Professor Doutor Silvério

Blog: "Comportamento Crítico"

Professor Doutor Silvério

Silvério da Costa Oliveira é Doutor em Psicologia Social - PhD, Psicólogo, Filósofo e Escritor.

(Doutorado em Psicologia Social; Mestrado em Psicologia; Psicólogo, Bacharel em Psicologia, Bacharel em Filosofia; Licenciatura Plena em Psicologia; Licenciatura Plena em Filosofia)

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terça-feira, 16 de agosto de 2022

Sócrates e a maiêutica

 Por: Silvério da Costa Oliveira.

 Sócrates

 

Eu não sei coisa alguma, eu sou estéril; mas estou te servindo de parteira e faço encantamentos para que dês a luz tua ideia. (Sócrates, “Teeteto”)

 

Quem foi, e quais as fontes para conhecer Sócrates

Sócrates (470/469-399 a.C.), nasce na cidade de Atenas, onde vive toda a sua vida e atua como filósofo, cidade na qual também vem a morrer. Além de filósofo, demonstrou muita coragem com sua participação em várias guerras em defesa de sua cidade. Sócrates é filho de Sofronisco, um escultor, e de Fainarete, uma parteira. Sócrates frequentemente alegava que escutava seu demônio interior (daemon), uma voz interior que lhe ordenava o que devia evitar, ajustando o seu caminho na vida, muito se aproximando este conceito de “daemon” do que contemporaneamente entendemos por consciência moral.

Analisando os textos antigos e comentadores, há uma concordância que Sócrates teria sido casado com uma mulher de nome Xântipe (Xantipa), bem mais jovem que ele, e há também referências a outro casamento, com uma mulher de nome Mirto. Sócrates, segundo comentadores, teria tido três filhos, de ambos casamentos. Alguns comentam que em virtude da escassez de homens em Atenas, por causa das mortes nas guerras, uma lei teria sido aprovada autorizando ao homem ateniense ter mais de uma mulher.


 

Foi o amigo e discípulo de Sócrates, Querefonte, que em viagem ao Oráculo de Apolo, em Delfos, apresentou a sacerdotisa do templo a seguinte pergunta: “Quem é o homem mais sábio da Grécia?” e que teve como resposta que era Sócrates. Fato narrado por Platão (filósofo) no livro “Apologia” e também por Xenofante (historiador) em livro que também se chama “Apologia”, neste outro relato é dito que a sacerdotisa teria dito que “ninguém seria mais justo, livre e sensato que Sócrates”, não estando presente a palavra “sábio”. A pergunta e a resposta afirmativa, que o homem mais sábio era Sócrates, pode ser encontrada nos diálogos de Platão: “Apologia” e “Cármides”.

Sócrates nada escreveu e o que dele sabemos se dá por meio de seus discípulos e conterrâneos, alguns amigos e outros inimigos. Temos a belíssima obra de Platão, onde Sócrates aparece como personagem, sempre enaltecido pelos debates, e temos também a obra “As nuvens”, de Aristófanes, onde o mesmo Sócrates é ridicularizado como personagem desta peça de teatro, uma comédia.

Sócrates nada escreve e isto provavelmente foi proposital por acreditar que a palavra escrita trairia o espírito vivo de sua filosofia, que era o diálogo proporcionando o nascimento de novas ideias que estavam incubadas e prontas para nascer, mas precisando de uma ajuda, de um estímulo para tal. A filosofia se dá entre pessoas vivas e não na escrita e leitura de um conhecimento fixo e dogmático.

Dentre as fontes contemporâneas a Sócrates temos Platão, Xenofonte e Aristófanes (autor de comédias no teatro). Mas não podemos esquecer que posteriormente Aristóteles também nos fala de Sócrates e que quatro dos discípulos de Sócrates fundam as assim chamadas Escolas socráticas menores. Apesar de nada ter escrito, temos por meio de seus contemporâneos vários relatos que justificam a real existência deste personagem.

