Por: Silvério da Costa Oliveira.
Os Sofistas
Em seu significado original e antes da deturpação, que depreciou e alterou este conceito, o termo sofista significa “sábio”. A característica principal dos integrantes deste movimento é de ensinar mediante pagamento por parte de seus alunos, o que não os diferencia de nossos modernos professores. Também presente encontramos o uso da arte da oratória, a retórica, e o ensino da mesma. Este uso instrumental da oratória visando persuadir e convencer a plateia, também pode ser encontrado nos dias atuais em diversas profissões, dentre as quais: professor, político, publicitário, advogado e assessor de imagem.
Na Antiguidade, o termo sofista ora era entendido como “mestre e sábio”, tal como predominava nas Escolas de filosofia, organizadas com o fito de ensinar, e ora, na visão pejorativa dada por Platão e Aristóteles.
Dentre os sofistas que hoje conhecemos, podemos citar: Protágoras, Górgias, Prodicus (ou Pródico), Hippias. E também a Crítias, Xeníades, Trasímaco, Cálicles, Antifon, Polo, Isócrates e Licofron. Os quatro primeiros (Protágoras, Górgias, Prodicus, Hippias) são classificados, segundo alguns comentadores, como sofistas anteriores, e os demais como sofistas posteriores. Há quem considere como sofistas anteriores somente Protágoras e Górgias.
Os sofistas representam um movimento cultural e intelectual vinculado à transmissão do conhecimento, presente ao século V a.C. e, decorrente em grande parte, da ascensão política da cidade de Atenas, então com um governo democrático e tendo à frente o estadista Péricles. Após as guerras médicas, com as vitórias de Maratón (490 a.C.), Platea (480 a.C.) e Salamina (479 a.C.) temos que Atenas se torna a mais importante cidade grega no tocante à vida política, cultural e comercial. Se antes as cidades eram governadas pela aristocracia, agora o povo reunido em praça pública, ágora, passava a ter voz e aqueles que melhor sabiam falar e dominavam a arte da retórica tinham como crescer rapidamente na política e ocupar um lugar de destaque nas decisões tomadas pelo governo da cidade. Coube aos sofistas propiciar o ensino desta arte (oratória, retórica, dialética) vinculada ao bem falar e também propiciar outros conhecimentos (matemáticas, filosofia) para quem quisesse pagar para aprender. Muitos destes sofistas não eram naturais de Atenas, mas sim de outras cidades estado gregas. Era comum os sofistas viajarem de cidade em cidade, vendendo seus cursos, como professores itinerantes.
No século V a.C. foram muito bem acolhidos pelos jovens, se bem que os partidários do antigo regime aristocrático não os aprovavam. Os elogios ao movimento mudaram para críticas após o desempenho negativo de Atenas na guerra do Peloponeso. O que acabou gerando uma hostilidade contra o movimento e mesmo a condenação à morte de Sócrates, por dentre outras coisas, ser equivocadamente identificado como um sofista. Infelizmente hoje, conhecemos mais a sofística por meio de seus inimigos (Platão e Aristóteles, dentre outros), o que já traz um viés tendencioso sobre o movimento. Somente no século XIX d. C. é que esta visão começou a mudar e este movimento começou a ser resgatado no tocante ao que teria de bom e produtivo.
Com os sofistas temos na Grécia a transição do período cosmológico representado pelos filósofos pré-socráticos, para o período antropológico, cuja maior ênfase e importância se dará não para a natureza, physis, e sim para o humano e seu convívio em sociedade.
Entre os ensinamentos dos sofistas, temos uma eminente atitude relativista quanto à verdade. Em suma, estamos diante de professores, educadores e profundos conhecedores de todo o desenvolvimento filosófico e matemático anterior. São pessoas que cobram pelos seus serviços, e esta atitude de cobrar para ensinar foi profundamente criticada pelos seus detratores, mas nisto não se diferem dos nossos professores dos dias de hoje, que também vivem do que ensinam e ensinam o conhecimento que adquiriram após muitos estudos. Também cabe ressaltar que são frutos da democracia, do governo pelo povo, então vigente em Atenas, que exercia domínio sobre as demais cidades estado gregas. Por serem aqueles que surgiram dentro do arcabouço político democrático, é normal que os que eram contrários a tal governo e defendiam um retorno à aristocracia, se colocassem, também, contrários a tal movimento. Lembremos que Platão e Aristóteles tinham um conceito ruim sobre os sofistas e sua influência, mas também mantinham uma opinião pejorativa sobre o governo democrático.
