Por: Silvério da Costa Oliveira
“Não digo
jamais aquilo em que creio, nem creio naquilo que digo” N. Machiavelli.
Machiavelli é
um autor complexo e cujo pensamento ainda se faz atual e presente em nossos
dias e naqueles que governam o Estado. Procurar entender este autor é
simultaneamente entender a conjuntura política moderna e os erros e acertos dos
povos e países diante na necessidade de manter sua soberania e independência
perante outras nações. Conflitos cotidianos no grande palco onde atuam as
nações, podem ser melhor entendidos e explicados pelo entendimento do
pensamento deste autor.
Nascido na
cidade Estado de Florença, Itália, Niccolò di Bernardo Machiavelli (1469-1527) em
bom italiano ou como se convencionou a chamá-lo em nossas terras, Nicolau
Maquiavel, filósofo Renascentista, trata em seu livro “O princípe”, de modo
realista o tema da política de Estado, como se dão de fato as relações entre
aqueles que detem o poder soberano de um Estado / nação, e não como deveria se
dar em um mundo ideal. Mas com certeza, se perguntássemos ao autor qual a sua
obra máxima, dificilmente este livro seria citado como tal. Muito mais
importantes para o autor seriam obras nas quais dedicara muito mais tempo e
atenção. Cabe citar, não somente “O príncipe”, escrito em 1513, (mas tendo
publicação póstuma em 1531 Roma / 1532), mas também: “A mandrágora” (1518), “Discurso
sobre a primeira década de Tito Livio”, escrito de 1513 a 1521 (publicado em
Roma em 1531), “História de Florença”, escrito de 1521 a 1525 (publicado em
Roma em 1532), “Diálogos sobre “Da arte da guerra” (1521), dentre outros de
seus escritos.
Machiavelli é
um pensador italiano que marca o período conhecido como Renascimento. Tendo
nascido em 3 de maio de 1469, veio a falecer em 21 de junho de 1527, então com
58 anos de idade. Seu livro hoje mais falado e conhecido pela grande massa, “O
principe”, foi a sua época bastante polêmico e o continua a ser ainda hoje,
tendo sido incluido na lista de livros proibidos pela Igreja Católica, Index
librorum prohibitorum, no ano de 1559.
Baruch de Spinoza
(1632-1677) e também Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) defenderam que Maquiavel ao propor dar aulas aos
soberanos, na verdade, esclarecia a todos o modo de atuação dos mesmos,
mostrando como o poder se dava e perpetuava nos governos, o que, aliás,
independente da intenção de Machiavelli ser de fato esta ou não, teve o mesmo
resultado, pois, serviu de alerta a todos que lessem e estudassem sua obra sobre
as práticas reinantes junto àqueles que governavam e o que ainda é válido até
os presentes dias. Não havia e nunca houve de fato, necessidade alguma de um
estudioso escrever um livro manual visando ensinar aos governantes as práticas
por estes adotadas e nem sempre confessadas, pois estes as sabem bem e aprendem
entre os que governam. A única utilidade para uma obra realista como o livro “O
principe” é ensinar àqueles que não tem uma convivência intima com o poder de
Estado, mesmo que sejam pessoas eruditas e cultas.
Machiavelli
nos apresenta uma filosofia política realista e não idealista. Ler Machiavelli
é estar diante do fundador da filosofia política moderna. Estudar a política
tal como ela é e não como deveria ser.
A filosofia
política de Machiavelli desce dos céus para a terra, cuidando das coisas reais
e mundanas de nosso dia a dia. Propõe um retorno à origem histórica da Itália,
a história antiga há de direcionar o movimento presente para o futuro onde se
encontra a unificação da Itália.
O livro “O
principe” nos traz, portanto, um realismo político e um objetivo final
implicito que seria a formação de um governo com um homem forte que permitisse
por sua virtude a unificação da Itália.
Além de
escrever o livro “O príncipe” a partir de uma concepção extremamente realista
sobre o uso do poder por parte dos governantes, afastando de si uma visão
idealista ou moralmemente desejável e se atendo a coisa política tal como ela é
e se apresenta, podemos aferir de Machiavelli que este foi uma pessoa atenta ao
que de fato acontecia e aos porques envolvidos na política de sua época. Com
certeza inegável, Machiavelli foi um bom observador e que conseguiu por numa
narrativa coerente e cativante para o imaginário social que a ele se seguiu, o
somatório de suas experiências em sua vida e trabalho e suas observações sobre
a realidade que tinha ao seu redor. Realista, sempre realista, doa a quem doer,
gostem ou não, gritem pela moral e o acusem de demonização da política, de fato
não importa, ele não é um idealista.
