Por: Silvério da Costa Oliveira.
Tirar a própria
vida por meio de uma decisão individual é algo por vezes estranho e que parece
que vai de encontro a busca natural pela sobrevivência, no entanto, é comum
encontrarmos este comportamento não somente na atualidade, mas mesmo no
decorrer da história da humanidade. Alguns suicídios são, inclusive, bem
famosos e constantemente relembrados ou mesmo estudados, como é o caso de
Cleópatra ou de Sócrates. Neste tocante, vários termos são possíveis de serem
usados, cada qual com seu contexto e particularidades que os diferenciam
drasticamente uns dos outros, como é o caso do termo suicídio, eutanásia,
ortotanásia, suicídio assistido, seppuko ou harakiri, dentre outros possíveis
termos que visam descrever uma ou outra forma de retirada da própria vida.
Se incluímos um
médico ou uma equipe de saúde no processo de suicídio, neste caso, caberia
falar em: ortotanásia, eutanásia e suicídio assistido, três coisas diferentes e
que geram discussão nos meios políticos e de saúde pública nos mais diversos
países. Quando usamos o sufixo “tanásia” estamos nos referindo a morte. Ortotanásia
é o procedimento no qual o paciente terminal tem a possibilidade e o direito de
decidir se deseja ou não ter sua vida prolongada artificialmente, sendo motivo
de discussão, mas não constando como dolo no código penal brasileiro ou havendo
proibição no código de conduta dos profissionais de saúde no Brasil, pois,
neste caso o médico não teria um papel ativo, mas deixaria de tentar manter
artificialmente a vida do paciente ou incluir processos de ressuscitação,
deixando que a morte natural sobrevenha. Já eutanásia e o suicídio assistido
são ilegais no Brasil. Por eutanásia entende-se a morte do paciente ocasionada
por intervenção médica a partir de autorização dada pelo próprio paciente, por
vezes se dá com o uso de uma injeção letal, sendo considerado crime no Brasil,
homicídio doloso. Já por suicídio assistido temos que a parte ativa é feita
pelo próprio paciente, estando o médico ali unicamente para auxiliar e
minimizar a dor, usualmente neste caso o paciente ingere algo que o levará a
morte, quem assiste neste caso também está cometendo um crime no Brasil. Apesar
de não ser parte direta de nosso atual estudo, cabe comentar também o termo
distanásia, que é a prolongação da vida por meios artificiais, independente da
dor e sofrimento do paciente e mesmo não havendo meios possíveis de uma
recuperação do paciente, seria somente adiar a morte que já deveria ter
ocorrido por meios naturais ou pela interrupção dos aparelhos que estão
mantendo a vida do paciente de modo artificial. E claro, cabe lembrar que no
campo da saúde, com o envolvimento do médico ou de uma equipe de saúde no
acompanhamento do paciente terminal, qualquer intervenção, seja por ação ou
omissão, poderá gerar discussão social e judicial podendo acabar gerando
penalidades para os profissionais envolvidos por não ser um tema completamente pacífico
e ainda propenso a muitos debates futuros.
Cabe, claro,
lembrar também do seppuku ou harakiri, que é um suicídio ritual feito
inicialmente por um samurai no Japão em determinadas e específicas ocasiões
onde honra e coragem estavam vinculados à possibilidade de morrer ou viver uma
vida em desonra. Até hoje é comum a prática de suicídio no Japão por motivos
semelhantes, mas sem o ritual adotado pelos samurais. Durante a segunda guerra
mundial vários pilotos japoneses jogaram seus aviões em navios aliados em uma
forma moderna de suicídio honrado. Aqui sempre deverão estar presentes motivos
nobres como o amor, a honra e o patriotismo. Historicamente o suicídio nesta
modalidade contem características que o diferenciam radicalmente do suicídio
praticado no resto do mundo não só na atualidade, como também no decorrer
histórico. Claro que outras sociedades podem também ter adotado formas
semelhantes, mas talvez não tão difundidas ou conhecidas em nossa atual
sociedade ocidental. No início desta prática no Japão, estava presente uma
visão religiosa zen budista que dava suporte a prática, bem como as possíveis
consequências de ser capturado vivo pelo exército inimigo durante batalha,
estando morto impedia-se torturas e humilhações.
