Professor Doutor Silvério

Blog: "Comportamento Crítico"

Professor Doutor Silvério

Silvério da Costa Oliveira é Doutor em Psicologia Social - PhD, Psicólogo, Filósofo e Escritor.

(Doutorado em Psicologia Social; Mestrado em Psicologia; Psicólogo, Bacharel em Psicologia, Bacharel em Filosofia; Licenciatura Plena em Psicologia; Licenciatura Plena em Filosofia)

Sites na Internet – Doutor Silvério

1- Site: www.doutorsilverio.com

2- Blog 1 “Ser Escritor”: http://www.doutorsilverio.blogspot.com.br

3- Blog 2 “Comportamento Crítico”: http://www.doutorsilverio42.blogspot.com.br

4- Blog 3 “Uma boa idéia! Uma grande viagem!”: http://www.doutorsilverio51.blogspot.com.br

5- Blog 4 “O grande segredo: A história não contada do Brasil”

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6- Perfil no Face Book “Silvério Oliveira”: https://www.facebook.com/silverio.oliveira.10?ref=tn_tnmn

7- Página no Face Book “Dr. Silvério”: https://www.facebook.com/drsilveriodacostaoliveira

8- Página no Face Book “O grande segredo: A história não contada do Brasil”

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9- Página de compra dos livros de Silvério: http://www.clubedeautores.com.br/authors/82973

10- Página no You Tube: http://www.youtube.com/user/drsilverio

11- Currículo na plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/8416787875430721

12- Email: doutorsilveriooliveira@gmail.com


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sexta-feira, 1 de maio de 2020

Por que Bolsonaro?


Por: Silvério da Costa Oliveira.

