Por: Silvério da Costa Oliveira.
“O homem nasceu
livre, porém, por toda parte, encontra-se sob os grilhões. Quem acredita ser
senhor de outros não deixa de ser mais escravo que eles.” (L’homme est né libre, et partout il est dans les
fers. Tel
se croit le maître des outres, que ne laisse pas d’être plus esclave qu’eux.).
Do contrato social ou princípios do direito político. Rousseau.
Jean-Jacques
Rousseau (1712-1778), é autor de vários livros, dentre os quais destaco a
importância de: “Contrato social” (aborda o direito político), “Emilio” (aborda
a educação do indivíduo), “Nova Heloísa” (aborda a sociedade familiar),
“Discurso sobre a origem da desigualdade” (aborda a sociedade política), além
de muitas outras importantes obras.
Segundo Rousseau
o ser humano é bom por natureza e se faz mal por ação da sociedade, são as
instituições sociais que corrompem o humano, deste modo temos o contraste entre
de um lado a bondade natural do indivíduo e a falsidade da sociedade. Apesar de
estar dentro do movimento iluminista, Rousseau apresenta uma certa oposição ao
mesmo na formulação de suas idéias e pensamentos que o tornam um precursor do
movimento seguinte, o Romantismo.
Rousseau
argumenta sobre a necessidade de educar com base na natureza, desenvolvendo na
criança seus sentidos e sua razão conforme o amadurecimento etário da mesma, a
forma de educar pelas instituições de sua época tende a suprimir a liberdade e
corromper a natureza inicialmente boa do homem. Interessante que em sua
biografia temos que com sua segunda amante, já em Paris, teve cinco filhos e os
pôs todos no orfanato, o que aparentemente é contrário ao que posteriormente
escreverá sobre a importância do contato com a natureza na infância para uma
boa educação, pelo jeito, Rousseau não seguia seus próprios conselhos sobre a
melhor educação para os filhos. Também na religião, busca algo natural, que
venha de dentro para fora do ser humano, opondo-se as religiões reveladas, cuja
verdade se encontra em um texto escrito já pronto. Apesar de tudo, Rousseau não
deixa de ser um homem religioso e cristão, se bem que busque a confirmação de
sua crença em uma Divindade, na natureza.
Também
interessante destacar que o humano detém toda a sua liberdade quando em estado
de natureza, mas quando se junta a outros homens e mulheres, para construir uma
sociedade, cede esta liberdade ao bem comum expresso pela vontade popular ou
vontade geral, e os líderes do povo devem expressar esta vontade soberana do
povo, ao contrário do pensamento de Locke, que põe como meta do contrato social
as leis e o estado de direito. Enquanto em Locke o humano em sociedade, pelo
contrato social, se submete às leis vigentes, ao estado de direito, em Rousseau
este mesmo humano em sociedade se curva a obediência da vontade soberana da
maioria que se exerce pelo constrangimento da vontade da maioria sobre o
indivíduo. As idéias contidas no “Contrato social” de Rousseau muito inspiraram
a subsequente revolução francesa de 1889, pois, Rousseau ali defende a
soberania da vontade popular como superior à soberania de um único monarca e
ressalta a importância de assembleias para melhor expressar a vontade popular e
soberana.
A liberdade no
estado de natureza se restringe a satisfação das atividades de sobrevivência e
procriação, onde deseja-se o que está ao redor e o que é eminentemente
necessário naquele momento, seja alimento, um parceiro sexual, um lugar para
dormir, segurança contra predadores e outros perigos ou desconfortos. No estado
de natureza o humano é livre para buscar satisfazer todas as suas necessidades
sem se preocupar com outras pessoas que venham a compor um grupo social.
Destaco, no entanto, que no modo de pensar de Rousseau, o ser humano selvagem
viveria só e afastado de outros humanos, mesmo os encontros sexuais
procriativos seriam ocasionais. As disputas passariam a existir somente quando
o ser humano passasse a viver em grupos, neste momento, a total liberdade
individual diante da natureza teria de se submeter à vontade geral voltada para
o bem comum ou coletivo. Mesmo noções de bem e mal, não estariam presentes ao
estado de natureza tais como as entendemos em sociedade, pois, tais noções são
criadas pelo meio social e no estado de natureza o bem é simplesmente o
atendimento de necessidades básicas e o mal o não atendimento a estas mesmas
necessidades.