Em nossa
sociedade contemporânea podemos com relativa facilidade apontar alguns fatores
como mais proeminentes no tocante ao risco real de alguém vir a cometer
suicídio. Geralmente, tentativas de suicídio estão mais presentes diante de
distúrbios psiquiátricos, uso de drogas, anteriores tentativas de suicídio do
próprio indivíduo ou histórico do mesmo em sua família, idade muito avançada,
alguma perda recente considerada de grande importância para o sujeito, solidão
ou ausência de suporte dado por outras pessoas, estados de depressão, etc.
Estatisticamente
a Ásia apresenta as maiores taxas mundiais de suicídio. Já no Ocidente temos
que embora as tentativas de suicídio sejam bem maiores para as mulheres, são os
homens que obtém maior número de êxitos nestas tentativas, isto em decorrência
dos métodos usados pelo sexo masculino serem mais violentos e eficazes, tais
como o uso de armas de fogo, enforcamento, saltar de lugares altos e por sua
vez as mulheres acabam optando por consumir substâncias venenosas ou mesmo
remédios em quantidade tal que se torne mortal. Ressalvando-se que no Brasil,
em regiões agrícolas, predomina em homens a tentativa de suicídio por meio de
envenenamento por agrotóxicos.
No Brasil as
estatísticas apontam para uma prevalência de suicídios na faixa etária entre 15
a 24 anos de idade, já no mundo como um todo a prevalência se dá entre 15 e 30
anos e após os 70 anos de idade.
Pensar o
suicídio é também pensar nos que ficam após a morte, pois, há os familiares e
amigos íntimos, há o luto e a presença das fases estudadas por Elisabeth
Kübler-Ross sobre a perda. Há também a mudança de cenário da morte,
pois, esta tende a não ocorrer de modo tranquilo em casa ou como mais comumente
ocorre, nas instalações de um hospital, para ocorrer de modo violento e abrupto
que marca o local com lembranças no mínimo desagradáveis, para não dizer
chocantes diante do gosto social de nosso tempo presente. Normalmente podemos
afirmar que não há uma causa única para alguém cometer o ato de suicídio, em
verdade, estamos diante do desfecho de um processo onde tanto por parte do
indivíduo que tentou o suicídio, como por parte das pessoas mais próximas a
ele, tivemos grande dose de dor e sofrimento, sendo este o marco derradeiro de
um lento drama existencial.
A quem pertence
a vida que temos? Pode a vida do corpo ser propriedade da pessoa que possui o
corpo e esta tese é coerente com teorias individualistas que defendam a
propriedade privada, neste caso a vida deste corpo pertence a pessoa e ela pode
decidir por colocar fim a mesma. Mas também podemos entender que o Estado é o
proprietário deste corpo e desta vida e que há um social que deva ser
consultado, neste caso estaríamos mais próximos de doutrinas coletivistas que
questionariam a propriedade privada, inclusive de si próprio. Claro que também temos
diversas doutrinas religiosas que irão se manifestar neste tocante, falando
também sobre direito e propriedade, bem como do sentido e significado da vida,
da morte e do pós morte. Então, penso que falar sobre suicídio não é um tema
que algum dia obterá um consenso e mesmo que o faça diante de um grupo ou
população reduzida, jamais o terá diante da história de nossa civilização, dos
escritos e tratados que algum dia abordaram e discutiram o tema.
Pelo que
sabemos hoje, uma pessoa que tente cometer suicídio, apesar de estar mais
propensa a cometer nova tentativa nas semanas seguintes, não necessariamente
irá manter esta postura pelo resto de sua vida, podendo se arrepender da
tentativa e passar a viver sua vida da melhor forma possível. Também sabemos que
algumas condições passageiras podem levar a tentativas de suicídio, tais como a
depressão, o uso de drogas, o sentimento de perda, etc. Logo, entendo que é
obrigação das demais pessoas e da sociedade como um todo, impedir, sempre que
possível, que uma tentativa de suicídio obtenha êxito. Mesmo em caso de
pacientes terminais, temos o registro de pessoas cuja morte era eminente e
inclusive onde cogitou-se algum método de diminuir o sofrimento pondo fim a
vida e que, no entanto, superaram tal fase e posteriormente por alguma
descoberta ou nova tecnologia, conseguiram viver bem ainda por alguns anos. Há
pesquisas atuais sobre métodos que poderão no futuro prolongar a vida por um
tempo muito mais longo do que atualmente dispomos, vide, por exemplo, a
possibilidade do uso de nanotecnologia no tratamento de doenças e de problemas
associados ao envelhecimento. É provável que em futuro próximo o tema do
encerramento voluntário da vida tenha de ser revisto por outro prisma,
decorrente da morte por causas naturais ou envelhecimento praticamente ser
abolida ou retardada por um tempo muito mais longo do que dispomos hoje.
