Professor Doutor Silvério

Blog: "Comportamento Crítico"

Professor Doutor Silvério

Silvério da Costa Oliveira é Doutor em Psicologia Social - PhD, Psicólogo, Filósofo e Escritor.

(Doutorado em Psicologia Social; Mestrado em Psicologia; Psicólogo, Bacharel em Psicologia, Bacharel em Filosofia; Licenciatura Plena em Psicologia; Licenciatura Plena em Filosofia)

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sexta-feira, 7 de julho de 2023

Heresias cristãs

 

Por: Silvério da Costa Oliveira.

 

Heresias cristãs

 

Se formos buscar a origem e significado do termo “heresia” no grego (hairetikós) e no latim (haeretĭcus), teremos como resposta “opção” ou “escolha”. Uma vez estabelecido uma doutrina religiosa, no caso a religião cristã, teremos correntes de pensamento majoritário e minoritário entre seus integrantes e a cúpula do movimento, um pensamento ou doutrina diferente do aceito pelo grupo dominante será tido como herético. O fundador de uma nova heresia pode ser também chamado de heresiarca.

Dentro da Igreja Católica Apostólica Romana nos tempos atuais e tomando por base o Código de Direito Canônico, encontramos uma diferença entre heresia, apostasia e cisma. Temos que o termo “heregia” e “herege” deve ficar restrito a pessoas conscientemente batizadas que venham a negar um ou mais dogmas aceitos pela Igreja. Separa heregia de apostasia, apóstata, sendo este aquele cristão que venha a renegar totalmente a sua fé. E por último, também separa heregia de “cisma”, “cismático”, sendo que nesta modalidade o que temos é a recusa do cristão a submissão eclesiástica e diretamente ao próprio papa. Religiões de base não cristã, que não usem a Bíblia, não seriam heréticas. Ateus não batizados e que não confessavam anteriormente a fé cristã, também não são heréticos.


 

A rigor e a sua época histórica, muitos dos avanços científicos, filosóficos e literários, bem como os responsáveis por tais avanços, foram considerados heréticos perante a religião cristã. Como tal é o caso da substituição teórica do sistema geocêntrico pelo heliocêntrico, ou da obra e trabalhos de Galileu Galilei e Giordano Bruno, dentre muitos outros. A Reforma Protestante e seus diversos idealizadores e precursores (Wycliffe, Hus, Savonarola, Lutero, Müntzer, Zwingli, Calvino, etc.) também foram considerados formas de heresias a serem severamente combatidas pela Igreja Católica Apostólica Romana. Toda religião única ou conjunto de crenças pautado em uma verdade única, há de ter aqueles que sejam heréticos por fazerem escolhas distintas das ortodoxas. Neste tocante, as Igrejas protestantes também possuem os seus heréticos e qualquer movimento dentro de outro contexto cultural (filosófico, literário ou mesmo científico), se for pautado em crenças e em um único caminho, há de ter os seus heréticos, mesmo estando fora do contexto religioso.

No caso da Igreja cristã, desde seu surgimento houve um esforço para se tentar manter a unidade do movimento. Dentre os esforços para manter esta unidade, tivemos os Concílios, desde o primeiro, de Nicéia (325 d.C.), convocado pelo imperador Constantino I.

Em decorrência de haver a disputa em torno de uma verdade única, aqueles que perdiam tal contenda tendiam a ser perseguidos, humilhados, presos, e mesmo executados (decapitados, queimados em fogueiras, afogados, etc.). Fenômeno religioso este não presente na Antiguidade, onde o crime mais próximo seria o de impiedade para com os deuses, mas cada qual poderia expressar sua própria crença religiosa e não era obrigado a se converter a alguma crença em particular. Foi na Idade Média que a intolerância religiosa se fez presente de modo absoluto.

Algumas das principais heresias incluem:

1- Gnosticismo – século II d.C.

2- Ebionismo – século II d.C.

3- Docetismo – século II e III d.C.

4- Marcionismo – século II d.C.

5- Montanismo – século II ao VIII d.C.

6- Maniqueísmo – século III d.C.

7- Modalismo – século III d.C.

8- Arianismo – século IV e V d.C.

9- Donatismo – século IV a VII d.C.

10- Pelagismo – século V d.C.

11- Nestorianismo – século V ao VII d.C.

12- Iconoclastas – século VIII ao IX d.C.

13- Jansenistas – século XVII e XVIII d.C.

 

Gnosticismo – século II d.C.

O maior interesse, por parte dos estudiosos e público em geral, pelo gnosticismo, se dá a partir do século XIX e prossegue com o século XX, a par com descobertas de manuscritos que propiciam novos estudos e abordagens ao tema. Nosso conhecimento sobre o gnosticismo no decorrer da história foi muito escasso e suas fontes estavam vinculadas àqueles que o combateram enquanto heresia cristã, somente no ano de 1945 é que foram encontrados diversos manuscritos que explicavam em essência o gnosticismo a partir do ponto de vista de seus adeptos. Estes manuscritos se chamam “Biblioteca Copta Nag Hammadi”, por terem sido encontrados próximos a cidade de Nag Hammadi (região do Alto Egito). Trata-se de uma coleção contendo um total de treze códices em papiro, protegidos por couro, escritos em língua copta e encontrados por um camponês local chamado Mohammed Ali Samman, que encontrou uma jarra selada enterrada contendo os treze códices em papiro envolvidos por couro.

Além da descoberta de Nag Hammadi, em 1945, cabe lembrar a descoberta do Mar Morto, em 1947, onde um grupo de pastores de cabras (beduínos), buscando por um de seus animais, encontrou em cavernas (cavernas de Qumran, na Cisjordânia - cerca de 12 cavernas) alguns jarros de cerâmica contendo em seu interior rolos de papiro com manuscritos antigos, datando do século II d.C.

Ao pensarmos o Gnosticismo, temos que não há um fundador específico para este movimento religioso. O termo é aplicado a diversos movimentos de cunho religioso e sincretista, existem diversas seitas agrupadas com o nome de gnósticas (gnostikós). Se formos buscar uma definição no grego antigo, temos que “gnostíkós” significa "aquele que sabe" ou "que entende".

