Professor Doutor Silvério

Blog: "Comportamento Crítico"

Professor Doutor Silvério

Silvério da Costa Oliveira é Doutor em Psicologia Social - PhD, Psicólogo, Filósofo e Escritor.

(Doutorado em Psicologia Social; Mestrado em Psicologia; Psicólogo, Bacharel em Psicologia, Bacharel em Filosofia; Licenciatura Plena em Psicologia; Licenciatura Plena em Filosofia)

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segunda-feira, 12 de abril de 2021

Um sistema híbrido: Vida e reflexões astronômicas de Tycho Brahe

 Por: Silvério da Costa Oliveira.

 Tycho Brahe (1546-1601) propõe um sistema que mescla parte do sistema de Ptolomeu com o de Copérnico. Ptolomeu defendia que a Terra estava imóvel no centro de um universo finito e que o sol e demais astros giravam ao seu redor e proporcionava complexos cálculos que conseguiam prever a exata posição dos planetas com erro mínimo. Já Copérnico previa que o sol seria o centro de um universo finito no qual este estaria imóvel e que a Terra e demais astros girariam ao redor do sol e também proporcionava complexos cálculos que conseguiam prever a exata posição dos planetas com erro mínimo. Segundo ambas teorias, o movimento dos astros, seja ao redor da Terra (Ptolomeu) ou do Sol (Copérnico) se daria em movimentos circulares. Coube a Tycho Brahe propor que a Terra estaria imóvel no centro de um universo finito, que todos os astros a exceção da Terra girariam ao redor do Sol, menos a Lua, que giraria somente ao redor da Terra. Que o sol e demais astros girariam em bloco ao redor da Terra. Os planetas que girariam ao redor do Sol seriam Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno, na época os únicos cinco planetas conhecidos.

Tycho Brahe nasceu na Dinamarca em 14 de dezembro de 1546 e veio a falecer em Praga na data de 24 de outubro de 1601, aos 54 anos de idade. De família nobre e influente junto a corte, atuou como astrônomo, astrólogo, alquimista e médico.


 

No ano de 1573 publica o livro “De nova stella” (Sobre a nova estrela), contendo observações sobre uma nova estrela (na verdade uma supernova) que este havia descoberto. Em 1598 publica “Digressões sobre mecânica astronômica”, obra na qual descreve os diversos instrumentos astronômicos que inventou e dos quais participou da construção em seu castelo.  Há de publicar outros trabalhos, inclusive alguns de astrologia dos quais participou ativamente, mas cujo nome não constou como autor e sim somente alguns de seus discípulos.

Uma de suas obras foi publicada após sua morte e foi organizada por Kepler, a partir dos dados coletados pelas observações de Brahe mas de modo que as ideias de Kepler estão presentes e se sobrepõe às ideias de Brahe, trata-se do livro: “Novos conceitos astronômicos de Tycho Brahe”.

O conjunto de suas observações astronômicas, de real significado e importância para o desenvolvimento da ciência e da astronomia em particular há de passar com sua prematura morte diretamente às mãos de Kepler, quem daria sentido e significado as mesmas. Tycho Brahe empreendeu minuciosas observações astronômicas que em muito favoreceram o posterior trabalho de Kepler. Acrescentemos que a reforma do calendário efetuada pelo papa Gregório XIII no ano de 1582, fazendo uma correção de 10 dias, foi possível a partir dos cálculos empreendidos por Tycho Brahe.

Existem vários fatos curiosos, para não dizer bizarros, na vida de Brahe, mas que encontram alguma explicação e acolhida dentro de sua época histórica e meio sócio-cultural. Lembremos que na época e local em que viveu, a Dinamarca do século XVI, não era comum aos nobres estudar e estes deveriam se dedicar a preparação para a guerra e a caça. Coube ao tio paterno de Brahe, que na verdade foi quem o criou como se seu pai fosse, favorecer que Brahe tivesse uma boa educação e estudos, o que contrariava de certo modo o esperado de um nobre. Mais tarde, quando Brahe publicou seu primeiro livro veio novamente a romper com tradições, pois, também não era esperado que um nobre dinamarquês viesse a publicar um livro, não sendo esta uma atividade condizente com seu status.

