Por: Silvério da Costa Oliveira.
Gilles Deleuze
VIDA
Gilles Deleuze (1925-1995), nasce e falece na cidade de Paris. Cursou filosofia na universidade de Paris (Sorbonne) e, posteriormente atuou como professor de filosofia, além de escritor. Em 1968 conhece Félix Guattari, cuja influência e colaboração seria marcante em sua obra, em particular no tocante aos campos da política, psiquiatria e psicanálise. Foi casado com Fanny Deleuze, com quem teve dois filhos. Estando abatido, desde 1992, pelo desenvolvimento de um câncer e com menor capacidade respiratória, tornando-se necessário respirar com ajuda de aparelhos, impedindo-o de realizar seu trabalho filosófico, pôs fim a própria vida, ao praticar suicídio pulando da janela de seu apartamento localizado em Paris.
Em sua obra estão presentes temas, tais como: a sociedade, a subjetividade e a política. Alguns comentadores o consideram um representante do pós-estruturalismo. Conjuntamente com Foucault é considerado por parte de comentadores, como responsável por um aumento no interesse nas obras do filósofo Nietzsche. No desenvolvimento de sua filosofia, sofre significativa influência de: Nietzsche, Henri Bergson e Spinoza.
Alguns comentadores dividem o trabalho de Deleuze em dois grupos, um voltado para o estudo de filósofos específicos e outro para temas em filosofia. No primeiro grupo teríamos trabalhos interpretando Spinoza, Leibniz, Hume, Kant, Nietzsche, Bergson, Foucault, além de também artistas: Proust, Kafka e Francis Bacon (o pintor moderno). Já no segundo grupo temos o estudo de temas filosóficos ecléticos, focados na produção de conceitos: diferença, sentido, evento, rizoma, etc.
Sua filosofia apresenta múltiplas faces, justamente ao abordar diferentes pensadores clássicos e desenvolver o pensamento destes em sua obra. Cabe também citar sua colaboração com Félix Guattari, psicanalista, escritor e também filósofo. Em parceria escreveram suas principais e mais influentes obras, tais como: “Anti-Édipo: Capitalismo e esquizofrenia vol. 1” e “Mil Platôs: Capitalismo e esquizofrenia vol. 2”.
A influência de Deleuze ultrapassa o campo da filosofia, ampliando-se para outros campos do saber e práticas humanas, tais como a literatura, o cinema e os estudos culturais. Deleuze continua um filósofo atual, sendo estudado e debatido, bem como, exercendo influência em vários campos de estudo. Algumas de suas ideias se destacam pela influência que exerceram na filosofia contemporânea, tais como: multiplicidade, diferença e produção de conceitos. No entanto, a filosofia de Deleuze se mostra de modo complexo e inovador, apresentando-se de modo desafiador para com a tradição filosófica.
IDEIAS
Deleuze entende a filosofia como criadora de conceitos. Esta questão surge inicialmente na obra “O que é filosofia?”, 1991, de Deleuze e Guattari. Nesta obra, no lugar de termos uma introdução ao modo tradicional sobre o que seja a filosofia, temos uma reflexão sobre o próprio ato de filosofar. Também é discutida a relação existente entre a filosofia, a arte, as ciências e o pensamento em geral. Nesta obra, a filosofia nos é apresentada como sendo uma atividade criadora de conceitos a partir do exercício constante de um pensamento inovador. A filosofia é um processo dinâmico no qual temos uma atividade criadora de conceitos, o filósofo se insere na atividade de produção de novas ideias. Segundo o pensamento destes autores, conceitos não são representações estáticas da realidade de nosso mundo, mas sim, mostram-se como ferramentas ativas de transformação da forma como entendemos a realidade. Por meio da criação de conceitos por parte dos filósofos, a filosofia permite a abertura e ampliação de novos horizontes para o pensamento humano, sendo, portanto, a criação de conceitos uma atividade produtiva e criativa.
