Por: Silvério da Costa Oliveira.
Jeremy Bentham
Jeremy Bentham (1748-1832) nasce e falece (aos 84 anos de idade) em Londres, Inglaterra, proveniente de família de conceituados advogados (pai, avô). Foi uma criança prodígio em termos de aprendizagem. Bentham entrou na Universidade de Oxford, na Queen’s College, em 1760, aos 12 anos de idade, o que, mesmo para a época, era considerado algo deveras precoce, vindo a concluir o curso e obter o título de "Bachelor of Arts" (Bacharel em Artes) em 1763, então com 15 anos de idade. Após obter esta graduação em Oxford, em 1763 foi admitido e passou a estudar Direito no Lincoln’s Inn, uma das sociedades de advogados presente em Londres. Apesar de vir de uma família de advogados e ter estudado Direito, formalmente Bentham nunca exerceu a advocacia, pois, havia se desiludido com o sistema jurídico inglês por acha-lo arcaico e irracional, vindo a dedicar seus esforços em escrever sobre as reformas que este considerava importantes, tanto na área legal, como também social. Desde criança foi preparado com boa educação para o exercício da carreira de advogado, aprendendo latim e grego. Também quando criança estudou música e aprendeu a tocar violino. Em 1792 foi declarado cidadão francês pela então Assembleia Legislativa. Atuou como filósofo, jurista e reformador da sociedade (ao nível legal e social). Bentham manteve-se solteiro por toda a vida.
Como curiosidade, Bentham deixou instruções para quando de sua morte, seu corpo fosse preservado e exposto, encontrando-se em exibição até os presentes dias, tendo sido batizado pelo próprio Bentham de: “auto-ícone”. Hoje o esqueleto vestindo uma de suas roupas e sentado em uma de suas cadeiras encontra-se em exibição com uma cabeça alternativa, já que a verdadeira estava com a pele por demais enrugada. A cabeça era exposta conjuntamente com o corpo, aos pés do mesmo, agora se acha guardada e preservada. O local de exibição do corpo se faz na entrada da UCL - University College London.
Cabe destaque, dentre os amigos que Bentham teve no correr de sua vida, a James Mil e seu filho John Stuart Mil, ambos, inclusive, foram responsáveis pela edição de algumas obras de Bentham e podem ser considerados seus discípulos, já que foram influenciados pelo mesmo no desenvolvimento de suas próprias ideias.
Bentham defendeu a liberdade, seja esta pessoal, de expressão ou econômica; a separação entre a Igreja e o Estado; sufrágio universal; direitos iguais entre homens e mulheres; a descriminalização de práticas homossexuais; abolição de trabalho escravo; abolição de punições físicas, mesmo em crianças; direito dos animais. Bentham defendeu o liberalismo e uma constituição em moldes democráticos. Bentham entende que a autoridade e o governo são um mal e como tal, devem ser reduzidos ao mínimo para que possam efetivamente serem úteis.
Pensando na reforma do sistema penitencial, apresentou a proposta de construção do panóptico (panopticon). Este seria um modelo de prisão tendo ao centro uma torre com janelas (Pan-óptica), cuja distribuição das mesmas e da luz impediria que quem estivesse ao redor, do lado de fora da torre, conseguisse ver quem estava do lado de dentro, deste modo, poucos poderiam controlar muitos. Os prisioneiros em suas celas ao redor da torre não saberiam quando o carcereiro estaria olhando para elas.
O ponto de partida da obra de Bentham é o “princípio de utilidade”, apresentado como princípio geral de toda sua filosofia (moral, social, política). Bentham pode ser considerado corretamente como o fundador do Utilitarismo. Segundo o pensamento do autor, as ciências devem se apoiar em fatos empíricos, já no tocante à moral e à vida social, os únicos fatos de que dispomos são o prazer e a dor, sendo estes que determinam o comportamento das pessoas, atuando por meio de recompensas e punições. As pessoas em geral buscam o prazer e evitam a dor. Pelo princípio de utilidade, uma ação deve ser recompensada ou punida conforme aumente ou diminua a felicidade de todos dentro da sociedade. Em uma dada sociedade qualquer, o principal interesse de todos os sujeitos será sempre evitar o desprazer/dor e obter prazer, estando no resultado desta busca e evitação o verdadeiro significado de “felicidade”. A isto também há de se reduzir outros conceitos, tais como: dever, bem e mal, justo e injusto.
Temos presente dentro do “princípio de utilidade” proposto por Bentham que a única regra presente no querer humano é a obtenção do prazer e a evitação da dor, sendo que este princípio não se aplica somente ao sujeito individual, mas também a todos os sujeitos dentro de uma coletividade. A lei moral suprema se reduz ao critério da máxima utilidade para o maior número de pessoas, colocando-se deste modo a felicidade de uma única pessoa em sintonia com a felicidade de todos presentes dentro da sociedade da qual fazem parte. A este princípio chamou de “princípio de maximização dos prazeres e minimização das dores”, mas em escrito datado de 1822, reformula este para “princípio de maior felicidade para o maior número possível” ou “the greater happiness of the greater number” ou "it is the greatest happiness of the greatest number that is the measure of right and wrong."
