Por: Silvério da Costa Oliveira.
David Hume
(1711-1776) nasceu em 7 de maio de 1711 (Quando de seu nascimento ainda
predominava outro calendário na Grã-Bretanha, de modo que dia e mês irão
variar, se de acordo com o calendário antigo) e veio a falecer em 25 de agosto
de 1776, aos 65 anos de idade. Seu nome de nascimento é David Home, de origem
escocesa, mas mudou visando adaptar a pronúncia dos ingleses. Nasceu e morreu
na cidade de Edimburgo, na Escócia, Reino Unido da Grã-Bretanha, mas teve
oportunidade de viajar pelo mundo, estando na França, Itália e outros países.
Representante do Empirismo e também do ceticismo moderno, pode também ser
considerado um filósofo iluminista escocês.
Dentre seus
principais livros podemos citar “Tratado da natureza humana”, em três volumes:
1- do entendimento, 2- das paixões, 3- da moral, os dois primeiros de 1739 e o
terceiro de 1740, “Investigação sobre o entendimento humano”, de 1748, “Investigação
sobre os princípios da moral”, de 1751, “Ensaios, moral, político e literário”,
de 1741-1742, “Diálogos sobre a religião natural”, de 1779 (publicação póstuma),
“História da Inglaterra”, de 1754-1761, originalmente publicada em seis volumes
e posteriormente dividida por oito volumes (quando da publicação dos dois
primeiros volumes se chamava “História da Grã-Bretanha”. Posteriormente optou
por ampliar este trabalho por sugestão do editor pelo sucesso que estava
obtendo por parte dos leitores, mudando então o título para “História da Inglaterra
da invasão de Júlio César até a revolução gloriosa de 1688”).
Hume escreve e
publica inicialmente em 6 volumes, mais tarde divididos em oito, sua “História
da Inglaterra”, onde procura desenvolver uma argumentação imparcial e buscar
lições de vida por meio do estudo de cada período histórico. Como entende que
todo o conhecimento provém da experiência, a história se mostra de modo
preferencial para que possamos observar a realidade das interações humanas sem
estarmos temporalmente tão próximos para que sentimentos e preferências
partidárias venham a interferir em nossos julgamentos. Hume se mostra contrário
à tese do contrato social ou mesmo de uma constituição anterior que se mantenha
nos tempos antigos e que possa ter inspirado a carta constitucional atual. A
constituição não se baseia em um suposto contrato social inicial, ou mesmo no
direito divino dos reis, mas sim na convenção. A interpretação da história deve
se ater ao testemunho das fontes e não a uma suposta ética partidária do que
deveria ser ou ter ocorrido.
Importante
também nos atermos ao que se convencionou chamar de “navalha de Hume” ou
“guilhotina de Hume” ou “lei de Hume” ou “problema do ser e dever ser em Hume”.
Por “navalha de Hume” se entende a argumentação por este proposta, segundo a
qual não podemos do “ser” propor o “dever ser”. É ilegítimo de uma proposição
descritiva passar a uma proposição prescritiva. Do fato de que algo é, não cabe
afirmar como este deveria ser. Posso afirmar descritivamente que os demais
humanos são criaturas com sentimentos e que gostam da vida igual a mim, mas daí
não cabe afirmar prescritivamente que é errado matar um humano. Uma oração
descritiva não pode gerar uma oração prescritiva, tal trâmite é ilegítimo e
injustificável. Posso afirmar que o congresso ou o parlamento aprovou uma lei,
mas daí não se segue que todos tenham de obedecê-la. Não cabe obedecer e
respeitar leis injustas ou profundamente contrárias às convicções que mantemos.
Na parte da
religião, não cabe falar em céu, inferno, alma imortal, Deus, anjos, paraíso e
outras coisas mais, pois, não há experiência que garanta tais ideias, as mesmas
não possuem uma impressão que as fundamente e são, na verdade, a fusão de
várias ideias em nossa mente por meio de nossa imaginação formando estas ideias
complexas, mas que não se baseiam em uma experiência empírica. Um anjo é
formado pela ideia de um homem somada a ideia de asas. Nós já vimos um homem e
já vimos asas em pássaros, bastou separar e unir ideias para formar a ideia
complexa de anjo. Os relatos sobre o paraíso e o céu também são formados por
várias ideias das quais temos experiência em outros contextos e que são ali
associadas por meio de nossa imaginação.
Na parte moral
não cabe falar que a razão controla as emoções, muito pelo contrário, a razão
tende a funcionar como um instrumento que ajuda a direcionar e mover em direção
ao caminho escolhido, mas em nossas vidas não somos controlados pela razão,
isto é uma ilusão, somos controlados por nossas emoções e sentimentos. Numa
situação histórica de genocídio, por exemplo, o que está errado não é a razão e
sim o sentimento. Muitas vezes as pessoas são mortas com uma precisão eficiente
e racional, a falha há de se encontrar na falta de empatia com o outro humano.
Aliás, Hume usa o termo “simpatia” para estabelecer o sentimento de terceiros
para com nossas ações morais, no entanto, em língua portuguesa atual seria mais
correto a expressão “empatia” para definir o que Hume se propõe a dizer pelo
termo “simpatia”. Uma decisão vista como cruel pode ser efetivada por pessoas
mentalmente sãs, sem qualquer problema com sua razão, mas que se mostrem
incapazes de terem empatia para com outros seres humanos, o problema foi de
sentimento. Nossos sentimentos direcionam nosso comportamento em sociedade e
fora dela. A decisão de ajudar alguém ou não é baseada nos sentimentos que ali
nutrimos naquela situação, a razão irá ponderar outros fatores. Nossa moral é
moldada de acordo com os interesses e utilidade individual e coletiva expressos
pelos sentimentos de simpatia (empatia) demonstrados pelas demais pessoas
diante de nossos comportamentos.
