Professor Doutor Silvério

Blog: "Comportamento Crítico"

Professor Doutor Silvério

Silvério da Costa Oliveira é Doutor em Psicologia Social - PhD, Psicólogo, Filósofo e Escritor.

(Doutorado em Psicologia Social; Mestrado em Psicologia; Psicólogo, Bacharel em Psicologia, Bacharel em Filosofia; Licenciatura Plena em Psicologia; Licenciatura Plena em Filosofia)

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domingo, 29 de novembro de 2020

Baruch Spinoza: A liberdade de Deus e de todos os homens e mulheres

Por: Silvério da Oliveira.

 Baruch Spinoza (1632-1677) nasceu e morreu na Holanda, Países Baixos. Em Amsterdã se dá seu nascimento e em Haia seu falecimento. Data também importante a ser lembrada, em 1658, é excomungado da comunidade judia em Amsterdã. Para viver e se sustentar trabalhou durante sua vida como polidor de lentes, vindo a morrer jovem, talvez em decorrência de seu ofício, que lhe proporcionava respirar constantemente o pó das lentes polidas, morre aos 44 anos de idade. Dentre seus principais livros podemos citar a “Ética”, o “Tratado teológico político”, e o “Tratado político”.

Na “Ética” temos um livro dividido em cinco partes cuja proposta é ir de uma teoria metafísica sobre a existência do universo até as condições de nossa liberdade e do melhor comportamento pessoal e social que podemos adotar. As cinco partes da “Ética” são tematicamente assim divididas: 1- sobre Deus ou a substância, 2- sobre a alma ou mente, 3- sobre nossos afetos ou emoções, 4- sobre a escravidão aos afetos, 5- sobre a liberdade.

A obra está estruturada de modo a cada parte tratar de um ponto de crucial importância na filosofia e no desenvolvimento do pensamento filosófico de Spinoza até chegar as questões vinculadas ao título do livro, como é o caso se analisamos cada parte como sendo 1- ontologia ou estudo do ser, 2- gnoseologia ou teoria do conhecimento ou epistemologia, 3- afetos ou emotividade ou emoções ou paixões, 4- moral e valores, e 5- liberdade e beatitude.


Na parte 1 da “Ética” desenvolve seu pensamento sobre haver somente uma única substância e esta ser Deus. Defende sua unicidade, a necessidade de sua existência, que sua existência e agir ocorre unicamente pela necessidade de sua natureza, donde teremos não um fatalismo inexorável e sim um completo determinismo. Também critica a ideia de livre arbítrio, pois, não seria possível a Deus fazer o que bem entendesse a seu bel-prazer e sim cumprir sua própria natureza, de onde proveria sua liberdade, ou seja, de agir segundo sua natureza sem ser coagido a agir de qualquer outro modo por qualquer outro ser. Há somente uma única substância que pode ser chamada de Deus ou de natureza e dela conhecemos somente dois atributos, o pensamento e a extensão, mas existem inúmeros, do mesmo modo que cada atributo terá inúmeros modos pelos quais se apresentam a conhecer. Spinoza afirma que a substância é causa de si, ou seja, que sua essência implica em sua existência, o que é uma variação do anterior argumento ontológico proposto por Santo Ancelmo.

Pensemos na substância e no seu atributo pensamento, este se mostra pelos modos intelecto e vontade, dentre muitos outros, agora, pensemos no atributo extensão, este se mostra pelos modos presentes nas leis do movimento e do repouso, dentre muitos outros.

Apesar desta substância que podemos também chamar de Deus, natureza ou realidade, possuir inúmeros e infinitos atributos, só conhecemos dois, a saber: pensamento e extensão. Destes dois atributos temos um conhecimento claro e distinto, como já havia observado René Descartes. Por sua vez, os infinitos atributos se expressam cada qual por meio de infinitos modos.

Cabe entender a divisão entre natura naturante e naturada. Por natura naturante temos de entender a substância e seus atributos, ou seja, Deus. Por natura naturada entendemos todos os modos. A diferença básica e significativa é ser uma Deus, e a outra “em Deus”.

Na parte 2, Spinoza explica o que entende por ideia adequada e inadequada, sendo a primeira verdadeira e a segunda falsa. Entende que uma ideia adequada não só é verdadeira, mas também clara e distinta. O erro ou idéia inadequada provém de não conhecermos toda cadeia causal existente, se origina, portanto, da incompletude de nosso conhecimento.