Na verdade, a
moral cristã de sua época e mesmo os representantes da cristandade, a começar
pelo papa, enquanto autoridade máxima na Igreja, não traziam nenhuma referência
de virtude e o que é dito sobre como governar na obra “O príncipe” também se
aplica ao governo de Roma pelo papa, na época vivida por Machiavelli. Poderíamos
mesmo dizer que o exposto na obra “O principe” não pode se contrapor a moral
cristã e sim, talvez, a uma faceta da mesma. Confusão demoníaca para alguns
autores que partem de um olhar religioso cristão que por si só já deturpa o
pensamento original de Machiavelli e esquece que a Igreja real e não ficticia
ou ideal, é ela mesma parte integrante da forma de governar narrada, observada
e explicada pelo autor na obra “O principe”, em verdade, o reino de Deus na
Terra, tendo como exemplo o papado naquele momento histórico, não está em
oposição de modo algum a esta obra, tendo, inclusive, acolhido-a bem e
favorecido sua publicação em Roma em 1531, após a morte do autor, só se
manifestando contrária a mesma anos depois.
Muitos citam
equivocadamente como frase de Machiavelli “Os fins justificam os meios”, mas
este nunca escreveu tal frase, se bem que possamos entender que um fim nobre em
particular estaria presente nas ações do príncipe, que seria a unificação da
Itália, no entanto, não há razão para que as ações do principe sejam em si
justificadas por qualquer outra coisa. Não há necessidade de uma justificação
moral para tais ações. A moral e política são campos distintos de atuação,
podendo, inclusive, o governante usar para si da religião dentro dos interesses
do Estado, mas não deve este se subordinar a qualquer ditame moral religioso
que esta possa prescrever, pois, o soberano representa o Estado e como tal não
pode ser compreendido como uma mera pessoa individual. O que vale para uma
pessoa comum não vale para alguém que é o Estado.
A frase que
equivocadamente foi traduzida como sendo “os fins justificam os meios” seria
mais corretamente expressada como “toda ação é designada em termos do fim que
procura atingir”, apresentando um significado totalmente distinto, uma vez que
seguindo-se o pensamento de Machiavelli, não haveria qualquer necessidade de
justificação de uma ação por um prisma moral ou religioso. Os meios não
precisam em qualquer momento serem justificados, os mesmos devem unicamente
serem vistos como etapas objetivando de modo racional e planejado a obtenção de
uma determinada situação desejada. Mais correto seria atribuir esta frase, não
a Machiavelli e sim a um de seus críticos, na Itália já no século XIX,
Francisco de Sanctis. Por sua vez, o termo “maquiavélico”, e seus significados,
representa uma distorção do pensamento de Machiavelli.
É importante
buscar o entendimento da obra de Machiavelli dentro do contexto histórico no
qual o autor está inserido, apesar de bem atual e facilmente adaptado para ser
aplicado a realidade de nossos dias, tal obra é fruto da observação de
Machiavelli sobre os fenômenos sociais e políticos de sua época. Machiavelli
aprendeu fazendo, participando ativamente da política de sua cidade Estado,
Florença. Por 14 anos trabalhou na segunda chanchelaria visitando diplomaticamente
outros governos e países em nome de sua cidade. O pensamento de Machiavelli é
uma observação apurada e analítica, por baixo das meras aparências humanas e
sociais, buscando não o que deveria ser em um mundo ideal, mas sim o que de
fato é, queiramos ou não acreditar. Ele não propõe um governo ideal, mas nos
fala em como de fato é a estrutura de um governo e quais os mecanismos que permitem
chegar ao poder e nele se manter.
O ideal nobre
e bem radical proposto por Machiavelli é a re-unificação da Itália, formando um
país, pois em sua época a península italiana estava dividida em cidades estados
com governos independentes. Podemos afirmar que Machiavelli é um republicano
pragmático que prioriza a unificação da Itália, acreditando que para tal
empreitada será necessário uma pessoa politicamente forte.
Para
Machiavelli a moralidade de um Estado não é a mesma de um indivíduo. Honrar
compromissos e manter a palavra empregada independente das condições vigentes
são recomendações morais que se aplicam ao individuo e não, jamais, ao Estado. O
homem a frente de um governo, representando um Estado soberano, não pode se
ater a uma moral cristã individual.
É melhor ser
temido ou amado? Eis uma pergunta importante a qual Machiavelli confere uma
resposta pertinente e adequada, voltada, claro está, para a figura do principe
enquanto soberano de um Estado. A resposta dada é que de preferência os dois,
mas se só puder um, vale mais ser temido, pois os homens esquecem rapidamente
do bem que recebem, mas não do que temem. Ser amado é bom, ser temido é
essencial e ser odiado é algo que jamais deve acontecer.