Quando ainda criança, ou no começo de minha adolescência, estudei magia, comprei e li diversos livros sobre o tema, adquiri jogos de mágica e fazia algumas boas apresentações para outras crianças. Posteriormente me dediquei a uma formação voltada para o comportamento de pessoas e grupos sociais e do desenrolar histórico de nossa civilização, atuei como professor e hoje trabalho na área de segurança pública. Quando observo uma dada realidade, não há como deixar de fazê-lo pelo prisma de minha formação pessoal e profissional, isto vale para todos, uma vez que nossa história de vida influencia o que vemos e ouvimos, já que cada um seleciona as partes as quais dará atenção e as demais que serão sumariamente ignoradas. Pretendo nestas linhas falar um pouco de magia, ou como a nossa sociedade atual costuma a ela se referir: ilusionismo. Os truques podem mudar, mas as regras e leis da magia ou ilusionismo são sempre as mesmas, como se uma gramática fosse, para quem deseja aprender uma língua nova, a gramática está ali, subjacente ao uso oral e escrito que possamos fazer da linguagem.
Quando um mágico tira um coelho da cartola, ele chama a atenção de todos para a cartola, mostra a mesma ao público, entrega a mesma para um ou mais examina-la. Todos sabem que haverá um truque ou mágica envolvendo a cartola e querem pegar o mágico no momento exato em que este fizer algo que denuncie o truque e por isto a atenção concentrada de todos se dá na cartola, para não deixarem de perceber o exato momento em que algo ali venha a ocorrer e eis que o mágico tira finalmente o coelho da cartola sob os aplausos de uma plateia estupefata que não compreendeu que foi manipulada desde o início para prestar atenção em algo, se voltar para uma determinada direção enquanto o essencial ocorria em outro lugar. Desviar o foco para fazer o que bem se entende, fazer com que as pessoas olhem para o lugar errado, olhem e não vejam. Isto é feito na área de segurança durante algumas investigações, também é feito na política e nosso atual presidente da República, Jair Messias Bolsonaro o faz com perfeição. Usando de uma metáfora, diria que ele é um mágico da política, mas é mais que isto. Falei que o mágico cria a ilusão e se aproveita de um conhecimento apurado sobre o comportamento das pessoas, desviando sua atenção sobre o essencial onde tudo ocorre, mas poderia também fazer uma referência metafórica a neblina que tudo encobre ou a uma cortina de fumaça que atrapalha de vermos o verdadeiro alvo que devamos temer ou abater.
Poderia escrever um livro inteiro sobre o tema em questão, mas tentarei me ater a este artigo, mesmo tendo de excluir muitas possíveis análises. Não irei também falar de estrutura de personalidade ou quadro clínico, pois bem sei que não seria ético. Sei também que se sabemos como um truque é feito este deixa de ter o seu efeito e que neste sentido, explicar em detalhes como o mágico atua pode implicar em mudança do comportamento do público diante de seu show, mas penso que isto só ocorreria se todo o público do mesmo tivesse acesso a esta informação, o que não é esperado que ocorra. Por mais que eu possa escrever e explicar, o esperado é que só uns poucos tenham acesso, de modo que não deva atrapalhar o show dado por tal político. Show este que o levou a ser eleito presidente e que com certeza também poderá leva-lo com facilidade a sua reeleição, com ajuda de todos os participantes da plateia, não somente os que batem palmas, mas, e especialmente estes, os que vaiam intensamente. Comecemos, portanto, com as vaias que o elegeram presidente.
Uma boa mentira é aquela que possui alguns significativos elementos verdadeiros, pois quando verificamos mais atentamente encontramos os fatos verdadeiros e passamos a acreditar que tudo seja verdadeiro, mesmo não o sendo. Também é importante saber que quando desmascaramos uma mentira, cria-se uma aura de descrédito sobre quem a inventou e divulgou. Quando adolescente eu saía muito com um amigo e certa vez outros amigos meus, que não se davam muito bem com este, vieram a mim questionar porque eu me relacionava bem com esta pessoa, já que segundo estes, ele mentia a três por quatro, mentia muito e mesmo por bobagens que não lhe levassem a qualquer lucro possível e sim o contrário, o afastamento e descrédito por parte dos que o conheciam. Eu achei engraçado o questionamento, se bem que correto, e lhes respondi que já que ele sempre mentia e eu sabia disto, então para mim ele mesmo sem o querer, sempre dizia a verdade, pois como eu sabia que era mentira, então eu sabia a verdade. Uma outra questão sobre a mentira é que ela não pode ser de tal forma que possa ser facilmente desmentida com uma mera comparação com fatos presentes no mundo real circundante. Não adianta eu dizer que tem 3 maças na geladeira se basta meu interlocutor abrir a geladeira para perceber que há zero maçãs.
A esquerda trouxe à tv e às redes sociais partes de vídeos onde o candidato se apresentava em embates com outras pessoas e por meio de cortes na filmagem apresentavam o mesmo de modo negativo. Estratégia esta que funcionou no passado quando tínhamos um número limitado de canais de informação e destes, alguns, sejam emissoras de televisão ou jornais, com um enorme poder de manipulação das massas devido a possuírem grande parcela da população acompanhando seus noticiários. Hoje, temos a internet e as redes sociais, que já estiveram presentes na assim chamada “primavera árabe”, bem como nos movimentos de 2013 no Brasil, mas mesmo assim foram desconsiderados. Quando a tv veiculava uma entrevista ou debate cortado, bastava fazer circular o vídeo em suas íntegra pela rede, tudo bem que os militantes convictos de sua ideologia irão ignorar as provas e se aterão ao vídeo ou reportagem editado, mas os demais irão visualizar no vídeo completo ou em demais situações mostradas em sua íntegra, uma mentira, uma tentativa de enganá-los e uma vítima do engodo, a qual passa a ganhar empatia por parte do eleitorado. Foi aqui mais um erro da esquerda que em sua oposição esqueceu das redes sociais atuais.