São três os graus de conhecimento em Spinoza, de acordo com a “Ética”, a saber: pelos sentidos externos, pela razão e pela ciência intuitiva. Ao primeiro iremos chamar de “imaginação”, trata-se do conhecimento confuso adquirido pela percepção, pela associação, por ter ouvido de outros, ou algo semelhante a estes já listados. Ao segundo iremos chamar de “razão”, trata-se do conhecimento das leis ditadas pela razão, das leis universais, das leis da natureza. Ao terceiro iremos chamar de “intuitivo”, trata-se de conhecer a essência das coisas por meio da cadeia causal que as compõe, é o grau mais elevado de conhecimento e nos aproxima do Deus imanente, da beatitude e da eternidade. Muitos poucos alcançarão este último nível de conhecimento e a grande maioria das massas populacionais não passará do primeiro nível e estará sujeita aos conflitos, discórdia, fanatismos e violência.

Na parte 3, trata das emoções, as quais não devem ser entendidas como boas ou más e sim como parte necessária e legítima do ser humano. É nesta parte que irá abordar o conceito de conatus, esforço de auto-preservação.

Um conceito muito importante na filosofia de Spinoza é o de conatus, cujo sentido neste sistema é de vontade quando se trata do espírito / alma / mente e como apetite quando além da mente, também se refere ao corpo, mas tanto em um caso como noutro, conatus faz referência ao esforço como determinação ontológica geral. Trata-se de um impulso, esforço, força em direção a manter seu ser, é a essência atual do ente. É perseverar na manutenção da existência, proporcionando alegria, um aumento da potência para agir e pensar, se opondo a tudo que possa lhe trazer tristeza, uma diminuição da potência para agir e pensar. Esta busca do que nos apetece, do que desejamos, simultaneamente com a evitação do que não queremos, chama conatus.

Na parte 4, trata da escravidão do ser humano aos seus afetos, suas emoções e desejos. É aqui que a moral de Spinoza é discutida dentro do arcabouço de sua filosofia e que noções de bem e mal ganham uma definição mais formal e se vinculam ao útil e desejado por um lado, o bom, e por outro a aquilo outro que nos impede de ter o que queremos, o mal.

Uma definição para o que seja o bem e o mal é dada de modo que o bem é entendido como sendo tudo aquilo que possa mover o indivíduo em direção a sua conservação e perfeição e mal aquilo que o afasta desta meta. O bem também pode ser visto na condição de meio pelo qual se possa conseguir o que se deseja e por sua vez, o mal será visto como qualquer impedimento a este intento. Por tal modo, uma moral baseada na razão não irá propor coisa alguma que se oponha a natureza, pelo contrário, irá, sim, ordenar que cada qual se ame a si mesmo, buscando sua utilidade e perfeição, sempre buscando a conservação do próprio ser. Não podemos, portanto, falar de bem e mal de um modo absoluto, pois algo só será bom ou mal de acordo com a forma como nos afetam. Em verdade, não buscamos as coisas porque as mesmas são boas e as evitamos pelas mesmas serem más, o que ocorre é que chamamos de boas as coisas que queremos e de más as que não queremos. A diferença encontra-se no tocante ao que nos apetece e, portanto, buscamos ter, e aquilo que nos traz aversão e, portanto, evitamos.

Mesmo de posse do conhecimento do que verdadeiramente nos seja útil podemos motivados pela paixão, pelos afetos, a fazer algo contrário, pois, não é o conhecimento que nos move em direção contrária a um afeto e sim somente outro afeto mais forte. Um afeto não pode ser eliminado ou interrompido a não ser por outro contrário e mais poderoso.

O bom é sinônimo de algo útil e Spinoza cita viver em sociedade, a união entre as pessoas e viver pela razão como coisa boas.

Na parte 5, elabora uma discussão sobre a mente humana e sua possível liberdade diante dos afetos, mostrando o que separa de fato o ignorante do sábio. Diante de uma paixão ou afeto, o maior conhecimento sobre o mesmo tende a minimizar seus possíveis efeitos nocivos sobre nós. Quando possuímos o conhecimento adequado de algo aumentamos nossa capacidade de sermos ativos, ganhando vantagem no confronto com os afetos ruins. O conhecimento adequado é acompanhado do aumento da capacidade de ser ativo e da alegria resultante. O conhecimento adequado nos faz participar da essência de Deus, gerando um sentimento positivo e alegria que nos ajuda a lidar com as paixões. Encontramos nossa máxima felicidade e beatitude em um encontro intelectual com Deus ao compartilhar de ideias verdadeiras e independentes do tempo que demonstram que a mente humana possui um aspecto eterno que nos aproxima de Deus.