No livro “O que é filosofia?”, de Deleuze e Guattari, é tratada a questão da diferenciação entre a filosofia, a arte e as ciências. A filosofia surge como uma disciplina voltada para a criação de conceitos e não para a busca de respostas definitivas. Os conceitos mostram novas possibilidades para o pensamento. Cabe à filosofia exercer uma atividade conceitual que trata sobre a multiplicidade do pensamento. A arte se mostra como voltada para a criação de sensações. Cabe aos artistas trabalhar com materiais sensíveis para produzir experiências estéticas. Ao atuar como uma forma de expressão que abarca a criação de percepções e afetos, a arte tende a ultrapassar a linguagem conceitual presente na filosofia. As ciências se definem pela criação de funções. Desenvolvem funções matemáticas que modelam regularidades e relações causais. Cabe às ciências atuar formulando explicações e previsões baseadas em leis e fórmulas.
Apesar da filosofia, da arte e das ciências serem atividades distintas, possuem interseções e sobreposições entre elas. Pode, por exemplo, a filosofia se inspirar na arte para a criação de conceitos, por sua vez, as ciências podem ser favorecidas pela abertura conceitual presente na filosofia. Não há fronteiras rígidas e sim uma dinâmica de influência mútua.
É importante que haja esta comunicação entre estes três campos do saber, e esta comunicação não deve ser entendida como sendo hierárquica, mas sim, como uma rede de relações criativas. Apesar de cada campo ter seu próprio modo de expressão, há uma troca constante de ideias e afetos entre eles.
Cada campo se mostra como uma atividade distinta e com um modo específico de criação, deste modo, para a filosofia temos a criação de conceitos, para a arte temos a criação de sensações e para a ciência temos a criação de funções. Mas tais atividades não são isoladas entre si, há uma interação constante e uma influencia a outra. Este entendimento apresenta a filosofia como uma atividade criativa, criadora de conceitos, que se relaciona de modo dinâmico com a arte e as ciências.
A filosofia é entendida como sendo uma força criativa que proporciona a criação de novas formas de compreensão da realidade por meio da criação de conceitos. A filosofia não é apenas uma atividade analítica e descritiva da realidade, mas sim um ato criativo e produtivo. Cabe à filosofia não somente representar e interpretar a realidade, mas criar novas formas de pensar e se relacionar com esta mesma realidade, transformando-a. A filosofia é uma atividade dinâmica e criativa, na qual a criação de conceitos tem um lugar de destaque.
Seus escritos iniciais estão vinculados a pensadores dentro da história da filosofia, a partir da publicação de “Diferença e repetição”,1968, e “Lógica do sentido”,1969, começa a seguir outro rumo filosófico. A ideia de diferença mostra-se central dentro de sua filosofia, presente no estudo das singularidades, que se mostram como sendo os fatos únicos e as anomalias.
Ao nos trazer a discussão sobre os conceitos de “diferença e repetição”, Deleuze debate a ideia tradicional em filosofia na qual temos um maior destaque para o princípio da identidade. Ao contrário, Deleuze entende que no lugar da “identidade”, deve-se questionar e valorizar a “diferença”. Quando pensamos na construção da realidade, a “diferença” mostra-se como algo fundamental. Ao invés de tentar enquadrar as coisas em categorias predefinidas, buscando sua identidade, entende Deleuze a importância de valorizar o que torna justamente estas coisas como sendo únicas em sua diferença para com as demais.
Na filosofia de Deleuze, “diferença e repetição” torna-se em conceito central, proporcionando destaque à noção de diferença e apresentando-se como sendo a negação da identidade enquanto categoria fundamental na filosofia tradicional. Há um questionamento e crítica feitos a tentativa de tudo reduzir a categoria de identidade, apresentando como alternativa a valorização da multiplicidade e da singularidade. Segundo o pensamento de Deleuze, a repetição não é a mera cópia de algo, trazendo em si uma variação produtiva da diferença. Tal pensamento traz implicações para o modo como entendemos a individualidade, a criação e a mudança.
Deleuze aponta para a importância do que este chamou de filosofia da diferença, destaca conceitos tais como a multiplicidade, a diferença e a repetição, questionando as categorias tradicionais presentes na filosofia, tal como o caso da “identidade”.
Deleuze, conjuntamente com Guattari, desenvolve uma crítica à vinculação do desejo, como presente na Psicanálise de Freud e Lacan, à falta contida no complexo de Édipo. Trata-se de uma crítica à forma como na teoria psicanalítica o desejo encontra-se vinculado à questão da falta contida no complexo de Édipo. No lugar, propõe uma leitura a partir da categoria marxista de “produção”. Sua crítica ao complexo de Édipo e ao inconsciente se baseia na categoria Marxista de “produção”.