A Igreja desde cedo combateu o gnosticismo, que considerou uma heresia cristã, e neste tocante cabe destaque a obra de Irineu de Lion. No entanto cabe aqui destacar que a origem deste movimento é anterior ao cristianismo, trata-se de um discurso sobre o conhecimento do cosmos. Em verdade não existe um único gnosticismo, não existe uma única gnose, e sim uma multiplicidade de discursos que na sua pluralidade tentam por meio do conhecimento, entender o cosmos em sua amplitude.

Podemos falar não somente em um gnosticismo vinculado essencialmente ao cristianismo, mas também de um gnosticismo hebreu, islâmico, e também pagão, grego, babilônico e iraniano. Trata-se de um conjunto doutrinário que pode ser mais antigo que o cristianismo e que entende que a salvação não se dá por meio da fé e sim por meio do conhecimento.

Segundo esta abordagem, os humanos possuem almas divinas presas no mundo material, mundo este criado por um deus imperfeito, o demiurgo, identificado com o deus de Abraão. Temos uma rejeição do mundo material e do corpo humano e a prática do ascetismo, bem como, do aviltamento do corpo. Segundo esta doutrina, temos uma dualidade entre matéria ou mal, e espírito ou bem. Temos aqui uma heresia dualista provinda do judaísmo e provavelmente anterior ao cristianismo, com elementos orientais que nos remetem, dentre outros lugares, a Pérsia.

Dentro do arcabouço doutrinário do gnosticismo temos que a salvação provém de um conhecimento secreto (gnosis) dado somente a um pequeno número de pessoas. Nega a criação do mundo material como descrita na Bíblia, entendendo ser este mal, devendo o humano, para alcançar a salvação, se afastar e libertar do mundo material.

A gnose se apresenta como um conhecimento intuitivo sobre o espírito e a natureza que permitiria ao espírito poder se libertar da matéria. Para o gnosticismo em geral, o conhecimento dos segredos do cosmos era a meta a ser alcançada, não se trata de ser o conhecimento um meio para a salvação, mas sim a própria salvação. O conhecimento não é um meio e sim um fim, pois, trata-se da salvação com relação à ignorância e não com relação ao pecado, como entendem os cristãos. Há presente um realismo radical entre Deus e Cosmos, entre espírito e matéria, entre Bem e Mal. Temos presente uma mescla de elementos provenientes do cristianismo, que foram gradualmente absorvidos pelo movimento gnóstico, com elementos bem mais antigos, estes provindos da filosofia grega antiga, bem como, do neoplatonismo e de religiões orientais.

Essencialmente os gnósticos entendiam que o mal é a ignorância, o Bem é o conhecimento. Para se obter a salvação é importante o conhecimento (gnose) para poder se libertar da prisão da matéria. Esta ideia central de que o mal está associado a ignorância das pessoas diante do mundo e que o bem será gerado por meio do conhecimento, está presente não somente no gnosticismo nos começos do cristianismo, mas mesmo hoje em dia em diversas doutrinas e ideologias.

O corpo humano é matéria e toda matéria é má, já o espírito é bom. Por meio de um conhecimento secreto somente revelado a uns poucos iniciados dentro de uma hierarquia de conhecimento, estes mistérios são revelados e por meio deste conhecimento se obtém a salvação. Noções outras, presentes no cristianismo, encontram-se ausentes no gnosticismo, tais como: salvação por meio da morte e ressurreição de Jesus Cristo; o pecado e o pecado original de Adão, a existência de anjos e demônios. Mesmo o casamento é tido como mal, pois, significa reproduzir a matéria por meio do ato sexual, do nascimento e criação de filhos.

Segundo o entendimento que temos hoje sobre as diversas correntes religiosas abarcadas pela expressão “gnosticismo”, estas entenderiam que um deus imperfeito e inferior, as vezes chamados pelos estudiosos de “demiurgo”, numa referência a obra de Platão, teria construído todo este universo / cosmos, como uma cópia rudimentar do mundo divino e teria aprisionado o espírito na matéria de nossos corpos. O mundo material é algo mal e para se libertar do mesmo, somente pelo conhecimento secreto fornecido aos iniciados e mais avançados membros dos sistemas gnósticos. A meta seria libertar-se deste cárcere terreno por meio do conhecimento (gnose).

A posição vitoriosa da Igreja afirma que tudo que Deus fez e faz é bom, não sendo, portanto, a matéria má ou o nosso corpo mal.

 

Ebionismo – século I e II d.C.

O termo “Ebionismo” encontra sua origem no grego e hebraico, vindo a significar “pobres” (No hebraico a palavra “ebyon”). Os adeptos do Ebionismo assumiriam uma postura de simplicidade ante a vida, daí seu nome designando a pobreza no sentido de vida simples. Outros entendem que o nome surge a partir de seu fundador Ebion.

Tende a designar vários movimentos que surgiram a partir do segundo século d.C., de dentro do cristianismo, mas de origem judaica. Eram grupos de cristãos judeus que observam a lei de Moisés, podendo ou não exigir que os demais cristão fizessem o mesmo. Nega a divindade de Jesus. A origem do Ebionismo é judaica e seus adeptos acreditam ser Jesus um profeta humano, não possuindo uma natureza divina. Ou seja, Jesus Cristo não é Deus.

Há comentadores que defendem que os grupos Ebionitas não viam à Jesus como o Messias e sim como um profeta, de qualquer modo, parece que mesmo que aceitassem a Jesus como o Messias, o viam como um humano especial, rejeitando completamente um caráter divino para Cristo. Seria mais um profeta como os já descritos no Antigo Testamento. Jesus seria semelhante a Moisés. Negavam que Jesus preexistisse ou que nascesse de uma virgem. Jesus mesmo sendo o Messias, seria puramente humano. Entendiam que foi durante o batismo de Jesus feito por João que este se tornara o Messias, foi ali que ele foi ungido como tal e adotado como Filho de Deus. Jesus, afinal, seria um homem, judeu, muito fiel, piedoso e também um grande mestre.