Após a sua morte vários discípulos fundaram escolas que se propuseram a seguir as ideias do mestre, deste modo, além de Platão com sua Academia e de mais tarde Aristóteles com seu Liceu, temos informação de mais cinco escolas, conhecidas como escolas socráticas menores (1- escola de Élis, 2- escola de Eretria, 3- escola de Megara ou Megárica, 4- escola Cirenaica ou Hedonista, 5- escola Cínica).

Todas as cinco escolas socráticas menores concordam em que o maior bem que o humano pode atingir é a sabedoria, apontando, portanto, para a presença desta ideia no pensamento original de Sócrates. A escola de Élis dá destaque à virtude e à ética, bem como ao poder reformador da educação, igualando a virtude ao conhecimento / ciência e a virtude. A escola de Eretria vê uma identidade entre verdade e virtude, verdadeiro e bom. A virtude seria a sabedoria, identificando, deste modo, a virtude com a ciência. Prioriza o bem e a moral na conduta humana, além de dar ênfase à dialética. A escola megárica dá destaque à lógica, dialética e ao bem, segundo esta escola só podemos ter acesso à verdade por meio da nossa razão, priorizando, também, a virtude e a ética. A escola cirenaica ou hedonista destaca a importância do prazer e que este está vinculado à felicidade humana, a obter o prazer e evitar a dor e sofrimento. Mas defende a moderação dos prazeres para que estes não se transformem em um mal ou em sofrimento posterior. A escola cínica defende o ascetismo e o desapego das coisas materiais. Propõe a disciplina e o autocontrole, a ausência do luxo, das paixões e da riqueza. Ocorre que todas estas escolas desenvolvem uma das múltiplas facetas do filósofo Sócrates, do qual todas são devedoras.

A escola de Élis foi fundada por Fédon, discípulo de Sócrates, a escola de Eretria foi fundada por Menedemo, discípulo de Estilpón e Fédon (discípulo de Sócrates), a escola Megárica foi fundada por Euclides de Mégara, discípulo de Sócrates, a escola Cirenaica ou Hedonista foi fundada por Aristipo de Cirene, discípulo de Sócrates, a escola Cínica foi fundada por Antístenes, discípulo de Sócrates, e também por Diógenes de Sinope. Como podemos observar, as cinco escolas socráticas menores tiveram na sua origem discípulos de Sócrates, os quais foram influenciados por uma das facetas presentes na complexa personalidade do filósofo Sócrates. Estes discípulos não somente atestam a existência de Sócrates, como também nos mostram um pouco mais sobre como seria a pessoa real de Sócrates, o que ele defendia e como vivia.

Podemos perceber em Sócrates por meio dos diálogos de Platão e também das filosofias continuadoras de seu pensamento, por parte de seus discípulos, que há um fundo hedonístico e utilitarista emoldurados pela razão, bem como em sua vida observamos a presença de uma disciplina rigorosa e também de uma postura onde temos o ascetismo.

É difícil saber onde começa e onde acaba o Sócrates histórico, do Sócrates idealizado por todos que o conheceram, sejam estes amigos ou inimigos. Mesmo enquanto personagem na obra de Platão, até hoje os comentadores discutem quais ideias pertenceriam de fato a Sócrates e quais outras seriam ali postas por Platão para exemplificar suas próprias teorias e elaborações filosóficas.

Se nos basearmos em Aristóteles, que não conheceu pessoalmente Sócrates, mas que conviveu por vinte anos na Academia com outros que o conheceram pessoalmente, temos que o Sócrates original e histórico teria se preocupado com questões morais e éticas, além do uso do diálogo partindo do particular para questões mais universais, onde teríamos o método indutivo em busca de conceitos universais, já o Sócrates idealizado por Platão trataria do mundo das ideias, mas que este conceito filosófico pertenceria a Platão e não a Sócrates.

Sócrates é possuidor de uma personalidade complexa que dará origem a diversas interpretações, seguidores e escolas ou movimentos desde seus contemporâneos, logo após sua morte, até momentos bem posteriores no decorrer da história humana.

