Professor Doutor Silvério

Blog: "Comportamento Crítico"

Professor Doutor Silvério

Silvério da Costa Oliveira é Doutor em Psicologia Social - PhD, Psicólogo, Filósofo e Escritor.

(Doutorado em Psicologia Social; Mestrado em Psicologia; Psicólogo, Bacharel em Psicologia, Bacharel em Filosofia; Licenciatura Plena em Psicologia; Licenciatura Plena em Filosofia)

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5- Blog 4 “O grande segredo: A história não contada do Brasil”

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domingo, 29 de novembro de 2020

Baruch Spinoza: A liberdade de Deus e de todos os homens e mulheres

Por: Silvério da Oliveira.

 Baruch Spinoza (1632-1677) nasceu e morreu na Holanda, Países Baixos. Em Amsterdã se dá seu nascimento e em Haia seu falecimento. Data também importante a ser lembrada, em 1658, é excomungado da comunidade judia em Amsterdã. Para viver e se sustentar trabalhou durante sua vida como polidor de lentes, vindo a morrer jovem, talvez em decorrência de seu ofício, que lhe proporcionava respirar constantemente o pó das lentes polidas, morre aos 44 anos de idade. Dentre seus principais livros podemos citar a “Ética”, o “Tratado teológico político”, e o “Tratado político”.

Na “Ética” temos um livro dividido em cinco partes cuja proposta é ir de uma teoria metafísica sobre a existência do universo até as condições de nossa liberdade e do melhor comportamento pessoal e social que podemos adotar. As cinco partes da “Ética” são tematicamente assim divididas: 1- sobre Deus ou a substância, 2- sobre a alma ou mente, 3- sobre nossos afetos ou emoções, 4- sobre a escravidão aos afetos, 5- sobre a liberdade.

A obra está estruturada de modo a cada parte tratar de um ponto de crucial importância na filosofia e no desenvolvimento do pensamento filosófico de Spinoza até chegar as questões vinculadas ao título do livro, como é o caso se analisamos cada parte como sendo 1- ontologia ou estudo do ser, 2- gnoseologia ou teoria do conhecimento ou epistemologia, 3- afetos ou emotividade ou emoções ou paixões, 4- moral e valores, e 5- liberdade e beatitude.


Na parte 1 da “Ética” desenvolve seu pensamento sobre haver somente uma única substância e esta ser Deus. Defende sua unicidade, a necessidade de sua existência, que sua existência e agir ocorre unicamente pela necessidade de sua natureza, donde teremos não um fatalismo inexorável e sim um completo determinismo. Também critica a ideia de livre arbítrio, pois, não seria possível a Deus fazer o que bem entendesse a seu bel-prazer e sim cumprir sua própria natureza, de onde proveria sua liberdade, ou seja, de agir segundo sua natureza sem ser coagido a agir de qualquer outro modo por qualquer outro ser. Há somente uma única substância que pode ser chamada de Deus ou de natureza e dela conhecemos somente dois atributos, o pensamento e a extensão, mas existem inúmeros, do mesmo modo que cada atributo terá inúmeros modos pelos quais se apresentam a conhecer. Spinoza afirma que a substância é causa de si, ou seja, que sua essência implica em sua existência, o que é uma variação do anterior argumento ontológico proposto por Santo Ancelmo.

Pensemos na substância e no seu atributo pensamento, este se mostra pelos modos intelecto e vontade, dentre muitos outros, agora, pensemos no atributo extensão, este se mostra pelos modos presentes nas leis do movimento e do repouso, dentre muitos outros.

Apesar desta substância que podemos também chamar de Deus, natureza ou realidade, possuir inúmeros e infinitos atributos, só conhecemos dois, a saber: pensamento e extensão. Destes dois atributos temos um conhecimento claro e distinto, como já havia observado René Descartes. Por sua vez, os infinitos atributos se expressam cada qual por meio de infinitos modos.

Cabe entender a divisão entre natura naturante e naturada. Por natura naturante temos de entender a substância e seus atributos, ou seja, Deus. Por natura naturada entendemos todos os modos. A diferença básica e significativa é ser uma Deus, e a outra “em Deus”.

Na parte 2, Spinoza explica o que entende por ideia adequada e inadequada, sendo a primeira verdadeira e a segunda falsa. Entende que uma ideia adequada não só é verdadeira, mas também clara e distinta. O erro ou idéia inadequada provém de não conhecermos toda cadeia causal existente, se origina, portanto, da incompletude de nosso conhecimento.

