Professor Doutor Silvério

Blog: "Comportamento Crítico"

Professor Doutor Silvério

Silvério da Costa Oliveira é Doutor em Psicologia Social - PhD, Psicólogo, Filósofo e Escritor.

(Doutorado em Psicologia Social; Mestrado em Psicologia; Psicólogo, Bacharel em Psicologia, Bacharel em Filosofia; Licenciatura Plena em Psicologia; Licenciatura Plena em Filosofia)

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domingo, 23 de dezembro de 2018

O deus de Spinoza na filosofia e na cultura popular



Por Silvério da Costa Oliveira.

Sobre Spinoza

Spinoza está entre meus filósofos favoritos desde antes de cursar e concluir meu curso de filosofia pela PUC RJ e isto já faz alguns bons anos. Recentemente adquiri a obra completa deste autor e retomei seu estudo, daí estas notas, nas quais também incluo uma pequena reflexão sobre o músico Raul Seixas em um álbum de 1974 e aponto para um vínculo com a sabedoria oriental e o hinduismo, como estradas que partindo de lugares distintos e seguindo por diferentes percursos, se aproximam de um lugar comum no conhecimento humano.
Vamos começar dando alguns dados biográficos sobre Spinoza e na seqüência tentar apresentar de forma sucinta e didática algumas noções sobre seu pensamento. Deste modo iremos começar a pensar o mundo dentro da visão filosófica de Spinoza e com um entendimento sobre o posicionamento histórico deste pensador, mesmo que parcialmente, mas pelo menos proporcionar uma idéia em linhas gerais de como encontramos em seu tempo este filósofo.


