Por: Silvério da Costa Oliveira.
Em nossa
sociedade o tema da morte, tão normal e comum aos humanos de tempos passados,
torna-se cada vez mais um tema de mau gosto que deva ser educadamente evitado e
sobre o qual recai um forte tabu social, já o tema do sexo, que ainda há poucas
décadas era tabu, vai deixando de sê-lo e ocupando um espaço cada vez maior nos
debates cotidianos. Claro, no entanto, que ainda resvala em fortes contradições
sociais e polêmicas diversas. Autor de livros e artigos sobre sexo e drogas,
tive por vezes a experiência de encontrar ouvintes em palestras presenciais
muito mais receptivos para temáticas oriundas do uso abusivo de drogas do que
de comportamentos sexuais, estes últimos por vezes fortemente vinculados
erroneamente a questões de fundo religioso.
O sexo está diretamente
relacionado ao gênero (macho, fêmea) e a reprodução, já a sexualidade se
relaciona mais diretamente a conformidade a um gênero, as formas de obtenção de
prazer, a busca de determinados prazeres ou práticas. A libido e o prazer
tendem a estar mais próximas ao conceito de sexualidade, apesar deste nunca
poder ser totalmente dissociado do conceito de sexo. Ambos interagem juntos nas
relações humanas e sociais. Se quiséssemos construir uma metáfora sobre o tema,
poderíamos visualizar o sexo como um carro e a sexualidade como o combustível
que o move ou mesmo ao condutor que o guia.
As pessoas não
são iguais e isto em virtude de vários fatores que vão desde uma herança
genética e fatores biológicos até questões sociais, econômicas e educacionais.
A história de vida e aprendizagem de cada um é única e como tal há de
interferir também na forma que cada qual vivencia sua própria sexualidade e
como convive com seu sexo ou com o sexo. Em geral e em virtude de uma sociedade
confusa e repressora, este convívio individual não é bom e piora na medida do
encontro com o outro, cujos problemas e anseios também aqui se fazem presentes.
Há quem diga que “sexo é vida”, se tomarmos esta frase como verdadeira, caberia
comentar que é possível terminar com um parceiro e recomeçar com outro ou mesmo
ter vários parceiros sexuais ao mesmo tempo, só ou acompanhado é uma escolha,
onde não cabe apenas terminar com a vida.
O ser humano é
fruto de um processo lento e gradual de educação e aprendizagem no qual por
vezes aprendemos conceitos errados que reforçam preconceitos ao invés de
propiciarem a criação de conceitos embasados na realidade. Claro que o
mecanismo relacionado ao sexo está vinculado à reprodução e continuidade da
espécie, mas não é só isto, pois nós não nos comportamos sexualmente como os
demais animais em seu processo reprodutivo. Para nós, seres humanos, torna-se
muito importante todo um entorno envolto pelo prazer da sexualidade que pode,
inclusive, abolir meramente o sexo reprodutivo e inverter o sexo de gênero, a
par com isto e gerando muita frustração e sofrimento, temos presentes
raciocínios, muitas vezes falhos, sobre o que venha a ser o certo e o errado,
em geral também incluindo aqui o que supostamente uma dada entidade
sobrenatural gostaria que fizéssemos ou deixássemos de fazer, opiniões estas
expressas por interpretação dada pelo conjunto majoritário de uma ou mais
religiões.
Se formos pensar
unicamente na mecânica do sexo enquanto ato sexual, nada melhor e mais
expressivo do que um filme pornô onde os atores se atem ao ato, a toda a
mecânica nele envolvido, mas será só isto? Existem preferências, processos
educacionais, desejo, repugnância, aprendizagens corretas e inadequadas,
emoções diversas, compatibilidades e incompatibilidades diversas entre as
pessoas envolvidas que tornam um filme pornô tão distinto da realidade quanto
qualquer outro filme de qualquer outro gênero quando diante da realidade que o
mesmo procura retratar. Ou alguém tem dúvida que um filme, por exemplo,
policial ou de espionagem, está muito distante da real realidade da vida de
pessoas que trabalham na polícia ou na espionagem?
O sexo poderia
ser algo simples voltado à reprodução e preservação da espécie, mas a partir do
momento em que nós somos seres emocionais e racionais que buscam entender e
explicar a tudo, mesmo que por mentiras inventadas para entreter crianças no
alvorecer da humanidade e consagradas como verdades definitivas por grupos
distintos no decorrer de nossa história, tende a se tornar motivo de dor e
sofrimento e não prazer e integração.
Depois de anos
escrevendo e ouvindo sobre o tema, tenho por convicção que o sexo enquanto ato
é sentido e vivenciado de modo diferente por diferentes pessoas. Há aquelas que
preferencialmente irão se relacionar com pessoas do mesmo sexo, enquanto que
outras irão preferir relacionarem-se com pessoas de sexo diferente ao seu, há
os que gostam muito do ato sexual e suas derivações e tem a necessidade de
muitos relacionamentos não somente com pessoas diferentes, mas também de modos
diferentes, há os que realmente não gostam de fazer sexo e se o fazem é somente
para agradar a uma pessoa que querem como parceiro ou para atender a exigências
sociais. Este grupo dos que não gostam de fazer sexo é inclusive muito maior do
que meramente se imagina e tem sido enormemente negligenciado. Há os que
possuem algum comprometimento que lhes afeta o ato ou o prazer do mesmo e,
portanto, dele se afastam ou não o vivenciam como gostariam ou poderiam fazer.
Enfim, o sexo não é um rio que corre livremente e sim um com vários afluentes e
bloqueios, nos quais os castores fazem suas pequenas represas e barragens.