Com Sócrates, e antes dele com os sofistas, há um afastamento da temática presente nos assim chamados filósofos pré-socráticos. O objetivo da filosofia deixa de ser conhecer o cosmos e a physis e passa a ser conhecer o humano, suas virtudes e conhecimento.

 

Apologia de Sócrates

O termo apologia, presente em dois títulos importantes que nos contam sobre o filósofo Sócrates, significa “defesa”. Temos presente este termo no título de um livro de Platão e também de outro discípulo de Sócrates, Xenofonte. Na Apologia de Sócrates nos é retratado este personagem histórico e também a sua condenação e morte. Platão nos trará uma abordagem mais filosófica, pelo ponto de vista do Sócrates que está sendo julgado. Já Xenofonte nos mostrará os aspectos políticos envolvidos neste mesmo processo. Mesmo Sócrates não sendo culpado das acusações a ele imputadas, foi condenado, e isto se deveu em boa parte a ter ele incomodado muita gente no transcorrer de sua vida por meio de seu método filosófico de inquirir as pessoas sobre o que elas deveriam saber em virtude de sua história pessoal e atividade profissional, mostrando que estas de fato acreditavam saber as respostas, mas que não as sabiam.

A obra “Apologia” de autoria de Platão, está dividida em três partes: 1- defesa de Sócrates e diálogo como Meleto, 2- A decisão tomada pelo júri e o esperado da mesma, 3- Reflexões de Sócrates sobre a vida e a morte, em seu cárcere.

Os comentadores argumentam que apesar do tribunal o ter condenado na primeira votação, era costume o réu propor uma pena alternativa, fosse o exílio ou o pagamento de uma multa e que era isto o esperado. No entanto, Sócrates propôs como alternativa à pena de morte pedida por seus acusadores, que ele fosse cuidado e alimentado pela cidade pelo resto de sua vida, como forma de pagamento pelos serviços prestados no auxílio filosófico de seus concidadãos. Entre as alternativas e durante a segunda votação, os 501 jurados, em sua maioria, escolheram a pena de morte, mas mesmo assim, durante o mês em que este esteve preso esperando o momento para o cumprimento da pena, esperavam ou mesmo desejavam que este fugisse. Guardas foram subornados pelos discípulos para o deixarem fugir e tudo foi organizado para que Sócrates fosse levado em segurança para outra cidade, mas este se negou a desobedecer a lei de sua cidade, mesmo que isto significasse sua morte. A preparação da fuga de Sócrates é atribuída ao discípulo Criton.

Uma embarcação ia todos os anos da cidade de Atenas até a ilha natal de Apolo, Delos, celebrando a vitória de Teseu contra o Minotauro com a ajuda do deus Apolo. Por lei, não era permitido qualquer execução antes do regresso deste navio, motivo pelo qual Sócrates ficou preso aguardando o cumprimento de sua pena por 30 dias.

Sócrates morre ao ingerir o veneno cicuta por ordem do tribunal da cidade, que assim o condenou. Foram três os acusadores: Meleto, poeta e adivinho, Lícon, orador e professor de retórica, Ânito, político democrático e rico comerciante, cujo filho era discípulo de Sócrates. Não era permitido a cidade de Atenas mover uma ação deste tipo contra um de seus cidadãos, somente outro cidadão poderia mover tal ação.

As acusações contra Sócrates foram: 1- Não reconhecer os deuses da cidade e introduzir novos deuses e cultos e 2- Corromper a juventude. Os juízes foram 501 cidadãos atenienses escolhidos por sorteio. Na primeira votação ele foi considerado culpado e na segunda votação foi confirmada a pena de morte por ingestão de veneno, um preparado a base de uma planta venenosa, cicuta. Este veneno deveria trazer dores horríveis e insuportáveis para quem o ingeriu, no entanto, o relato que temos nos fala de uma morte bem tranquila e em paz, o que leva a crer que no preparado de cicuta foi adicionado ópio, para atenuar a dor.

Diante do júri Sócrates defendeu sua inocência e argumentou que se um justo sofre uma injustiça, sendo incriminado, aqueles que assim procedem, os injustos, também o seriam incriminados mais tarde. Argumentou que se condenado, o júri, e a cidade por ele representada, seriam posteriormente acusados de assassinarem um sábio e justo homem.

