Por: Silvério da Costa Oliveira.
Vladimir Lenin
Lenin (1870-1924), Vladimir Ilyich Ulianov (Владимир Ильич Ульянов), mais conhecido pelo pseudônimo “Lenin” ou “Lenine”, nasceu na cidade de Simbirsk, Império Russo. Seus pais eram Ilya Ulyanov Nikolayevich, alto burocrata do governo czarista, e Maria Alexandrovna Ulyanova, professora. Como tal, Lenin nascera em uma família do que podemos chamar de classe média alta e também de pequena nobreza, mas a morte do pai e o envolvimento do irmão mais velho (Alexander Ulyanov) de Lenin numa tentativa de assassinato do Czar (Imperador Alexander III), levaram a sua família a um isolamento social e dificuldades financeiras. Seu irmão foi julgado, condenado, e enforcado em maio de 1887. Lenin era o quarto, de um total de oito irmãos. Casou-se com Nadežda Krupskaja (1869-1939), também conhecida por Nádia Krúpskaia. O casal não teve filhos. Atuou como escritor, advogado, político e revolucionário.
Após a morte do irmão mais velho, Lenin se envolveu ativamente com a política, fazendo parte dos quadros do POSDR – Partido Operário Social-Democrata Russo, vindo a se tornar um importante e influente líder deste partido. No ano de 1903 o partido se dividiu entre Mencheviques e Bolcheviques, estes últimos liderados por Lenin.
A revolução russa de 1917 ocorre em duas fases. No primeiro momento tivemos uma revolução eminentemente popular e sem a participação de partidos políticos, isto ocorre no mês de fevereiro e é instalado um governo provisório. Após esta primeira revolução, Lenin, Stalin e outros comunistas retornam a São Petersburgo e buscam assumir a liderança do movimento, o que de fato ocorre com a revolução de outubro, que depôs o governo provisório, levando os Bolcheviques ao poder, capitaneados, dentre outros, por Lenin, Stalin e Trotsky. Só passamos a falar em URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, no lugar de Rússia, no ano de 1922 (Nome formalizado durante o primeiro Congresso dos Sovietes da URSS, realizado em dezembro de 1922).
Apoiado nas ideias de Marx e outros pensadores, defendeu uma revolução proletária na Rússia, transformando seu governo em um governo socialista e, posteriormente, comunista. Trabalhou durante anos pela revolução na Rússia. Participou de vários comitês, organizações e eventos em diversas cidades da Europa. E, em 1917, esteve à frente da Revolução Russa e da subsequente transformação do Império Russo na URSS. Durante suas atividades políticas, fez parte do grupo mais radical dos Bolcheviques, em oposição aos Mencheviques, na Rússia. Quando da implantação de seu governo revolucionário, em outubro de 1917, uma das primeiras medidas adotadas foi a saída da Rússia do conflito bélico marcado pela primeira guerra mundial, assinando um tratado de paz com a Alemanha e o Império Austro-Húngaro (Tratado de Brest-Litovski). A propriedade privada das terras nos campos e das indústrias nas cidades foi abolida. Inicialmente a hierarquia no exército foi comprometida, já que por decretos iniciais caberia aos soldados eleger seus comandantes. Também foram fechados jornais que faziam oposição ao governo e abolida a liberdade de expressão. Na sequência ao novo governo russo, tivemos uma série de expurgos e assassinatos, bem como, uma guerra civil entre exércitos pelo controle da Rússia.
No ano de 1921 adota a NEP (em português: Nova Política Econômica), após o assim chamado “comunismo de guerra” que vigorou durante a guerra civil russa. A NEP vai até o ano de 1928, quando Stalin põe fim a mesma, nacionalizando empresas e coletivizando a agricultura. A NEP consistiu em introduzir elementos capitalistas na economia socialista e ficou conhecida pela frase de Lenin: “Um passo para trás, dois passos para a frente”.