Medo, muito
medo, frustrações, ciúmes, egoísmo e diversas outras emoções e paixões não
produtivas estão aqui também presentes. As pessoas por vezes se atem no seu
pequeno mundinho emocional cognitivo e esquecem que o outro é livre e independe
do que você quer ou não que ele seja. Nós só podemos compartilhar nosso tempo
com este outro, mas jamais seremos este outro ou este outro será nós. Cabe
viver o momento presente enquanto agradável for, como se este fosse o último de
nossa curta vida, pois, queiramos ou não, mesmo quando encontramos a pessoa
maravilhosa que sempre buscamos, um dia iremos perde-la, pois, se não a
perdermos para a vida, a perderemos para a morte e não há traição nisto. Ir
embora não é trair, trair é quebra de contrato, seja este explícito ou
implícito, e não pode envolver a eternidade de um momento, de uma emoção, de um
sentimento, de um prazer. Melhor seria nos livrarmos das atitudes, emoções e
sentimentos negativos e se tivermos a sorte de encontrar alguém que nos atenda
sexualmente nos fazendo sentir bem, viver em profundidade tal relacionamento
como se eterno fosse, eterno enquanto dure.
Há também
aqueles que justamente quando o relacionamento sexual é muito bom e começa a se
ampliar para outras áreas de sua vida, tornando mais íntimo de uma dada pessoa
em particular, tendem a fugir com receio de criar um vínculo no qual fiquem
presos. Se o sexo é ruim alguns dão o fora e se é muito bom, outros dele também
fogem. Complicado.
Ciúmes
excessivos, querer controlar, perseguir, vigiar ou contratar alguém para que o
faça, são coisas que não pertencem ao amor e sim ao medo e a necessidade de
posse do outro, mas o outro não é algo do qual possamos ter posse como se um
escravo nosso fosse. Podemos sim escolher entre ficar ou partir, se não está
bom então pode ser hora de partir, e se está bom pode ser hora de ficar, mas
querer dominar o outro só tende a levar ao desespero em virtude da
impossibilidade natural de tal comportamento que presume um senhor e um escravo
sem vontades, desejo ou consciência própria.
Às vezes duas
pessoas se entendem muito bem e a partir de uma relação sexual gratificante
para ambos passam a viver juntos, ou em maior e mais intensa proximidade, e
neste momento, por vezes algo ocorre de errado e um dos parceiros percebe que o
outro tem energia suficiente para atuar em todas as outras facetas de sua vida
(trabalho, educação, filhos, etc.), mas quando o assunto é sexo vem a tristeza
de não fazer ou não em intensidade e no lugar da prática sexual aparece
cansaço, muito sono, a famosa dor de cabeça, desculpas diversas que na sua
sinceridade e realidade encobrem a realidade da falta de relações sexuais
plenas e na quantidade querida pelo outro parceiro. Início do fim, começo das
buscas internas e externas pela solução, mesmo que esta envolva outras pessoas
ou mesmo um fim e um novo início com alguém outro que possa, mesmo que na
fantasia, completar as carências nua e cruelmente expostas. O desejo não se
prende. Ou ele é liberado ou sufocado, e neste último, com todas as
consequências nefastas e sintomáticas que o mesmo proporcionará enquanto busca
por todos os meios possíveis e impossíveis uma válvula de escape por onde possa
fluir em intensidade.
Há os que
conversam pouco e o problema é dado como falta de comunicação, mas há também os
que conversam muito e mesmo assim as horas passadas no trabalho ou no happy
hour são intensas e contam com uma energia inesgotável que o parceiro lamenta
não encontrar no momento do ato ou das práticas sexuais, onde o esgotamento
emocional e físico ou o cuidado com a casa e os filhos e demais afazeres gritam
ensurdecedoramente por sua atenção. A soma de boicotes os mais distintos e
justificáveis possíveis no tocante a prática sexual, conscientes ou
inconscientes, intencionais ou não, levam ao afastamento e também ao desgaste
prematuro de uma relação que pode gerar dor e sofrimento onde deveria haver
prazer e pode vir a provocar por um ou por ambos a busca de relações outras,
emocionais ou somente sexuais, visando a suprir a ausência ou incompetência do
parceiro na relação sexual.
A vida é curta,
muito curta mesmo para ser desperdiçada. A busca é algo imperativo em nossa
espécie. Estamos sempre buscando algo, seja alimento, moradia, sexo ou qualquer
outra coisa mais. No entanto, cabe atentar ao momento de chegada e se de fato
chegamos onde queremos estar ou se este lugar é um breve descanso diante da
caminhada porvir. Seria ótimo encontrarmos em uma única, ou mesmo em poucas
pessoas mais próximas, tudo o que buscamos, mas na verdade isto é bem difícil e
devemos nos ater ao que cada um pode dar e receber. Se a ênfase é o sexo e a
relação sexual, ao ato e práticas sexuais de um casal, se uma das partes não se
vê em condições de atender a outra, cria-se um abismo de desentendimentos no
lugar onde prazer e sentimentos ternos deveriam perdurar. A solução, claro
está, é viver e continuar vivendo e encarar a vida como uma caminhada e não
como um destino a chegar, se soltar e viver como o fluir de um rio, outras
pessoas podem nos acompanhar nesta caminhada, mas isto não é dever delas, uma
vez que elas também são por sua vez um rio que flui e devem ser respeitadas
neste aspecto, em sua individualidade constante e permanente por mais que a
neguemos e mintamos para nós próprios. Quando encontramos nossa sexualidade
mais legítima, nosso prazer sexual em práticas e atos que nos deem prazer e nos
afastem da dor, do sofrimento, do medo, da renúncia, do nojo e de demais
sentimentos e emoções negativas, encontramos a vida ou pelo menos parte de
nossa real vida.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa
Oliveira.
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