Em política, quando pensamos, por exemplo, no embate hoje existente entre esquerda e direita, dentre outros possíveis, percebemos que cada político ou linha ideológica possui seus adeptos e seguidores que formam sua base política e há portanto um discurso voltado para esta base que será acatado sem questionamentos maiores e pode induzir ao erro, pois, diante de tais aplausos pode-se perder o foco na parcela maior da população e se este político pretende se eleger para um cargo majoritário poderá amargar uma perda considerável, apesar dos aplausos entusiastas de seus correligionários.
Onde a esquerda errou no período eleitoral que levou Bolsonaro a presidência? Primeiramente, subestimando o mesmo, mas já iremos abordar esta questão, falemos inicialmente de outras questões, como, por exemplo, o slogan “Ele não”. Se tivessem consultado um profissional realmente competente da área do comportamento humano, jamais teriam adotado esta frase. Uma vez estava no trem do metrô quando uma trupe de artistas entrou, fez um espetáculo ruim e depois pediu dinheiro para pessoas que estavam em sua maioria cansadas retornando de seus trabalhos para suas casas, não conseguindo muito, mesmo assim, não deixaram de dar em alto e bom tom um recado antes de desembarcarem na estação seguinte, ao abrirem-se as portas do carro do metro: “Lembrem-se, Ele não”. Neste momento eu tive certeza absoluta que Bolsonaro seria eleito presidente da República e por total incompetência de comunicação da esquerda brasileira.
Apelemos para a preguiça mental de nossos cérebros, o que vem fácil, vai fácil e por comodismo esquecemos. Diga algo para alguém e pergunte depois de alguns segundos ou minutos e terá grande possibilidade dela não se lembrar exatamente do que você lhe disse, um nome? De uma cidade ou pessoa? Quem era mesmo? Para fixar na memória é preciso algum esforço cognitivo, se o nome é suprimido, como no caso do “ele não”, então devo fazer um pequeno esforço mental. Ele não, ele quem? Quem é ele a quem estes se referem? Pode ser fulano ou ciclano ou beltrano, mas minha memória e aquilo que aprendi recentemente diz que é um determinado candidato a presidência da república, ah! Já sei quem é. Ou seja, a frase adotada pela esquerda ajudou a quem não era militância a memorizar o nome do candidato que a esquerda não queria e gerava uma relação mais intensa com este candidato. Uma das principais técnicas de memorização é adicionar emoção ao que queremos memorizar. Ou seja, jamais o “ele não” poderia ser adotado, a não ser que o objetivo fosse trazer em evidência quem é “ele” e aumentar suas chances de ser eleito no pleito, como de fato ocorreu.
Hoje, eleições passadas e mandato em curso, às vezes presencio algumas pessoas gritarem de alguma janela “Fora Bolsonaro”, outra frase criada e adotada pela esquerda em sua oposição ao governo. Tudo bem que é melhor que a antiga “ele não”, no entanto, também é ruim. Qualquer psicólogo infantil ou pai ou mãe há de saber que se uma criança ou adolescente está dentro de sua casa ou apartamento com o foco em algo que ocorre lá fora e resolve sair para encontrar alguém ou alguma coisa que lhe espera lá fora, mostrando entusiasmo nesta iniciativa, se alguma outra pessoa da casa, seja o pai, mãe ou irmão mais velho lhe fala “fulano, não bata a porta”, logo em seguida todos aqueles que já passaram por experiência semelhante sabem que irão escutar o estrondo da porta batendo com toda a força. Normal! Os estudos na área do comportamento são bem claros aqui. As pessoas tendem a não escutar o “não”. Frases formadas de modo negativo não possuem o mesmo valor de frases formuladas de modo afirmativo. Tendemos a não ouvir o “não” e uma frase como “não bata a porta” se transforma em “bata a porta”. Portanto, “fora Bolsonaro” é uma frase onde para quem não é militância sobra somente o “Bolsonaro”, mais uma vez a oposição, a esquerda brasileira, ajudando este político, desta vez na sua reeleição. Eu ficaria preocupado, sim, se fosse uma frase formulada de modo afirmativo. Em vez de dizer o que não quer, diga o que quer. Em vez de dizer “Fora Bolsonaro”, grite o nome daquele que você quer que ocupe o governo.
O problema aqui é semelhante a outro que também ajudou a eleger o atual presidente. Ao contrário de alguns anos atrás, quando havia no Brasil vários nomes que defendiam idéias próprias na esquerda, hoje ela é concentrada em um único homem, o ex-presidente Lula, que esteve preso durante as últimas eleições e hoje, mesmo solto, não possui direitos políticos de modo que não possa ser conduzido a presidência, deste modo fica impraticável o uso de uma excelente frase criada pela esquerda na época em que alguém pensava em comportamento de massas e que ajudou o Lula a se eleger, que é o “Lula lá”. Escolham um candidato para esta e todas as demais eleições até obterem a presidência e troquem a negativa “Fora fulano” pela afirmativa “Ciclano lá” ou algo semelhante e que gere alguma rima. Se não usarem do conhecimento sobre a psicologia das massas, serão inevitavelmente atropelados por elas.
