; Psicólogo, Bacharel em Psicologia, Bacharel em Filosofia; Licenciatura Plena em Psicologia; Licenciatura Plena em Filosofia)

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5- Blog 4 “O grande segredo: A história não contada do Brasil”

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terça-feira, 9 de novembro de 2021

Razão e Fé no pensamento medieval

  Por: Silvério da Costa Oliveira.

 Razão e Fé no pensamento medieval

 A Idade Média, por um prisma histórico, fica limitada entre os séculos V e XV, mas o pensamento característico medieval não se restringe a este período cronológico. Se entendemos a produção de pensamento medieval como uma tentativa de diálogo entre por um lado o legado filosófico greco-romano e de outro as bases da religião cristã provinda dos textos sagrados, da fé e da revelação, então, este dito pensamento medieval, com características únicas e no qual a filosofia ou é negada ou subordinada à fé e revelação, tende a ser encontrado bem antes do início da Idade Média, já entre os primeiros padres apologistas no século I d.C. e também bem depois do final da Idade Média, na assim chamada Escolástica tardia, no século XVII, na Península Ibérica (Portugal e Espanha).

Vários pensadores propuseram soluções para o papel ocupado pela filosofia greco-romana dentro da visão cristã de mundo. Os primeiros a tratarem do tema foram os padres apologistas, entre os séculos I e V, seguidos pelos representantes da Patrística na Alta Idade Média e da Escolástica na Baixa Idade Média. Os mais conhecidos, mesmo para o não estudante de filosofia, são: Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino, mas existem muitos outros e todos muito significativos neste contexto no qual se discute a relação entre fé e razão.


 

A fé é a crença em alguma coisa, uma crença tão forte que pode negar qualquer evidência em contrário, mesmo o que os olhos vêem ou o que percebemos pelos sentidos não basta para ir contra a verdadeira fé. Para o Cristão a fé tem um significado muito importante em sua religião e está vinculada à revelação, aos escritos sagrados e aos que desenvolveram e explicitaram os princípios desta religião. Fé é crença cega em algo, mas esta definição será obviamente recusada por qualquer religioso, que dirá que não, que fé não é crença e sim a manifestação visível de um contato mais íntimo com Deus.

O problema é que não existe uma única religião no mundo e sim uma multiplicidade de religiões. E bem sabemos que toda religião tem seu conjunto de crenças próprio ao seu culto. Mesmo se quisermos ficar somente dentro do cristianismo, temos divergência quanto às crenças. Desde o século I d.C., quando se começou a estabelecer quais crenças seriam válidas e quais não seriam dentro do arcabouço do cristianismo, aqueles que ficavam em minoria em suas crenças particulares eram vistos pelo grupo dominante como hereges e castigados por isto, nem que fosse somente com a excomunhão, se bem que por vezes eram fisicamente molestados e há registros diversos sobre o tema. E se o número dos infiéis ou hereges for muito grande, passamos a ter uma nova religião com direito a todos os confrontos bélicos possíveis e imagináveis. Isto ocorreu com o Islamismo e também com os Protestantes.

O problema do conflito entre fé e razão surge neste contexto, mas não é algo que acompanhe a humanidade. No passado os diversos povos tinham as suas religiões e, por vezes, um mesmo povo convivia com cultos diferentes e plenamente aceitos por todos. Foi com o advento da religião cristã que o conflito começou. A religião cristã, originada do povo judeu, é uma religião de Deus único e este é o grande problema que vem associado a muita intolerância. Antes do cristianismo era possível a existência pacífica de cultos distintos e distintas verdades associadas ao culto de cada deus. Neste contexto, presente na Antiguidade, de maior liberdade religiosa, também temos liberdade para a filosofia tudo questionar, desde que respeite o direito aos demais terem seus templos e cultos. Portanto, o conflito entre razão e fé não surge com a filosofia na Grécia antiga e sim com o cristianismo.

Desde cedo, os primeiros padres apologistas vislumbraram claramente que seu grande inimigo não estava nos demais cultos a outros deuses e sim na filosofia, a qual deveria ser combatida. Tivemos aqueles que simplesmente a combateram como o inimigo que fortalecia um outro modo de vida, distinto do cristianismo. Somente aos poucos a estratégia mudou e buscou-se adaptar a filosofia grega e romana ao cristianismo, fazendo dela um aliado subordinado a revelação cristã.