Baruch Spinoza é um grande e importante filósofo do século XVII que exerceu e ainda exerce forte influência em nosso pensamento e sociedade, mesmo agora no século XXI, tendo influenciado diversos autores e correntes de pensamento. Spinoza (1632-1677) morre com somente 44 anos de idade de tuberculose, que alguns relacionam ao seu trabalho como polidor de lentes e sua constante exposição à poeira dali resultante. Nasce e morre na Holanda, países baixos, tendo nascido em 24 de novembro na cidade de Amsterdã e perecido em 21 de fevereiro na cidade de Haia.
Cabe ainda umas palavras iniciais sobre o pré-nome deste filósofo. Baruch é o nome judeu, que após o chérem, banimento e também amaldiçoado pela comunidade judaica de Amsterdã - Holanda, foi deixado de lado por Spinoza. Como a família provém de Portugal, seu nome português é Bento. Spinoza também é conhecido por Benedictus, nome com que assinava em latim.
Spinoza é judeu e sua família é proveniente inicialmente da Espanha, tendo em virtude das perseguições por parte de um governo de forte influencia católica, migrado para Portugal e depois, pelo mesmo motivo de perseguições religiosas, mudado para a Holanda, onde havia uma maior tolerância por parte do governo. No entanto, a comunidade judaica a qual inicialmente pertencia a família de Spinoza era voltada para o comércio e estava acostumada a lidar com diversas culturas, tendo uma visão mais ampla do mundo e já a comunidade judaica presente na Holanda não dispunha, à época, de tal visão, sendo bem mais conservadora em relação aos princípios culturais e religiosos. Isto, mais o provável medo de que as opiniões expressadas por Spinoza pudessem colocar a comunidade judaica em evidência e trazer a ira dos cristãos, fez com que a comunidade judaica viesse a banir e amaldiçoar Spinoza mesmo antes deste publicar seu primeiro livro. Este ato imposto pelo chérem, apesar de tentativa, em anos recentes, de ser revisto pela comunidade judaica, vigora até os presentes dias.
Antes da migração, a família de Spinoza converteu-se ao cristianismo. Em verdade, conversão forçada para fugir das perseguições e usada somente de fachada, pois, no íntimo familiar continuavam a manter as mesmas práticas religiosas, sócio-culturais e tradições judaicas e não cristãs, com a única diferença de o fazerem secretamente. Na época, isto era comum por parte da comunidade judaica visando evitar as perseguições religiosas e tais judeus assim falsamente convertidos, bem como seus descendentes, eram chamados de marranos.
A expressão marrano se refere, portanto, aos judeus que viviam na península ibérica, Portugal e Espanha, e foram forçados a se converterem ao cristianismo para escaparem da santa inquisição e fora uma denominação comum usada entre os séculos XV e XVII. Quanto à origem da palavra, para alguns historiadores a mesma faz uma referência à conversão forçada e por vezes fingida e já para outros ao animal porco, talvez numa referência irônica a proibição dos judeus e mouros (habitantes do norte da África convertidos ao islamismo - mulçumano) de comerem carne de porco.
Para qualquer estudioso sério de Spinoza, toda a sua obra, incluindo as cartas trocadas, são de vital importância para o entendimento do pensamento deste filósofo, no entanto, destaque maior deve ser dado a dois livros em particular, primeiramente ao “Tratado teológico político”, publicado anonimamente em 1670 e que trouxe à época diversas reações hostis que fizeram o autor optar por publicar sua obra após sua morte, deste modo, o livro “Ética, demonstrada a maneira dos geômetras” foi publicado postumamente pelos amigos de Spinoza no mesmo ano de sua morte.
No “Tratado teológico político” Spinoza apresenta uma bem estruturada exposição sobre noções por demais importantes em sociedade, defendendo a liberdade de pensamento e expressão e a democracia como melhor forma de governo. Nesta obra faz oposição ao poder religioso atuando na esfera política e também oposição a qualquer forma de intolerância.
Já em sua obra “Ética, demonstrada a maneira dos geômetras” apresenta um tratado que pretende abarcar as principais linhas do pensamento filosófico. Dividida em cinco partes, cada parte da Ética aborda um ponto crucial da filosofia, como é o caso da ontologia, estudo do Ser, na parte 1; da gnoseologia, teoria do conhecimento, epistemologia, na parte 2; dos afetos e emotividade, emoções, paixões, na parte 3; da moral e dos valores, na parte 4; e da liberdade e beatitude, na parte 5.
Na parte 1 do livro “Ética”, 1677, nos fala em uma substância única. Tudo ao nosso redor, incluindo a nós próprios, somos parte desta única substância. René Descartes tinha chegado a duas substâncias, uma material, a res extensa, e outra pensante, a res cogito, e simultaneamente a dificuldade de duas coisas completamente distintas agirem e interagirem entre si, dificuldade esta que levou Descartes a propor a glândula pineal como lugar desta interação e dificuldade esta que desaparece quando não mais existem duas substâncias e sim somente uma. Atente-se ainda que além destas duas substâncias, para Descartes nós teríamos ainda a Deus, como ser transcendente e não imanente como o propõe Spinoza.
Se tudo é uma coisa só, se só existe uma única substância, não cabe falar em um deus fora deste contexto, pois, tudo é deus, se algo é negado por Spinoza, como deixou claro Hegel, não é deus e sim o próprio cosmos, pois tudo é parte integrante do corpo de deus.
Se tudo é substância, sendo esta deus, esta se manifesta, se expressa, por meio de infinitos atributos dos quais nós, seres humanos, somos capazes de compreender com o uso de nossa razão somente dois, os mesmos dois já demonstrados por Descartes, o pensamento e a extensão. Por sua vez, cada atributo se manifesta por um número infinito de modos, pelos quais os percebemos. Por exemplo, no atributo extensão temos como modos as leis do movimento e do repouso, e já no atributo pensamento temos como modos a vontade e o intelecto divino, frutos das conseqüências de sua essência, sempre dentro do determinismo das leis inerentes ao seu ser.