Dentre os fatos históricos curiosos, citemos, por exemplo, seu tio paterno o ter sequestrado quando este tinha dois anos de idade e a partir deste momento tê-lo criado como se filho seu fosse e ter a posterior anuência dos pais para tal situação. Outro fato foi o duelo, quando adulto jovem e aluno, com outro aluno sobre uma questão de matemática que culminou por ter seu nariz cortado e teve pelo resto da vida de usar uma prótese no lugar no nariz, feita de ouro e prata. Após a exumação de seu corpo constatou-se que um osso atrás do nariz estaria amarelado e uma vez que a prata ou o ouro não ocasiona este efeito, argumenta-se que seu nariz seria de cobre ou latão. Provavelmente teria dois, um de cobre e/ou latão para uso diário por ser mais leve e um de prata e ouro para ser usado em ocasiões festivas. Quando seu corpo foi exumado o nariz não foi encontrado.

Outro ponto interessante em termos de curiosidade é que construiu um castelo na ilha que recebeu de presente do rei Frederico II da Dinamarca, onde tinha seus laboratórios e observatórios, pois não somente atuava como astrônomo e astrólogo, mas também com alquimia. No seu castelo mantinha um anão como bobo da corte e tinha um alce como animal de estimação a quem costumava dar de beber bebidas alcoólicas.

Seu corpo foi exumado por duas vezes, no ano de 1901 e no ano de 2010. Na primeira exumação encontraram resíduos de mercúrio na barba e cabelo e como o mercúrio em certas quantidades pode ser um veneno, durante o século XX desenvolveram-se algumas teorias nas quais ele teria sido assassinado e quem seria o assassino ou mandante, claro está, estas teorias sempre escolhendo para tal empreitada alguém historicamente relevante e conhecido. Mas em 2010, na segunda vez que seu corpo foi exumado e desta vez com mais recursos tecnológicos, chegou-se à conclusão de que as quantidades encontradas de mercúrio estavam bem abaixo das necessárias para levar um humano adulto à morte, descartando deste modo a possibilidade de assassinato. Provavelmente o que ocorreu é que o acúmulo de mercúrio em seus cabelos e barba deveu-se ao fato deste fazer uso destas substâncias em seu laboratório de alquimia, aliás, justamente por usar e conhecer tal substância, ele seria o primeiro a perceber caso tivesse sido envenenado por mercúrio, o que não ocorreu.

Como uma última curiosidade sobre sua vida, citemos que também tinha o hábito de beber muito e frequentar festas com muita comida e bebida, o que era plenamente normal para um nobre, claro está que não se trata de um bêbado e que este não estava alcoolizado quando de suas observações astronômicas e da elaboração de seus instrumentos e estudos, se tal não fosse assim lhe seria impossível realizar o que fez.

Importante destacar a contribuição de Tycho Brahe em adotar em seus experimentos a precisão no tocante as suas medições, buscando desenvolver instrumentos que permitissem mensurações mais confiáveis e precisas e mesmo se preocupando com a estabilidade da base na qual estariam tais instrumentos para que não fossem afetados por qualquer movimento (por exemplo: das pessoas que o manejavam) ou mesmo o vento. Suas observações não fizeram uso do telescópio e foram feitas a olho nu, mas foram cuidadosas, sistemáticas e permanentes durante um considerável período de tempo. Seu trabalho foi desenvolvido em um castelo (com laboratório e observatório) por ele construído e financiado pelo governo da Dinamarca, localizado em uma ilha e no qual trabalhou por cerca de 20 anos não somente observando os céus, mas também tendo no local algo semelhante a uma escola de astronomia, composta por seus ajudantes, muitos dos quais iriam ocupar destacado papel na astronomia. As observações astronômicas efetuadas por Tycho Brahe e seus discípulos foram meticulosas e precisas, fazendo uso de instrumentos criados pelo próprio Tycho Brahe nas oficinas de seu castelo com ajuda de artesãos e sob sua constante supervisão.