Desde 1922 Lenin sofreu três (ou mais) derrames cerebrais, levando-o finalmente a morte em 21 de janeiro de 1924, então com 53 anos de idade. Seu corpo foi embalsamado e encontra-se ainda hoje disponível para visitação. A causa de sua morte ainda é controversa, e há comentadores que sugerem ter ele contraído sífilis em algum momento de sua vida, dentre outras propostas para elucidar sua morte. Após a morte de Lenin, seu corpo foi mumificado e exposto para visitação pública, já seu cérebro foi retirado e fatiado em 30.953 peças, destinadas ao estudo visando provar, como o queria Stalin, que Lenin tinha um cérebro diferente e superior aos demais, sendo um gênio. Ainda em vida, e prolongando-se após a sua morte por incentivo de Stalin, criou-se um verdadeiro culto e veneração a sua pessoa, na URSS.
Em testamento que deveria ser lido diante de autoridades do partido comunista e que foi mantido, no entanto, guardado em segredo por décadas, Lenin expressou o seu desejo e também os motivos para tal, que seu sucessor fosse Trotsky e não Stalin.
O governo inicial, com Lenin a frente, foi marcado pelo terror, pelo assassinato dos que eram considerados inimigos do governo, por decisões autoritárias e unidirecionais, pela perda das liberdades individuais e de expressão. Em setembro de 1918 foi criada a Cheka, um tipo de polícia revolucionária com poderes para investigar, julgar e condenar à morte quem entendesse ser contrário ou nocivo a revolução. Segundo historiadores do período, a Cheka seria responsável por 10 a 140 mil assassinatos, não havendo, no entanto, uma unanimidade no número total de mortes. Em abril de 1919 são criados os campos de concentração, inicialmente controlados pela Cheka, foram posteriormente entregues ao controle governamental de uma agência denominada por Gulag. Os presos no Gulag eram destinados ao trabalho escravo. Registra-se de 14 a 20 mil assassinatos de religiosos (padres) considerados antibolcheviques. A Igreja Ortodoxa Russa foi a mais afetada, mais outras denominações religiosas também foram vítimas destes assassinatos. Além das prisões e assassinatos, uma grande quantidade de intelectuais considerada adversária do governo, foi deportada da Rússia. Em julho de 1918 o czar e toda a sua família foram assassinados pelo Partido, alegando a possibilidade do exército branco, que lutava contra o exército vermelho, poder resgatar a família imperial.
As diversas reformas introduzidas por Lenin e os Bolcheviques na Rússia, e posteriormente URSS, resultaram em maior centralização e burocracia, perda das liberdades individuais e de expressão, incluindo aqui a liberdade de imprensa, prisões, deportações e assassinatos em massa daqueles que supostamente discordavam do novo regime, guerra civil e diversas outras guerras locais (como, por exemplo, com a Polônia), implantação de um regime de terror. Como se tudo isto já não fosse o suficiente, tivemos a grande fome russa em 1921, que durou até 1922, e vitimou cerca de cinco milhões de pessoas a morrerem de fome por falta de alimentos.
A interpretação dada por Lenin aos escritos de Marx passou a ser conhecida como “leninismo” (nome dado por Julius Martov, 1873-1923) e era tida como sendo a única realmente verdadeira. Por tal abordagem, a civilização humana caminhava inexoravelmente para a sociedade comunista. Quando de sua evolução, a sociedade humana por fim chegaria a um ponto histórico no qual teríamos uma sociedade sem classes e sem Estado, composta por trabalhadores livres de qualquer exploração de seu trabalho e da alienação, trabalhadores estes que possam exercer controle sobre o destino de suas vidas. Seria a evolução do socialismo para o comunismo. O objetivo seria atingir o lema proposto por Marx, e expresso pela frase: “De cada qual segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades.”
Lenin mantinha a crença de uma revolução do proletariado que se expandisse por toda a Europa e que a revolução na Rússia seria só o começo. Acreditava mesmo, no início da revolução russa, que seria questão de poucos meses para que a revolução se ampliasse por todo o proletariado da Europa. Lenin defendia uma derrubada violenta dos governos burgueses europeus.