São três os graus de conhecimento em Spinoza, de acordo com a “Ética”, a saber: pelos sentidos externos, pela razão e pela ciência intuitiva. Ao primeiro iremos chamar de “imaginação”, trata-se do conhecimento confuso adquirido pela percepção, pela associação, por ter ouvido de outros, ou algo semelhante a estes já listados. Ao segundo iremos chamar de “razão”, trata-se do conhecimento das leis ditadas pela razão, das leis universais, das leis da natureza. Ao terceiro iremos chamar de “intuitivo”, trata-se de conhecer a essência das coisas por meio da cadeia causal que as compõe, é o grau mais elevado de conhecimento e nos aproxima do Deus imanente, da beatitude e da eternidade. Muitos poucos alcançarão este último nível de conhecimento e a grande maioria das massas populacionais não passará do primeiro nível e estará sujeita aos conflitos, discórdia, fanatismos e violência.

Na parte 3, trata das emoções, as quais não devem ser entendidas como boas ou más e sim como parte necessária e legítima do ser humano. É nesta parte que irá abordar o conceito de conatus, esforço de auto-preservação.

Um conceito muito importante na filosofia de Spinoza é o de conatus, cujo sentido neste sistema é de vontade quando se trata do espírito / alma / mente e como apetite quando além da mente, também se refere ao corpo, mas tanto em um caso como noutro, conatus faz referência ao esforço como determinação ontológica geral. Trata-se de um impulso, esforço, força em direção a manter seu ser, é a essência atual do ente. É perseverar na manutenção da existência, proporcionando alegria, um aumento da potência para agir e pensar, se opondo a tudo que possa lhe trazer tristeza, uma diminuição da potência para agir e pensar. Esta busca do que nos apetece, do que desejamos, simultaneamente com a evitação do que não queremos, chama conatus.

Na parte 4, trata da escravidão do ser humano aos seus afetos, suas emoções e desejos. É aqui que a moral de Spinoza é discutida dentro do arcabouço de sua filosofia e que noções de bem e mal ganham uma definição mais formal e se vinculam ao útil e desejado por um lado, o bom, e por outro a aquilo outro que nos impede de ter o que queremos, o mal.

Uma definição para o que seja o bem e o mal é dada de modo que o bem é entendido como sendo tudo aquilo que possa mover o indivíduo em direção a sua conservação e perfeição e mal aquilo que o afasta desta meta. O bem também pode ser visto na condição de meio pelo qual se possa conseguir o que se deseja e por sua vez, o mal será visto como qualquer impedimento a este intento. Por tal modo, uma moral baseada na razão não irá propor coisa alguma que se oponha a natureza, pelo contrário, irá, sim, ordenar que cada qual se ame a si mesmo, buscando sua utilidade e perfeição, sempre buscando a conservação do próprio ser. Não podemos, portanto, falar de bem e mal de um modo absoluto, pois algo só será bom ou mal de acordo com a forma como nos afetam. Em verdade, não buscamos as coisas porque as mesmas são boas e as evitamos pelas mesmas serem más, o que ocorre é que chamamos de boas as coisas que queremos e de más as que não queremos. A diferença encontra-se no tocante ao que nos apetece e, portanto, buscamos ter, e aquilo que nos traz aversão e, portanto, evitamos.

Mesmo de posse do conhecimento do que verdadeiramente nos seja útil podemos motivados pela paixão, pelos afetos, a fazer algo contrário, pois, não é o conhecimento que nos move em direção contrária a um afeto e sim somente outro afeto mais forte. Um afeto não pode ser eliminado ou interrompido a não ser por outro contrário e mais poderoso.

O bom é sinônimo de algo útil e Spinoza cita viver em sociedade, a união entre as pessoas e viver pela razão como coisa boas.

Na parte 5, elabora uma discussão sobre a mente humana e sua possível liberdade diante dos afetos, mostrando o que separa de fato o ignorante do sábio. Diante de uma paixão ou afeto, o maior conhecimento sobre o mesmo tende a minimizar seus possíveis efeitos nocivos sobre nós. Quando possuímos o conhecimento adequado de algo aumentamos nossa capacidade de sermos ativos, ganhando vantagem no confronto com os afetos ruins. O conhecimento adequado é acompanhado do aumento da capacidade de ser ativo e da alegria resultante. O conhecimento adequado nos faz participar da essência de Deus, gerando um sentimento positivo e alegria que nos ajuda a lidar com as paixões. Encontramos nossa máxima felicidade e beatitude em um encontro intelectual com Deus ao compartilhar de ideias verdadeiras e independentes do tempo que demonstram que a mente humana possui um aspecto eterno que nos aproxima de Deus.