Se você quer mesmo entender Bolsonaro e não ser iludido, feche bem seus olhos e tampe os ouvidos. Não veja o que Bolsonaro está fazendo e nem ouça o que ele diz, lembre-se que se você abrir os olhos e ouvidos será preso na armadilha de uma política muito antiga, mais do que a idade de nosso atual presidente. Veja e escute sim, mas somente os fatos e os resultados obtidos. Não subestime quem ficou tantos anos dentro da política e ocupou por várias vezes seguidas o cargo de deputado federal, além de ter boa parte de sua família também eleita para algum cargo público. Se ele fosse tudo de ruim que alguns tentam nos convencer, se não tivesse capacidade cognitiva ou não soubesse o que fazer como um cego no meio de um tiroteio, ele não seria o presidente da República. Não o subestime, pois, este comportamento é em parte proposital para que você e a esquerda o subestime e tem dado certo até agora. Pense em um inseto, o louva deus. Seu disfarce natural faz com que ele pareça um galho de árvore e se você chegar perto e perceber que não é um galho e sim um inseto, lhe chamará a atenção sua postura, que parece até que está orando a deus em virtude da posição de suas patas dianteiras. Na verdade, um grande predador. Foi proposital? Darwin nos diria que não, mas que a evolução das espécies lhe fornece características que lhe proporcionam vantagem significativa na luta pela sobrevivência. Se você divide este espaço da natureza com esta criatura e é um possível predador do mesmo, não irá percebe-lo como alimento e se você é uma possível presa do mesmo, irá virar alimento.
No estudo do comportamento humano podemos dividir as pessoas em diversos e distintos grupos para melhor entendê-las, saber como reagem e o que irão fazer diante de algo. Isto é muito importante se queremos convencer alguém a fazer alguma coisa ou se queremos simplesmente entender o comportamento de dada pessoa. Uma das divisões possíveis se dá entre pessoas agregadoras e desagregadoras e aparentemente nosso atual presidente se mostra no segundo grupo. Imagino que o convívio pessoal não deva ser muito fácil. Seu comportamento se dá diante do caos, com o qual parece conviver bem e ser capaz de gerar mais caos para superar situações anteriormente preocupantes. Em meio a um turbilhão, a um vendaval, a um furacão, a areia levantada nos impede de enxergar a paisagem que nos rodeia. Me lembra a semelhança com um deus, ou deusa, penso em Shiva, um dos membros da trindade divina hinduísta e também um dos principais deuses do hinduísmo. O destruidor e transformador, pois, não é possível criação sem que primeiro haja a destruição.
Não subestime ou se iluda, não veja ou ouça o que aparenta ser, busque o contexto mais amplo, veja os resultados presentes e futuros, perceba onde tal caminho levará, reconheça que ele tem objetivos claros e que consegue realiza-los e isto não é meramente sorte.
Recentemente, mesmo sem a divulgação explicita pela mídia convencional e ao final de somente o primeiro ano de mandato, em virtude dos resultados econômicos que já se vislumbravam claramente no horizonte político, sua reeleição era dada como certa pelos corredores do congresso nacional e aí vem no começo do segundo ano uma crise na área de saúde que inevitavelmente iria migrar em algum momento para a área econômica, destruindo uma possível plataforma sólida para sua reeleição. Era uma epidemia ou melhor dizendo, uma pandemia mundial e pouco se podia fazer. Verdade seja dita, como em toda gripe ou resfriado comum, como uma onda do mar que vem e não tem como parar, muitos seriam contaminados e depois o surto iria embora. Todos os anos temos resfriados e gripes que atacam grande parcela da população e depois vão simplesmente embora e isto também ocorreria aqui, mas com um agravante. Muitas pessoas morreriam pela necessidade de usar simultaneamente um sistema de saúde que inevitavelmente entraria em colapso e não daria vazão ao atendimento necessário. Adeus reeleição, bem-vinda a esquerda novamente ao poder.
O que vimos ocorrer, no entanto, foi rapidamente uma guerra de narrativas, onde o presidente passou a defender um isolamento parcial, a que passou a chamar de vertical, em oposição ao horizontal no qual todos ficariam em quarentena, enquanto que no vertical somente os grupos de risco ficariam em isolamento social. Governadores e prefeitos não concordaram, o congresso e o STF ficaram do lado de uma quarentena total, que acabou sendo empreendida muito antes do necessário, quando ainda não havia casos para isto. A verdade é que o isolamento foi proposto quando ainda não havia sido instalada uma epidemia em solo nacional e seria válido se pudesse ser eternamente mantido, mas isto sabemos antecipadamente não ser possível, pois as pessoas têm de trabalhar para sobreviver e para a própria sobrevivência econômica do país. Do mesmo modo que um policial usa um colete a prova de balas somente quando necessário, mesmo sabendo que estaria mais seguro se o usasse em qualquer situação, na prática o policial sabe não ser possível sempre estar portando um colete a prova de balas e mesmo quando o porta, há níveis diversos de proteção que tornam o colete mais pesado para aguentar o impacto de calibres maiores e que justamente por tal motivo nem sempre são usados, ou seja, mesmo portando o colete, não necessariamente este protegerá o policial de um tiro se não for adequado para aquele calibre de arma e o policial decidirá não somente quanto à quando usar, mas também com relação ao que usar.
