Por: Silvério da Costa Oliveira.
A morte não está
em oposição à vida como alguns poderiam pensar e sim ao nascimento. Em verdade
são as duas datas mais marcantes para qualquer pessoa, para qualquer ente, seu
nascimento e sua morte. A ciência pode seguir o indivíduo para antes de seu
nascimento, os nove meses sendo gestado pela mãe, o encontro de um óvulo com um
espermatozoide, duas pessoas que se encontram para o ato sexual ou uma
inseminação artificial, e por aí vai indefinidamente, no entanto, o indivíduo
humano como um todo completo somente após o nascimento e poderíamos mesmo
especificar a sua primeira respiração, seu primeiro sopro de vida e irá
prosseguir até seu último sopro, mesmo podendo a ciência seguir o sujeito após
sua morte, passo a passo do desligamento de cada função, do destino de cada
parte de seu corpo, de suas células, de seus átomos. Entre o primeiro sopro ao
nascimento e o último antes da morte, o que temos é um intervalo ao qual
chamamos de nossa vida, digo nossa porque a vida não para, ela simplesmente
prossegue pelas vias mais distintas e por vezes estranhas ao nosso banal
conhecimento cotidiano.
No campo da
religião e das mais distintas crenças, bem próximas à irracionalidade e bem
longe da razão, a morte é vista como uma porta que dá acesso a uma outra vida,
a uma outra realidade. Mas não é o caso aqui, neste artigo, pois, nosso intento
é abordar somente a morte e não o que possa vir antes ou depois da mesma. Neste
sentido, a morte é o fim da vida e deste nosso artigo.
É diante da
finitude da vida, de um sopro ao outro, que nossa civilização e história se
desenvolveu e ainda se desenvolve. Se talvez não caiba falar em religião sem
morte, não cabe falar em filosofia não estando diante da finitude da vida. É a
morte que traz finitude a nossa existência individual, histórica e temporal.
Pela reflexão presente da morte temos certeza do quanto as menores coisas que
fazemos ou deixamos de fazer são importantes, porque únicas no tempo e espaço,
irrepetíveis em essência. Dor e prazer, coisas mundanas ou excepcionais, metas
ou descaso, amor ou ódio, seja lá o que for que sinta ou pense, isto e tudo o
mais te faz vivo hoje e somente por um breve período de tempo pelo prisma do
universo, do cosmos, do grande tempo não medido.
A morte é um
termo que vem a significar o cessamento de toda atividade biológica de um dado
organismo, a matéria, no entanto, persiste e a vida tenderá a se apresentar em
outras formas após o falecimento de um ente biológico. Por vezes, a expressão
também é usada de modo metafórico para representar o fim definitivo de algo não
biológico, como uma empresa, um projeto ou mesmo um sonho a ser realizado. De
qualquer modo, sempre representando um fim em si mesmo, mesmo que se possa
acreditar que dali em diante haverá algum tipo de prosseguimento, por meio de
alguma forma de transformação ou mutação ou persistência de uma essência
básica, de uma alma ou espírito imortal.
Com a morte
segue-se um problema para os que restam vivos, que é o que fazer com o corpo,
os restos mortais. A isto foram culturalmente dadas algumas respostas que
muitas vezes são adotadas sem maiores questionamentos pelas pessoas dentro de
uma dada cultura e sociedade. Os restos podem ser cremados, enterrados abaixo
ou acima da terra, mumificados, congelados (criogenia), devorados, etc. Temos o
registro de culturas que guardam consigo os restos dos mortos pelo poder que os
mesmos poderiam ter, seja no formato de uma múmia ou de ossos limpos da pele.
Também temos aqui a presença das diversas religiões tentando explicar o que
ocorre com a consciência daquele que morreu, pois, seu corpo continua ali, mas
falta-lhe algo que antes lhe dava a vida e o fazia alguém único dentro da
comunidade.
Uma decisão
individual e particular sim, mas infelizmente nem sempre possível de ser concretizada,
pois, pode ocorrer de querermos congelar nosso corpo na esperança de um dia a
medicina ser capaz de nos reviver ou querermos mumificar para preservar pelo
maior tempo possível, mas faltar-nos recursos financeiros para custear tal
empreitada ou mesmo conhecimentos tecnológicos adequados para um processo
eficaz. A história registra importantes líderes que foram mumificados e, no
entanto, seus corpos entraram rapidamente em um processo de forte deterioração
e decomposição por falhas técnicas no processo empregado.
A decisão sobre
o que fazer com o corpo, no entanto, deveria ser pensada e decidida ainda em
vida pela própria pessoa ao qual o corpo pertence e ser comunicada oralmente e
por escrito via testamento para que não houvesse dúvidas sobre seu desejo.
Poderia muito bem esta pessoa entender que gostaria que todos os seus órgãos
fossem doados para quem deles precisasse, em vez de deixar que a morte a tudo
levasse consigo. Como disse antes, há vários destinos possíveis para com o
corpo após a morte. Você prefere ter seu corpo cremado ou devorado por vermes?
Ir para a cova completo ou doar todas as partes que puder de seu corpo para que
outras pessoas possam em suas vidas fazer uso das mesmas na qualidade e tempo
que possam ter em suas vidas?
