Por: Silvério da Costa Oliveira.
Górgias
Górgias (485-380
a.C.) é natural de Leontini, colônia de Chalcis, Sicília. Segundo a tradição teria
tido uma vida longa, vindo a falecer por volta dos 109 anos de idade, em Larisa
(Tesalia). Esteve em Atenas como embaixador no ano de 427 a.C., visando obter
ajuda contra os siracusanos. Também segundo uma linha presente em diversos
comentadores, teria sido discípulo de Empédocles. Platão lhe dedicou um livro,
o diálogo cujo nome é “Górgias”. Dentre suas principais obras, temos: “Sobre o
não-ser ou da natureza”, “A defesa de Palamedes”, “A
oração fúnebre” e “Elogio a Helena”. Infelizmente, poucos fragmentos de suas obras
chegaram aos nossos dias, ressaltando que “Elogio a Helena”, como também “A
defesa de Palamedes”, conseguiram chegar inteiros até os presentes dias e
demonstram a eloquência de sua arte retórica.
Górgias defendia
a ideia da união de todas as cidades-Estado gregas, de um pan-helenismo. Outro
ponto importante em seu pensamento encontra-se em que, para Górgias, só existem
aparências. Considerado cético em virtude de suas três teses, presentes no
livro “Sobre o não-ser ou da natureza”, do qual nos chegaram fragmentos, ou
melhor dizendo, paráfrases, apenas a doxografia comentada por Sexto Empírico
(Livro: Adversus Mathematicos) e um autor desconhecido que se faz passar por
Aristóteles, pseudo-Aristóteles (Livro: Sobre Melisso, Xenófanes e Górgias –
MXG). Tomando por base suas três teses ali apresentadas temos que:
1- Nada existe
(apesar de ser o modo mais comum de ser apresentado, a tradução mais correta
seria “nada é”, fazendo alusão ao verbo “ser” e não ao verbo “existir” e deste
modo uma referência direta ao “ser” de Parmênides, Zenão e Melisso. Este
comentário vale para o emprego destes dois verbos no decorrer deste texto). Se
algo existe deve proceder de algo ou ser eterno. Não pode provir de algo, pois
se o fizesse teria de provir do ser (entendido como uma realidade imutável tal
como proposta pelos eleatas. Se o ser gerasse o ser, estaríamos diante do
devir, da mudança) ou do não-ser. Não pode ser eterno, pois para sê-lo teria de
ser infinito, mas o infinito não está em parte alguma, pois, não está em si e
em qualquer outro ser. Aqueles pensadores que defendem que o ser é uno, refutam
a possibilidade da multiplicidade, já os pensadores que defendem que o ser é
múltiplo, refutam por meio de seus argumentos, a possibilidade deste ser uno,
logo, baseado em ambas refutações, o ser não é uno nem múltiplo e deste modo
não pode existir. O mesmo raciocínio vale quanto a este ser gerado ou não ser
gerado, pois, os que defendem uma tese refutam a outra e deste modo, ao refutar
ambas as teses, temos que o ser não pode ser gerado ou ingerado. Se algo não é
uno, nem múltiplo, nem gerado, nem não gerado, torna-se obrigatória a conclusão
que este algo nada é, ou seja, que não pode existir, pois caso contrário seria
uma coisa ou outra.
2- Mesmo que
existisse o ser, este seria desconhecido. Se o ser fosse conhecido, teria de
ser pensado, no entanto, o que é pensado é distinto da realidade pensada.
Podemos pensar em coisas que não existem na realidade, como, por exemplo, um
elefante com asas de borboleta voando.
3- Se fosse
possível conhecer o ser, este conhecimento seria incomunicável e inexplicável
para outro. Como, por exemplo, seria possível explicar a cor vermelha presente
em uma maçã para um cego de nascença? Nós não podemos expressar o que o ser
realmente é porque fazemos uso da linguagem para tal e as palavras não
incapazes de passar qualquer outra coisa que não palavras, nós obrigatoriamente
nos comunicamos com o uso de linguagem, palavras, e não com o próprio ser das
coisas.
Resumindo a
argumentação de Górgias sobre o Ser: 1- nada existe (nada é), 2- mesmo que
houvesse alguma coisa, não poderíamos conhecê-la e 3- mesmo que pudéssemos
conhecê-la, não poderíamos comunicá-la aos outros.
A crítica e
tentativa de refutação do pensamento da Escola eleática, presente na afirmação
de Parmênides de que o ser é e o não ser não é, encontra em Górgias a afirmação
que qualquer enunciado sobre o ser não seja válido. Discorda Górgias, portanto,
da identidade do ser com o pensar presente em Parmênides, mas ao fazê-lo, em
verdade, se refere ao ser proposto por Melisso, que é um ser lógico, e não
ontológico como o proposto por Parmênides.
Enquanto que
para Protágoras a virtude podia ser ensinada e este se propunha a fazê-lo, para
Górgias isto já não é possível, pois, cada grupo social terá as suas virtudes
próprias. A virtude do escravo não será a mesma do senhor, e a do homem não
será a mesma da mulher nem da criança. No tocante a atividade pedagógica
exercida pelo sofista, caberia somente o ensino da arte da retórica, pois não
caberia se propor a ensinar qualquer virtude, uma vez que esta não é absoluta
para todos. O que cabe ao sofista ensinar é a arte da persuasão, do falar bem,
a retórica. Esta arte por sua vez, passa a ser desvinculada da verdade e mesmo
da doxa, opinião, ganhando autonomia sobre o objeto ao qual se refere,
autonomia ilimitada. Segundo Górgias, esta arte permitiria convencer qualquer
um sobre qualquer coisa, mesmo que o orador não dominasse totalmente e de forma
técnica o assunto em particular.
Górgias é um
grande orador e um dos maiores expoentes da retórica e sofística em seu tempo.
Dentre seus discursos, que chegaram aos nossos dias, temos o “Elogio a Helena”,
que escolhe como personagem tema a mulher que os gregos consideravam
responsável pela guerra de Troia e que era detentora de uma grande virtude, a
beleza sem igual, que, no entanto, não conseguiu impedir que infortúnios
abatessem sobre ela. Escolhendo o lado mais fraco e cuja audiência previamente
considerava culpada, pode Gorgias defender sua inocência de modo convincente.
Já quanto a “A defesa de Palamedes”, temos aqui outro personagem presente na
guerra de Troia, se bem que seu nome não apareça em Homero e sim em outros
textos. Palamedes é o herói que possui como virtude uma grande inteligência,
mas que da mesma forma que a virtude da Beleza presente em Helena, também não
evita que este sofra grande infortúnios, sendo injustamente condenado por
traição e executado. Em seu discurso, defende a integridade e honestidade de
Palamedes, deixando claro não ser possível ele ser um traidor, como o queriam
seus algozes.
O conhecimento é
um fato social e o pensamento é inseparável de sua expressão ou da linguagem
usada, deste modo, a ciência é fundada sobre um acordo social e nisto Górgias
tende a pensar de modo semelhante a Protágoras.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa
Oliveira.
Site: www.doutorsilverio.com
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