Dentro da teoria psicanalítica temos que o complexo de Édipo atua de modo central na formação da estrutura de personalidade do sujeito, de suas escolhas de vida e profissional, bem como, do desenvolvimento ou não de uma vida mental saudável e produtiva. Em linhas gerais, nos primeiros cinco anos de vida da criança, esta se envolve afetivamente com o genitor do sexo oposto e depois muda sua identificação para o genitor do mesmo sexo, havendo uma rivalidade amorosa no formato de um triângulo, tendo em uma das pontas a criança e nas outras duas pontas o representante do papel masculino (pai) e feminino (mãe). O desejo mostra-se associado à falta, à ausência de algo.
Segundo a concepção de Deleuze e Guattari, associar o desejo à falta é reduzir o desejo a uma busca constante por algo que o complete, ou, algo que satisfaça uma falta originária. Ambos autores entendem esta abordagem psicanalítica como sendo limitadora e determinante, gerando a construção de uma subjetividade focada na carência. Os autores propõem como alternativa substituir a noção de falta pela de “produção” de desejos e subjetividades, vinculando o desejo à categoria marxista da “produção”. No lugar de entender o desejo como uma tentativa de suprir uma falta, os autores defendem que o desejo se apresenta como uma força produtiva e criativa, que busca produzir novas formas de se relacionar com a realidade circundante.
No tocante ao complexo de Édipo, Deleuze e Guattari, criticam além da forma como o desejo é tratado, também a presença da hierarquia e da normatividade, questionando que o mesmo seja uma estrutura universal. Segundo os autores, haveria uma multiplicidade de expressões e produções de subjetividade.
No lugar de entender o desejo como falta associada a uma estrutura universal, entendem que o desejo se apresenta como uma expressão criativa originada nas relações sociais e nas experiências individuais.
Em sua obra, Deleuze desenvolveu e teorizou as instâncias do atual e do virtual. Há semelhanças com as ideias de Platão (teoria das formas) e com as ideias de Kant sobre a razão pura, mas também se afastam de tais conceitos, pois, tais instâncias em Deleuze não se apresentam como modelos ideais (Platão) ou algo que possa transcender a experiência (Kant). Em Deleuze, nas ideias do virtual, o conceito se mostra idêntico ao seu objeto, dissolvendo-se ambos no plano da imanência.
Outro conceito importante na filosofia de Deleuze é o de “rizoma”, desenvolvido conjuntamente com Félix Guattari, no qual temos uma estrutura sem hierarquia. No rizoma as ideias são interconectadas de modo não linear. Se pensarmos em uma metáfora na qual temos uma árvore com sua raiz, tronco e galhos, o rizoma se apresenta de modo diametralmente oposto, ao não possuir um começo com as “raízes”, um “tronco”, ou uma prolongação com os “galhos e folhas”. O rizoma mostra-se como uma rede na qual qualquer ponto pode se conectar com qualquer outro, não havendo ordem ou hierarquia nestes cruzamentos e ligações.
Como exemplo de uma aplicação da ideia de “rizoma”, podemos pensar em uma escola na qual os alunos ali matriculados possam ser incentivados a explorarem diversas áreas do saber, sem, no entanto, ficarem restritos ao conteúdo programático da ementa de uma dada disciplina. Deste modo, temos que o conhecimento não é estruturado de maneira rígida e os alunos podem escolher diferentes caminhos e interconectar as experiências vivenciadas.
O exemplo da “árvore”, presente no conceito de “rizoma”, em Deleuze e Guattari, tem sua origem em um filósofo mais antigo (século XVII), Descartes, o qual também dá como exemplo para explicar o conhecimento, uma árvore. Buscando ilustrar e explicar o método de busca por um conhecimento que não nos engane no futuro, Descartes utiliza como exemplo uma árvore. Esta metáfora pode ser encontrada no livro “Discurso do método” (Discours de la méthode), 1637. Descartes busca em sua obra um método que proporcione um conhecimento fundamentado e que não leve futuramente ao erro. A base de seu método encontra-se no “penso, logo sou”, que lhe proporciona uma base irrefutável para, a partir da mesma construir todo o edifício do conhecimento.