Diferentemente de outros filósofos de seu tempo, Spinoza não começa seu sistema filosófico pela noção / conceito de “eu” ou pelas “coisas” que observamos e sim pela definição de Deus, cuja essência é a própria existência, um ser absolutamente infinito por sua vez constituído por uma infinidade de atributos e cada um destes atributos, por sua vez, exprime uma essência eterna e infinita.

Segundo a filosofia de Spinoza, só existe uma única substância que tudo abarca, esta substância pode ser chamada de natureza ou de Deus, mas chame-a como queira, ela é causa de si mesmo e a única realidade existente. Trata-se da realidade mesma, ou seja, aquela na qual sua essência envolve sua existência, ou dito de outra forma, algo que não pode ser concebido sem existência. Spinoza não é panteísta ou ateísta, ele não vê deuses em tudo ou nega a deus, ele afirma que a existência é Deus, pois tudo que existe faz parte do corpo de Deus. A realidade existente, esta substância, é infinita, logo, Deus é infinito e contem em si infinitos atributos e cada atributo infinitos modos. Independente de afirmar a realidade existente, ou a natureza, ou Deus, cabe afirmar também ser a mesma infinita e perfeita. Deus na filosofia de Spinoza não é um ser transcendente e, portanto, separado da criação, pois, em Spinoza não temos a figura de um Deus criador judaico-cristão. O Deus de Spinoza é imanente, daí a frase na qual afirma que Deus é a natureza.

A tradição não se entendeu quanto a religiosidade e concepção de Deus em Spinoza, há os que defenderam ser o mesmo ateu e os que defenderam ser o mesmo panteísta, em verdade, ambas as colocações estão eminentemente erradas e surgem de uma visão embaçada por preconceito oriundo de uma cultura judaico-cristã que propõe uma dada visão e conceito do que possa ser Deus e claro está que a concepção de Spinoza nega esta visão e este conceito judaico-cristão. O deus de Spinoza não é criador, não é pessoal, não lhe é permitido fazer milagres pois sua liberdade consiste em ser de acordo com sua natureza. Spinoza combate a ideia de um Deus baseada em um antropomorfismo, nega a existência de um deus transcendente e corpóreo distinto da realidade criada, pois para ele só há uma única substância e esta é Deus. Para Spinoza esta concepção de um Deus criador, pessoal e que atenda por meio de milagres a pedidos lhe feitos é a concepção do vulgo, da ignorância, da superstição.

Todo sistema de Spinoza é pautado pela necessidade e determinismo, mas sem negar a liberdade, pois, segundo este filósofo a liberdade consiste em ser o que se é e não outra coisa qualquer. Ser livre é agir unicamente de acordo com as leis de sua própria natureza e não ser determinado por qualquer outro ser, por tal entendimento e dentro da concepção filosófica de Spinoza, somente Deus é completamente livre. O poder de Deus é infinito e sua existência consiste em sua própria essência.

O problema de como o corpo se relaciona com a alma ou com os outros corpos é resolvido facilmente em Spinoza na medida em que não existem duas ou mais substâncias e sim uma só substância. Corpo e mente não são duas substâncias distintas e sim atributos de uma única substância.

No nível político e social a filosofia de Spinoza se propõe a defender enfaticamente a tolerância, seja esta política com relação as ideias dos diversos grupos sociais ou mesmo religiosa, também defende a livre interpretação e crítica aos livros sagrados da Bíblia.

A liberdade segundo o pensamento de Spinoza consiste em ser fiel a sua própria natureza e não ser constrangido por outros seres e deste modo Deus é o ser livre por excelência, mas nós humanos também podemos dispor de liberdade quando escolhemos entre dois bens o maior e entre dois males o menor, seguimos as leis e adotamos uma atitude voltada para a vida e não a morte. Spinoza não reconhece o livre arbítrio ou a vontade livre de escolha, seja para Deus ou para o ser humano. Acreditar que fazemos o que bem entendemos por livre escolha e que bem poderíamos escolher outra coisa deveras diferente é desconhecer a sequência causal que levou aquela escolha. Nossa vida é determinada por leis, mas isto é diferente de um fatalismo que envolva o destino, a predestinação e o finalismo. Portanto, determinismo sim, fatalismo não.

 Silvério da Costa Oliveira.