Segundo o diálogo “Apologia”, no qual Sócrates se prepara para a morte, obedecendo a ordem do tribunal para ingerir o veneno cicuta, temos que não há que temer a morte, o que devemos fazer é viver e morrer bem, isto sim é o importante e não o temor do desconhecido. Temer a morte é querer ser sábio sem o ser, pois, acredita-se possuir um conhecimento sobre ser a morte algo ruim e o pior dos males, quando na verdade, nada sabemos sobre a morte. Pode ser algo bom. Para Sócrates a pior ignorância está presente naquele que acredita saber o que na verdade não sabe. Se somos realmente sinceros conosco mesmos, não temos como saber se a morte é um bem ou um mal.

Não cabe cometer uma injustiça para evitar a morte, pois, seria cometer uma injustiça para evitar algo que não se sabe se é bom ou ruim. A morte pode ser uma de duas coisas: 1- ou quando morrermos passamos a ser nada, sem qualquer sensação, seja de dor ou prazer, ou 2- ou estamos diante de uma transformação e de uma mudança da alma deste lugar no corpo, para outro lugar que não conhecemos. Não devemos temer ou nos preocupar com a morte. O importante é viver bem e com justiça, ter uma vida nobre e ética. A morte não deve ser evitada a qualquer preço, é o que nos ensina Sócrates na Apologia, há valores que são muito mais importantes e ao negá-los para nos salvar da morte, nosso verdadeiro eu morre, aquilo que de fato nós somos em essência deixa de existir, mas nosso corpo vive, para além de nós mesmos.

 

O método socrático

Por meio do método socrático, o filósofo proporciona ao seu interlocutor que este reconheça que o que pensa que sabe se baseia na doxa (opinião) e não na episteme (conhecimento), sendo necessário destruir as falsas crenças para que a verdade possa emergir.

Sócrates por vezes comenta que não herdou a vocação do pai e sim a da mãe, pois, a mãe cuidava de ajudar as mulheres grávidas a terem seus filhos, sem ela própria estar grávida ou ter um filho. A função da parteira é somente estar por perto e ajudar a mulher grávida. Entendia Sócrates que ele fazia o mesmo, metaforicamente, ajudava as pessoas grávidas de ideias a darem à luz, sem que ele próprio tivesse a ideia, somente ajudava e chamava a este procedimento de “parto de ideias”, de “maiêutica”.

Sócrates fazia uso constante da maiêutica e da ironia, sendo esta forma de filosofar conhecida como o método socrático, no qual, por meio de perguntas bem colocadas, guiava seu interlocutor do ponto em que este pensava saber a resposta e possuir o saber, para outro no qual admitia não saber ao certo, mas ter evoluído no seu entendimento sobre o tema.

Sócrates cria e usa como método de sua filosofia a maiêutica, ou seja, o parto das ideias, consistindo este no diálogo e na interrogação de seu interlocutor em busca da verdade. Sócrates não fazia exposição oral de suas ideias por meio de discursos, retórica e oratória, preferindo, no seu lugar, o diálogo, a conversa, a troca de ideias em busca de uma verdade aceita pela razão de todos os envolvidos no debate.

O método socrático se dá em duas fases, sendo a primeira destrutiva das opiniões e preconceitos, e a segunda construtiva de um novo e verdadeiro conhecimento. Na primeira temos a ironia e na segunda a maiêutica. Por tal método, Sócrates coloca em evidência contradições no que a pessoa acredita ser a verdade, gerando inicialmente a dúvida sobre a veracidade daquela verdade. Normalmente as pessoas inquiridas por Sócrates apresentavam alguma afirmação como sendo verdadeira, mas tal conhecimento estava embasado em valores e preconceitos sociais e culturais.

