Por: Silvério da Costa Oliveira.
Anaximandro de Mileto
Anaximandro de Mileto (610-547/546 a.C.) não somente é originário da mesma cidade do fundador da filosofia, Tales, como também tende a dar prosseguimento ao trabalho deste, ao manter o afastamento de explicações de cunho religioso ou mítico e buscar na razão a explicação mais adequada para tudo que observa na natureza. Anaximandro é considerado pela tradição, discípulo de Tales de Mileto e por sua vez tendo como discípulo a Anaxímenes.
Anaximandro foi filósofo, discípulo de Tales, pertence também a Escola Jônica e atuou como geógrafo, matemático, astrônomo e político. Segundo a tradição ele teria escrito um livro, “Sobre a natureza”, mas este se perdeu no correr da história, não chegando até nossos dias. Atribui-se a ele a invenção ou pelo menos a introdução na Grécia do relógio de sol (gnômon, a parte que projeta a sombra do sol). Coube também a ele elaborar um mapa do mundo conhecido e habitado.
Quanto ao seu livro “Sobre a natureza”, pode-se dizer que sua importância se deve ao fato de ser o primeiro tratado filosófico escrito em prosa, desvinculando o texto filosófico da métrica e do verso. A tradição lhe coloca como autor de quatro obras hoje para nós perdidas: “Sobre a natureza”, “Perímetro da Terra”, “Sobre as estrelas” e “Esfera celeste”. É provável, no entanto, que todas estas obras sejam capítulos de um único livro, “Sobre a natureza”, pois, era comum a época juntar todos os escritos sem nome sobre um mesmo tema e dar-lhes um título coerente com o que a tradição entendia sobre aquele filósofo ou obra, no caso, Aristóteles havia expressado sua opinião que Anaximandro e outros eram filósofos que estudavam a “physis”, ou seja, físicos ou filósofos da natureza. Neste caso, seria conveniente ao juntar trabalhos sem título em uma única obra, batizá-la pelo tema abordado, no caso, a natureza, por Anaximandro ser considerado por Aristóteles um filósofo da natureza, daí, “Sobre a natureza”.
Anaximandro há de trocar este princípio único ou elemento presente a tudo. Se para Tales era a água, para Anaximandro será o ápeiron (infinito, ilimitado, indeterminado, indefinido). Para melhor compreender este conceito de ápeiron, deve-se entender que não se trata de algo abstrato e sim de algo material, uma matéria primordial, ilimitada, homogênea, indeterminada, inqualificada, eterna, imperecedora, imutável, incorruptível, inesgotável, fecunda, que gera todos os seres e a qual todos os seres hão de retornar. Ápeiron: a (prefixo de negação) + péras (limites) = sem limites.
Cabe ao ápeiron ser a causa da criação e destruição de tudo no mundo. Aliás, todo o cosmos, a natureza, o mundo ao nosso redor, se forma e se mantém por meio de um equilíbrio de forças contrárias. A alternância entre estes contrários se dá no tempo, o qual tende a priorizar ora um, ora outro. Coisas contrárias vão se alternando no tempo, uma sucessivamente destruindo a outra infinitamente, deste modo, por exemplo, as estações climáticas se seguem e se no inverno temos o frio intenso, no verão este cede lugar ao calor.
O predomínio de um dos opostos gera uma injustiça que deverá ser sanada com a substituição deste pelo outro oposto deste par. Assim, um inverno rigoroso gera uma injustiça que deverá ser sanada por um verão também rigoroso. Para Anaximandro um oposto destrói o outro, substituindo-o e não havendo possibilidade da existência simultânea de ambos opostos.
Por ápeiron Anaximandro entende uma substância indefinida, infinita e eterna. O ápeiron em verdade é um princípio complexo. Quando falamos que o ápeiron é eterno, isto não é sinônimo de imortal, são coisas diferentes. O eterno é algo que existe hoje, existiu ontem e continuará sempre a existir, não tendo um nascimento e também não tendo um fim. Já a imortalidade é diferente. Os deuses do Olimpo que os gregos adotavam em seus cultos eram imortais, mas houve um momento no qual nasceram e antes deste momento não existiam.
O ápeiron por sua vez, é o resultado de um turbilhão de relações possíveis entre diversos opostos. Por opostos entende pares tais como quente e frio, seco e úmido, escuridão e claridade, dentre outros, esta pluralidade de opostos, por sua vez, resultam em uma unidade que se encontra presente em todas as coisas.