Enquanto dentro do pensamento socialista / comunista mais tradicional acreditava-se que a revolução comunista se daria em um país industrializado e por meio do proletariado, o leninismo desenvolveu e aplicou a tese da revolução em um país eminentemente agrícola, cujo número de camponeses era bem maior que o número de proletariados, de modo a fazer uma revolução comunista com o somatório do proletariado com os camponeses. Entendia Lenin que a revolução uma vez iniciada na Rússia, iria se expandir para o restante da Europa, atingindo o proletariado de países industrialmente já desenvolvidos e se internacionalizando, mas sem que houvesse uma anexação total destes países pela URSS e sim uma união de interesses, mas preservando os valores culturais e individuais presentes em cada país. Esta seria uma primeira etapa da revolução comunista, uma vez que para Lenin, o nacionalismo era um falso conceito burguês e que todos os proletários do mundo pertenciam a uma mesma classe, independente do país de origem.
Lenin defendia um Estado mundial único e centralizado, sendo contrário aos nacionalismos e a favor do internacionalismo e de uma revolução comunista mundial Posicionou-se contrário à democracia representativa norte-americana e ao liberalismo, ilusões burguesas que serviam para manter a exploração do proletariado. Lenin era ateu e crítico das religiões, que deveriam ser suprimidas a favor do Estado comunista, em verdade, sua relação com os escritos de Marx e outros doutrinadores se mostrava mais semelhante a uma crença religiosa, em uma religião sem deus.
Lenin é um estudioso de Marx, mas enquanto este é um teórico, Lenin buscou aplicar na prática estas mesmas ideias, o que resultou em algumas alterações e mesmo modificações.
Marx entendia ser importante que houvesse uma organização de trabalhadores, mas não especificou como seria sua organização e estrutura ou qual papel desempenharia, já Lenin defendeu a ideia de um partido revolucionário, altamente centralizado e disciplinado, composto por revolucionários profissionais e visando liderar os trabalhadores.
Na época de Marx o capitalismo ainda não tinha se desenvolvido para a fase na qual Lenin o encontrou, a fase econômica do imperialismo, havendo monopólios e exportação de capital no decorrer da exploração de países menos desenvolvidos. Lenin teorizou justamente sobre esta fase do capitalismo imperialista, na qual grandes potências exploram países não tão desenvolvidos.
Marx entendia que o comunismo surgiria a partir de um país altamente industrializado, por meio das contradições existentes e a partir da classe do proletariado em oposição a classe da burguesia. Lenin entendeu que era possível fazer uma revolução comunista em um país eminentemente agrário, composto basicamente por camponeses (80% da população russa em 1917), com uma burguesia e proletariado ainda insipientes.
Lenin buscou inicialmente implantar a ditadura do proletariado teorizada por Marx, por meio da implantação dos sovietes (conselhos de trabalhadores, camponeses e soldados), apesar de democrática inicialmente, com o desenvolvimento do governo, cada vez mais as decisões deixavam a população para serem tomadas de modo centralizado por integrantes da alta cúpula do partido. A democracia deu lugar a uma autocracia, onde o poder se viu concentrado em um único governante.
Após a guerra civil e visando incentivar a economia, em 1921 adotou um retorno a práticas capitalistas, com a NEP – Nova Política Econômica, algo também não previsto nos escritos de Marx, ou seja, seu marxismo era muito pragmático, adaptando-se as contingências trazidas pela realidade.
Sua originalidade mostra-se na habilidade que demonstrou em adaptar as ideias iniciais de Marx as condições específicas encontradas na Rússia em sua época histórica, enfrentando diversos problemas práticos não presentes na teoria de Marx. Lenin não se conteve em interpretar o mundo, mas buscou muda-lo de modo prático por meio de sua liderança.
PRINCIPAIS OBRAS
1- O desenvolvimento do capitalismo na Rússia; 1899.
Título original: "Развитие капитализма в России" (Razvitie kapitalizma v Rossii).