Por meio da ironia e maiêutica Sócrates conseguia conduzir seus interlocutores a novas perspectivas sobre temas que antes estes achavam dominar integralmente, sabendo a verdade sobre os mesmos. Ajudando por meio do diálogo que seu interlocutor possa refletir sobre o que pensa que sabe, proporciona a formação de novas ideias e conceitos, afastando o que antes se acreditava saber como uma verdade dogmática, fruto de preconceitos não devidamente analisados. Temos, portanto, uma análise racional e individual do conhecimento que se pensa ter como verdadeiro, em busca da verdade.

Por meio do diálogo e não da retórica ou do discurso longo, Sócrates se propõe a obter a verdade, investigando-a conjuntamente com seu interlocutor. Sócrates se coloca na posição de uma parteira, ajudando a pessoa a dar a luz a uma ideia que nela já preexistia encubada, grávida, conduzindo seu interlocutor por meio de um processo de reflexão e descoberta. Para obter este resultado, Sócrates faz uso de breves perguntas, simples e aparentemente ingênuas e pouco a pouco vai desconstruindo o saber que a pessoa pensa ter, em verdade falsas opiniões que se mostram repletas de contradições que são exploradas no transcorrer do diálogo.

O objetivo presente no método socrático é proporcionar que o interlocutor examine suas próprias crenças, reconhecendo e desafiando a legitimidade de tais convicções, tornando-o apto a buscar a verdade.

Cabe também a referência ao Oráculo de Apolo, em Delfos, onde havia uma inscrição que dizia: “Conhece-te a ti mesmo”. Em mais de um momento Sócrates faz referência a esta inscrição. O verdadeiro conhecimento não vem de fora para dentro, e sim de dentro para fora por meio do autoconhecimento.

 

Ética e moral em Sócrates

O posicionamento de Sócrates no tocante à ética pode ser entendido como “intelectualismo moral”, expressão esta que surge no século XIX de nossa era com Schelling. Neste entendimento filosófico, o humano não é mal e não faz o mal intencionalmente, mas por ignorância no sentido de não saber, de não conhecer a verdade. Quem conhece a verdade faz o bem. A virtude pode ser conhecida e ensinada, sendo igualada ao bem e ao conhecimento da verdade.

O maior bem, a vida feliz e a coisa mais útil se mostram presentes na virtude. Quanto à beleza, entende que o belo é o mais útil e direcionado a um fim. Em última instância, todas as virtudes tendem a se reduzirem a sabedoria. Pela atividade educadora exercida por Sócrates podemos entender que a virtude possa ser ensinada, do mesmo modo que qualquer outro conhecimento, por meio do uso da razão e da maiêutica. Ao identificar a virtude com a ciência, obtemos um rígido determinismo moral. Ninguém pratica o mal voluntariamente, aquele que pratica o mal o faz por ignorância do bem.

Dentro da ética de Sócrates, é melhor se submeter (sofrer) ao mal do que cometer o mal. As pessoas cometem o mal por ignorância, por não conhecer o bem. Quem conhece o bem, a verdade, faz o bem.

Entendia que o princípio da sabedoria estava em reconhecer que nada se sabe. Sócrates identifica o saber com a virtude e esta com o bem. Apesar dele talvez não ter dito esta famosa frase, se encontra coerente com sua abordagem filosófica: “Só sei que nada sei”. A partir do reconhecimento de nossa própria ignorância, de nosso não saber, de desconhecermos a resposta certa, podemos nos colocar em um processo de busca pela verdade, busca do conhecimento, da sabedoria, da virtude, do bem.

 

Sócrates e os sofistas: semelhanças e diferenças

Enquanto os Sofistas, a época de Sócrates, forneciam uma educação enciclopédica voltada para as aparências, visando a obtenção de lucros políticos por meio da oratória, Sócrates mantém uma constante preocupação com a educação da juventude ateniense, voltada para a prática do bem, da justiça e da virtude, objetivando o aprimoramento das pessoas dentro da sociedade na qual vivem, se tornando melhores cidadãos perante sua cidade.