Segundo Descartes, podemos comparar o desenvolvimento do conhecimento, por meio de um método seguro e confiável, a uma árvore. As raízes representam a metafísica, ou seja, os fundamentos, já o tronco representa a filosofia, na qual temos a lógica dedutiva e o emprego do método correto, os galhos, com suas folhas e a produção de frutos, representam as diversas ciências, as distintas áreas do conhecimento. Segundo o pensamento de Descartes, devemos começar com a elaboração de fundamentos sólidos e indubitáveis (raízes), que irão proporcionar que toda a estrutura a partir daí levantada seja confiável e estável. Esta analogia enfatiza a importância da ordem e do método na busca pelo conhecimento verdadeiro.
Claro está, no entanto, que apesar da metáfora da árvore apresentada por Deleuze e Guattari também se encontrar em Descartes, os contextos filosóficos são distintos, e as implicações e objetivos são diferentes. Em Descartes tal metáfora enfatiza a hierarquia, a racionalidade e ordem na natureza e no método presente na construção do conhecimento. Já em Deleuze e Guattari a metáfora da árvore está associada ao conceito de “rizoma”. No “rizoma” temos um modelo não hierárquico, sem ter uma estrutura fixa. No lugar de uma linearidade apresentada por uma raiz, seguida por um tronco e depois por galhos, temos diversas e distintas conexões horizontais, não linearidade, multiplicidade e descentralização. O conhecimento possui uma organização não fixa, se espalhando por diversas direções e, deste modo, permitindo inesperadas conexões.
O conceito de “rizoma” se soma ao entendimento da filosofia como criadora de conceitos. O rizoma mostra-se como a multiplicidade de pensamentos e conexões que não se encaixam em estruturas pré-determinadas. Por meio do “rizoma” o foco é direcionado para a inovação, a criação e a abertura para novas possibilidades. No lugar da ordem, estabilidade, hierarquia e busca da verdade encontrada no método de Descartes e na metáfora da árvore por ele proposta, em Deleuze e Guattari temos um modelo mais flexível e descentralizado, onde está presente a multiplicidade, não linearidade, criatividade e a dinâmica do pensamento, na produção de conceitos e conhecimento.
Na filosofia de Deleuze e também Guattari, “rizoma” se apresenta como um conceito fundamental. Tal conceito surge no livro “Mil Platôs”, sendo uma metáfora para descrever uma forma de organização que contrasta com as estruturas hierárquicas e lineares presentes na sociedade tradicional. Um bom exemplo, em termos de metáfora, é o da árvore.
Alguns aspectos importantes dentro do conceito de “rizoma”, são: 1- uma estrutura não linear; 2- conectividade e multiplicidade; 3- ausência de ponto central; 4- flexibilidade e resistência à hierarquia.
1- Se pensarmos na metáfora da árvore, teremos uma linha de comando vertical e linear, já o rizoma se opõe a esta ideia, sendo caracterizado por apresentar uma estrutura não linear e não hierárquica. No conceito de “rizoma” não temos uma ordem fixa e pré-determinada. Em vez de uma estrutura vertical, os diversos elementos ali presentes são conectados de modo horizontal, não existindo clara hierarquia entre eles.
O “rizoma” não segue uma ordem linear ou sequencial, sendo caracterizado por possuir uma natureza não linear, podendo seus elementos se relacionarem de modo complexo e imprevisível. As conexões podem ocorrer em qualquer direção, sem seguirem qualquer ordem pré-definida ou específica.
2- O conceito de “rizoma” enfatiza a conectividade e a multiplicidade presente nas diversas relações ou pontos de contato. Cada ponto isolado dentro do conceito de rizoma pode se conectar a diversos outros pontos, daí a multiplicidade e diversidade das relações possíveis, não havendo a elaboração de um único caminho ou rota pré-definido a ser obrigatoriamente seguido nestas conexões e relações.
3- Presente, também, temos a ideia da ausência de um ponto central. Retornando para o exemplo da árvore, esta tem em seu tronco algo central que unifica todas as partes. O tronco da árvore se apresenta como um ponto central dominante. Já o conceito de “rizoma” carece deste ponto central dominante, sendo caracterizado por múltiplos pontos de conexão, sendo que qualquer destes pontos pode ser em determinado momento, central.
4- Flexibilidade e resistência a hierarquia se mostram presente no conceito de rizoma na medida em que este se mostra associado à ideia de opor uma resistência a estruturas rígidas e hierárquicas, sugerindo uma abordagem mais flexível, adaptável e resistente diante das formas tradicionais de controle e organização social.