O cerne da
postura filosófica de Machiavelli sobre o Estado e suas relações com outros
Estados, inclusive a guerra, é a composição da força com a astúcia, o leão com
a raposa. O principe precisa ser forte que nem o leão e esperto que nem a
raposa.
O principe é
um verdadeiro manual sobre como obter e manter o poder de Estado, um tratado
político sobre a realidade histórica e presencial das relações dos atores no
campo político.
É muito mais
difícil manter do que conquistar o poder.
Machiavelli
nos alerta acertadamente que uma república ou principado necessita de um
exército bem armado e composto pelos cidadãos do país para garantir sua
liberdade e soberania. Confiar em exércitos mercenários ou na ajuda de outros
países ao invés de ter condições de se defender por si só é um engano que
levará a perda da independência e soberania. Também nos fala sobre a
importância das armas e que sem estas, meras ideias não terão como prevalecer,
pois, não haveria uma constância na natureza dos povos, sendo fácil
persuadi-los de algo e difícil mantê-los nesta direção, daí a necessidade de
quando a crença cessar, ter como persuadi-los pela força. No capítulo VI do
livro “O principe” Machiavelli não somente afirma isto, como também nos diz que
“todos os profetas armados venceram e os desarmados pereceram”.
Segundo
Machiavelli, a virtude é a capacidade de prever e se preparar para possíveis
acontecimentos futuros de modo a poder confrontar com êxito a fortuna. Já a
fortuna é vista por Machiavelli como uma deusa feminina vinculada a ocorrências
de coisas boas ou ruins.
Segundo
Machiavelli a natureza do ser humano não pode ser vista naturalmente como boa
ou má, podendo ser simultaneamente ambas, se bem que em geral predomine o lado
mau, deste modo, para o governante é mister que trate o ser humano como sendo
sempre mau e assim proceda ao governar.
Quando se
chega ao poder deve-se fazer todo o mal necessário de uma única vez, evitando
por tal meio tornar a repetir tais feitos, proporcionando futura segurança ao
povo, por sua vez, os benefícios devem ser dados aos poucos durante todo o tempo,
para que as pessoas lembrem constantemente da benesses e possam esquecer no
passado as perseguições que um dia sofreram.
Não podemos
esquecer diante da leitura de Machiavelli, que no capítulo final de seu livro
“O príncipe”, capítulo 26, este faz uma exortação pela tomada da Itália, sua
unificação pela força das armas se necessário, para que a mesma seja libertada
do mando de outros povos e governantes estrangeiros. Neste capítulo fica claro
a qual fim nobre se direciona o objetivo deste livro e o patriotismo do autor
que vislumbra a construção de uma grande Itália e não mais de somente cidades
Estados independentes entre si. Também cabe lembrar que apesar deste livro ter
entrado para a história como se chamando “O principe”, em verdade este não é o
título dado pelo autor, e sim, o mais correto seria “Dos principados”,
informando que trataria não de repúblicas, mas sim deste outro tipo de governo.
Penso que
seria de fato, deveras interessante, que todo aquele que quisesse honestamente
conhecer o pensamento de Machiavelli viesse a estudar toda a sua obra e não
apenas um único livro e quando diante de seu livro mais famoso, “O príncipe”
(“Dos principados”), começasse a leitura não pelo primeiro capítulo da obra e
sim pelo capítulo 15 e depois pelo último, o capítulo 26, pois no primeiro
temos Machiavelli nos dizendo que pretente ser extremamente realista e fugir de
meras fantasias irreais e no último temos seu desejo e meta de uma Itália
unificada, objetivo nobre presente em um autor patriota.
Por fim,
convido o leitor a pensar sobre a realidade de nossos noticiarios no tocante as
relações internacionais para deste modo observar o quanto este autor está de
fato presente em nossa época. Peguemos, por exemplo, a necessidade de um
exército próprio para garantir sua soberaria, independência e liberdade e
imaginemos por um momento apenas se no passado Hong Kong tivesse desenvolvido
suas próprias forças armadas, quando ainda participava do Reino Unido, usando
de uma desculpa ou subterfúgio qualquer adequado para a ocasião e a guerra fria
que então ocorria. Ou se a Coreia do Norte não tivesse investido decididamente
em suas forças armadas, mesmo as custas do povo, como este país se poria frente
a China e aos EUA. E só dei um exemplo diante de uma única faceta do pensamento
deste autor, procuremos, portanto, aplicar seu pensamento no dia a dia que hoje
contemplamos.
Silvério
da Costa Oliveira.
Prof. Dr.
Silvério da Costa Oliveira.
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