O ápeiron é neutro por ser uma mistura de contrários, de todas as coisas. Todas as coisas são finitas e limitadas, só o ápeiron é infinito e ilimitado e ele produz todas as coisas. O ápeiron produz todas as coisas e por isto é algo de divino, por poder ordenar, governar, criar as leis.
O ilimitado é um vórtice infinito em movimento constante pelo qual todos os elementos contrários são produzidos.
Aristóteles ao comentar os filósofos da natureza que o antecederam, questiona o fato interessante de que os quatro elementos (água, ar, fogo e terra) trabalhados por Empédocles não aparecem em sua totalidade nos filósofos anteriores, pois, falta o elemento terra em seus antecessores. Tales adotará o elemento água, Anaxímenes o elemento ar e Heráclito o elemento fogo. Mas se observarmos com atenção perceberemos a influência do elemento terra em Anaximandro. Se pensarmos na terra, ou melhor, no barro usado pelos oleiros para confeccionar vasos e outros itens, teremos que este processo tradicional pouco mudou dos dias de hoje até os dias de Anaximandro e este, provavelmente, teve oportunidade de observar oleiros moldando o barro, indefinido, indeterminado, em uma forma qualquer. Deste trabalho com o barro pode ter surgido a inspiração de Anaximandro para o ápeiron e se assim o entendermos, passamos a ter, também, o elemento terra.
O tempo atua como um juiz que ora permite a presença de um contrário e depois a presença de outro, deste modo, os contrários se auto-excluem todo o tempo e o mundo que conhecemos e no qual vivemos surge por meio de duas injustiças, a saber: 1- da separação dos opostos que afeta a unidade 2- da luta entre opostos e da supremacia temporária de um sobre outro.
Segundo o pensamento de Anaximandro, a Terra teria o formato cilíndrico e seria circundada por várias enormes rodas cósmicas de fogo. A Terra ficaria suspensa sem qualquer tipo de apoio, pois, a igual distância entre as partes conservaria sua estabilidade. Todas as forças que atuam sobre a Terra estariam em equilíbrio.
Por meio do calor do sol sobre a água, nasceram os primeiros seres marinhos e estes foram se desenvolvendo e tornando-se mais complexos. Em um determinado momento um destes seres, um tipo de peixe com um humano dentro, veio da terra e dele saiu o primeiro humano. O humano não tem condições de se defender sozinho durante o período em que ainda é bebê e depois criança, por isto se desenvolveu dentro de um animal marinho e quando veio a terra já estava com idade de um adulto jovem, capaz de se defender sozinho e sobreviver por conta própria.
Nele temos a ideia da pluralidade e sucessão dos mundos. A existência de mundos infinitos simultâneos e/ou sucessivos também está presente na concepção teórica de Anaximandro. Há quem defenda que estes mundos infinitos não ocorreriam simultaneamente e sim sucessivamente e há outros comentadores que defendem justamente o oposto. Se existem de modo simultâneo estamos diante da ideia de multiversos (múltiplos universos) e, se existem sucessivamente, estamos diante da ideia da destruição do cosmos e de uma nova reconstrução deste mesmo cosmos.
Podemos partir de duas divisões fundamentais para todas as coisas: o princípio e o derivado. O princípio é um só, arché, e tudo o mais é derivado. O princípio é infinito e indeterminado e tudo o mais é finito e determinado. Tales falou que o princípio era a água, mas como esta poderia criar o seu oposto, o fogo? A água é determinada, é preciso que o princípio seja indeterminado e formado pela junção de todos os opostos, ou seja, algo neutro.
Nos três filósofos de Mileto pertencentes a Escola Jônica, Tales, Anaximandro e Anaxímenes, temos três teses fundamentais por eles defendidas: 1- o monismo presente em uma substância material única, primeiro princípio, arché; 2- o hilozoísmo (do grego hyle, matéria, e zoe, vida) decorrente de tudo ser criado e organizado a partir da arché e deste modo o elemento material e princípio único estaria em tudo presente, mesmo nos seres inanimados como, por exemplo, uma pedra, logo, tudo tem vida e a vida está em tudo; 3- panteísmo, pois o princípio que tudo cria é divino enquanto criador e organizador de tudo, logo, deus está em tudo. Temos também que este ser divino é imanente e não transcendente.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.
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