Era costume entre os Ebionistas a prática da circuncisão, tal como ocorria entre os judeus, bem como a manutenção dos costumes e da lei judaica (Torá), tais como, guardar os sábados em respeito ao Senhor. Mantinham respeito e veneração pela cidade de Jerusalém. Entendiam que Paulo, o apóstolo, seria um apostada da lei judaica e, por tal motivo, o repudiavam. Há relatos que seriam vegetarianos e que acreditariam que Jesus e João Batista também seriam vegetarianos. Rejeitavam a prática de sacrifícios de animais. Pelo nome adotado, alguns comentadores entendem que estes grupos deveriam valorizar a pobreza voluntária e o compartilhamento de suas posses entre os membros do grupo.

A salvação se daria não somente pela fé em Cristo e sim pela observação e prática dos princípios estipulados nos costumes e lei judaica, deste modo, a salvação era uma conquista pessoal baseada na obediência a lei (Torá).

Para os Ebionitas as Escrituras Sagradas seriam o Antigo Testamento e um único evangelho novo, o evangelho dos Hebreus, ou, o evangelho segundo Mateus, menor que o que temos hoje como sendo o Evangelho de Mateus e com passagens modificadas.

 

Docetismo – século II e III d.C.

O termo “docetismo” tem sua origem no grego “dokein”, vindo a significar: “parecer”. Jesus teria vindo a este mundo somente com a aparência humana, sendo totalmente divino. Aqui temos uma doutrina que nega que haja verdadeira humanidade em Jesus Cristo. Negavam a humanidade de Cristo, mas afirmavam a divindade.

Segundo seus adeptos Jesus não teria um corpo real com carne, ossos e sangue. Seu corpo seria mera aparência, uma ilusão, e a crucificação também teria sido algo meramente aparente e não real. Jesus era um espírito com aparência humana.

Em suas origens o docetismo está também relacionado ao gnosticismo, pois, ao entender que Jesus seria somente espírito, sem matéria, deixa antever que a matéria física é algo ruim, ou seja, que haveria uma natureza intrinsecamente má presente na matéria, enquanto que o espírito seria intrinsecamente bom.

O docetismo se confronta com dogmas da Igreja Cristã ao negar que Jesus tenha um corpo físico, pois, deste modo, nega também que Jesus tenha de fato morrido e ressuscitado, tudo não passaria de uma ilusão, pois este não teria um corpo real. Jesus não morreu, também não sofreu na cruz, não ressuscitou dos mortos, logo, não há salvação com relação ao pecado original de Adão, a fé perde a serventia, e claro está, também não há ascensão de Cristo, pois, este não poderia fazer a ascensão já que não tinha um corpo real.

Esta heresia foi combatida por diversos padres apologistas e definitivamente condenada pelo concílio de Calcedônia, em 451. A doutrina vitoriosa entende que Jesus era a um só tempo Deus e homem, possuindo, portanto, uma natureza divina e outra humana.

 

Marcionismo – século II d.C.

Seu fundador foi Marcião (ou Márcion) de Sinope (85-160 d.C.). Natural de Sinope, no ponto, Ásia Menor, junto ao Mar Negro, hoje fazendo parte do território da Turquia. Foi filho de cristãos, sendo seu pai bispo de Sinope. Em 138 d.C. se dirige a Roma onde começa a angariar adeptos para suas ideias. Em 144 é excomungado e funda sua própria Igreja. O Marcionismo se expandiu por toda a bacia do Mediterrâneo.

Segundo esta doutrina, o Deus presente no Antigo Testamento é diferente do Deus presente no Novo Testamento. Rejeitava o Antigo Testamento, entendendo o mesmo como incompatível com a mensagem contida no Novo Testamento. Marcião se aproximava dos escritos do apóstolo Paulo, de quem muito gostava, e simultaneamente se afastava e renegava o povo judeu, se opondo a tudo que fosse originário do judaísmo.

Sofre influência do gnosticismo. Apresenta uma doutrina onde temos diversas oposições, tais como, entre a justiça e o amor, entre a lei e os evangelhos. Entendia haver uma contradição presente na existência de dois deuses, um vinculado ao Antigo Testamento, que seria o Deus da Lei, o Demiurgo, o Deus criador do mundo material. O outro Deus vinculado a Jesus Cristo, que seria um Deus do amor. O Deus presente no Antigo Testamento é um Deus vingativo, legalista e irado, já o Deus presente no Novo Testamento é um Deus de graça e amor.

Há uma visão semelhante à do Docetismo, ao crer que Jesus não estava presente fisicamente, em carne e osso e sim somente em aparência espiritual. Marción negava a humanidade de Jesus Cristo, ensinava que Jesus não possuía um corpo físico real, mas apenas parecia ser humano. Entendia que Jesus era uma manifestação divina pura que veio para salvar a humanidade da influência do Deus do Antigo Testamento.

A doutrina pregava a existência de dois deuses, um do Antigo Testamento, que era um deus vingativo e cruel, e outro do Novo Testamento, este um deus amoroso e misericordioso. Também cabe destacar que Marcião não somente rejeitava o Antigo Testamento, como também fazia uma seleção rigorosa no tocante ao que hoje entendemos como parte do Novo Testamento.

Na doutrina fundada por Marcião havia um rígido código disciplinar, no qual era exigida a abstinência sexual bem como a proibição do casamento, do consumo de álcool e de carne. Até na eucaristia vemos este rigoroso código disciplinar, ao substituir o vinho pela água. O Marcionismo atuou simplificando as cerimônias cristãs então praticadas à época, praticando uma moral rigorosa, incentivando jejuns e a preparação para o martírio. Também defendiam a fraternidade entre os adeptos do movimento.

A doutrina desenvolvida por Marcião tinha seu próprio cânon das Escrituras, conhecido como "Evangelho de Marción" e "Cânon de Marción". Consistia em uma versão editada do Evangelho de Lucas e dez epístolas do apóstolo Paulo. Todos os demais livros do Antigo Testamento e do Novo Testamento foram rejeitados, pois, não endossavam sua visão teológica.

 

Montanismo – século II ao VIII d.C.