Diante de uma quarentena total e antecipada aos efeitos de uma epidemia que ainda iriam chegar, o presidente passou a adotar um discurso a favor da abertura do comércio, das estradas, das cidades e a substituição deste modo de quarentena por uma vertical onde somente os grupos de risco ficariam isolados, ao que encontrou oposição inclusive de seu ministro da saúde, o qual assumiu uma postura claramente contrária e por ser também um político profissional, com carisma e fala bonita, começou a crescer muito na aprovação de uma população em pânico diante de uma doença desconhecida que se aproximava. Isolado e sem poder decidir o que Estados ou municípios poderiam ou não fazer, por decisão do STF, o presidente obteve tudo que queria, pois, poderia propor uma política alternativa e criticar a então adotada por governadores e prefeitos sem ser responsável por qualquer coisa que desse errado, já que não tinha poder para intervir. Como será inevitável uma crise econômica mundial ao final da pandemia, o presidente já se antecipa com uma narrativa na qual se o pior ocorrer ele poderá dizer que avisou desde o início, mas que lhe impediram de agir e atuar em prol de uma situação futura que minimizasse as perdas econômicas, o desemprego e o fechamento de diversos negócios. Quanto às mortes, poderá alegar que estas teriam de ocorrer de qualquer modo e não estaria errado, pois teria a curva de mortes pela pandemia ocorrida no Brasil mesmo diante do isolamento para mostrar que apesar do isolamento, tudo ocorreu e perdemos espaço na economia.
Diante de um ministro que prejudicava esta narrativa em prol de um isolamento vertical e do crescimento em popularidade deste político que já poderia estar sonhando em se candidatar a governador ou quem sabe, mesmo a própria presidência, só restava retirar o ministro, apesar do caos e abalo que o governo poderia sofrer, e assim foi feito. Veio o dia do juízo final, o ministro saiu, o mundo acabou, e no dia seguinte estava tudo normal diante de outro caos fabricado. Como o impacto da saída do ministro foi menor que o esperado, abriu-se espaço para outra troca, sim, pois nada esconde melhor uma crise do que pô-la junto com outra. Um livro some no meio de outros dentro de uma biblioteca. E tivemos a saída do ministro da justiça, considerado um pilar do governo e que todos viram erradamente como consequência da saída do então diretor da polícia federal, na verdade, não foi por causa de um delegado que o ministro saiu e sim o contrário, um delegado deixou de ser o diretor geral da polícia federal para o ministro sair. É assim que funciona o caos, é assim que a poeira entra em nossos olhos e não vemos, porque teimamos em abrir os olhos para olhar a ilusão que nos é dada.
O governo convidou Sérgio Moro para ministro da justiça em um momento no qual este  chegava ao poder e a popularidade de Moro iria se somar com a popularidade de Bolsonaro. Meses depois a situação mudou, não por parte da popularidade de Moro, agora enquanto ministro da justiça, por parte da população, mas sim em decorrência de o governo ter dificuldades em aprovar suas pautas e precisar de apoio negociado. O assim chamado centrão tem se mostrado presente em todos os governos desde a redemocratização deste país e se torna vital para a governabilidade necessária para se aprovar pautas de interesse do governo, ocorre que os membros parlamentares deste grupo não vêem com bons olhos o então ministro da justiça, do mesmo modo que parte considerada do congresso, muitos por constarem em investigações da Lava Jato, a época comandada pelo então juiz e depois ministro Moro, não quer este ministro. Sem apoio no centrão, no congresso ou mesmo no STF, onde seu nome é persona non grata, o ministro Sergio Moro passou a ser um peso de arrasto no governo, que ficaria melhor sem ele e eis que em meio a uma crise provocada pela saída do ministro da saúde, o presidente resolve fazer valer seu direito de trocar o diretor geral da polícia federal, algo que desde a metade do ano anterior já havia demonstrado interesse em o fazer e sabia que não teria o aval do então ministro da justiça. Tirando o diretor geral, ganhava de qualquer modo, fosse pela saída de alguém que não queria ali, ou talvez melhor ainda, fosse pela saída também do ministro, o que de fato ocorreu.
Quem lembra da epidemia de COVID-19? O caos passou por cima. Quem lembra da saída do ministro da saúde? O turbilhão provocado pela tempestade direcionou a atenção para outro lado. Quem lembra da saída do ministro da justiça? O governo perdeu um de seus pilares, o governo irá perder apoio, teremos um impeachment, nada disto e muito pelo contrário. No dia seguinte a pauta é outra, pois um amigo do presidente e sua família é nomeado diretor da polícia federal, um ministro do STF barra a nomeação, o governo insiste, desiste, volta a dizer que vai insistir, mas já desistiu, e estamos no caos novamente. Quem era mesmo o ministro da justiça?
Não é certo ou errado, pois não estamos aqui discutindo ética, talvez Machiavelli atualizado para o século XXI. Os objetivos foram atingidos, o governo segue, eu escrevo este artigo e enquanto a esquerda não se conscientizar da lógica inerente ao caos irá continuar lutando contra fantasmas durante os oito (quatro, mais a reeleição) anos de governo Bolsonaro.