Sócrates chegou a ser acusado de ser um sofista, movimento que sabemos por meio dos diálogos de seu discípulo Platão, que este combatia por meio de sua postura filosófica. Mas vamos entender um pouco mais isto, pois, se por um lado Sócrates se afasta dos sofistas e os combate como adversários da verdadeira filosofia, como temos presente nos diálogos de Platão, por outro lado, em muito deles também se aproxima.

O termo sofista significa originalmente somente “mestre” e “sábio” e como tal continuou a ser utilizado mesmo dentro de escolas de filosofia, apesar de ter sofrido uma deturpação, deterioração e alteração de seu significado. Como tal, Sócrates também pode ser entendido como um mestre e sábio.

Os sofistas tinham um grande conhecimento e compartilhavam este conhecimento com seus alunos mediante pagamento por seus ensinamentos. Já Sócrates entendia que não era aceitável pagar para aprender filosofia e, portanto, não cobrava por seus ensinamentos a seus discípulos. Justamente por cobrarem, os sofistas mais famosos se tornaram muito ricos, já Sócrates era pobre. Tanto os sofistas, como também Sócrates, tinham entre seus alunos os filhos da classe rica e dominante da cidade.

Os sofistas se apresentavam como possuidores do conhecimento que se propunham a ensinar, eles sabiam as respostas. Já Sócrates se apresentava como alguém que nada sabia, que apenas ajudava as pessoas a descobrirem a verdade da qual já estavam anteriormente grávidos sem o saberem. Sócrates não sabia as respostas.

Tanto Sócrates, como também os sofistas, eram mestres do discurso e usavam da linguagem para seus ensinamentos. Sócrates dava preferência aos discursos breves e curtos, a dialética e maiêutica, já os sofistas preferiam os discursos longos, a retórica e oratória.

A fala em Sócrates objetivava a busca da verdade interior, já os sofistas se propunham a ensinar algo novo. Para Sócrates o conhecimento brotava de dentro para fora e para os sofistas este vinha de fora para dentro, mas ambos faziam uso da linguagem para tal feito.

Os sofistas ensinavam a oratória, visando ganhar contendas e disputas, relativizando a verdade. Sócrates não ensinava a retórica e não buscava ensinar seus alunos a ganhar contendas convencendo a outros sobre seus pontos de vista e interesses. Para Sócrates havia uma verdade absoluta e não relativa.

Tanto Sócrates, como também os sofistas, compartilham a vivência na Grécia do V século antes de Cristo. Estão inseridos dentro de um movimento cultural e intelectual presente a partir da ascensão política da cidade de Atenas com Péricles e a democracia. Neste período histórico, em Atenas, o povo reunido em praça pública tomava as decisões que envolviam sua cidade e para tal era importante saber falar e convencer, saber fazer um uso adequado da fala.

Tanto Sócrates, como também os sofistas, eram buscados e bem acolhidos pelos jovens, se bem que os cidadãos mais velhos e de proveniência aristocrática não gostavam e não nutriam simpatias para com ambos.

Com os sofistas temos na Grécia a transição do período cosmológico representado pelos filósofos pré-socráticos, para o período antropológico, cuja maior ênfase e importância se dará não para a natureza, physis, e sim para o humano e seu convívio em sociedade. Esta mesma transição do cosmos e da physis para o humano, encontramos em Sócrates.

 Silvério da Costa Oliveira.


 


 

 


Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.

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terça-feira, 9 de agosto de 2022

Epicteto e o Estoicismo romano

Por: Silvério da Costa Oliveira.

 Estoicismo – Epicteto

 Epicteto ou Epiteto (50-125/138 d.C.) nasceu em Hierápolis, Frigia (atualmente, Pamukkale, Turquia) e faleceu em Nicópolis. O nome "epiktetos" originalmente em grego significa simplesmente “adquirido ou comprado”, referência ao fato dele ser um escravo romano. Seu verdadeiro nome é para nós desconhecido. Teve como oportunidade, ainda na condição de escravo, assistir as aulas do estoico Caio Musônio Rufo.

Foi escravo por um tempo de sua vida, tendo recobrado a liberdade com a morte de seu proprietário, Epafrodito, um escravo liberto, que foi assessor de Nero e a tradição o vê como um homem cruel, que teria, inclusive, certa vez mandado quebrar uma das pernas de Epicteto.