Montanismo, fundado por Montano em torno de 156/157 ou segundo outros comentadores, 172 d.C., tem sua origem em Hierápolis, na região da Frígia, e se espalha rapidamente pelo então Império Romano. Se espalhou por várias comunidades cristãs na Ásia, Roma e norte da África, perdurando até o século VIII. Devido ao local de sua origem, também foi conhecida como “heresia Frígia”. Seus partidários o chamavam de “Nova Revelação” e “Nova Profecia”. Trata-se de um movimento que surge de dentro do cristianismo, tendo inicialmente sido aceito, e posteriormente rejeitado como heresia.

Entendem que as profecias dos líderes do movimento se sobrepõem às doutrinas tidas pelos apóstolos. Enquanto na sua época histórica tendia a predominar uma abordagem mais sóbria e equilibrada com relação a teologia cristã, os montanistas incentivavam as profecias durante um estado de êxtase místico. Enquanto a abordagem cristã que predominava tendia a afirmar que o pecador poderia retornar à Igreja e ser perdoado de seus pecados, entendia o montanismo que o cristão que pecava não poderia ser resgatado para a Igreja. Havia forte ênfase na castidade, a ponto de a preferirem ao casamento. A maior ênfase se dava na prevenção do pecado e na disciplina. Um grupo dentro dos montanistas (quatrodecimanos) entendiam que a Páscoa deveria ser celebrada pelo calendário hebraico.

Antes de se converter ao cristianismo, em 155 d.C., Montano atuava como sacerdote de um culto pagão (sacerdote de Apolo ou Cibele). Seu fundador, Montano, era rotineiramente acompanhado por duas mulheres profetizas (Priscila ou Prisca, e Maximila).

O Montanismo baseava sua doutrina nos evangelhos quando este nos fala da promessa de Jesus sobre a vinda do Espírito Santo, o Paráclito. Este espírito da verdade teria como missão guiar e ensinar aos cristãos, ampliando seu entendimento sobre as coisas. Montano e as duas mulheres que o acompanhavam atuavam como um instrumento do Espírito Santo, que falava por meio deles, quando estes se encontravam em estado de êxtase.

Montano e seus seguidores defendiam que era urgente o retorno dos cristãos ao antigo fervor presente na Igreja dos primeiros tempos, buscando uma renovação espiritual da Igreja diante do advento do retorno de Jesus Cristo, o segundo Advento ou Parusia (presença), para o julgamento final.

Entendiam que o Espírito Santo falava por meio destas mulheres, e mesmo por meio do próprio Montano. Além de afirmar ter o dom da profecia, Montano teria sido enviado por Jesus Cristo para começar uma nova era. Afirmavam que o fim do mundo estava próximo e que chegaria uma nova era cristã. Dentre suas profecias cabe destaque a do retorno de Jesus Cristo. Este retorno estava próximo e teríamos a nova Jerusalém, a qual se localizaria na Pepuza, Frigia. A antiga cidade de Jerusalém fora abandonada por Deus por causa da incredulidade que os judeus ali residentes demonstraram quanto a Jesus Cristo.

Pregavam a prática de um rigoroso ascetismo, o uso de véu por parte das mulheres durante as funções sagradas, a castidade mesmo durante o casamento, o jejum durante duas semanas por ano, e a evitação de certos alimentos, dentre os quais se inclui a carne. Segundo os adeptos desta corrente religiosa, não seria possível a absolvição de réus por pecados considerados graves, mesmo se submetendo a todos os sacramentos. Defendiam o martírio voluntário quando diante de perseguições religiosas, de modo que o esperado era que os membros do grupo não fugissem quando das perseguições, assumindo seu credo e se apresentando voluntariamente aos perseguidores.

 

Maniqueísmo – século III d.C.

Maniqueísmo (século III ao IV) é uma heresia cuja principal corrente doutrinária provém de Maniqueu (210/216 - 276 d.C.), que teve sua origem no Mandeísmo. Seu fundador, Mani ou Manes ou Maniqueu, defende um dualismo no qual temos duas entidades com mesmo status ontológico, uma associada ao Bem (o reino da luz) e outra ao Mal (o reino das sombras), entendendo que o bem e o mal são igualmente poderosos.

O Maniqueísmo foi fundado por volta de 230 d.C. e se espalhou pelo então Império Romano, chegando a Pérsia, Índia, China, Turquestão, Síria, Sibéria, Egito, Cartago e mesmo Roma. Buscava obter um sincretismo religioso e apresentava uma explicação para o mal no mundo, o qual passava a ser visto como um dos dois princípios base, que se apresentavam em constante luta. A criação do mundo, do humano, o comportamento moral a seguir, e tudo o mais, tem sua explicação por meio destes dois princípios.

Os adeptos do Maniqueísmo consideravam seu fundador, Mani, como sendo um profeta persa. Mani proporcionou a fusão de diversos elementos contidos no zoroastrismo, no hinduísmo, no budismo, no judaísmo e no cristianismo. Por tal motivo, entre seus seguidores, Mani foi colocado em igualdade diante dos fundadores destes movimentos religiosos, ou seja, Zoroastro, Buda, Jesus Cristo.

Mani acreditava ser portador de uma mensagem universal que deveria substituir todas as religiões existentes a sua época, em verdade, sua doutrina tem um aspecto ecumênico, integrando ideias presentes em outras religiões (zoroastrismo, budismo, cristianismo). No maniqueísmo temos presente um sincretismo religioso entre doutrinas orientais e o cristianismo. Temos a presença de elementos provenientes do gnosticismo, da cultura da Babilônia e também da Pérsia, então vigente no século III d.C..

O ponto principal desta corrente religiosa é a existência de duas divindades, uma do Bem e outra do Mal, as quais existem por si-mesmas e em igualdade. No Maniqueísmo temos presente um princípio do Bem e outro princípio do Mal, ambos poderosos. Entende esta doutrina que as coisas materiais são más, a matéria é má e o espírito é bom. Tanto o Bem, como também o Mal, possuem existência ontológica. A doutrina incentiva uma vida de castidade, renúncia à família, alimentação especial, e uma vida ascética em geral.