 

Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.

1- Site: www.doutorsilverio.com

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quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Malebranche (1) * A busca da verdade, o ocasionalismo e Racionalismo em Nicolas Malebranche

 

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Nicolas Malebranche (1638-1715) é um importante filósofo dentro do movimento conhecido por Racionalismo e dele são as ideias da "alma caminhante", "da visão em Deus" e do "ocasionalismo". Segundo este pensador, toda causa está em Deus, pois, causar é criar e quem tem o poder de criar é Deus. Hoje, com a preocupação de se preparar para vestibulares e para o enem, onde a filosofia vem ganhando aos poucos um lugar de destaque, torna-se interessante a todos conhecer um pouco mais sobre os filósofos do século XVII que vieram a compor o Racionalismo, a começar por René Descartes e como seus contemporâneos entenderam e desenvolveram com nuances próprias as suas ideias, como no caso de Malebranche. Seu principal livro é "De la recherche de la verité" ou "A busca da verdade", onde expõe sua filosofia e teoria, suas principais ideias filosóficas e neste vídeo iremos explicar como tal filosofia se desenvolve. O pensamento, as frases, a teoria e a biografia destes grandes filósofos é deveras importante para todo estudante sincero de filosofia que queira também entender melhor o nosso próprio tempo. No caso de Malebranche, devemos lembrar que trata-se de um filósofo cristão. Esta vídeo aula de filosofia sobre Malebranche se encaixa em um verdadeiro curso de filosofia onde abordamos diversos filósofos dentro de separação por playlists e com material de apoio disponível nos blogs (textos / artigos).
 
Em meus blogs "Ser Escritor" e "Comportamento Crítico" você encontrará um artigo / texto de minha autoria que resume as ideias deste vídeo, apresentando o tema em toda a sua complexidade. Leia: "Racionalismo e ocasionalismo em Nicolas Malebranche: Toda causa está em Deus".
 
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sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Racionalismo e ocasionalismo em Nicolas Malebranche: Toda causa está em Deus

 Por: Silvério da Costa Oliveira.

 Nicolas Malebranche (Paris; 1638-1715) tem como principais obras, dentre outras, a “De la recherche de la vérité” (esta obra, “A busca da verdade”, pode com certeza ser considerada sua mais importante e significativa obra filosófica; inicialmente em 3 volumes), 1674 e 1675, “Conversations métaphysiques et chrétiennes”, 1677, “Traité de la nature et de la grâce”, 1680, “Traité de morale”, 1684, “Méditations métaphysiques et chrétiennes”, 1684, “Entretiens sur la métaphysique et sur la religion”, 1688, “Traté de l’amour de Dieu”, 1697, “Entretiens d’um philosophe Chrétien et d’um phylosophe chinois sur la nature de Dieu”, 1708, “Réflexions sur la prémonition physique”, 1715.

 


Apesar de filósofo, Malebranche não deixa de ser não somente cristão, mas defensor da fé cristã, onde este enxerga a verdade e vê o erro na forma como escolas filosóficas anteriores e também concepções ateístas foram desenvolvidas e acompanharam, por vezes, a doutrina religiosa, portanto, Malebranche se propõe a ser um filósofo cristão.

Malebranche é discípulo de Descartes e apresenta algumas soluções onde em Descartes poderíamos ver dificuldades, como é o caso do dualismo cartesiano, o qual, levado às últimas consequências irá gerar dúvidas e aporias com relação à causalidade que observamos na natureza. Percebendo estas dificuldades, Malebranche se põe como uma ponte entre de um lado Descartes e de outro Kant com a ideia do fenômeno.

Para Malebranche a causa não pode estar nos objetos da natureza e sim em somente Deus, pois Deus é a razão e como tal a causa de tudo que percebemos ocorrer ao nosso redor, seja o movimento dos corpos ou mesmo dor provocada no nosso corpo ou qualquer movimento que façamos. De fato, antecipa também a Hume de certa forma, pois, bem percebe a dificuldade originada de destinar a causa unicamente as relações existentes entre os corpos físicos e a transfere para outro lugar, outra esfera, no caso de Malebranche, este encontrará a causa para tudo, passo a passo, em Deus. Também não será possível demonstrar racionalmente a existência do mundo ao nosso redor, mas fácil seria conhecer sua essência do que sua existência, esta última obtemos somente pela fé em Deus, o que o aproxima e prenuncia ao idealismo de Berkeley.