Segundo Spinoza, Deus não é antropomórfico e nem existe uma finalidade organizando a natureza. Não há um projeto de salvação como querem as religiões e nem deus possui paixões humanas. Em verdade, de acordo com o pensamento de Spinoza, deus iguala-se a natureza e sua liberdade provém de seguir estritamente as leis de sua própria essência, não sendo determinado por causas externas. Deste modo, não convém atribuir a bondade ou a maldade a desígnios provenientes de deus. Deus não é bom ou mal. Tentar justificar a existência do mal em um universo regido por um deus totalmente bom é fruto da ignorância e um dos problemas que surge ao adotar-se um deus com paixões semelhantes as nossas e um projeto finalista para a humanidade. Sacrifícios a deus de nada valem e em nada influem em nosso destino governado por leis imutáveis da natureza.
Deste modo, deus é incapaz de alterar a seu bel prazer as leis da natureza, pois estas compõem sua própria essência, não havendo, portanto, livre arbítrio e sim um total determinismo, mas cabe lembrar, no entanto, que determinismo é diferente de fatalismo. Seguem-se leis imutáveis e não uma finalidade e destino imutável. Claro, no entanto, que se soubéssemos todas as causas e variáveis possíveis poderíamos prever com exatidão um fato ainda por ocorrer, mas este conhecimento completo só cabe a deus.
A liberdade é não ser determinado por causas externas, somente por suas próprias necessidades oriundas de sua natureza, de sua essência, deste modo, deus não pode jamais mudar ou alterar de qualquer modo as leis da natureza que compõem a sua própria essência.
E como só há uma única substância e não qualquer outro número, não cabe pensarmos em uma criatura externa a isto tudo e que possa ser chamada de deus, pois, deus é a própria totalidade desta substância, não sendo, portanto, transcendente a mesma e sim imanente. Deste modo, aqueles críticos que chamaram Spinoza de panteísta ou de ateísta, estão ambos errados. É incorreto atribuir o panteísmo a Spinoza, pois deus não está em tudo, não há uma infinidade de deuses ou uma presença de deus em todos os lugares, em verdade, tudo é deus e uma única coisa, uma única substância, um único Ser, do qual somos parte integrante de seu corpo. Também incorreto o uso do termo ateísmo, pois em momento algum Spinoza nega a existência de Deus, se bem que possa negar tudo o mais.
Na parte 2 deste livro Spinoza argumenta no sentido de um paralelismo entre mente e corpo que no ser humano dá origem ao conhecimento. Entre idéias e coisas existe uma relação de correspondência sem causalidade, pois trata-se da mesma substância compreendida ora por um atributo e ora por outro.
Argumenta também que deus é infinito e eterno, mas que o ser humano é finito. Deus tudo sabe, mas o ser humano tem limites ao seu conhecimento. No entanto, podemos nos aproximar do conhecimento divino e ter a posse de verdades imutáveis por meio de nossa razão, fazendo uso de idéias adequadas, que são as idéias claras e distintas já expostas anteriormente por Descartes. Idéias claras e distintas são verdadeiras e, portanto, idéias adequadas. Trata-se de uma idéia pela qual possa-se afirmar ou negar algo sem a necessidade de confronto com o objeto. Daí Descartes e Spinoza serem corretamente classificados entre os filósofos Racionalistas, em oposição aos Empiristas. Já uma idéia inadequada ou erro se dá pelo desconhecimento de toda a cadeia causal, o erro surge da incompletude, por não termos o conhecimento total de algo e sim parcial. A teoria do erro em Spinoza se baseia em um conhecimento deficiente.
Na parte 3 Spinoza afirma que afetos, emoções e paixões não são em si mesmas nem boas, nem más, e sim necessários, pois, fazem parte da natureza. As emoções humanas vinculam-se a um impulso de autopreservação, a sobrevivência, diante do qual temos um aumento da própria energia vital, força, alegria e diminuição de tristeza – Conatus. Isto muito aproxima Spinoza como precursor de Nietzsche com o conceito de vontade de potência.
Segundo Spinoza não desejamos algo por este ser bom em si mesmo, mas consideramos bom aquilo que inicialmente desejamos e queremos para nós. O ser humano se move entre dois principais afetos que são a alegria e a tristeza, destes dois afetos se originam outros dois, o amor e o ódio. O amor voltado para o que nos causa alegria e o ódio voltado para o que nos causa tristeza. Por sua vez, a alegria proporciona um aumento de nosso poder enquanto que a tristeza uma diminuição deste mesmo poder.
Na parte 4, Spinoza realiza uma análise das idéias adequadas e inadequadas, sendo que estas últimas propiciam a passividade em relação às causas externas tornando o ser humano um escravo destas causas. Também fica evidente pela argumentação de Spinoza que é pela razão que encontramos o melhor caminho.
Não existiriam o Bem e o Mal absoluto como o querem outros filósofos ou religiões, uma vez que estes assim são entendidos de acordo com a utilidade que possam ter para que nós consigamos o que queremos. Deste modo, Bem e Mal são definidos por Spinoza de modo que o primeiro é algo que nos seja considerado como útil e o segundo algo que nos impeça de obtê-lo. A virtude se iguala ao Bem, sendo para o ser humano aquilo que o faz prosseguir para a realização de sua essência, a virtude, portanto, é prosseguir naquilo que é útil para sua autopreservação.
Também muito interessante Spinoza colocar que um afeto não pode ser impedido por outra coisa que não seja outro afeto e não pela razão, crença ou qualquer outro recurso. Um afeto não pode ser parado ou eliminado senão por outro afeto mais forte.
Spinoza iguala o bom ao útil e cita como coisas boas o viver em sociedade, a união das pessoas, viver pela razão.
Na quinta parte desta obra, Spinoza trata da liberdade e da beatitude e nos informa que a mente do ser humano tem um aspecto eterno que a aproxima da divindade. Isto ocorre por meio de idéias que não dependem do tempo, havendo um encontro intelectual com deus. E é justamente neste amor intelectual que encontramos a máxima felicidade e beatitude