Numa versão recente e atualizada cuja inspiração se dá no maniqueísmo, temos uma saga, refiro-me a saga “Guerra nas estrelas”, obra de ficção contemporânea na qual temos os Jedi que buscam estar junto à força do Bem e os Sith que buscam o lado sombrio da força. Nesta obra é evidente a existência de dois princípios regendo todo o universo, um do Bem e outro do Mal, e que ambos estão em igualdade de forças.

Até o século XVIII os textos para se estudar o maniqueísmo provinham unicamente daqueles que tinham se oposto ao movimento, sendo Agostinho de Hipona uma grande fonte de estudo, pela quantidade de textos sobre o tema e por ter participado do movimento por cerca de nove anos, no entanto, no decorrer dos séculos XIX e XX uma quantidade grande e diversa de obras maniqueístas foi descoberta em algumas partes do mundo, propiciando maiores fontes de estudo sobre a temática e que os estudiosos, em grande parte, deixassem de entender o Maniqueísmo como uma heresia cristã, mudando seu entendimento para uma religião bem organizada e deste modo, para os estudiosos passamos a estar diante de um  fenômeno religioso autônomo.

 

Modalismo – século III d.C.

Também conhecido por “Sabelianismo”, ou “monoteísmo modalista”, ou patripassianismo, ou “unicismo”, ou “monarquianismo modal” (do grego monarchia - governo exercido por uma única pessoa), ou “noecianos”. Como consequência do “patripassianismo”, das palavras latinas patris (pai) e passus (para o sofrimento), temos que Deus Pai sofreu na cruz com (ou como) o Filho. Os termos “Pai”, “Filho” e “Espírito Santo”, são somente nomes/palavras diferentes para a mesma pessoa, modos ou formas diferentes de se apresentar, como máscaras usadas por um mesmo ator no palco para representar papéis / personagens diferentes. A unidade de Deus especificada no antigo Testamento é totalmente incompatível com uma distinção de Pessoas em uma Divindade Una.

O modalismo assumia um nome diferente de acordo com a região em que surgia e era defendido, bem como por suas particularidades doutrinárias naquela região ou em referência a uma consequência de sua doutrina (Patripassianismo) ou de um de seus mais destacados líderes (Sabelianismo). No decorrer de um período de cerca de mais ou menos cem anos, cresceu e se expandiu pelo Império, estando presente em Roma, Ásia Menor, Síria e Egito.

Deus é uma única pessoa que se manifesta de três maneiras diferentes (Pai, Filho e Espírito Santo), não existindo três pessoas divinas distintas. O termo “modalismo” vem de se entender haver três modos de apresentação para uma única pessoa.

Segundo a doutrina modalista, na Bíblia, Antigo e Novo Testamento, quando é atribuído um número a Deus, este é o “Um”, não havendo em lugar algum nestes escritos uma referência explícita a ser Deus uma trindade. Em verdade, o número “três”, numa referência a existirem três deuses (pai, filho e espírito santo), não é mencionado na Bíblia. Segundo a crença presente no modalismo, há apenas um Deus que aparece e opera em três modos. Não existe uma segunda ou terceira pessoa, seja o filho ou o espírito santo.

Os nomes são usados para se referir a uma única pessoa diante de ações distintas, por exemplo, quando da ação de criar e exercer controle sobre todo o Cosmos, o Universo inteiro, chamamos a Deus por “pai”. Já quando nos referimos a Deus realizando o auto de redimir os humanos, o chamamos de “filho”. E quando nos referimos a Deus na ação de santificar a Igreja, o chamamos de “Espírito Santo”. Cada nome tem como significado uma atividade ou função diferente realizada por uma mesma e única pessoa. O nome “filho” ou mesmo “espírito santo” (Paracleto) é somente uma designação para um tipo de função exercida por Deus. “Pai”, “Filho” e “Espírito Santo” poderia ser substituído pelo significado de suas funções e aí teríamos “Criação”, “Redenção” e “Glorificação".

A posição vitoriosa na Igreja afirma a existência da santíssima Trindade. A doutrina da Trindade foi elaborada no decorrer da história, em particular sendo expressa nos Concílios de Nicéia (325 d.C.) e Constantinopla (381 d.C.), nestes concílios foi afirmada a distinção entre as três pessoas divinas, Pai, Filho e Espírito Santo, bem como sua igualdade e coexistência eternas.

 

Arianismo – século IV e V d.C.

Arianismo, provém de Ário (250 – 336 d.C.)

O Arianismo foi fundado por Ário, sacerdote da igreja de Alexandria, no século IV. Acreditam na preexistência de Cristo, mas negam que Jesus Cristo e Deus Pai tenham a mesma substância (consubstancialidade), Jesus não é Deus Pai, é subordinado a este. Somente existe um único Deus e este é Deus Pai, sendo Jesus, seu filho e não o próprio Deus. Para o Arianismo só existe um único Deus. O Arianismo nega a divindade de Jesus e do Espírito Santo. Jesus Cristo pode ser entendido como superior aos humanos, mas não possui a mesma substância de Deus Pai.

O ponto de vista vitorioso foi o adotado pela teologia oriental, que faz uma sutil distinção e entende que Deus é uma única “ousia” em três “hipostasis”, ou como ficou definido no ocidente, uma única “substantia” em três “personae”. Dito de outro modo, uma única essência, ou substância, em três pessoas.

Já no ano de 318 d.C. o bispo Alexandre, de Alexandria, reúne um Sínodo com cerca de 100 bispos que discutem as ideias de Ário e seus seguidores, condenando-as. O arianismo foi condenado no Concílio ecumênico de Niceia, na Ásia Menor, convocado pelo imperador Constantino, em 325 d.C. e para o qual compareceram cerca de 300 bispos oriundos de todo o mundo cristão.

 

Donatismo – século IV a VII d.C.

Donatismo, fundado por Donato de casa Nigra (Donato de Casas Negras), bispo no norte da África, na Numídia e em Cartago. A data geralmente aceita para o início deste cisma é o ano de 306 d.C. (alguns entendem ser 311). Esta doutrina surge forte na África e ali permanece até a extinção do Cristianismo nessa região, pelos muçulmanos.