Silvério da Costa Oliveira.

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sábado, 25 de abril de 2020

Eternidade


Por: Silvério da Costa Oliveira.

O conceito de eternidade encontra-se presente em religiões e na filosofia, mas é algo que possui uma definição que foge de nossa experiência cotidiana, pois, cabe argumentar em direção a algo que não teve começo e não terá fim, ficando, portanto, além e aquém do tempo, não podendo ser medido por qualquer medida que se faça do tempo. Dentro da teologia cristã a eternidade se apresenta como um dos atributos de Deus, este estaria fora do tempo e teria criado a tudo, inclusive o próprio tempo. Por sua vez, se pensarmos por um prisma filosófico, eterno seria o cosmos tendo toda a matéria e energia nele presente de algum modo, mesmo que somente em potência, pois, do nada nada se cria. Em filosofia podemos ter a eternidade como um atributo exclusivo do “Ser” ou do “Uno”, isto se formos buscar uma contribuição em Parmênides ou em Plotino, por exemplo.
Somos seres temporais e ao tempo pertencemos e mesmo aqueles cujas crenças admitam a imortalidade da alma, a reencarnação de espíritos ou a ressurreição da carne hão de convir que um dia nasceram, que um dia foram criados, e antes disto não existiram, portanto, a eternidade não é algo que nos pertença. O conceito de eternidade não pode ser visto como meramente um tempo de longa duração, pois, se assim o fizermos não cabe outra palavra senão o “tempo”, longo ou curto, linear ou circular, quanto faz. No entanto, cabe lembrar que o tempo é algo que requer ser medido e que esta medida pode variar quando incluídas outras variáveis, como, por exemplo, a velocidade pela qual percorremos uma sucessão de fatos. Lembremos de Einstein quando este teoriza que quanto mais próximos da velocidade da luz viajarmos mais iremos nos distanciar temporalmente daqueles que não se locomoverem na mesma velocidade. Estamos dentro de um todo englobante muito maior do que as medidas que hoje possuímos e todo este cosmos em expansão desde o big bang percorre um certo tempo. O todo, esta totalidade em sua unicidade nos mostra uma realidade cuja intuição filosófica ou científica procura abarcar diante de conceitos fabricados a partir de nossas limitações e também capacidades. Cada qual mantenha a sua crença, mas esta não deverá impedir de usarmos de nossa razão, intuição e reflexão.
O tempo cristão é entendido como linear, ou seja, nesta reta houve um dia um começo e haverá um final, deste modo, o conceito de algo intemporal caberia somente ao Criador, a este único Deus e não a sua criação, pois, esta um dia teve um começo, havendo, portanto, a não existência antes do fato que gerou sua criação. Já os antigos falavam em outro tempo, uma noção provavelmente oriunda dos ciclos observados na natureza, que nos fala em um tempo e mundo onde não haja uma criação e sim um eterno retorno ao mesmo, algo circular, onde passaríamos de novo e de novo pelo mesmo percurso, volta após volta. Pensemos no clima, primavera, verão, outono e inverno e depois tudo novamente, assim são as fases da vida, de nossa vida e de todo universo.
Já no amor e nas relações humanas, eterno é o sentimento que temos enquanto o mesmo durar, uma eternidade que possa caber em um tempo reduzido, mas que por nós ainda assim é percebido como eterno, pelo menos enquanto dure. No amor e no fogo da paixão uma fagulha da eternidade não deixa de estar presente. Já a dor presente quando perdemos algo muito querido pode até parecer eterna, mas em algum momento há de findar como tudo em nossas humanas vidas. Neste tocante, é aconchegante saber que a dor terá um fim, infelizmente a felicidade e tudo que amamos também segue o mesmo caminho.
O ser humano é um ser temporal e isto torna muito difícil o entendimento de uma realidade outra, atemporal. Nós somos filhos da presença transitória do tempo dentro de uma vastidão eterna cujos contornos não temos como perceber. Os físicos falam em big bang, mas tanto para estes como também para os filósofos, do nada, nada se cria, logo, matéria e energia estavam ali anteriormente em algum dado formato, mesmo antes da explosão que criou a tudo. Um cientista físico que conceba em seu credo particular um deus, para ser honesto consigo mesmo o teria de fazer não como um deus cristão criador e sim com um deus organizador, construtor, arquiteto, uma inteligência que molda, mas não cria.
Para nós, seres humanos, a única realidade que faz sentido é o momento presente, o momento único no qual vivemos o aqui e agora e não o passado, pois este já passou e também não o futuro, que ainda não existe para nós. Nesta visão de mundo, a eternidade passa a ser enxergada como o presente tempo que não pode ser sequer medido, pois ele o é somente enquanto nós o vivemos. Abstraindo da questão humana, a eternidade é algo que não pode ser mensurável, pois, se o fosse, uma parte da mesma seria gasta. Neste sentido, apesar de inter-relacionados, eternidade e tempo são conceitos distintos. Posso medir o tempo, mas não posso medir a eternidade. Quando falamos no tempo, em verdade fazemos alusão a uma sucessão de eventos que ocorre dentro do que entendemos por tempo. Estamos deste modo nos referindo a uma dada extensão que se faz quantitativa e ordenadamente presente na realidade, mas a eternidade terá por definição de existir mesmo na inexistência de qualquer ordem ou organização sucessiva material.
Separando os conceitos de tempo e eternidade, torna-se sem sentido falar em presente, passado ou futuro para a eternidade, pois se o fizéssemos a estaríamos mensurando e esta deixaria de ser eterna, tendo um ponto de origem, um percurso de passagem e um ponto de chegada, havendo também o desgaste e o consumo de uma parte da mesma durante este percurso, deste modo, a eternidade não foi e não será jamais, ela simplesmente é, para todo o sempre. Todo tempo se dá em uma sucessão transitória de fatos e eventos, já a eternidade imensurável se dá na total permanência. Poderíamos não ter o tempo para medir, sem que isto afetasse, fosse de que modo fosse, a eternidade. O tempo pode ser entendido como linear ou circular, mas sempre se reportará a uma passagem por algo, mesmo que repetida. A eternidade é um conceito muito mais amplo e abrangente que o tempo.
A eternidade pelo prisma religioso que coloca diante do ser humano a possibilidade de sua própria imortalidade em um momento posterior a sua morte física não pode e não deve ser usada como uma forma de abrigo cotidiano de onde o paraíso prometido proporciona a aceitação de uma vida medíocre, de natureza inconsciente e adormecida, sem ousadia ou realizações significativas e reais. Não pode servir como negação da dor pelo que, ou quem, um dia perdemos, na esperança do reencontro. Cabe a nós, criaturas humanas dotadas da consciência de sua finitude e individualidade, usarmos este tempo para criarmos, crescermos e nos desenvolvermos com toda a dramaticidade cômica que este ato merece e nos reserva quer queiramos ou não. Deste modo, encontraremos a conquista não somente do sucesso ao atingirmos as metas por nós mesmos propostas, mas a felicidade plena de um ser realizado. Dentro da perspectiva humana podemos falar em eterno por um dia, uma vida, um momento único enquanto dure em sua total e emocional intensidade. Fazer algo valer a pena, mesmo este algo sendo nossa vida, é proporcionar tal significado e importância ao fato que este poderia por nós ser eternamente imortalizado.
Se quisermos vir a desenvolver algo a que possa metaforicamente chamar de uma consciência da eternidade, então temos de transcender a sucessão temporal, a esta visão quantitativa de nosso mundo para em seu lugar colocarmos uma visão qualitativa, onde por sua vez a extensão seja substituída pela intensividade, ser intenso em tudo dentro de nossas limitações nos aproxima, da forma como o podemos fazer e vivenciar, deste conceito e por que não dizer, desta incógnita obsessão humana, que é o eterno, a eternidade.