Bentham chamou sua doutrina moral de “deontologia”, fazendo referência ao grego “to deon” = conveniente (não no sentido de dever). Logo, sua moral não é o estudo do dever e sim o estudo sobre o que é conveniente ser feito, tendo como base o princípio de utilidade.
Segundo o Utilitarismo, base de todo o pensamento desenvolvido por Bentham, deve-se buscar promover “a maior felicidade para o maior número”. Este é também um princípio dentro da ética Utilitarista, pois, dentro desta doutrina a moralidade consiste em obter o bem estar coletivo, logo, uma ação que possa ser considerada moralmente correta deverá poder proporcionar um aumento de prazer e diminuição da dor para o maior número possível de pessoas. Entende que é possível quantificar a felicidade e criou um instrumento para tal, que ele chamou de “cálculo hedônico”, visando avaliar o prazer e a dor presente em uma dada ação qualquer. Para o cálculo hedônico deve-se levar em conta a intensidade (qual a força do prazer ou da dor presente nesta ação), a duração (por quanto tempo este prazer ou dor estará presente), a certeza (qual a probabilidade de que este prazer ou dor venha de fato a ocorrer), a proximidade (quão perto ou distante em termos de tempo, este prazer ou dor se encontra), a fecundidade (se este prazer ou dor pode dar origem a outros prazeres ou dores, multiplicando-se), a pureza (o quanto este prazer ou dor não trará o seu oposto em alguma parte, ou seja, o quanto de prazer que está misturado com dor ou o quanto que se trata de um prazer sem dor ou de uma dor sem prazer), a extensão (quantas pessoas serão afetadas por este prazer ou dor).
Segundo o entendimento de Bentham, a virtude se limita ao sacrifício de um prazer imediato e menor, para a obtenção de um prazer a longo prazo e maior. Para Bentham a moral pode ser reduzida ao exercício de duas virtudes: a prudência e a benevolência. A prudência se encontra no entendimento humano, sendo nossa capacidade para calcular a relação entre prazer e dor de modo a poder obter um excedente de prazer. A prudência por sua vez, se divide em prudência pessoal e prudência extra pessoal. A benevolência, por sua vez, se encontra junto à vontade, guiando nossas ações em sociedade. Por sua vez, se divide em afetiva e efetiva (ou beneficência).
Bentham entende que o prazer oriundo de nosso corpo é bom e se opõe ao princípio do ascetismo, em particular o ascetismo filosófico e religioso. Práticas de mortificações corporais não passam de superstições, sendo falsos os possíveis motivos religiosos para tais mortificações.
Em Bentham vemos o desenrolar de uma filosofia de características positivistas e empiristas, ficando este próximo de Augusto Comte e se afastando da moral do dever proposta por Kant. Bentham é contrário a toda e qualquer moral baseada na obrigação. O dever deve coincidir com o interesse pessoal. Não é cabível sacrificar os interesses pessoais por um suposto dever.
PRINCIPAIS OBRAS
1- A fragment on government. Título em português: "Um Fragmento sobre o Governo". Data de publicação: 1776.
Crítica às ideias de William Blackstone sobre o governo, contidas em "Comentários sobre as Leis da Inglaterra". Bentham faz um questionamento sobre a autoridade política, defendendo a ideia de que a legislação deva ser orientada pelo princípio da utilidade, visando maximizar a felicidade na sociedade.
2- Defence of usuty. Título em português: "Defesa da Usura". Data de publicação: 1787.
Bentham aqui advoga em defesa da prática de emprestar dinheiro a juros (usura). Segundo seu entendimento, proibir a cobrança de juros limitaria a liberdade individual e impediria o progresso econômico. Há uma crítica às leis que restringem a usura em sua época e uma defesa da regulamentação pelo mercado, e não pelo governo, das taxas de juros cobradas.
3- "An Introduction to the Principles of Morals and Legislation". Título em português: "Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação". Data de publicação: 1789.
Uma das obras mais conhecidas do autor. Aqui Bentham desenvolve a sua teoria utilitarista. Defende que a moral e a legislação devam se basear no princípio da utilidade, visando obter a maior felicidade para o maior número de pessoas. Nesta obra são apresentados importantes conceitos dentro da filosofia e ideias propostas por Bentham, tais como o "cálculo dos prazeres e das dores", para determinar a moralidade das ações e das leis.
4- "Panopticon; or, The Inspection-House". Título em português: "Panóptico; ou, A Casa de Inspeção". Data de publicação: 1791.