Em decorrência deste cisma a Igreja no norte da África rompe com a Igreja Católica com sede em Roma, alguns bispos da Numídia não reconhecem a legitimidade da consagração de Ceciliano, novo bispo de Cartago, estes religiosos afirmam que tanto ele quanto os que o ordenaram tinham traído a fé cristã durante a grande perseguição ocorrida no governo de Diocleciano. Estes bispos e seus seguidores afirmam representar a verdadeira Igreja dos mártires.

A explicação para o motivo que levou ao cisma é até bem simples, pois, baseia-se na não concordância com a consagração de Ceciliano como o novo bispo de Cartago, ocupando o lugar do bispo Mensúrio, que havia falecido. Entendiam os donatistas que aqueles que haviam consagrado Ceciliano, e também o próprio, eram todos traidores. Para os donatistas, aqueles que durante as perseguições haviam entregue os livros sagrados aos perseguidores para se salvarem de serem presos, torturados e mesmo mortos, eram todos traidores da verdadeira fé cristã e se reintegrados à Igreja, seus sacramentos não teriam valor algum. Quem fosse, por exemplo, por eles batizados, deveria ser re-batizado por um sacerdote digno, para que este sacramento tivesse valor.

Muito rigorosos, buscavam uma Igreja de santos, onde não haveria pecadores. Entendiam que os sacramentos administrados pelos cristãos que entregaram os livros sagrados para as autoridades romanas durante uma perseguição, visando manter suas vidas, não eram válidos. A Igreja Cristã não pode perdoar ou admitir em suas fileiras que haja pecadores. Aqueles que hoje são sacerdotes, mas que no passado, durante perseguições aos cristãos, negaram a sua fé e mesmo entregaram as autoridades os livros sagrados que estavam em sua posse não seriam mais capazes de realizar sacramentos e qualquer sacramento por estes feito seria inválido. Aqui há uma referência explícita por parte dos adeptos deste movimento as perseguições ocorridas entre 303 e 305 d.C., durante o governo de Diocleciano. Deste modo, ao renegar a fé e se afastar da Igreja, este sacerdote não poderia a ela retornar e voltar a ministrar sacramentos, se o fizesse estes não teriam valor algum. Se tornou comum dentro deste grupo o re-batismo de todos aqueles que tivessem sido batizados por quem fosse considerado não digno pelo grupo. O papa em Roma defendia, por outro lado, que a validade dos sacramentos não é subjetiva e vinculada a pessoa que os ministrou e sim objetiva, se seguem corretamente o rito são válidos, sendo, portanto, contrário ao re-batismo.

Donato defende que os sacerdotes devam demonstrar pela sua vida e comportamento um estado de pureza, não podendo realizar sacramentos na Igreja aqueles que não demonstrem um comportamento correto e exemplar, que tenham negado sua fé e sua verdadeira missão no passado. No século IV d.C. Agostinho de Hipona argumenta contra o movimento donatista, que persiste até o século VIII. Agostinho defende a validade dos sacramentos, se opondo a este movimento neste tocante.

A posição vitoriosa foi a de que a validade dos sacramentos está presente mesmo quando administrados por ministros pecadores, deste modo, enfatizando que a graça de Deus não está restrita à santidade pessoal dos clérigos. O donatismo foi condenado como heresia pela Igreja Católica Apostólica Romana pelo Concílio de Arles, no ano de 314 d.C., e posteriormente também por outros concílios.

 

Pelagianismo ou Pelagismo - (século V d.C.)

Pelagianismo (esta forma de escrever deriva do latim "Pelagianus", referente a Pelágio); Pelagismo (adaptação mais moderna e simplificada, que ganhou espaço principalmente a partir do século XX).

Pelágio da Bretanha (354 d.C. - 420 d.C. ou 440 d.C. - A Bretanha, em francês Bretagne, é localizada no oeste da França). Quanto ao local de origem do monge Pelágio, isto é motivo ainda hoje de debates entre os estudiosos. Há quem defenda que este provenha de uma região histórica no noroeste da França, a Bretanha, e estes grifam seu nome como Pelágio da Bretanha, outros há, no entanto, que defendem ter ele nascido na Grã-Bretanha (Inglaterra, Escócia e País de Gales) e neste caso grifam seu nome como Pelágio Britânico. Sua verdadeira origem é incerta, não nos sendo conhecido em inteireza dados reais sobre sua origem ou vida anterior a polêmica religiosa que o cerca. Não há como especificar corretamente e sem qualquer dúvida se este seria de fato originário da Bretanha francesa ou da Grã-Bretanha.

Pelagianismo, provém de Pelágio da Bretanha, seu fundador e nega o pecado original, a corrupção da natureza humana, o servo arbítrio, a necessidade da graça divina para a salvação. Pelágio visitou Roma e depois a África do norte, ao chegar em Roma se espantou com a corrupção e pecado das pessoas e ao buscar as causas para tal comportamento, chegou a conclusão que isto se devia as doutrinas de Agostinho de Hipo sobre o servo arbítrio, pois, se o humano dependia inteiramente da graça de Deus e se este já nascia um ser pecador por natureza, nada podendo fazer para se auto-impor padrões morais, se permitia pecar por entender não ser sua a responsabilidade por tal comportamento. Pelágio se opôs radicalmente contra os ensinamentos de Agostinho de Hipo, defendendo uma maior moralidade por parte do comportamento dos cristãos. Entendia Pelágio que cabia ao cristão manter uma luta constante pela sua salvação, com total empenho e esforço próprio para obter tal resultado.

Defendia que o pecado original de Adão afetara somente a este e não a toda a humanidade. O pecado de Adão não foi transmitido a humanidade. Adão pode ser entendido como um exemplo do que é o pecado. Quando nasce uma criança esta nasce livre do pecado original de Adão, sendo responsável somente pelos seus próprios pecados. O pecado não é algo que possa ser transmitido por herança e sim algo próprio a pessoa, algo que esta faz, algo que ela comete durante sua vida.