Apregoada como a religião do amor, o que ficou registrado nos anais da história é bem diverso e por ser a religião de um deus único, de uma única verdade, não poderia mesmo ser diferente. Muitos citam a inquisição na Baixa Idade Média e as pessoas sendo julgadas e por vezes condenadas a fogueira, mas o que temos é que mesmo muito antes desta época, lá nos primórdios do cristianismo, mesmo no século I, os cristãos já não se entendiam entre si e discutiam com relação a quem teria ou não razão no tocante aos dogmas que estavam sendo elaborados. Passamos a ter muitas heresias, ou seja, escolhas (pois ser herege é fazer uma escolha) diferentes. Correntes religiosas foram saindo do embate como vencedoras em seus pontos de vista e as demais foram sendo aos poucos expurgadas e a religião foi se estruturando. Claro que ocorreram grandes cismas, como o que separou as Igrejas do Oriente da Igreja do Ocidente, Católica Apostólica Romana. Tivemos Maomé que fez sua própria interpretação dos textos sagrados e criou uma nova religião, também com a ambição de ser única, o Islamismo, e justamente por esta ambição também se viu dividida em decorrência da manifestação de distintas opiniões sobre o corpo da religião. Mais tarde teremos Lutero, no Ocidente, dividindo a Igreja Cristã, ao enxergar nela tudo que estaria errado diante da pureza da revelação. Enfim, ser uma religião de deus único, de verdade única, tende a gerar intolerância para com qualquer outro que professe um credo diferente e, neste contexto, a filosofia não passa de um credo herege diferente. Alguns religiosos e não poucos, não percebiam diferença entre a religião cristã (com seus textos sagrados, a fé e a revelação) e a filosofia. Para eles o cristianismo era um tipo de filosofia e a única totalmente verdadeira.

A religião do amor cometeu muitas crueldades e desenvolveu forte intolerância e violenta rejeição para todo aquele que professasse justamente o que não era permitido em hipótese alguma, ou seja, ser divergente, ser diferente, não crer na verdade única. Neste sentido, não há verdadeiro espaço para a filosofia, pois esta questiona a tudo e a todos e não aceita outra autoridade que não seja a oriunda do uso da razão e mesmo esta, está sujeita a ser questionada pela própria razão. Deste modo, desde o surgimento da filosofia na Grécia antiga e durante o percurso histórico da Antiguidade, não vivenciamos um conflito entre fé e razão. Cada qual vivia sua vida e o Estado não intervia para que houvesse uma unicidade de pensar e crer. Com o surgimento da nova religião cristã, que se propunha a ser a religião do amor, mas na prática se tornou a religião da intolerância, da verdade única, da impossibilidade de se manter outras crenças ou cultos, é que temos o conflito entre fé e razão. Por vezes ainda, pautado no medo de que outros cultos religiosos usassem a filosofia como arma de combate contra a nova religião cristã.

Durante o período medieval, ou mesmo antes e após, mas dentro de um pensamento de cunho medieval característico por priorizar o discurso pautado na fé, revelação, textos sagrados e a tradição religiosa cristã, se desenvolveu a problemática da relação entre fé e razão, a qual teve soluções distintas de acordo com o momento histórico e a abordagem dada pelo pensador em questão. Ocorreram diversas tentativas de conciliar a razão com a fé, sendo que sempre a razão se via, se não como serva da fé, ou seja, a razão subordinada a fé cristã, então como independente, mas limitada em relação ao que possa de fato saber, pois, a verdade última encontrar-se-ia além da razão, na fé e na revelação.

Podemos falar em uma relação dentro da história da civilização humana entre a fé e a razão, mas entendendo que uma união entre ambas não seria possível por serem coisas diferentes em sua origem e desenvolvimento. Tal como água e óleo não se misturam, mas podem ser colocadas juntas, assim se dá também a relação entre razão e fé.

Razão é uma coisa e fé é outra, estando esta última por vezes associada à temática religiosa e mais especificamente, religiosa cristã, se nos referirmos ao período medieval. Se por razão entendemos somente o uso de nossa faculdade de pensar de modo racional, então esta pode ser usada em apoio das diversas ciências, da comunicação, da política, do jornalismo e, dentre outras coisas mais, também da religião. Mas se entendemos a razão como filosofia, esta tem independência e não reconhece qualquer outra autoridade além de sua própria razão. Não é válido para a filosofia a autoridade de um líder religioso, seja ele o papa ou outro qualquer, como também não é válida a autoridade de um líder político ou de uma consulta popular. Não há democracia para a razão do filósofo. Se toda a população mundial afirmar algo em uníssono, isto não faz com que este algo seja verdadeiro para a filosofia.

O argumento da autoridade é o mais fraco dentro da filosofia, como também o é o argumento de uma verdade inquestionável provinda de textos sagrados ou de uma suposta revelação dada por Deus aos humanos. Os fatos empíricos também não são o critério para aceitação ou negação de algo. Claro que os fatos são importantes, claro que a experiência é importante, claro que nossa percepção e sentidos são importantes. Mas para a filosofia é a razão a autoridade máxima e não outra qualquer, afinal, quem pode me garantir que todos estes fatos e tudo o mais não passa de mera ilusão?

 Silvério da Costa Oliveira.

 

Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.

Site: www.doutorsilverio.com

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