Neste tocante
chega-nos algo preocupante se queremos decidir o que de fato faremos com este
corpo após nossa morte, que é justamente saber quando de fato estamos mortos. A
determinação da morte de alguém ainda é algo delicado e sujeito a
controvérsias. Ainda há bem pouco tempo em nossa história era comum dar-se
alguém como morto após parada dos batimentos cardíacos e da respiração,
posteriormente com o advento de novas tecnologias passou a ser possível trazer
de volta o paciente após uma parada cardiorrespiratória. Ainda em passado
recente tivemos pessoas dadas como mortas que durante algum processo pós morte
(embalsamamento, retirada de órgãos, algum tipo de estudo clínico no corpo,
etc.) constatou-se ainda estarem vivas. Claro, não criemos pânico de modo
desnecessário, hoje há todo um procedimento clínico específico para que a morte
de alguém seja atestada e confirmada, pelo menos dentro de padrões possíveis.
Claro está que
temos um corpo e uma consciência de estarmos neste mundo e conjuntamente com
esta consciência podemos também falar em uma personalidade, bem como em uma
sequência de coisas aprendidas e memorizadas. Outros animais não possuem uma
consciência elaborada de si próprios, mas há evidências nítidas de uma memória,
de comportamento aprendido e de uma personalidade que o diferencia de outros animais
de sua própria espécie.
Poderia algo
persistir após a morte? As religiões abraâmicas acreditam em uma ressuscitação
do corpo e espírito em um momento futuro. As religiões espíritas e orientais
tendem a acreditar na reencarnação do espírito em outros corpos. Alguns campos
específicos da ciência entendem ser este o fim de tudo, indo ao esquecimento,
ao término, a inexistência daquela consciência e a transformação da matéria
daquele corpo em seus elementos mais básicos. A razão não proporciona elemento
algum que corrobore que a consciência do indivíduo possa persistir a sua morte,
que possa haver uma alma ou espírito imortal ou que possa haver algum tipo de
ressurreição da carne ou reencarnação do espírito para viver outras vidas neste
ou em outro mundo. Somente pela fé (crença irracional) podemos acreditar ser possível
a permanência da vida tal qual a conhecemos após a nossa morte.
Havendo ou não
outra vida, outra chance, tudo o que sabemos com exata certeza é que vivemos
enquanto estamos vivos e que temos uma e somente uma única vida para ser por
nós vivida e que por tanto, deve ser bem vivida e por via das dúvidas, havendo
ou não outras vidas, a atitude mais sábia a tomar é viver agora a vida que lhe
foi dada e que pode, por tudo o que sabemos, bem ser sua única vida tal como
você é, pois, mesmo que seus elementos básicos persistam na formação da vida,
você não mais existirá para todo o sempre.
Pensando nisto e
buscando a imortalidade, mesmo que temporária, buscaram-se formas de manter
vivo aquilo em que o indivíduo consistia, sabia e simbolizava. Sociedades
tentaram preservar o corpo mumificando-o ou guardando seus ossos. Se tornou
comum a frase que pregava plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro,
tentando por este modo deixar sua memória por mais tempo do que a vida daqueles
que nos conheceram pessoalmente e que um dia também irão morrer e com eles as
memórias que tinham de nós, nos levando para o inexorável esquecimento.
Eu posso não
querer morrer, mas ao nascer, o número máximo de meus dias entre os vivos já
está contado, como uma sentença dada após o julgamento de meu nascimento.
Outros animais, no entanto, não possuem esta consciência que nos permite saber
que iremos também morrer. Um cão e um gato vivem felizes sua vida, pois para
eles é eterno o momento presente, não havendo o conhecimento de que um dia não
mais estarão aqui, não mais beberão seu leite, sua água ou comerão o que mais
gostam. Sua vida é o momento presente e a presença de outros animais ou pessoas
de que realmente gostem é o que importa e é demonstrado fisicamente pela
presença e por vezes por um pedido de carinho e afago.
Temos o medo da
morte, mas talvez devêssemos nos atentar para um outro medo que por vezes é
ignorado e deveria ser levado a sério, que seria o medo de não viver de modo
pleno e feliz, de ser aquele ou aquela que você de fato quis ser, de realizar
seus verdadeiros sonhos e não somente os das demais pessoas que nos cercam.
O medo da morte
para alguns pode ser o medo pelo julgamento por um deus severo e por penas
pesadas a serem cumpridas após a morte, já para outros pode ser o medo pelo
desconhecido ou ainda o medo pelo esquecimento, por deixar de ser, de existir
para todo o sempre, por não ser mais lembrado, por não fazer mais falta a quem
quer que seja e a si próprio. A consciência e a razão nos dizem da
inevitabilidade da morte a qual estamos condenados mais cedo ou mais tarde, não
podendo fugir ou enganar. E para um ser genuinamente racional, torna-se mais
triste na medida em que qualquer crença religiosa poderia lhe ser vista como um
modo de se auto enganar, crendo naquilo que de fato não acredita.
De certo modo, a
inevitabilidade e por vezes urgência da morte leva o indivíduo a viver mais
plenamente sua vida, dando sentido e significado a cada momento restante da
mesma. É diante da morte que nos fazemos humanos ao valorizarmos as nossas
realizações em vida. Se somos dignos, o somos diante da morte e perante a vida
e esta dignidade é fruto do esforço cotidiano pela obtenção daquilo ao qual nos
propomos em nossa breve existência humana. É belo, é trágico, é dolorido. Dor
dos vivos pelos que se vão. Dor do que está vivo por não viver, desperdiçando
sua vida. Dor por quem já morreu e não sabe, continuando vivo somente nas
aparências fúteis de uma vida sem objetivos, realizações, prazeres e
contentamento.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa
Oliveira.
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