Há em diversas
cidades o serviço composto por um número de telefone para o qual a pessoa que
está pensando em suicidar-se pode ligar e conversar anonimamente com alguém do
outro lado da linha que tentará lhe ajudar, escutar e prevenir uma tentativa de
suicídio. Há também o caso de a pessoa se colocar em alguma situação de perigo,
como jogar-se da janela de um prédio, estando a uma altura considerada do solo,
e haver tempo da chegada de algum auxílio, seja por parte de uma pessoa que se
encontre próximo ao local ou por meio de algum serviço de emergência e socorro
que tenha sido chamado, tal como o corpo de bombeiros ou a polícia. Em geral a
tática usada por serviços profissionais, tais como polícia e bombeiros,
consiste em conversar e havendo possibilidade e estando o suicida distraído,
intervir fisicamente para impedir o ato. Penso, no entanto, que caberia aqui o
preparo destas equipes para uma abordagem mais persuasiva e que não envolvesse
necessariamente uma intervenção física para impedir o ato. Difícil saber o que
falar, mas talvez o mais importante seja de fato escutar empaticamente,
tentando se colocar na posição emocional e cognitiva do outro diante dos fatos
por este narrados. Muitas vezes o ato de falar e ser genuinamente escutado
possui conotações terapêuticas fazendo a pessoa sentir-se melhor e repensando
sua vida e o que pretende fazer a seguir. Neste caso, o socorrista dizer o que
fazer ou o que faria no lugar da pessoa pode não ser eficaz, e sim a escuta
ativa. A decisão é da pessoa e isto não podemos mudar, mas podemos fazer a
nossa parte quando presentes, nos mostrando solícitos a lhe escutar com
dignidade e atenção. Podemos não querer que ela cometa este ato, mas somos
limitados diante de nossas reais alternativas e não podemos nos culpar por
tentar e correr o risco de falhar. Fazer a nossa parte, isto é importante.
Há alguns
fatores de risco que podem sem observados antes de uma tentativa de suicídio se
concretizar e que amigos e familiares colocados diante dos mesmos tem a
possibilidade de intervir de modo a evitar a consumação do ato. Uma boa
intervenção se dá pela empatia e conversa pautada na escuta, onde menos do que
dar-se conselhos, procura-se entender e compreender a outra pessoa,
demonstrando nosso real interesse por ela. Em geral, temos alguns sinais
denunciadores, tais como o uso imoderado de álcool ou o abuso de demais drogas,
a depressão, isolamento, mudança de comportamento, falar que vai se matar,
preocupação e interesse constante pela morte, suicídio e formas de tirar a
própria vida. Internalizar a situação vivida é um modo de obter ajuda.
Há vários modos
de suicídio e não necessariamente este se dá do modo clássico como as pessoas
em geral imaginam, que é a pessoa escrevendo uma carta de despedida e depois
usando algum meio para tirar sua própria vida. Pode ocorrer do comportamento
escolhido para viver sua vida seja um comportamento de tão alto risco que por
si só já seja uma tentativa de suicídio, onde, no entanto, a retirada da vida
não se daria diretamente pela própria pessoa e sim pelas circunstancias
envolvidas ou por outras pessoas. Podemos falar, portanto, de um comportamento
de risco que envolva um suicídio disfarçado. Em certas profissões, como, por
exemplo, a de policial, podemos ter situações nas quais um comportamento de
risco desnecessário possa levar ao final da vida por outros meios, onde mesmo
um homicídio possa disfarçar a prática real de um suicídio.
Em termos de
prevenção, o dia 10 de setembro é o dia mundial de prevenção ao suicídio, daí o
setembro amarelo, no qual no decorrer deste mês se realizam diversas ações
visando esclarecer sobre o tema e evitar que pessoas assim procedam, orientando
quem possui tais ideias e quem possa conviver com tais pessoas. A cor amarela
foi escolhida por ser a cor do carro dirigido por um jovem rapaz americano que
cometeu suicídio, tendo sua família e amigos, posteriormente, iniciado uma
campanha de prevenção.