Apesar de todos possuírem diversos pontos em comum, segundo comentadores, os sofistas não representam uma Escola filosófica, não cabe classifica-los como tal, e sim, mais uma prática e atuação diante da sociedade grega, onde se apresentavam como professores itinerantes, que cobravam por suas aulas, mas podemos destacar alguns pontos comuns ao seu pensamento, em maior ou menor escala.
Há algumas características que podemos elencar como sendo frequentemente comuns ao movimento, a saber: oposição entre a natureza e a cultura; o relativismo (há impermanência e pluralidade, não havendo um princípio estável e permanente); agnosticismo; entendiam que as pessoas são passíveis de serem convencidas de qualquer coisa por parte de um bom orador; seu interesse se restringia a questões práticas e úteis para o convívio em sociedade; pragmatismo; utilitarismo (priorizar os interesses e anseios particulares em detrimento do Estado); desenvolvimento da retórica, a habilidade de argumentar e convencer; convencionalismo e artificialismo no tocante às leis e religião; os direitos e deveres, ou o papel social a ser representado em sociedade, em virtude do nascimento, não passam de convenções sociais, não possuindo uma garantia divina ou universal; o subjetivismo (não existiria uma verdade única e objetiva); o ceticismo (nada podemos conhecer com certeza, não há um conhecimento ou verdade absoluta); uma indiferença moral e religiosa (não há uma norma social ou deuses válidos para todos); convencionalismo jurídico (lei e natureza são diferentes, não havendo leis imutáveis, sendo convenções sociais); oportunismo político (não há em absoluto o que seja justo ou injusto e o mesmo ocorre com os meios usados para se obter o que se quer. Os resultados justificam o que foi feito para que os mesmos fossem alcançados); humanismo (valorização dos problemas humanos).
Cabe destacar o método conhecido como antilogia, no qual o aluno era incentivado a defender uma tese e na sequência defender a tese oposta, deste modo, aprendia a defender dois argumentos contraditórios sobre um mesmo tema, desenvolvendo a arte do discurso e oratória.
Menos que um interesse especulativo, como então presente nos filósofos pré-socráticos, temos nos sofistas um interesse prático voltado para o dia-a-dia na pólis, para questões vinculadas a política e sociedade na cidade grega.
A ênfase principal dos sofistas, enquanto profissionais que educavam mediante pagamento, se dá no ensino da “aretê”, ou virtude e excelência em alguma coisa, tal termo podia ser aplicado a diversas áreas, tais como a música, o atletismo, a política e a matemática. No caso específico dos sofistas, estes ensinavam gramática, matemática, filosofia e o que o aluno quisesse aprender. Em particular, em Atenas havia um interesse maior pelo estudo da arte do discurso persuasivo, a retórica, visando entrar no meio político e ali fazer carreira, se aproveitando do momento histórico onde imperava a democracia nesta cidade.
Uma contribuição realmente importante para a história da filosofia e do conhecimento humano, presente nos sofistas, é que por meio de seu pensamento e obra, denunciam como falsa a pretensão de se conseguir uma verdade absoluta, pois, toda e qualquer verdade obtida será sempre, segundo os sofistas, uma construção humana visando promover e favorecer interesses ali presentes.
Em linhas gerais os sofistas ao defenderem o relativismo e o uso da retórica para convencer, propõem também não haver uma verdade única e absoluta, válida para todos e em qualquer circunstância, pois, a verdade é relativa a cada um e a cada sociedade com seus valores próprios. Não teríamos uma verdade universal, fixa, eterna e sim uma multiplicidade mutável e relativa, onde todas são igualmente verdadeiras, decorrentes do consenso da maioria.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.
Site: www.doutorsilverio.com
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Adorei o texto e assistir ao vídeo sobre o mesmo tema, uma boa oratória, aliada a uma argumentação racional e inteligente é meio caminho andado para ser ter bons resultados em um embate intelectual...Pena que atualmente vence quem grita mais alto!
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