O conceito de “rizoma” pode ser aplicado a diversas áreas de estudo, que vão desde teoria social até filosofia da mente. Por meio de tal conceito, busca-se um incentivo à exploração de multiplicidade e conectividade em múltiplos contextos, se afastando de uma ideia pautada em estruturas fixas e unificadas. A ideia de rizoma mostra-se como uma metáfora para expressar a possibilidade de formas não hierárquicas e não lineares de organização, buscando incentivar a multiplicidade, conectividade e resistência à rigidez estrutural.
O objetivo do desenvolvimento da ideia de “rizoma” por seus autores, Deleuze e Guattari, é apresentar uma abordagem filosófica que possa romper com estruturas tradicionais, hierárquicas e lineares. Este conceito possui ampla aplicabilidade: filosofia, teoria social, psicanálise, linguística, etc.
Busca-se se opor às formas convencionais e tradicionais de pensamento, baseadas em estruturas fixas, hierarquias e dualismos. Por meio da metáfora presente no conceito de “rizoma”, temos a busca por uma organização mais flexível, descentralizada e não linear.
O conceito de “rizoma” proporciona o desenvolvimento de modo complexo e não previsível de múltiplos caminhos e conexões possíveis, deste modo, enfatizando e incentivando a multiplicidade e a conectividade, ou seja, a possibilidade da multiplicidade de conexões possíveis entre os diferentes elementos presentes de modo a evitar uma simplificação excessiva.
Buscam os autores explorar a natureza descentralizada da realidade, trazendo uma visão de mundo não baseada em um ponto central dominante e destacando a descentralização e a ausência de uma estrutura fixa.
O conceito de “rizoma” mostra-se relacionado à filosofia da diferença proposta por Deleuze, que tende a valorizar a multiplicidade e a singularidade. Trata-se de substituir a busca por identidades fixas pelo destaque a diferença enquanto força criativa.
O conceito de “rizoma” foi aplicado por Deleuze e Guattari na sua crítica às bases da psicanálise tradicional. Na esquizoanálise proposta pelos autores, busca-se entender a mente e a subjetividade sem a presença de uma narrativa que seja linear e / ou centralizada.
Na teoria social e política desenvolvida pelos autores, o “rizoma” apresenta uma alternativa para a organização social. Temos uma crítica à sociedade disciplinar e a apresentação de um modelo social que seja mais descentralizado e fluído.
Cabe também ao conceito de “rizoma” ser uma crítica à estrutura binária presente na lógica, ao proporcionar uma visão de mundo mais complexa e interconectada. Temos em Deleuze uma crítica ao dualismo corpo-mente, bem como, a outros dualismos.
O conceito de “rizoma” tem um papel significativo dentro da filosofia de Deleuze, apresentando uma visão inovadora para o entendimento da realidade, da mente, da sociedade e da arte. Por meio de tal conceito, o leitor é direcionado para pensar questões vinculadas à multiplicidade, conectividade e descentralização, de modo a romper com as estruturas tradicionais e hierárquicas existentes na sociedade.
A construção do conceito de “rizoma” por Deleuze e Guattari pode ser vinculada historicamente ao contexto político e ideológico presente no decorrer da década de 1960, em particular as bandeiras defendidas pela esquerda política. Temos pontos de similaridade, como: a luta contra as hierarquias autoritárias; o anti-institucionalismo; a resistência à sociedade disciplinar; influência anarquista; o movimento antipsiquiatria; desafio a rigidez política.
O conceito expresso por “rizoma” mostra-se como uma forma de resistência à hierarquia e à rigidez presente nas estruturas de poder tradicionais, alinhando-se, portanto, com os movimentos de contestação política então presentes.
O conceito de “rizoma” mostra-se como sendo anti-institucional ao sugerir uma abordagem não centralizada e não linear, o que encontra eco nas contestações presentes nos movimentos estudantis e contra-culturais da década, que tendiam a entender as instituições existentes como sendo opressoras.
Mais um conceito importante encontra-se junto a expressão “Corpos sem órgãos” ou “CsO”. Por meio deste conceito, Deleuze sugere que as pessoas não são definidas apenas por meio de suas funções biológicas, podendo se libertar das restrições sociais e culturais, e, deste modo, poderem experimentar a vida de modos diferentes. Ou seja, é possível às pessoas que estas rejeitem as expectativas impostas pela sociedade e explorem diferentes possibilidades para sua existência.