Segundo defende a doutrina proposta pelo pelagismo, cada humano ao nascer se apresenta na mesma condição de Adão antes de sua queda motivada pelo pecado da desobediência a Deus. Ao nascer cada humano é inocente da corrupção e da culpa do pecado. As pessoas pecam e o pecado é algo real, mas isto ocorre por escolha própria e influenciada pelos exemplos de outras pessoas. Na vida temos exemplos bons a seguir, como o de Jesus Cristo, e exemplos maus, como o de Adão.

Deus daria a habilidade aos humanos para que estes pudessem viver vidas perfeitas. Adão seria, sim, um mau exemplo para a humanidade, mas seus atos não teriam consequências sobre a mesma. Já Jesus atuaria como um bom exemplo para a humanidade, em oposição a Adão. A humanidade teria total controle sobre as suas ações. A graça divina não é necessária para a salvação, se bem possa facilitar a obediência a Deus. Em suma, temos aqui a crença de que o pecado original cometido por Adão e narrado no Antigo Testamento, livro “Gênesis”, não teria afetado o restante da humanidade, podendo cada pessoa individualmente escolher entre o bem e o mal sem a necessidade do auxílio divino. Entende que os humanos podem alcançar a salvação por meio de seus próprios esforços, sem a necessidade da graça divina. A responsabilidade pela própria salvação é deste humano, não dependendo da ação da graça Divina.

A morte não é o resultado do pecado, mesmo se Adão não tivesse um dia pecado, assim mesmo teria morrido. O pecado universal ocorre não por Adão ter colocado toda a sua posteridade em um estado de rebelião e culpa contra Deus, mas sim por ter dado um mau exemplo que foi seguido pelos seus descendentes, tendo estes também pecado. O pecado universal nada mais é do que fruto de um mau exemplo, de uma má educação e do prevalecimento de antigos hábitos vinculados ao pecar.

A concupiscência e a morte não são consequência do pecado original de Adão e sim algo intrínseco à natureza humana. Não há necessidade da graça de Deus para a salvação do humano, este o pode fazer por suas escolhas, por sua própria força. Também não é necessária a intervenção da Igreja para a salvação pessoal, pois, esta se dá diante da compreensão e cumprimento da lei e dos evangelhos. O pelagianismo defende o livre arbítrio e se mostra contrário ao servo arbítrio.

Mas a controvérsia se manteve presente dentro da Igreja e Pelágio e sua doutrina tiveram também seus defensores. O concílio de Dióspolis (ou Lydda), 415 d.C., absolveu Pelágio e sua doutrina de todas as acusações então lhe feitas de heresia, segundo este concílio, Pelágio e sua doutrina eram perfeitamente ortodoxos perante a fé cristã, sendo, portanto, portador da verdadeira fé católica. Este concílio teve quatorze bispos orientais presentes, que assim decidiram.

Pelágio da Bretanha participou de debates e controvérsias com Agostinho de Hipona no século V d.C. A doutrina vencedora foi a defendida por Agostinho, na qual o pecado cometido por Adão afetaria toda a humanidade, sendo uma herança que recebemos já ao nascer e somente pela graça de Deus podemos evitar o pecado e obter a salvação. Para escolher e seguir o caminho da salvação precisamos da graça de Deus.

A Igreja condenou o Pelagismo, como sendo uma heresia, nos Concílios de Cartago (418 d.C.), de Éfeso (431 d.C.) e de Orange II (529 d.C.).

 

Nestorianismo – século V ao VII d.C.

Esta doutrina foi formulada por Nestório, Patriarca de Constantinopla. Segundo esta doutrina, Jesus Cristo apresentaria duas naturezas distintas, uma divina e outra humana. Afirma que Maria seria mãe somente da parte humana de Jesus e não da parte divina.

Nestório criticou publicamente o título de “Teótoco” dado a Maria (virgem Maria). O termo “Teótoco” significa “portadora de Deus”, trata-se de um título grego usado em particular na Igreja Ortodoxa, já os Católicos e Anglicanos preferem o termo “mãe de Deus”.

Segundo este entendimento, Jesus teria duas naturezas. Quando da realização de qualquer ação também realizada por um humano, era a parte humana de Jesus que realizava esta ação. Já quando Jesus realizava atos de natureza Divina, era neste momento a parte divina de Jesus que atuava. Maria seria mãe somente do homem Jesus, de sua natureza humana e não divina, não sendo, portanto, “portadora de Deus” ou “mãe de Deus”.

A doutrina de Nestório foi condenada pelo Concílio de Éfeso, em 431 d.C., que foi convocado tendo esta questão em particular para ser por ele tratada, sendo também condenada no Concílio de Calcedônia, em 451.

 

Iconoclastas – século VIII ao IX d.C.

O termo “iconoclastia” surge na Igreja Bizantina (Império Bizantino ou Império Romano do Oriente) e tem na sua composição dois radicais provenientes da língua grega: “eikóne” (ícone) e “Klastein”. O primeiro faz referência a “imagem” e o segundo a quebrar ou romper, ao juntar ambos temos algo como “aquele que destrói ou rompe com as imagens”. Este Movimento surge no Império Bizantino em torno dos séculos VIII e IX d.C., vindo a se apresentar como um dos mais significativos conflitos político-religiosos envolvendo as imagens religiosas. Se mostram contrários a veneração, a contemplação e a adoração de qualquer imagem. Segundo o entendimento dos iconoclastas, as imagens de santos presentes nos templos religiosos seriam ídolos e sua veneração idolatria.

Dentre os fatores que podem ter levado ao combate às imagens, temos a influência de uma interpretação dada pelo judaísmo e também pela religião muçulmana, além do temor de desagradar aos árabes muçulmanos com o culto a imagens, pois, estes entendiam que as imagens deveriam ser rejeitadas por serem mudas e não respirarem. Então, temos o temor dos árabes e o temor de desagradar a Deus, podendo provocar a ira e castigo de ambos. O imperador Leão III, o Isáurio, iniciou por volta de 724 / 730 d.C. uma campanha contra as imagens, ordenando sua destruição, e contra seus fabricantes. Esta campanha teve a oposição de bispos ortodoxos e também do então papa Gregório II.