Análise sobre o desenvolvimento econômico da Rússia no final do século XIX. Lenin defende que o capitalismo estava em pleno desenvolvimento na Rússia, provocando a transformação da sociedade e proporcionando as condições para que haja a revolução proletária. Destaca a concentração do capital, a formação de uma classe operária industrial e o surgimento de contradições internas presentes no sistema capitalista russo.
2- O que fazer?; 1902
Título original: "Что делать?" (Chto delat'?).
Aqui são tratadas questões referentes ao papel do partido revolucionário na luta pelo socialismo e comunismo. Lenin defende um partido formado por revolucionários profissionais que atuariam na liderança do movimento proletário. Defende a importância da organização centralizada e da disciplina para atingir a meta da revolução proletária e a criação de uma sociedade comunista.
3- Um passo à frente, dois passos atrás; 1904.
Título original: "Одна шаг вперед, два шага назад" (Odna shag vpered, dva shaga nazad).
Aqui Lenin aborda as divisões dentro do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR) durante um período de intensos debates e conflitos ideológicos. Ele defende a importância da unidade do partido e critica as tendências oportunistas e conciliatórias dentro do movimento revolucionário.
4- Duas táticas da social-democracia na revolução democrática, 1905.
Título original: "Две тактики социал-демократии в демократической революции" (Dve takitiki sotsial-demokratii v demokraticheskoy revolyutsii).
Aqui Lenin argumenta sobre quais estratégias o partido revolucionário deva adotar no transcorrer de uma revolução democrática. Defende seu posicionamento contrário a uma aliança com a burguesia liberal e se posiciona a favor da liderança do proletariado na luta pela democracia e pelas demandas populares.
5- Materialismo e empiriocriticismo, 1909.
Título original: "Материализм и эмпириокритицизм" (Materializm i empiriokrititsizm).
Lenin critica as tendências idealistas na filosofia, em particular no empiriocriticismo, corrente filosófica que surge na Rússia na virada para o século XX. Lenin argumenta a favor do materialismo dialético como a base filosófica correta para o marxismo, buscando refutar argumentos idealistas e agnosticistas.
6- Imperialismo, fase superior do capitalismo, 1917
Título original: "Империализм как высшая стадия капитализма" (Imperializm kak vysshaya stadiya kapitalizma).
Análise do estágio do imperialismo no desenvolvimento do capitalismo. Estudo de como o capitalismo teria evoluído de uma fase de livre concorrência para uma fase de monopólios, caracterizada pela divisão do mundo entre potências capitalistas exploradores e países colônias explorados. Segundo o pensamento de Lenin, o imperialismo é uma fase decadente do capitalismo, sendo vital a luta contra o imperialismo dentro do contexto maior da luta revolucionária.
7- Estado e revolução, 1917.
Título original: "Государство и революция" (Gosudarstvo i revolyutsiya).
Aqui é examinada a natureza do Estado e sua relação com a revolução socialista. Há uma crítica as concepções burguesas e reformistas do Estado. Argumenta-se que o Estado atua como uma ferramenta de dominação de uma classe sobre outra. É defendido a destruição do Estado burguês e sua substituição por um Estado proletário, que no futuro deixará, também, de existir, sendo somente a transição para o comunismo.
8- As Teses de Abril, 1917.
Título original: "Апрельские тезисы" (Aprel'skie tezisy).
Conjunto das teses propostas por Lenin em abril de 1917, logo após seu retorno do exílio para a Rússia. Foram estas teses que orientaram a política do partido bolchevique. Defendia a tomada do poder pelos sovietes, a saída da Rússia da primeira guerra mundial, a implementação de reformas socialistas. Estas teses marcaram uma mudança significativa na estratégia do partido, preparando a revolução ocorrida em outubro.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.
Site: www.doutorsilverio.com
(Respeite os Direitos Autorais – Respeite a autoria do texto – Todo autor tem o direito de ter seu nome citado junto aos textos de sua autoria)
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