Divagações sobre tema

Bem, até aqui expliquei de modo didático o pensamento do filósofo Spinoza, como professor, e deste modo, se o interesse do leitor era unicamente a compreensão de uma visão geral desta filosofia, este é o momento de encerrar a leitura, pois, nas linhas que se seguem meu compromisso será outro e irei divagar livremente sobre o tema.
Como leitor de Spinoza e ouvinte e fã musical de Raul Seixas, não posso deixar de assinalar semelhanças com a música “Gita” e a primeira parte da Ética de Spinoza. Raul Seixas provavelmente buscou sua inspiração para a letra desta música no livro sagrado hindu Bhagavad Gita, ou talvez mais especificamente em determinado diálogo entre o discípulo Arjuna e o mestre Krishna, quando este explica o mundo e universo enquanto manifestação de deus. Isto, claro está, sem em momento algum desconsiderar a influência do livro “The book of the law” (O livro da lei) ou de outras fontes provindas direta ou indiretamente do próprio autor, Aleister Crowley.


De fato, independente de Raul ter tido contato ou não com a obra de Spinoza, fica claro que ambos encontram eco para suas obras na sabedoria milenar do povo hindu. Penso que por estradas diferentes, por caminhos diversos, podemos chegar ao mesmo destino, mesmo que dito e explicado em linguagens distintas, seja esta a linguagem de uma tradição religiosa, de uma poesia musical ou de um tratado filosófico.
No mesmo álbum musical de Raul Seixas citado acima, Gita, de 1974, temos outra música que bem retrata o pensamento social de Spinoza, “Sociedade alternativa”, quando na poesia musical este nos diz que “Faze o que queres, há de ser tudo da lei”.