Apesar de suas observações precisas Tycho Brahe não conseguiu observar uma paralaxe com relação a observação das estrelas. A paralaxe é o movimento aparente. Se a Terra se movesse ao redor do Sol, como propunha Copérnico, a cada seis meses estaria em um ponto extremo em relação a posição do Sol e pelo ângulo formado em relação ao observador deveríamos ter a ilusão de que as estrelas mudavam de posição. Quanto maior a distância entre o observador e o objeto observado, menor a paralaxe. Ora, raciocinou Brahe que caso a Terra se movesse e ele não conseguisse observar a paralaxe isto significaria que as estrelas estariam há uma distância tão grande da Terra e do Sol que se tornava algo absurdo. Claro que hoje sabemos que de fato estas distâncias são enormes e medidas por “anos luz”, mas à época de Brahe estas enormes distâncias foram por ele vistas como não possíveis. Deste modo, negou que a Terra se movesse e argumentou que a mesma estava imóvel no centro do universo como proposto anteriormente por Ptolomeu e Aristóteles, mas concordou com Copérnico que os cinco planetas conhecidos se moviam ao redor do Sol, acrescentou, no entanto, que o Sol e a Lua se moviam ao redor da Terra, deste modo criando um sistema misto ou híbrido.

Tycho Brahe é responsável por dois grandes golpes mortais na teoria proposta por Aristóteles e Ptolomeu. Segundo Aristóteles o universo seria finito e se dividiria em tudo que fica abaixo da lua (a Terra, os humanos, as árvores, os pássaros, as nuvens, etc.) e que se chamaria de “mundo sublunar”, e tudo que ficaria acima da lua (os cinco planetas conhecidos e a esfera do firmamento onde teríamos as estrelas, que se chamaria de “mundo supralunar”. Os cinco planetas conhecidos por serem visíveis a olho nu foram respectivamente: Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno. Segundo Aristóteles e Ptolomeu o mundo sublunar seria corruptível, ou seja, nele teríamos a transformação, mudança, nascimento e morte, já o mundo supralunar seria incorruptível, ou seja, não estaria sujeito a transformação, mudança ou qualquer alteração, seria perfeito e imutável. Em 1572 Tycho Brahe avistou uma estrela nova nos céus e a estudou detalhadamente (publicando um livro sobre o tema um ano mais tarde), comprovando que a mesma estava acima da lua, no mundo supralunar e não abaixo da lua, no mundo sublunar, e isto fazia com que houvesse mudança no que deveria ser eterno e imutável. Posteriormente, em 1577 avista e estuda um cometa, chegando à conclusão que o mesmo se movia no que seria o mundo supralunar e não como se acreditava anteriormente, no mundo sublunar. Pior ainda, o cometa estaria se movendo por onde deveria haver as esferas cristalinas onde os planetas estariam incrustados, demonstrando a não existência física destas esferas. Some-se a isto suas minuciosas observações dos céus com a utilização de instrumentos de precisão construídos para esta finalidade. Brahe dedicou-se a projetar e supervisionar a construção de enormes aparelhos que permitiam uma melhor e mais exata observação dos astros. Foi o conjunto de suas detalhadas observações que permitiu posteriormente a Kepler desenvolver sua teoria sobre o movimento em elipse dos planetas.

A contribuição à astronomia e consequentemente também à filosofia, feita por Brahe, é fundamental e irá marcar seu tempo e seus continuadores. Se por um lado ajuda na derrubada do sistema geocêntrico de Ptolomeu e Aristóteles, por outro lado proporciona um abrigo seguro para os que não aceitavam o sistema de Copérnico e defendiam estar a Terra imóvel no centro do universo. Trata-se de um modelo híbrido, de modo que após sua contribuição teremos três sistemas competindo entre si e não mais somente dois.

 Silvério da Costa Oliveira.

 

Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.

Site: www.doutorsilverio.com

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