Aqui é apresentado o conceito de “Panóptico”. Trata-se de uma estrutura arquitetônica que tem como objetivo proporcionar que poucas pessoas possam observar o comportamento de muitas, podendo ser usado em prisões e em outros contextos. O modelo de panóptico para ser adotado em uma prisão é formado por um prédio circular com as celas voltadas para dentro, havendo no centro uma torre com janelas voltadas para cada cela de modo que, pelo posicionamento das janelas e pela luz, não seria possível para quem estiver do lado de fora da torre saber quando está sendo observado por quem está do lado de dentro da torre. O objetivo presente é reduzir os custos e promover a disciplina e moralidade entre os presos. Trata-se de um objetivo utilitarista. O modelo também pode ser adaptado para ser usado em outros ambientes que exijam controle, tais como fábricas ou escolas.
5- "Traité de la législation civile et pénale". Título em português: "Tratado da Legislação Civil e Penal". Data de publicação: 1802.
Publicado na cidade de Paris por Étienne Dumont, discípulo de Bentham. Trata-se de compilação de ideias de Bentham sobre legislação civil e penal. As leis devem ser elaboradas visando maximizar a felicidade para o maior número de pessoas, fazendo uso do princípio de utilidade.
6- "Crestomathia". Título em português: "Crestomatia". Data de publicação: 1816.
Plano para a reforma educacional com base no princípio da utilidade. É proposto um currículo racional, direcionado para a eficiência e utilidade pública, tendo como objetivo a promoção do ensino de matérias consideradas úteis e práticas para preparar os alunos para a vida em sociedade, matérias tais como: ciências e artes mecânicas.
7- "Plan of Parliamentary Reform". Título em português: "Plano de Reforma Parlamentar". Data de publicação: 1817.
Defesa de reformas no sistema eleitoral britânico, dentre as quais o sufrágio universal (masculino e feminino), eleições frequentes e voto secreto, visando promover maior responsabilidade por parte dos representantes políticos e reduzir a corrupção.
8- "A Table of the Springs of Action". Título em português: "Uma Tabela das Fontes de Ação". Data de publicação: 1817.
Tentativa de categorizar os motivos que conduzem a ação das pessoas, dividindo tais motivos em duas fontes básicas: prazer e dor. Baseado no princípio utilitarista, argumenta que as ações podem ser avaliadas com base nas suas consequências.
9- "Church-of-Englandism and its Catechism Examined". Título em português: "O Anglicanismo e seu Catecismo Examinados". Data de publicação: 1818.
Crítica a Igreja Anglicana. O catecismo, a estrutura, o poder e a influência da Igreja Anglicana é questionado, bem como, argumenta o autor que a mesma teria como resultado a perpetuação da ignorância e de privilégios. Há uma defesa da separação entre Igreja e Estado, o fim dos monopólios religiosos, e uma abordagem secular do governo.
10- "The Analysis of the Influence of Natural Religion on the Temporal Happiness of Mankind". Título em português: "Análise da Influência da Religião Natural sobre a Felicidade Temporal da Humanidade". Data de publicação: 1822.
Aqui temos uma crítica à religião, argumentando que esta não contribui para a felicidade das pessoas, podendo mesmo prejudicar o bem-estar social. Há uma defesa de que a moralidade e as leis devam ser independentes da religião e tendo como objetivo principal o benefício social.
11- "The Rationale of Reward". Título em português: "A Racionalidade da Recompensa". Data de publicação: 1825.
Análise dos princípios que devem atuar como guia para o sistema de recompensas sociais. Fala-se sobre reconhecimento público e incentivos econômicos, defendendo que as recompensas devam ser baseadas no mérito e no benefício social, não em privilégios de classe ou tradição.
12- "The Rationale of Punishment". Título em português: "A Racionalidade da Punição". Data de publicação: 1830.
Exame sobre as justificativas dadas para a aplicação de punição. Segundo o pensamento exposto por Bentham, as punições só devem ser aplicadas quando tendem a promover um bem social maior, isto de acordo com o princípio de utilidade defendido pelo autor. As punições também devem ser proporcionais aos crimes cometidos e tendo como objetivos evitar novos delitos no futuro.
13- "Constitutional Code". Título em português: "Código Constitucional". Data de publicação: 1830
Projeto para um código constitucional adotado por um governo democrático. Tem como objetivo a criação de um governo eficiente e transparente, regido pelo princípio de utilidade. São abordados temas tais como: separação dos poderes, eleições, direitos civis.
14- "Deontology or the Science of Morality". Título em português: "Deontologia ou a Ciência da Moralidade". Data de publicação: 1834 (póstumo).
Aqui temos o pensamento ético de Bentham apresentado de modo mais sistemático. Bentham utiliza o termo “deontologia” para fazer referência ao estudo dos deveres e das obrigações morais. Aqui Bentham nos fala como as ações devem ser julgadas, tomando por base a sua contribuição “para a felicidade do maior número” (de seres vivos, sejam pessoas ou outros animais).
15- "Of Laws in General". Título em português: "Das Leis em Geral". Data de publicação: 1945 (póstumo).
Aqui são tratados os princípios gerais que devem orientar a criação de leis. Há uma discussão sobre o papel das leis na promoção do bem-estar social e uma crítica às leis que atuam visando favorecer às elites.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.
Site: www.doutorsilverio.com
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