Como nem todos os possíveis leitores deste texto possam conhecer a letra da música Gita, irei apresentando-a conforme o desenrolar de minha exposição, se o leitor tiver oportunidade, lembro que uma música ganha algo mais quando executada e músicas foram feitas para serem escutadas e não somente lidas.
Eu, que já andei pelos quatro cantos do mundo procurando
Foi justamente num sonho que Ele me falou

Às vezes você me pergunta
Por que é que eu sou tão calado
Não falo de amor quase nada
Nem fico sorrindo ao teu lado

Você pensa em mim toda hora
Me come, me cospe, me deixa
Talvez você não entenda
Mas hoje eu vou lhe mostrar

A parte inicial da música entra como uma introdução, mas vejamos bem os detalhes, pois os mesmos são inúmeros e fazem referências importantes para pontos que agora não pretendo abordar. Muitos entenderam e eu também me incluo aqui, que a letra faz referência a Divindade, só que no caso, esta criatura aparece calada, nada fala e nem se mostra, não fala de amor e podemos acrescentar que muito menos de ódio, mas simultaneamente está em todo lugar, a ponto de estar no alimento que comemos e mesmo em nossas secreções.

Eu sou a luz das estrelas
Eu sou a cor do luar
Eu sou as coisas da vida
Eu sou o medo de amar

Eu sou o medo do fraco
A força da imaginação
O blefe do jogador
Eu sou, eu fui, eu vou

(Gita! Gita! Gita! Gita! Gita!)

Eu sou o seu sacrifício
A placa de contramão
O sangue no olhar do vampiro
E as juras de maldição

Eu sou a vela que acende
Eu sou a luz que se apaga
Eu sou a beira do abismo
Eu sou o tudo e o nada

Se pensarmos a par com a primeira parte da Ética, entendemos que só existe uma única substância, sendo tudo o mais originário desta substância. Alguns falam que Spinoza é ateu e outros que ele é panteísta, mas na verdade ele não é nem uma coisa nem outra, pois, para ele tudo é deus e ele nega todo o restante, inclusive a “eu” que aqui escrevo ou a “você” que agora lê, pois, seríamos parte integrante desta criatura única. Do mesmo modo que a unha de um de meus dedos é parte de meu corpo e não um ser independente, nós somos parte de um todo maior, único ser existente e que tudo engloba. Deste modo negamos a existência individual de tudo, pois tudo é deus. Deus é o que comemos e o que cuspimos, a luz das estrelas, a cor do luar, as coisas da vida, o medo de amar, o medo do fraco, a força da imaginação, o blefe do jogador, o sacrifício, a placa de contramão, o sangue no olhar do vampiro, as juras de maldição, a vela que acende, a luz que se apaga, a beira do abismo.
Também está presente a característica de deus ser infinito e eterno, pois não há outra substância para definir seus limites, se este fosse finito, em algum lugar teria de haver outra substância nos contornos de sua finitude. Também não há tempo, pois deus sempre foi e será, já que ele não cria e nem é criado. O deus de Spinoza não é um deus criador. Deste modo, chama a atenção a letra quando esta afirma que “eu sou, eu fui, eu vou” ou ainda que “eu sou o tudo e o nada”. Este tudo é a única substância, que é o deus de Spinoza, e ele é mudo, pois não vai se manifestar antropomorficamente a quem quer que seja, não se trata de um deus pessoal como o temos nas religiões originárias do personagem bíblico Abraão. Ele não fala, ele não escreve mandamentos em tábuas de pedra ou dita livros aos profetas. Ele não fala pela nossa linguagem, mas pode ser lido sim, pela ciência ao estudar as leis que regem a natureza. Deste modo é correto falarmos que o tudo é nada e que o nada é tudo, pois só há um, e este um é o todo absoluto, única substância do qual tudo e todos fazemos parte.
Havendo uma única substância, um único deus, todas as emoções são como se cenas de um filme gravado em um DVD ou um antigo rolo de filme, tudo é um e o um é tudo.
Esta única substância possui um número infinito de atributos, dos quais nós, seres humanos só conseguimos conhecer dois, como bem explicou René Descartes em sua obra. Trata-se da coisa pensante e da coisa extensa. Quando fazemos uso de nosso aparelho de celular, ou de nosso carro ou qualquer outra coisa material, estamos diante da coisa extensa e quando você pensa naquilo que escrevo você faz uso da coisa pensante. Para nós, tudo se resume a estes dois atributos da substância, mas para esta, são somente dois de um número infinito e que por sua vez se subdividem em um número também infinito de modos.
Vamos pensar por meio de uma metáfora, imaginemos que o vasto oceano seja a substância e seu movimento ondulatório seja um dos atributos pelo qual o conhecemos, ao focarmos em uma única onda que em algum momento teve um início e terá um fim, se reintegrando ao oceano e perdendo para sempre o que foi um dia sua individualidade e singularidade, só não perdendo aquelas características que compartilha com o próprio oceano do qual faz parte integrante, teríamos que o oceano pode ser visto como a substância e o movimento ondulatório como um de seus inúmeros atributos, já a onda que por um breve momento existiu não passa de um dos modos infinitos do atributo ondulatório.
O músico, enquanto poeta, nos apresenta em uma bela linguagem que fez enorme sucesso à época, o que Spinoza nos apresenta em uma linguagem mais difícil, que é a linguagem filosófica e ainda poderíamos ter a linguagem religiosa tentando expor o mesmo tema, mas neste caso, nas religiões orientais, onde talvez o músico tenha buscado sua inspiração.