Silvério da Costa Oliveira.

Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.
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domingo, 19 de abril de 2020

Religião e crenças


Por: Silvério da Costa Oliveira.

Falar em religião é algo aparentemente fácil para a grande maioria das pessoas que só enxergam a sua própria como certa e outras que ou estão erradas ou são por demais estranhas para sequer serem chamadas com seriedade pela palavra religião, mas será algo tão simples e fácil assim ou algo tão complexo, cuja complexidade encubra a simplicidade de um grão de mostarda?
Por regra a religião, seja ela qual for e independente de seu conjunto de crenças, adota para si verdades inquestionáveis e absolutas enquanto que a ciência e a filosofia não trabalham com verdades absolutas e sim transitórias. Aquilo que entendemos como verdadeiro em ciência e filosofia se dá pelo uso de um método, de uma dada metodologia, racional na filosofia, experimental na ciência, e como tal, seu conteúdo é sujeito a questionamentos, mudanças, revisões e modificações que proporcionem a evolução do conhecimento humano, o que não ocorre na religião cujo passar dos séculos não envelhece suas verdades eternas, se bem que todos os crentes de uma data época possam perecer e não serem substituídos por outros nas gerações futuras. Há religiões que morrem por falta de adeptos, mas não por falta de verdades incontestes.
Poderíamos questionar se poderia haver uma religião sem a morte, pois é diante da finitude da vida e da compreensão que um dia nós e tudo ao nosso redor terá um fim, que torna-se imperioso uma explicação que dê sentido ao conjunto destas vivências e uma vez atuando no mistério maior, sim, pois a morte traz sentimentos diversos e por vezes não agradáveis de medo, perda, luto e outros, que temos também o encontro de outros mistérios que requerem uma explicação, tais como o nascimento e a vida. Diante da ausência de um conhecimento formal e acadêmico, da ausência de uma metodologia científica ou filosófica, só resta ao humano primitivo se agarrar a uma explicação que por meio da crença em dogmas religiosos, proporcione sentido e significado a sua existência, aliás, será também pela busca de sentido e significado diante de uma vida vazia e insípida que muitos ainda hoje irão buscar conforto nos braços ternos das mais diversas crenças religiosas. Judeu, muçulmano, cristão ou uma infinidade de centenas ou talvez milhares de outras crenças convivem ou já conviveram conosco durante o transcurso da história de nossas civilizações, todas certas e verdadeiras em sua unicidade míope, onde as demais conjuntamente com seus adeptos incorrem em erro mortal.
Não se trata somente de espiritualidade ou da crença na existência de uma ou mais Divindades sobre humanas, temos aqui presente a própria origem de nossas civilizações, o comportamento socialmente aceito e esperado, a moral a ser adotada, a estrutura social, o papel que cada um deve representar enquanto ator no grande palco da vida. Mesmo hoje, muito do que entendemos por direito, ciência, filosofia, ética, carrega em si o peso de valores culturais originados dentro de um contexto moral derivado de um arcabouço religioso. Provavelmente não seria possível o surgimento da filosofia no mundo grego antigo sem um ambiente religioso onde a multiplicidade de deuses e cultos permitisse que a razão se desenvolvesse a ponto de questionar o mundo religioso circundante.
Ter uma religião e ser uma pessoa religiosa são coisas muito diferentes. Um cientista ou filósofo que guie sua vida unicamente pela razão pode ter uma atitude religiosa diante da vida. Não devemos confundir a fé ou crença individual com a religião pública e socialmente organizada. A pessoa pode ter a sua fé e seu conjunto particular de crenças, mas isto compete unicamente a ela e não se iguala à religião, seja qual for, enquanto instituição social.
Seria uma ilusão acreditar que mesmo uma pesquisa histórica, um tratado filosófico, uma teoria científica ou mesmo a escolha do tema deste artigo e sua abordagem metodológica pudesse ocorrer isolados do contexto sócio cultural no qual estão inseridos e do qual aspectos religiosos estão inexoravelmente presentes. Mesmo o ateu, na sua necessidade de negar a deus, faz presente sua existência e de todo um conjunto de crenças religiosas dadas naquele momento histórico. Usando de uma metáfora, reconhecer que nado na água não faz de mim água ou peixe e também não nega a água que faz parte de meu próprio corpo, mesmo eu não sendo água.