Apesar de dentro
do contexto do século XVIII e de nunca propor a abolição da propriedade
privada, Rousseau pode ser visto como um precursor das idéias e concepções
comunistas, afinal, Rousseau vê na propriedade privada a origem do mal e da
diferença social entre os humanos. Antes da existência da propriedade privada
as pessoas eram livres diante da natureza para recolher tudo que esta pudesse
lhes oferecer gratuitamente. Claro está, no entanto, que aos olhos dos estudos
históricos e antropológicos atuais, esta concepção tem muitas falhas e não se
sustenta a forma como Rousseau imaginou o ser humano em estado de natureza e
sua visão negativa sobre a posse de uma faixa de terra. Sem a propriedade da
terra por um grupo para trabalhar, plantar, criar animais e construir moradias,
não seria possível o desenvolvimento ao ser humano, seu desenvolvimento
individual ou social, mas esta já é uma visão crítica minha e não a de
Rousseau.
Apesar de
posteriormente ser declarado herói nacional e ter tido seus restos mortais
transladados para o panteão dos heróis em Paris pelos revolucionários franceses
que adotaram parte significativa de suas idéias, quando ainda em vida teve suas
obras queimadas em praça pública e precisou se refugiar na Inglaterra, onde
ficou exilado por algum tempo.
A idéia básica
de Rousseau é que o ser humano em estado de natureza é livre e bom e somente o
convívio em sociedade é que o corrompe e o torna mal. A partir desta idéia é
possível contestar o modo como a sociedade estava organizada e como se dava a
educação das pessoas. Rousseau deixa de lado toda e qualquer desigualdade
oriunda da natureza, como, por exemplo, características genéticas, idade, sexo,
capacidade cognitiva, maior ou menor disposição a saúde física, etc., e se atem
a desigualdade fornecida pela sociedade, pelo viver em sociedade, como, por
exemplo, a divisão da propriedade, os direitos e deveres políticos, os
privilégios dados a um grupo, etc.
Hoje em dia nós
vivemos em uma democracia representativa baseada em leis, na qual os cidadãos
elegem seus representantes e estes governarão em seu nome, tomando todas as
decisões necessárias sem necessidade de constantes consultas populares, mas
para Rousseau o melhor governo seria composto por uma democracia direta, na
qual por meio de uma ampla assembleia popular, poderia o povo decidir seus
rumos presentes e futuros. Rousseau preconizava a unidade interna e
independência dos Estados, sem intervenção interna por parte de outros Estados.
O posicionamento
de Rousseau a favor da liberdade e da bondade do ser humano em estado de
natureza simultaneamente a sua argumentação sobre ser a sociedade que gera o
mal, acaba sendo, também, uma forte crítica a todo o conhecimento racional
acumulado pela sociedade e a transmissão do conhecimento por meio da educação.
Por tal meio cria-se fortes bases para argumentos contrários a importância e
valor real da educação.
Pensado de modo
crítico, faz todo o sentido a noção de Rousseau de que o homem mal é fruto da
aprendizagem social, como também o faz afirmar que o homem bom é fruto desta
mesma aprendizagem, pois, segundo Rousseau, em estado de natureza, bom e mal
seria simplesmente ter ou não ter suas necessidades básicas de sobrevivência atendidas,
logo, podemos concluir que o conceito elaborado de bem e mal irá mudar e variar
de acordo com a sociedade e cultura na qual formos criados e é fruto de um
processo de aprendizagem, pois, o que será identificado como bom ou como mal
por uma sociedade e cultura não o será do mesmo modo por outra. Este
relativismo que podemos observar ao comparar culturas distintas pode vir a
reforçar a idéia de Rousseau de que a educação nos afasta de um estado de
natureza e que é por meio desta que o humano é corrompido.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa
Oliveira.
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