O conceito de “Corpos sem Órgãos”, CsO (Bodies without Organs, BwO), elaborado por Deleuze e Guattari, em particular nas obras "O Anti-Édipo", 1972, e "Mil Platôs, 1980, pode ser vinculado a debates sobre a sexualidade humana, dentre os quais pode-se incluir o debate sobre a homossexualidade e também a identidade de gênero. Trata-se de um conceito flexível que pode ser aplicado a diversas dimensões da experiência humana.
O conceito de CsO atua na desconstrução das normas e hierarquias presentes na sociedade, incluindo as convenções socias sobre à sexualidade humana. Por tal conceito pode-se questionar as categorias fixas e binárias associadas a sexualidade humana e a uma normatividade heterossexual, trazendo para o debate a diversidade de experiências sexuais e atuando como resistência às estruturas sociais normativas. Por meio deste conceito temos uma abordagem que se mostra mais fluída e aberta, incluindo categorias que não se encaixem na normativa tradicional, abrindo, deste modo, espaço para a expressão de desejos e identidades. O corpo humano mostra-se como um campo amplo de possibilidades, onde nada se encontra pré-definido, podendo as identidades serem construídas e reconstruídas de formas as mais distintas. Por meio do conceito de CsO temos a possibilidade de uma melhor compreensão da multiplicidade de expressões sexuais humanas. Experiências sexuais não são limitadas por uma organização rígida, podendo se apresentar de modos diversos e inovadores.
Podemos associar o conceito de CsO com a desconstrução das categorias tradicionais de identidade sexual e de gênero, desafiando as normas heteronormativas e binárias presentes na sociedade e buscando a exploração de novas possibilidades, não restringindo a expressão sexual autêntica.
Por meio do conceito de CsO são desafiadas noções tradicionais de “corpo”, “subjetividade” e “organização”. Busca-se a desconstrução da concepção tradicional de “corpo” como sendo uma entidade orgânica e hierárquica, afastando-se de categorias fixas e de estruturas normativas e convencionais. O corpo passa a ser entendido como sendo um campo de possibilidades, intensidades e fluxos, não fixado por funções específicas. O corpo é apresentado como uma plataforma aberta e não estratificada, indo além de divisões tradicionais entre órgãos e sistemas.
O conceito de CsO se associa a outro conceito destes autores, o de “rizoma”, pois, do mesmo modo que “rizoma” se opõe a hierarquias fixas, CsO se opõe a uma organização convencional do corpo. Ambos conceitos destacam a desestratificação e a multiplicidade.
Pode ser pensado como exemplo o corpo de um artista, já que este tende a transcender as limitações dadas pelas normas, indo de encontro a experimentação, a fluidez e à liberdade expressiva.
CsO se caracteriza por fluxos e intensidades e não por estruturas rígidas. Temos em CsO um campo de possibilidades onde circulam livremente as energias. Por meio de CsO pode-se pensar a multiplicidade de subjetividades e experiências que não se apresentam em categorias fixas.
Os autores entendem que o conceito de CsO mostra-se como um modo de resistência à captura capitalista. Trata-se de uma ferramenta utilizada para tal finalidade. O capitalismo busca organizar e estratificar os corpos para poder maximizar a produção e o controle, deste modo, CsO mostra-se como a ferramenta de resistência contra este processo, resistência a essa captura, mantendo a singularidade e a potência dos corpos.
CsO nos traz a singularidade enquanto processo pelo qual os indivíduos se afastam das identidades sociais pré-determinadas, tornando-se algo singular e abertos para a multiplicidade de experiências e modos de ser.
CsO é uma forma de crítica à sociedade de controle contemporânea. Trata-se de uma crítica às formas de controle social que visam normalizar e disciplinar os corpos, se apresentando como uma resistência a homogeneização e à padronização dos corpos dentro da sociedade de controle.
CsO mostra-se como um conceito denso e multifacetado que se coloca de modo a desafiar noções convencionais sobre o corpo, a subjetividade e a organização, destacando a fluidez, a abertura para a multiplicidade e a resistência a estruturas rígidas.