 

Após liberto atuou como chefe do corpo da guarda do imperador Nero. Os comentadores são de opinião que nada escreveu e que suas aulas eram somente orais, tendo ensinado em Roma e depois em Nicópolis (Epiro). Seus pensamentos foram anotados por seu discípulo, Lúcio Flávio Arriano de Nicomédia, no “pequeno manual” (Encheiridion de Epicteto; também pode ser traduzido como adaga ou punhal) e os “Discursos” (Diatribes). A tradição nos diz que foram no total oito livros que compuseram as Diatribes, mas somente quatro chegaram até os nossos dias. É contrário aos acadêmicos, aos céticos e aos Epicureus. Com Epicteto temos um retorno ao antigo estoicismo, se afastando do ecletismo então em voga.

Para Epicteto e demais estoicos, a virtude é o único bem e o vício o único mal. Entende a virtude como sendo viver de acordo com a natureza humana, ou seja, por meio do uso da razão que é o que diferencia o humano dos demais animais e o identifica com a razão no sentido cósmico universal que é a providência divina. As emoções e desejos devem ser dominados pela razão, a virtude está justamente no exercício deste controle, que nos proporciona liberdade em relação a tais sentimentos e desejos. Muito presente também na filosofia estoica é o sentimento de dever e o senso de responsabilidade oriundo de viver de acordo com a razão.

Mais voltado para questões práticas, tende a se afastar de questões mais teóricas ou abstratas. Entende a filosofia como um modo de vida e uma orientação para o comportamento. Mantém respeito para com a dialética, da qual faz uso e entende ser útil. Provavelmente teve acesso a algum material escrito de Crisipo e toma como modelo de vida a Sócrates e Diógenes. Entende que deus é imanente ao mundo e ao humano, e que o cosmos é um ser vivente. Identifica Deus com a lei suprema presente no estoicismo. Defende que todos os humanos são iguais, independente de classe social, dos povos a que pertença ou da condição de senhor ou escravo.

Existe no mundo coisas que dependem de nossa vontade e outras que dela são independentes. Nós temos controle sobre nossas paixões, sentimentos e emoções, mas o mesmo não se pode dizer dos fatos da vida, que podem nos levar a morte, a doença, as agruras ou mesmo a felicidade e as alegrias. Cabe ao sábio adotar uma atitude de indiferença a todas as coisas externas e que não dependem de sua vontade. O maior bem que podemos possuir é nossa tranquilidade e serenidade. Para Epicteto uma vida feliz e uma vida virtuosa são sinônimos.

Para Epicteto e os estoicos, as coisas podem ser divididas em três grupos, as que são boas, as que são más e as que são indiferentes. As coisas boas são as virtudes e as más os vícios. Sobre o que é bom ou mal cabe controle e escolha racional, já sobre as indiferentes não cabe controle. Mas isto não quer dizer que nada possamos fazer, pois, mesmo no tocante às coisas que estão fora do nosso controle, podemos exercer nossa ação fruto de uma decisão racional, sobre as mesmas quando ocorrem. Se não entendemos de construção e pretendemos construir uma casa, a beleza e segurança da construção pode nos ser indiferente, mas a escolha dos profissionais que irão nela trabalhar nos pertence. Do mesmo modo podemos ser indiferentes se morremos ou não em um naufrágio, mas coube a nós a escolha da embarcação. Após algo ocorrer, cabe a nós fazermos aquilo que nos compete, para o qual temos o dever de atuar, e não nos preocuparmos com qualquer outra coisa. Ou seja, ignorar aquilo do qual não temos controle não é sinônimo de ter total indiferença para com as mesmas, e sim fazer aquilo que nos compete com aquilo que nos é dado.

Segundo Simplício, Epicteto nos ensina a nos libertar das emoções irracionais e a usufruirmos das coisas externas de modo consistente com o bem, deste modo, alcançar a felicidade sem necessidade de uma promessa de recompensa pós morte.

 Silvério da Costa Oliveira.