Há quem defenda
teses distintas, já escutei uma médica psiquiatra defender que o suicídio não é
uma escolha e sim um sintoma de uma doença psiquiátrica. Eu não penso assim. No
meu entendimento tudo em nossas vidas é fruto de uma escolha, o que muda são as
informações que possuímos, pois estas delimitam as opções que conseguimos
visualizar diante de uma decisão a tomar. Quanto mais sabemos sobre algo, mais
opções se mostram disponíveis para escolhermos. Quando a pessoa opta pelo
suicídio é por que naquele momento de sua vida ela vê tal atitude como o melhor
caminho ou o único caminho possível a ser seguido, não conseguindo vislumbrar
outras opções que lhe permitam viver. Entender e ajudar o paciente nestas
condições é também proporcionar um aumento das alternativas que este enxerga,
das possibilidades, da multiplicidade de escolhas possíveis, não sendo,
portanto, o suicídio sua única alternativa. Não ver o suicídio como uma escolha
e sim como um sintoma decorrente de uma doença é negar a autonomia individual da
pessoa, e que sua decisão em tirar a própria vida pode ser convertida em uma
decisão de viver a vida em sua total intensidade.
Se entendemos o
suicídio meramente como sintoma de uma doença, então cabe ao profissional de
saúde custodiar esta vida, internando o paciente, aplicando terapias invasivas
que possam incluir vários procedimentos, as mais diversas drogas a título de
medicação ou mesmo tratamento de choque, eletroconvulsoterapia. Neste caso
retirou-se toda a autonomia deste paciente, portador de uma doença e incapaz de
determinar os rumos de sua própria vida, seu caminho, seu destino. Por tal
abordagem médica, questões culturais e sociais são deixadas de lado diante do
corpo a ser tratado e recuperado. Mesmo o suicídio ritual diante de uma crença
socialmente aceita, seria entendido como sintoma de uma doença. Menos do que
certo ou errado, são abordagens ao problema visando uma solução, mas sem de
fato discutir questões fundamentais que estão por trás de qualquer abordagem
que possa ser dada ao tema, como, por exemplo, o que é a vida, o que é a morte,
a quem pertence o corpo. Se o corpo desta pessoa pertence ao Estado e está
submetido ao coletivo, ao social, ou se pertence ao indivíduo que o detém.
Individualidade ou coletividade? Mesmo que tais questões e outras mais, não
sejam abertamente respondidas ou reconhecidas, elas estão na base das decisões
tomadas por todos os envolvidos e no fundo uma resposta foi dada a cada uma
delas antes do profissional de saúde ou outro envolvido tomar uma decisão qualquer.
Muitas vezes o profissional não está ciente da moral e do julgamento contido em
suas decisões e dizendo que não devemos julgar ou ter atitudes moralistas e sim
meramente tratar, esquece que suas decisões sobre o tratamento se baseiam em
suas atitudes morais.
Também
importante atentar que por vezes a morte é entendida pelo médico como a inimiga
a ser combatida a qualquer preço e a morte do paciente como uma derrota
pessoal. Diante deste quadro fica difícil qualquer abordagem que proporcione a
menor liberdade para uma decisão contrária aos paradigmas socialmente vigentes
ou mesmo para qualquer questionamento sobre a existência de tais paradigmas e
sua base moral, religiosa e cultural.
Viver é mais do
que meramente estar com suas funções vitais funcionando. Ao ser humano cabe ser
feliz, ter êxito em suas tentativas, tecer planos e projetos, criar o seu
futuro. Pessoas cometem suicídio matando seu corpo, mas muitas outras matam
antes seu espírito e andam por aí como se vivas fossem, na verdade mortas
vivas, zumbis sem vida, metas, ambições ou dignidade. Viver é também dar
sentido e significado a sua vida, é cuidar de si e dos que estão a sua volta.
Viver é ter experiências e prazer com as mesmas. Viver é tratar com carinho e
emoção a tudo que nos cerca, a começar por nós próprios e reconhecer que a vida
é algo amplo que em tudo está presente e que de tudo faz parte, gerando
independente de sua religião ou mesmo da ausência de uma religião, uma atitude
religiosa de respeito diante de tudo que nos cerca, bem como estender esta
atitude a contemplação dos momentos presente, passado e futuro.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa
Oliveira.
Blog “Comportamento Crítico”:
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