Diferentemente de outros filósofos de seu tempo, Spinoza não começa seu sistema filosófico pela noção / conceito de “eu” ou pelas “coisas” que observamos e sim pela definição de Deus, cuja essência é a própria existência, um ser absolutamente infinito por sua vez constituído por uma infinidade de atributos e cada um destes atributos, por sua vez, exprime uma essência eterna e infinita.

Segundo a filosofia de Spinoza, só existe uma única substância que tudo abarca, esta substância pode ser chamada de natureza ou de Deus, mas chame-a como queira, ela é causa de si mesmo e a única realidade existente. Trata-se da realidade mesma, ou seja, aquela na qual sua essência envolve sua existência, ou dito de outra forma, algo que não pode ser concebido sem existência. Spinoza não é panteísta ou ateísta, ele não vê deuses em tudo ou nega a deus, ele afirma que a existência é Deus, pois tudo que existe faz parte do corpo de Deus. A realidade existente, esta substância, é infinita, logo, Deus é infinito e contem em si infinitos atributos e cada atributo infinitos modos. Independente de afirmar a realidade existente, ou a natureza, ou Deus, cabe afirmar também ser a mesma infinita e perfeita. Deus na filosofia de Spinoza não é um ser transcendente e, portanto, separado da criação, pois, em Spinoza não temos a figura de um Deus criador judaico-cristão. O Deus de Spinoza é imanente, daí a frase na qual afirma que Deus é a natureza.

A tradição não se entendeu quanto a religiosidade e concepção de Deus em Spinoza, há os que defenderam ser o mesmo ateu e os que defenderam ser o mesmo panteísta, em verdade, ambas as colocações estão eminentemente erradas e surgem de uma visão embaçada por preconceito oriundo de uma cultura judaico-cristã que propõe uma dada visão e conceito do que possa ser Deus e claro está que a concepção de Spinoza nega esta visão e este conceito judaico-cristão. O deus de Spinoza não é criador, não é pessoal, não lhe é permitido fazer milagres pois sua liberdade consiste em ser de acordo com sua natureza. Spinoza combate a ideia de um Deus baseada em um antropomorfismo, nega a existência de um deus transcendente e corpóreo distinto da realidade criada, pois para ele só há uma única substância e esta é Deus. Para Spinoza esta concepção de um Deus criador, pessoal e que atenda por meio de milagres a pedidos lhe feitos é a concepção do vulgo, da ignorância, da superstição.

Todo sistema de Spinoza é pautado pela necessidade e determinismo, mas sem negar a liberdade, pois, segundo este filósofo a liberdade consiste em ser o que se é e não outra coisa qualquer. Ser livre é agir unicamente de acordo com as leis de sua própria natureza e não ser determinado por qualquer outro ser, por tal entendimento e dentro da concepção filosófica de Spinoza, somente Deus é completamente livre. O poder de Deus é infinito e sua existência consiste em sua própria essência.

O problema de como o corpo se relaciona com a alma ou com os outros corpos é resolvido facilmente em Spinoza na medida em que não existem duas ou mais substâncias e sim uma só substância. Corpo e mente não são duas substâncias distintas e sim atributos de uma única substância.

No nível político e social a filosofia de Spinoza se propõe a defender enfaticamente a tolerância, seja esta política com relação as ideias dos diversos grupos sociais ou mesmo religiosa, também defende a livre interpretação e crítica aos livros sagrados da Bíblia.

A liberdade segundo o pensamento de Spinoza consiste em ser fiel a sua própria natureza e não ser constrangido por outros seres e deste modo Deus é o ser livre por excelência, mas nós humanos também podemos dispor de liberdade quando escolhemos entre dois bens o maior e entre dois males o menor, seguimos as leis e adotamos uma atitude voltada para a vida e não a morte. Spinoza não reconhece o livre arbítrio ou a vontade livre de escolha, seja para Deus ou para o ser humano. Acreditar que fazemos o que bem entendemos por livre escolha e que bem poderíamos escolher outra coisa deveras diferente é desconhecer a sequência causal que levou aquela escolha. Nossa vida é determinada por leis, mas isto é diferente de um fatalismo que envolva o destino, a predestinação e o finalismo. Portanto, determinismo sim, fatalismo não.

 Silvério da Costa Oliveira.

 

Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.

1- Site: www.doutorsilverio.com

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