 


 

Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.

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terça-feira, 2 de agosto de 2022

Sêneca e o estoicismo em Roma

 Por: Silvério da Costa Oliveira.

 Sêneca

 Sêneca, ou Lucius Annaeus Sêneca (4-65 d.C.). Proveniente de família nobre e abastada. Nasce em Córdoba, Espanha, e ainda bem jovem viaja a Roma onde prossegue os estudos que havia começado com seu pai, Marco Anneo Sêneca, mestre em retórica. Em Roma vive no tempo de três imperadores, Calígula, Claudio e Nero. É um dos principais representantes do assim chamado “estoicismo novo ou estoicismo romano”. Atuou como escritor, filósofo, orador, advogado e senador romano. Sêneca escreveu muito e em diversos gêneros literários (dramas, cartas, tratados filosóficos, peças de teatro). Sua extensa obra conseguiu chegar até os nossos dias, sendo leitura interessante e fonte de conhecimento sobre o estoicismo romano, como cabe citar: “Cartas de um estoico” (Ad Lucilium Epistulae Morales) e “Sobre a brevidade da vida”, “Da clemência”, dentre outras.

Foi responsável pela educação de Nero desde seus 12 anos de idade e quando Nero passou a ser o imperador, aos 17 anos de idade, Sêneca passou a ser, conjuntamente com Afrânio Burros, um de seus principais conselheiros. Mais tarde, o então imperador Nero o condenou à morte por meio de suicídio, pois este havia sido acusado de conspiração contra a vida do imperador. Trata-se da participação na conspiração de Pisão, da qual os comentadores tem opinião de que Sêneca efetivamente não participou, sendo inocente da acusação de conspiração contra o imperador.


 

Apesar de ser visto como estoico pelos comentadores, não deixa de apresentar uma vertente também eclética, onde até mesmo o ceticismo e o epicurismo se fazem presentes. Alguns comentadores, não obstante as belas passagens no pensamento de Sêneca, identificam várias contradições quando se comparam seus escritos sobre distintos temas.

Seus ensinamentos vão de encontro à busca da ataraxia, ou seja, a imperturbabilidade da alma, a paz de espírito, a serenidade e a tranquilidade mental, sempre presente nos estoicos. Entende a filosofia como tendo um valor prático, voltada para o bem viver e a virtude. Adota a divisão da filosofia em três partes, também presente nos estoicos, 1- Física, 2- Lógica (que divide em dialética e retórica) e 3- ética. Em física adota um dualismo na natureza entre matéria e força. Entende que o fogo é a matéria inicial e se encontra em constante movimento a partir de uma razão imanente.

Entende que a parte divina nos humanos é a razão. Admite a providência divina e a existência de deus, entendendo este como a razão universal e imanente ao cosmos, proporcionando ordem a todas as coisas.

A norma moral para ser adotada no comportamento diário visando alcançar a virtude é que devemos viver em conformidade com a natureza e para isto devemos viver em conformidade com a razão, que é o que nos distingue dos demais animais. Sêneca não reprovou a posse e uso dos bens materiais e da riqueza, o que defendeu foi que as pessoas não se apegassem demasiadamente a estes bens passageiros.

Com a obra de Sêneca aprendemos que o tempo é o que possuímos de mais valioso e limitado, uma vez desperdiçado não pode ser obtido de volta. Não é que o tempo nos dado de vida seja pouco, mas o fato de desperdiçarmos este tempo, não vivendo nossas vidas e sim somente existindo. A vida se torna longa o suficiente para quem sabe dela fazer o uso correto.

Não devemos ser escravos dos bens materiais ou das riquezas que possamos obter. Podemos viver com pouco e este pouco é o suficiente para nossa felicidade. Apesar de defender a autossuficiência, entende que é importante manter boas relações de amizade. Ensina a nos preparar para os duros golpes da vida e do destino, imaginando cenários possíveis, por pior que estes possam ser, para não sermos pegos desprevenidos diante dos caprichos da deusa da fortuna.

 Silvério da Costa Oliveira.

 


 

Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.

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