Segundo Malebranche, as ideias são seres reais, eternos, necessários, imutáveis e infinitos, se encontrando em Deus. Em Deus se encontra originariamente todas as ideias perfeitas. Vemos aqui uma forte influência de leituras e estudos da obra de Santo Agostinho.

A partir da problemática levantada pelo dualismo proposto por Descartes entre a coisa extensa e a coisa pensante, o corpo e a mente, podemos solucionar por duas vertentes possíveis como se dá a relação entre ambas, uma vez que uma não influi sobre a outra. Em alguns autores, dentre os quais Leibniz podemos pensar em acontecimentos simultâneos, como se fossem dois relógios distintos marcando a mesma hora. Trata-se de uma solução que propõe um paralelismo perfeito que teria sido criado por Deus. Uma segunda alternativa possível é de uma intervenção direta de Deus em cada momento e a todo instante, trata-se aqui do ocasionalismo de Malebranche, onde o corpo não influi na alma e nem esta naquele, mas sim Deus está sempre fazendo com que a alma sinta de acordo com o que ocorra com o corpo e que o corpo demonstre em si o que se passa na alma, e deste modo teríamos o movimento, mas também a dor, o prazer, as sensações, e tudo o mais que possa se passar ora no corpo, ora na alma. De um lado alma ou pensamento e de outro corpo ou extensão em um dualismo radical e incomunicável, torna necessária uma solução que contemple a interação entre os dois, seja por um paralelismo perfeito ou por meio do ocasionalismo.

Que fique claro que o Deus proposto racionalmente por Malebranche tem características próprias e bem definidas, tais como amar a ordem e sempre atuar a partir dos meios mais simples, deste modo, todo o seu agir se dá por meio de decretos imutáveis e leis universais, atuando sempre em termos gerais e não em casos particulares. Vemos aqui que há uma aproximação muito forte de uma leitura de Spinoza. Esta crítica a relação causa efeito nos corpos materiais e a afirmação de que Deus age por meios mais simples e de modo ordenado, nos faz pensar em leis da natureza no lugar de causalidade e nos aproxima do pensamento de Augusto Comte com o Positivismo.

Segundo o pensamento de Malebranche, deve-se se dar primazia aos escritos sagrados e a revelação dos dogmas contidos na Bíblia perante a filosofia e que nós, seres humanos, não possuímos uma luz própria racional independente de Deus, pois é nele onde se encontra as idéias que nos permitem entender o mundo ao nosso redor. Quando pensamos em “alma ou mente” e sua relação com o corpo humano, segundo o entendimento de Malebranche, ignoramos que se esta relação se dá de modo forte é por causa do pecado original, pois, antes do mesmo a relação da alma se dava diretamente com Deus e não com o corpo, sendo esta a fonte dos mais diversos erros.

Os seres particulares não são causa de coisa alguma, pois causar é criar e só Deus pode criar. Malebranche se propõe a analisar as causas dos erros na percepção da alma, se se dariam por três modos: sentidos, imaginação e sentimento. Toda percepção e conhecimento da alma se origina, portanto, dos sentidos, da imaginação e do sentimento. Neste ínterim entra a teoria das causas ocasionais, onde passamos a ter a intervenção constante de Deus a cada ação ou interação, sendo Deus a razão e também a única causa possível, pois causar é criar e só há um Deus criador. Em virtude do pecado original, nos afastamos da relação mais íntima que tínhamos anteriormente com Deus e se ampliou a relação de nossa alma com o corpo, sendo daí originados os diversos erros de percepção oriundos de nossos sentidos, de nossa imaginação e dos sentimentos.

A principal conclusão que chega Malebranche a partir do dualismo entre res extensa e res cogitans apresentado por Descartes é que a solução proposta por este de uma ligação e atuação entre ambas a partir da glândula pineal é equivocada, pois, segundo o desenvolvimento do pensamento de Malebranche, não seria possível qualquer influência entre a coisa extensa e a coisa pensante, entre o corpo e a mente ou alma. Se não há qualquer possibilidade de interação entre estas duas substâncias, cabe a Deus ser a causa eficiente sempre presente quando qualquer possível interação entre estas duas substâncias vier a ocorrer. Deus é a única causa. Não há causa entre corpo e mente. A mente não atua sobre o corpo e este não atua sobre a mente.