Por que você me pergunta?
Perguntas não vão lhe mostrar
Que eu sou feito da terra
Do fogo, da água e do ar

Você me tem todo dia
Mas não sabe se é bom ou ruim
Mas saiba que eu estou em você
Mas você não está em mim

Das telhas, eu sou o telhado
A pesca do pescador
A letra A tem meu nome
Dos sonhos, eu sou o amor

Eu sou a dona de casa
Nos pegue-pagues do mundo
Eu sou a mão do carrasco
Sou raso, largo, profundo

Se só há uma sustância, esta é tudo, seja isto a terra, o fogo, a água ou o ar. E aqui temos uma outra referência filosófica Ocidental, pois, são os quatro elementos propostos pelos gregos antigos pelos quais tudo o mais seria feito.
E é claro que vemos a deus todos os dias, pois está não somente ao nosso redor, como em nós próprios, sendo a própria natureza, a qual não é boa ou má. Não é correto dizer que algo feito pela natureza seja algo bom ou ruim, pois, a natureza não faz julgamentos morais de acordo com nossos padrões morais, religiosos ou filosóficos. A natureza segue suas leis inerentes ao seu ser e simplesmente é, não sendo em si boa ou má. Somos nós que fazemos julgamentos de valor sobre as coisas dadas pela natureza.
A única frase nesta música que foge ao pensamento de Spinoza e a aproxima do pensamento cristão é quando o poeta afirma que “mas saiba que eu estou em você, mas você não está em mim”, pois, dentro da lógica da filosofia de Spinoza, sendo tudo uma única substância, esta não está em mim e sim eu nela, sou parte dela, isto pensando dentro da teoria dos conjuntos.
Tudo não passa de uma única substância com infinitos atributos e estes com infinitos modos. O deus de Spinoza é as telhas da casa, mas também o todo do telhado, a pesca e o próprio pescador bem como a intenção de pescar. É a letra A, mas também todas as letras, bem como o mantra usado na meditação pelos religiosos hindus. Deus é a dona de casa nos pegue pagues da vida enquanto as compras faz, é a mão do carrasco e também a vítima deste, e claro, toda e qualquer medida, como, por exemplo, mas não somente estas, o raso, largo, profundo, bem como vistas como metáfora do conhecimento que possamos ter ou obter.

(Gita! Gita! Gita! Gita! Gita!)