A religião é pública e institucionalizada e deste modo em muito se afasta do sentimento religioso das pessoas do povo, bem como da intenção de seus fundadores históricos. A religião enquanto instituição, esteve à frente de verdadeiros genocídios no passado de nossa civilização, dentre outros crimes contra a dignidade humana e neste sentido há os que sonham com uma sociedade cuja evolução social leve ao final de toda e qualquer religião. Pode ser, no entanto, não creio que seja algo tão simples e não prevejo um futuro, por mais longínquo que seja, na qual alguma religião não venha a existir. As pessoas precisam dar sentido e significado as suas vidas e muito do conteúdo presente nas diversas religiões proporciona tal experiência. Por sua vez, o sentimento religioso não nega a ciência, medicina ou filosofia. Podemos crescer e evoluir, mas para isto não precisamos deixar de sonhar. Se pela religião a pessoa comete crimes contra a individualidade, liberdade e dignidade de outros seres humanos ou de si própria, então esta interpretação dada por ela do fenômeno religioso é algo doentio e deveras ruim, mas se por meio de uma atitude religiosa diante da vida a pessoa desenvolve valores positivos, sentimentos de bem-estar e felicidade, bem como uma atitude social produtiva que não interfira com a liberdade e dignidade sua e de outras pessoas, então pode ser algo bom. Há, portanto, e ao meu ver, uma relatividade no tocante a religião e não um todo absoluto.
A liberdade social democrática não justifica ou validalida que pessoas ou grupos ridicularizem a crença de outros. Em passado recente podemos observar que mesmo sofrendo críticas um grupo ou trupe cômica possa montar um espetáculo qualquer visando ridicularizar a religião cristã, seus dogmas e textos sagrados, no entanto, o mesmo grupo ou outro qualquer não faz o mesmo com religiões e crenças religiosas provindas em sua origem da África ou da cultura indígena, pois, atualmente isto seria politicamente incorreto. Tal trupe não ridiculariza a religião do Islã, pois bem sabe que pode sofrer algum atentado sério, muito sério, se brincar com o Corão ou Maomé, então temos aqui o medo, que toma o lugar do direito defendido de poder ridicularizar uma religião qualquer, que deixa de ser qualquer para ser uma em particular a ser atacada. Nesta busca de liberdade artística encontramos em verdade a cegueira ideologicamente determinada e altamente seletiva quanto ao que pode e deve ser ou não ridicularizado com o aval, inclusive, dos próprios sacerdotes de tal culto. Não penso que devamos brincar com tudo e todos e que o conceito de liberdade possa ser usado para justificar ridicularizar uma dada crença religiosa qualquer, neste caso fere-se outro princípio, que é o respeito.
Cada sociedade desenvolve uma cultura na qual a religião faz parte de um conjunto de crenças devidamente elaboradas e estruturadas de modo singular e no qual é pautado o comportamento esperado das pessoas e instituições, bem como da moral, de modo a não ser mera e casual a semelhança encontrada entre os deuses e os valores socialmente adotados, negados ou valorizados, pelos crentes. As práticas religiosas irão, portanto, serem tantas quantos povos socialmente distintos houver. Pelo prisma racional, se formos honestos diante da filosofia e da ciência, somente seria aceita a posição agnóstica que não permita aceitar de modo justificável a comprovação da existência ou não de um ou mais deuses, bem como a veracidade de uma ou mais crença religiosa. E claro está que os povos se movimentam no tempo e espaço, propiciando a junção de idéias e valores, de modo que crenças e deuses diferentes em religiões distintas possam ter seu equivalente em outra religião. Nos primórdios de uma nova sociedade ou grupo social, a religião, por mais simples e básica que possa ser, além de oferecer respostas para perguntas difíceis e enigmáticas diante de nossa experiência de vida, fornece também um modelo de comportamento aceito e incentivado para cada pessoa dentro do grupo, disciplinando e organizando um modelo dado de convivência e trabalho.
Independente de determinada religião ser monoteísta ou politeísta, deísta ou teísta, seu estudo comparado pode ser útil na compreensão da civilização humana. Não penso que devamos adotar ou descartar crenças distintas pelas mesmas não encontrarem acolhida na metodologia científica ou filosófica, muito pelo contrário, seu estudo se faz necessário e o entendimento em maior profundidade da mesma pode tanto enriquecer nossa vida individual e social, como também nos precaver contra o surgimento ou proliferação do mesmo fenômeno religioso formal sem o invólucro de religião e sob o disfarce de alguma doutrina progressista que visualize o paraíso na terra e a deus em um ser-humano, esteja este vivo ou seja um personagem mumificado que um dia existiu ou alguém que inexoravelmente será trazido pelo futuro vindouro. Penso que muito temos a temer diante de religiões e deuses que não se assumam como tal, cujo disfarce faça que caiamos em uma armadilha que nos conduza em total retrocesso aos gritos de progresso social.
Independente da veracidade ou falsidade do conteúdo em dada religião ou conjunto de crenças, ou do simbolismo ali envolvido, ou do significado e sentido social e histórico, ou do possível valor econômico ali presente, não podemos deixar de reconhecer o real valor da experiência única vivenciada pelo crente em sua vida e suas relações, atuando na plenitude de seu ser, emoções, sentimentos e cognição diante dos fatos e problemas que se lhe apresentam. Independente de tudo o mais, a experiência vivenciada pelo crente é real em sua vida e moldará e direcionará os rumos da mesma.

Silvério da Costa Oliveira.

Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.
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