A tese da visão em Deus, de Malebranche, se baseia em dois pontos, sendo o primeiro o de que as ideias possuem um caráter necessário e indispensável na percepção dos objetos, e o segundo, que as ideias são entidades em Deus, logo, toda percepção de objetos materiais é percepção em Deus, daí, a visão em Deus. As ideias são necessárias e entidades na mente divina. A doutrina da visão em Deus exprime bem a dependência da percepção sensorial e cognitiva do ser humano perante Deus.

Outro argumento de Malebranche é o da impossibilidade da alma sair do corpo para travar algum contato com coisas do mundo exterior e deste modo conhece-las, como poderia se dar o conhecimento do sol pela visão, por exemplo, e este argumento é chamado de “alma caminhante”, pois, implicaria na caminhada da alma pelo mundo para poder conhece-lo. Em verdade, para Malebranche os corpos e nossa alma ou mente são passivos diante de modificações, movimento e conhecimento, ficando a atividade e as causas unicamente destinadas a Deus.

Apesar de não ser esta sua intenção, sua abordagem o aproximará da idéia de Deus formulada por Spinoza e do conceito de um Deus vinculado à natureza, como sendo a própria natureza, presente aos filósofos naturalistas do século XVIII. Malebranche fez escola como representante de um determinado tipo de filosofia, trazendo em si um raciocínio elaborado a partir da obra de Descartes e também de Santo Agostinho, mantendo uma razão lúcida conjuntamente com a fé cristã e provavelmente uma presença sentida, mas não assumida, de Spinoza, de modo que seu pensamento esteve presente no século dos filósofos, o século XVIII, e foi responsável por iniciar argumentações novas e críticas por parte de filósofos que precisavam de um sólido conjunto de ideias e reflexões filosóficas para suprirem a ausência de sistemas filosóficos então presente ao seu século. Tal foi o caso, por exemplo, de Montesquieu com a lei natural, Voltaire com o argumento teológico e Rousseau com o Adão primitivo, são alguns momentos onde podemos observar a inspiração e influência de Malebranche nos filósofos posteriores.

Algumas dificuldades podem ser suscitadas a partir dos argumentos desenvolvidos por Malebranche, abrindo espaço para estranheza e críticas diversas. A tese defendida por Malebranche do ocasionalismo pode comprometer a nossa liberdade humana e como tal foi alvo de críticas já por seus contemporâneos, no entanto, Malebranche defende a liberdade humana e que este pode pecar e fazer o mal, pois, mesmo Deus lhe proporcionando as ações adequadas a uma dada situação, cabe a pessoa o consentimento e é por esta idéia de consentimento que vemos surgir um princípio ou início do que podemos chamar de consciência e a real liberdade humana. Quanto à certeza de nossa existência, nós a temos por meio de um sentimento interior, o que faz com que seja mais fácil entender nossa existência do que nossa essência, já com relação as demais pessoas / mentes, nós podemos intuir sua existência e com relação ao mundo exterior, cabe confiar na Bíblia que afirma sua existência, trata-se, portanto, de um ato de fé. Portanto, no tocante a nós mesmos, conhecemos imediatamente nossa existência por meio de um sentimento interior, mas temos dificuldades com conhecer nossa real essência, já com relação ao mundo exterior, conhecemos inicialmente sua essência, mas não sua existência, pois esta só nos é dada e confirmada pela fé em Deus e na Bíblia que afirma a sua existência.

Como explicamos acima, três noções e argumentos são importantes para entendermos parte do pensamento de Malebranche: o ocasionalismo, a visão em Deus e a alma caminhante. Hoje, Malebranche pode estar um pouco eclipsado por outros filósofos e teorias mais ao gosto da época em que vivemos, mas no decorrer dos séculos XVII e XVIII ele exerceu grande influência e foi muito lido pelos mais distintos pensadores e se podemos constatar nele fortes influências de santo Agostinho, Descartes e Spinoza, podemos também constatar que Malebranche veio a influenciar diretamente a obra de Leibniz, Berkeley, Hume e Kant. Deste modo, mesmo que a linguagem filosófica esteja imbuída de noções e conceitos religiosos, temos antes de tudo uma filosofia consistente onde Deus tem um papel com certeza importante, mas que não deve fazer com que percamos de vista os problemas por tal filosofia elaborados e as dificuldades que irão culminar em desenvolvimentos posteriores por outros filósofos. Malebranche metaforicamente dentro da história da filosofia atua como uma ponte que não somente aponta o caminho a ser cruzado, como também apresenta os sutis recursos que permitem a travessia.

 Silvério da Costa Oliveira.

 

Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.

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