Eu sou a mosca da sopa
E o dente do tubarão
Eu sou os olhos do cego
E a cegueira da visão

Eu, mas eu sou o amargo da língua
A mãe, o pai e o avô
O filho que ainda não veio
O início, o fim e o meio
O início, o fim e o meio
Eu sou o início, o fim e o meio
Eu sou o início, o fim e o meio

Como só há uma substância, esta é a mosca da sopa, o dente do tubarão, os olhos do cego, a cegueira da visão, o amargo da língua, a mãe, o pai e o avô. Havendo aqui também uma referência a eternidade e a infinitude. Basta observarmos a seqüência, quanto ao filho que ainda não veio, o início, o fim e o meio repetido quatro vezes, que, aliás, faz referência mística e filosófica a antiguidade ocidental, pois, o número quatro representa uma totalidade, o retorno de uma totalidade que antes havia com o uno e fora quebrada com o dois e se apresenta tanto com os elementos positivos quanto com os elementos negativos. Pensando em termos ocidentais, na antiguidade o quatro representava não somente os aspectos positivos da Divindade e sim estes somados com todos os aspectos demoníacos também existentes, daí ser uma divindade superior ao três, bem retratado pela santíssima trindade cristã, pois nesta acrescenta o demônio.
Claro também está que se só há uma substância e tudo nela faz parte, Spinoza é corretamente monoteísta, pois, só há um deus e não vários deuses.
O que busco nestas divagações não é em hipótese alguma afirmar que o músico e poeta que criou esta e outras músicas dedicou algum tempo de sua vida ao estudo deste filósofo, na verdade, tendo-o feito ou não, para mim isto é irrelevante. O que quero demonstrar é que a filosofia é um modo de expressão de coisas universais que podem e são também expressadas por outras formas culturais, mesmo sem o conhecimento direto dos fundamentos filosóficos. Encontramos em filmes do cinema e da tv, séries de tv, livros e revistas, mesmo desenhos animados por vezes trazem noções profundas de conhecimento filosófico que tende a se perder na cultura popular.
Engraçado que a mesma cultura popular que elogia uma determinada obra musical ou outra, elevando-a a altos patamares de vendas e divulgação, não aceitaria a explicação racional e filosófica do que em verdade ali é exposto. Muitas pessoas do meu convívio que adoram esta música, não concebem as conseqüências de sua letra e a rejeitariam por completo se fossem forçados a pensar nas conseqüências da mesma. As pessoas em geral são seres racionais que fazem questão de comportarem-se como se seres irracionais fossem.
É mais provável que as fontes desta música estejam na religião hindu por meio de divulgadores da cultura religiosa deste povo no Ocidente. Provavelmente seria mais fácil encontrar a presença do deus Brahma do que do filósofo Spinoza, mas aí também vai nosso paralelismo cultural, ao constatar que outra cultura e religião possa exprimir conceitos, que se bem que em outra e diversa linguagem, muito venha a se aproximar de nossa cultura ocidental com a filosofia.
Além do deus Brahma, que forma a trindade hindu, podemos também pensar na forma masculina e neutra, não personalizada enquanto princípio divino, brahman, que nos apresenta a idéia do absoluto.
O deus de Spinoza não deve ser entendido como um deus cristão, não faz sentido falarmos em um deus criador, em imortalidade da alma, em paraíso ou inferno ou purgatório e muito menos em algum tipo de julgamento divino, projeto divino, povo escolhido ou mesmo mandamentos ou livros de deus. Se existe um livro escrito por deus este é o próprio deus enquanto natureza e não um texto ditado por uma criatura transcendente à criação a algum profeta de seu culto, não, o deus de Spinoza existe, mas é imanente. A necessidade de muitos em afirmar ser este ateu ou panteísta vem do preconceito de olhar o pensamento de Spinoza pelo prisma de alguma religião Abraâmica e assim, como este nega toda e qualquer religião nestes termos, estas pessoas equivocadamente o rotulam como ateu ou, quando muito, panteísta.
Em verdade, não sei qual foi o verdadeiro contato histórico que o Raul Seixas teve com este tema. Mas claramente o mesmo conseguiu com graça e maestria, simplificar e colocar em uma belíssima letra de música uma temática profunda e complexa de uma forma mais inteligível. Se bem que eu acredite que a grande maioria das pessoas que escutem a música não tenham noção do que de fato estão escutando.
 

Link de vídeos de minha autoria no YouTube sobre Spinoza:


Silvério da Costa Oliveira.

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