Na filosofia de Deleuze, “Corpos sem órgãos”, mostra-se particularmente presente na obra “O anti-Édipo”, colocando em xeque a visão tradicional do corpo como sendo uma estrutura organizada por meio de estruturas fixas. No conceito de “CsO” temos algo a semelhança de um corpo sem limites ou estrutura predefinida. Por meio de tal conceito busca-se livrar o corpo das normas sociais e negar as limitações impostas pelas instituições e pela hierarquia. Em vez de algo sempre fixo e imutável, temos a possibilidade de uma abertura para o novo, para a experimentação, para a criação, para novas formas de subjetividade.
Deleuze também desenvolve em sua filosofia uma crítica à sociedade de controle e disciplinar. A sociedade de controle e disciplinar na qual vivemos se baseia na vigilância e normalização, fazendo uso das inovações trazidas pela tecnologia.
Tanto Deleuze, como também Guattari, desenvolveram uma crítica à sociedade disciplinar, ideia esta também acolhida por pensadores e grupos de esquerda de sua época. A ideia contida no conceito de rizoma apresenta uma alternativa para a disciplina rígida e para o controle, ideias estas presentes na discussão e reivindicações presentes em grupos de esquerda, associada à ideia de liberdade e resistência.
Deleuze e Guattari apresentam uma crítica à sociedade de controle e disciplinadora. No decorrer da evolução das sociedades e da tecnologia, o controle exercido pela disciplina passa a atuar por meio de sistemas mais difusos, na qual temos a vigilância constante. Aqui temos uma crítica à crescente e constante normalização e controle desenvolvidos na sociedade.
Também fica nítido a presença de elementos anarquistas nas ideias desenvolvidas por ambos autores em suas obras. Basta entendermos o “rizoma” como uma forma de resistência à autoridade centralizada. Os princípios anarquistas foram muito influentes na contracultura desenvolvida na década de 1960.
Por sua vez, Guattari estava pessoalmente envolvido com o movimento antipsiquiatria, movimento este que tinha por base o questionamento das práticas psiquiátricas institucionais. O conceito de “rizoma” apresenta uma visão não linear para a compreensão da mente humana, que se mostra coerente com a crítica da antipsiquiatria feita ao modelo médico tradicional.
Também no tocante a política, temos que a filosofia destes autores desafia a rigidez política, evitando categorias fixas e a divisão binária, se direcionando para uma compreensão que possa ser mais fluida e complexa das diversas relações políticas e sociais.
Na obra “O anti-Édipo” temos que os autores, Deleuze e Guattari, apresentam uma crítica à psicanálise de Freud e Lacan, além de proporcionar uma análise nova sobre as dinâmicas sociais e políticas associadas ao capitalismo.
Busca-se a desconstrução da Psicanálise por meio da crítica às suas bases, seja o inconsciente, o desejo ou o complexo de Édipo. No Édipo teríamos a estruturação da mente da pessoa em relação a uma família nuclear tradicional, já os autores propõem que no lugar de entendermos a mente como centrada em conflitos familiares, tenhamos uma abordagem descentralizada e múltipla.
Também essencial neste livro é o conceito de “corpos sem órgãos” ou “CsO”. Busca-se uma concepção que seja mais fluida e aberta dentro da experimentação e resistência às normas sociais, e a imposição de identidades fixas.
Deleuze e Guattari entendem a esquizofrenia, não de um modo clínico, como uma patologia, mas sim como condição produtiva. A esquizofrenia apresenta-se como um modo de resistência ao sistema e como uma abertura para a multiplicidade de desejos. A esquizofrenia pode ser vista como uma recusa em se adequar a estruturas normativas.
Ainda no livro “O anti-Édipo”, temos uma crítica à sociedade de controle, na qual as formas de poder se tornam cada vez mais difusas, se ampliando em relação aos limites anteriormente ocupados pelas instituições tradicionais. Esta análise vincula-se a uma crítica ao surgimento de uma forma de capitalismo mais flexível e ao mesmo tempo mais controlador.
O capitalismo não apenas explora o desejo já existente, como também produz este mesmo desejo de modo ativo. Mesmo as resistências ao sistema capitalista são por este incorporadas e transformadas em partes do sistema, gerando lucros por meio do consumo de produtos. Deste modo, formas de resistência são incorporadas e cooptadas pelo sistema capitalista na criação de produtos destinados ao consumo e ao lucro.