Pelo entendimento da Igreja Católica Apostólica Romana, válido até os dias atuais, as representações por meio de pinturas ou estátuas de personagens celebres da história da Igreja é válida. Se admite a veneração de imagens sacras pelo que elas representam (Jesus Cristo, Maria, um santo) e não por encarnarem a própria pessoa ali representada. Veneração é diferente de idolatria, sendo esta última considerada pecado.

 

Jansenista – século XVII e XVIII

Após o teólogo belga e bispo de Ypres, Cornelius Otto Jansen (Jansenius) ter escrito o livro “Augustinus” ocorreu um movimento teológico que buscava apresentar a teoria de Agostinho de Hipo a respeito da graça e do pecado. Este movimento também dá destaque a predestinação, e assume um posicionamento contra as teses tomistas do aristotelismo e do livre-arbítrio, bem como, contra a heresia pelagiana. Apresenta um caráter dogmático, moral, disciplinar e político.

Seu maior desenvolvimento ocorre na França e também na Bélgica. O movimento teve ampla difusão e se espalhou por várias regiões, chegando a ter a sua presença na França, Áustria, Itália, Espanha, e Países Baixos (Holanda).

O termo “jansenismo” foi cunhado pelos jesuítas, talvez buscando apontar uma identificação do mesmo com o “calvinismo”, de qualquer modo, os próprios não se consideravam “jansenistas” e sim somente “católicos”. Muito presente nesta doutrina é a presença de uma dada interpretação dos escritos de Agostinho de Hipona, sobre a graça, o servo arbítrio e o pecado universal. Em virtude do pecado de Adão, passado aos seus descendentes, só é possível ao humano fazer o bem a partir da graça de Deus, logo, temos uma negação da liberdade total do humano, do livre arbítrio, em prol de uma liberdade devedora da graça de Deus, trata-se de um servo arbítrio no tocante a fazer o bem e angariar a salvação. O rigor moral também se mostrou presente dentro dos adeptos desta doutrina, bem como, uma forte oposição aos jesuítas (Companhia de Jesus). Politicamente tendem a se opor não somente ao poder do papa, mas também ao poder absoluto do rei de França, ao absolutismo político. Isto resultou por parte dos papas e do rei da França Luiz XIV e seus sucessores, uma forte perseguição ao movimento. Os jansenistas foram considerados inimigos da monarquia.

O termo “jansenismo” por vezes é igualado a “Port-Royal”, sendo conhecida como “doutrina de Port-Royal”, isto apesar de algumas diferenças existirem. Port-Royal é onde se localiza a abadia de religiosas cistercienses, fundada no ano de 1204 em “Porrois”, nome este que foi mudado e deformado até chegar ao atual “Port-Royal”. Port-Royal des Champs ficava localizada a 37 km ao sul de Paris e sofreu uma reforma religiosa a partir do início do século XVII por intermédio da Madre Angélica, que estabeleceu regras bem rigorosas de meditação, trabalho e pobreza, vindo a tornar a abadia famosa. A partir do ano de 1625 a abadia também se instalou em Paris, passando a ter, portanto, “Port-Royal de Champs” e “Port-Royal de Paris”. Em 1709 as religiosas foram expulsas, e em 1710 a abadia foi destruída por ordem do rei de França.

Blaise Pascal se identificava com o movimento e escreveu dezoito cartas anonimamente, sob o pseudônimo de Louis de Montalte, no período de janeiro de 1656 a maio de 1657, defendendo a causa jansenista. Estas cartas hoje formam um livro, cujo título é “As Provinciais”. Estas cartas tem como objetivo a defesa não somente das ideias jansenistas, mas também a defesa de Antoine Arnauld. Na época este teólogo estava sendo julgado em Paris pelas suas ideias e oposição aos jesuítas, afetando sua posição ocupada na Sorbonne.

Apesar de aceitarem um culto a um santo tido pelo movimento, o Cônego François Pâris, no cemitério de St. Médard, em Paris. Havendo uma cerimônia junto ao túmulo, contando com relíquias, orações e êxtases místicos. No geral eram contra o culto aos santos e à virgem Maria. Se apresentavam como cristocêntricos.

Três nomes se destacam dentro deste movimento: Jansen com sua obra Augustinus, Antoine Arnauld com sua ênfase sobre a moral e os sacramentos (eucaristia e penitência), Jean Duvergier de Hauranne, abade de Saint-Cyran, na questão disciplinar com relação as autoridades eclesiásticas e um maior enfoque político, donde resulta três distintos aspectos: dogmático, moral e disciplinar.

Na questão da autoridade e hierarquia, o jansenismo defende que a autoridade local deva ser superior à do papa. A interpretação sobre a predestinação presente em Calvino e nos calvinistas também pode se encontrar presente neste movimento. Na doutrina do jansenismo temos uma negação do livre arbítrio e uma defesa do servo arbítrio, pois tudo depende da presença da graça de Deus.

O aspecto dogmático se mostra como base de sustentação do movimento, sendo a origem das prescrições morais e disciplinares deste movimento. A doutrina jansenista tem como ponto central uma antropologia de cunho pessimista quanto à natureza humana, após o pecado original cometido por Adão, toda a sua descendência herdou esta culpa, possuindo uma natureza corrupta e inclinada para o mal, não sendo possível para o humano por intermédio de suas próprias forças se encaminhar para a prática genuína de boas obras, havendo, portanto, a necessidade da intervenção da graça de Deus, bem como, do sacrifício de Jesus para libertar a humanidade.

No tocante a liturgia, defendiam que a missa fosse celebrada na língua do povo e com maior participação popular.

A querela com os jesuítas, dentre outros pontos, tem como principal destaque a questão da eucaristia. Os jesuítas entendiam que haviam apenas dois requisitos para o cristão receber a eucaristia: 1- ser batizado, 2- não estar em pecado grave. Já os jansenistas entendiam com bem maior rigor a purificação necessária ao ato da eucaristia e por tal motivo a desencorajavam. Entendiam que as pessoas eram indignas de receber a comunhão e que Jesus não havia instituído este sacramento como um meio de santidade para os pecadores.

 Silvério da Costa Oliveira.

 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 

 



 


 

Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.

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