Por: Silvério da Costa Oliveira.
Demócrito de Abdera
Demócrito de Abdera (460-370 a.C.), nasceu em Abdera, colônia jônica da Trácia. Segundo a tradição foi discípulo ou continuador de Leucipo e escreveu cerca de 90 obras, das quais nos chegaram alguns fragmentos. Dentre as obras por ele escritas, temos: “Pequena ordem do mundo”, “Da forma”, “Do entendimento”, “Do bom ânimo”, “Preceitos”. A tradição também nos diz que vivia sempre a sorrir e por tal motivo, artistas posteriores tendem a representa-lo sempre rindo. Não há como distinguir perfeitamente sua doutrina da de Leucipo, pois, ainda na Antiguidade as obras dos atomistas foram compendiadas juntas. Apesar de ser considerado um pré-socrático, cronologicamente é posterior a Sócrates, sendo contemporâneo de Platão. A tradição nos diz ainda que teve uma vida longa, passando dos 100 anos, e segundo alguns relatos, já idoso, teria decidido não querer mais viver e teria parado de comer, fazendo jejum de modo a enfraquecer o corpo e ser levado a morte por fraqueza e inanição.
Segundo nos informa ainda a tradição, teria viajado muito e estado no Egito, Pérsia, Babilônia e talvez mesmo Índia e Etiópia. Viagens nas quais manteve contato com a cultura local, os sábios e se dedicou aos estudos.
Conjuntamente com Leucipo de Mileto, se apresenta como um filósofo atomista. Por átomo entende a menor partícula de alguma coisa, pois, não seria possível a divisão de algo ao infinito. “atomon” = “sem partes” ou indivisível.
Além de sua contribuição no estudo da Physis com a teoria atomista, desenvolveu trabalho junto a ética e parte considerável dos fragmentos que nos chegaram aborda questões éticas e morais. Também se dedicou à matemática e geometria. Outra inovação em Demócrito encontra-se em que ele admite a existência de infinitos mundos, podendo haver vida nestes mundos.
Os átomos possuem formas distintas e são eternos, imutáveis, indivisíveis e de tão pequenas que são, também invisíveis à percepção humana. O movimento dos átomos se dá por acaso e é aleatoriamente que estes se chocam se agregando ou desagregando e dando novo direcionamento ao movimento, logo, temos um universo constituído pela necessidade decorrente de choques aleatórios entre os átomos e que não envolve qualquer entidade inteligente. Tal concepção tende a dar origem a um rigoroso determinismo sobre tudo que há e ocorre no universo.
Temos em Demócrito uma filosofia de base determinista, causalista, materialista, mecanicista, quantitativa e não qualitativa, onde as coisas ocorrem necessariamente. Não há espaço para um mundo das ideias perfeitas cujas cópias formariam este nosso mundo, como o propôs Platão, como também não há espaço para um demiurgo que organize o universo, e nem é possível uma abordagem teleológica como formulou em sua teoria, Aristóteles.
Afirmar que tudo é átomos e vazio equivale a dizer que tudo é matéria e vazio. Estamos longe das doutrinas hilozoistas que previam que a matéria tem vida, e diante de um rigoroso materialismo que não permite a existência de uma alma ou espírito imortal ou de um deus transcendente, pois, mesmo a alma seria composta por átomos e deixaria de existir conjuntamente com o corpo. Os átomos continuam eternos e imutáveis, mas aquela agregação que permitia a vida e a alma deixa de existir e há uma desagregação destes átomos.
A alma é material e composta por átomos esféricos, sutis e móveis, sendo o princípio da vida e movimento dos humanos e demais animais. A alma é entendida como sendo um corpo dentro do corpo e que vem a perecer conjuntamente com o corpo, não admitindo a imortalidade ou reencarnação ou transmigração de almas como anteriormente proposta pelos pitagóricos.
O movimento dos átomos (ser) ocorre no vazio (não ser), mas esta concepção de vazio como ausência de coisas, como vácuo, nada, zero ou conjunto vazio, tende a aproximar da noção de “não-ser” de Melisso, e não de Parmênides. Lembremos que o “não-ser” em Parmênides apresenta uma contradição ontológica que não permite sequer que o mesmo seja pensado, pois, quando da tentativa, pensamos algo e este algo é alguma coisa, ou seja, “ser”. Já o “não-ser” de Melisso tem base lógica e, portanto, pode ser pensado justamente como conjunto vazio, nulo, zero, vácuo.
Entende como elementos ao cheio e ao vazio, ou, ao “ser” e ao “não ser”. Segundo Demócrito o não ser é entendido no mesmo sentido dado por Melisso, como fazendo referência ao vazio, ao nulo, ao zero, a ausência. Não se trata aqui de uma referência a Parmênides, onde teríamos uma contradição ontológica, e não lógica como em Melisso. Em Parmênides o não ser é algo impensável, pois ao tentarmos pensa-lo caímos em uma contradição, uma vez que ser é pensar e se penso em algo, penso no ser.
O vazio em Melisso e Demócrito não é uma entidade e sim a negação de alguma coisa, do mesmo modo que, na teoria dos conjuntos, um conjunto vazio.
Tudo que existe é criado a partir das diferenças existentes entre os átomos, sendo que estas diferenças ocorrem em número de três: forma, ordem e posição. Aristóteles nos explica esta questão, que pode ser assim exemplificada por meio do uso de letras: forma “A e N”, ordem “NA e AN” e posição “N e Z”. A estas três diferenças podemos acrescentar o peso e o tamanho de cada átomo, sendo o peso uma mera decorrência do tamanho e volume do átomo. Os átomos têm extensão, volume e peso.
O movimento dos átomos se dá no vazio ou vácuo, sendo deste modo muito importante a existência do vazio para explicar o movimento. No vazio ou vácuo os átomos em movimento colidem uns com os outros, juntando-se e formando novos compostos, mas mantendo sua figura e individualidade.
Todas as transformações que vemos ao nosso redor são originadas a partir da permanente organização e reorganização dos inúmeros átomos, os quais são minúsculas partículas sólidas indivisíveis, invisíveis ao olho humano e imutáveis. Como os átomos são eternos e indestrutíveis, temos o início aqui do princípio de conservação da matéria. O nascimento ou criação e a morte ou destruição ocorrem por meio da união e desagregação dos átomos.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.
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