Deleuze também apresenta um trabalho filosófico sobre o cinema, tecendo argumentação sobre o cinema também ser uma forma de filosofia. Deleuze discutiu como o cinema expressa o movimento, o tempo e a multiplicidade. Diferentes cenas presentes em um mesmo filme podem ser apresentadas e coexistirem de modo independente uma das outras, inexistindo uma linearidade temporal.
Na concepção de Deleuze, o cinema é uma forma de filosofia e não apenas uma arte na qual conceitos filosóficos aparecem. O cinema mostra-se, ele próprio, como um meio pelo qual o pensamento é gerado. Por meio do cinema, conceitos tais como o tempo, a memória e a subjetividade, podem ser expressos de modo filosófico. Por meio das técnicas envolvidas na construção das obras do cinema, os cineastas podem criar novas formas de pensamento visual que se coloquem em oposição as convenções narrativas e proporcionem novas visões sobre a existência humana.
Deleuze aplicou o conceito de “rizoma” em sua filosofia no tocante à arte e ao cinema. Segundo o pensamento de Deleuze, o cinema se apresenta como uma manifestação artística que pode expressar a multiplicidade, saindo da linearidade. Pode o cinema proporcionar uma experiência que se afaste das narrativas tradicionais, apresentando algo novo, não linear e descentralizado.
Deleuze também apresenta uma contribuição original para as discussões sobre o papel do cinema em relação com a filosofia, destacando que o cinema pode expressar por si só, em suas obras, conceitos filosóficos. Também cabe destacar que análises feitas por Deleuze sobre o tempo, a diferença e a subjetividade, sofrem influência de filósofos anteriores, tais como: Friedrich Nietzsche e Henri Bergson.
Apesar de trabalharem juntos em algumas de suas mais importantes obras, há algumas diferenças entre o pensamento de Deleuze e Guattari. Enquanto Deleuze traz em sua bagagem uma ampla gama de conhecimentos sobre história da filosofia, Guattari tem experiência e convívio com a psicanálise, a antipsiquiatria e grupos ativistas políticos de esquerda. Apesar das inegáveis diferenças, ambos autores compartilhavam de um núcleo básico de opiniões semelhantes, tais como suas preocupações quanto a multiplicidade, a resistência às estruturas hierárquicas e também ao desenvolvimento de uma abordagem crítica em relação a normas sociais estabelecidas.
PRINCIPAIS OBRAS
1- Diferença e repetição (“Différence et Répétition”), 1968.
Neste trabalho são estudadas as noções de diferença e repetição e como tais conceitos se mostram presentes na filosofia, na matemática e em outros campos do saber. Deleuze assume uma atitude de desafio diante de ideias tradicionais, como o caso da identidade, destacando a importância da multiplicidade. Inicialmente sua tese de Doutorado.
2- Lógica do sentido (“Logique du Sens”), 1969.
Nesta obra é abordada a relação existente entre a linguagem e o significado, estudando como os enunciados adquirem sentido. É introduzida a ideia de “corpos sem órgãos” e são analisadas questões relacionadas à linguagem, subjetividade e expressão.
3- Anti-Édipo: Capitalismo e esquizofrenia (“L'Anti-Oedipe: Capitalisme et Schizophrénie”), 1972. Em coautoria com Félix Guattari.
Trata-se de uma crítica social radical à psicanálise de base freudiana. Temos um estudo sobre as relações entre o desejo, o poder e a sociedade. Busca-se uma nova abordagem para a compreensão da psicologia humana dentro de um contexto social.
4- Mil Platôs: Capitalismo e esquizofrenia (“Mille Plateaux: Capitalisme et Schizophrénie”), 1980. Em coautoria com Félix Guattari.
Os autores dão prosseguimento as ideias anteriormente apresentadas em “Anti-Édipo”, explorando conceitos como: rizoma, multiplicidade. Também um destaque para as interconexões presentes entre diversos campos do saber, tais como: filosofia, arte, ciências.
5- O que é filosofia? (“Qu'est-ce que la philosophie?”), 1991. Em coautoria com Félix Guattari.
Trata-se de uma investigação sobre a natureza e função da filosofia, focando a relação existente entre filosofia, arte e ciência. Os autores tratam de questões vinculadas a criação de conceitos e a importância do pensamento filosófico na compreensão do mundo atual.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.
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