Em parte devido
a filosofia de Kant que se seguiu a de Hume, este passou a ser mais conhecido
por suas contribuições dentro da área da epistemologia ou teoria do
conhecimento, mas cabe deixar claro que Hume apresenta contribuições também em
outras áreas, tais como o direito, ao discutir a questão do ser e do dever ser
moral e negar este segundo, também contribuições na área da religião e
teologia, na área da história, na área da política ao negar a tese do contrato
social ou de uma constituição primitiva da qual se originaria as demais, e
outras áreas de interesse onde este
filósofo se faz presente e atuante.
Os objetos de
conhecimento de nossa razão podem ser divididos em “relações de ideias”, pelas
quais temos conhecimentos oriundos das matemáticas, lógica, geometria,
afirmações intuitivas, demonstrativas e corretas, e também em “questões de
fato”, pelas quais temos todo o conhecimento oriundo de nossas experiências e
percepção. Enquanto as primeiras tem a sua comprovação por meio de uma análise
de suas proposições, as segundas requerem a posterior observação dos fatos para
sua comprovação. Podemos dizer que verdades originadas do primeiro são “a
priori” e do segundo “a posteriori”.
A ontologia
presente ao sistema filosófico empirista de Hume se baseia unicamente na
percepção, a qual por sua vez se divide em duas classes: as impressões e as
ideias. As primeiras se dão quando diante do objeto e são bem mais vívidas, já
as segundas se dão na ausência do objeto, como se lembranças deste fossem. Hume
deve ser entendido como empirista, pois, segundo este, todos os nossos
conceitos devem ser fundados na experiência.
Hume há de negar
a existência de ideias inatas e afirmar que todo o nosso conhecimento provém da
percepção e experiência. Nosso conhecimento é obtido primeiramente pela
percepção, pela qual obtemos impressões que virão a formar ideias simples que
uma vez agrupadas virão a formar ideias complexas. Claro que podemos ter
impressões simples e complexas (por exemplo: quando olhamos de longe toda uma
cidade ou quando observamos o amanhecer de um belo dia de sol no campo) de
acordo com o objeto diante de nós e que impressões complexas irão originar
ideias também complexas. A agrupação de ideias não se dá de modo fortuito,
segue regras que determinam a atração existente entre as mesmas, deste modo
podemos falar que a associação de ideias se dá por três regras ou princípios, a
saber: por semelhança ou dessemelhança, por proximidade no tempo e espaço, e
por relação de causa e efeito.
Quando diante de
uma foto de alguém que conhecemos, associamos por semelhança esta foto a pessoa
ali retratada. Já quando diante da ideia de comida, podemos por contiguidade
associarmos a fome, a geladeira onde a mesma poderia estar armazenada, ao
mercado onde compramos seus ingredientes, ao restaurante que a serve ou a mesa
na qual ela se encontra posta ou mesmo a um conhecido que seja glutão.
Hume faz uma
crítica a toda filosofia ou teologia dogmática, baseada em verdades não
confirmadas e inquestionáveis. Critica também de modo destrutivo as ideias de
“eu”, “Deus” e “substância”, pois, não são ideias simples e sim complexas, mas
como todas as ideias, oriundas da percepção. Por mais que pesquisemos não
encontramos uma impressão de “eu” ou de “Deus” ou de “substância”, são ideias
sem uma impressão correspondente e não são ideias simples e sim complexas, onde
temos o somatório de várias ideias distintas. No caso da ideia de “eu” não há
sequer uma constância e permanência das ideias que somadas irão formar este
“eu”. Temos um feixe de ideias impermanentes.
Também apresenta
crítica a ideia de causa e efeito, pois, segundo Hume nós não percebemos este
momento onde algo se faça causa de algum efeito e sim uma sucessão de
percepções no tempo e espaço. Ele nega uma validade ontológica para a
causalidade, vendo na mesma somente a presença de aspectos psicológicos e
empíricos, ou seja, pela repetição da experiência da sucessão de dado fato após
a ocorrência de algo passamos a acreditar que o mesmo deverá continuar a
ocorrer no futuro, que o futuro será igual ao passado.
O conhecimento
que temos de questões de fato é obtido agrupando-se ideias simples em complexas
por meio da causa e efeito. O que temos, no entanto, são impressões que geram
ideias, são percepções da realidade por meio de nossas experiências cotidianas.
Nós não vemos o que seja uma “causa” ou um “efeito”, nós vemos uma sucessão de
eventos no tempo e espaço e pelo hábito, associamos que sempre quando diante de
um dado evento, teremos na sequência a presença de outro e aí chamamos o
primeiro de “causa” e o segundo de “efeito”, mas tudo não passa de crença
gerada pelo hábito em que no futuro teremos a repetição do passado. Muitas
vezes trata-se de mera probabilidade mesmo que desconheçamos os casos em que o
fato não ocorra, probabilidade maior ou menor de ocorrência de algo. O que
temos é sempre o hábito gerando a crença que após dado fato outro se seguirá,
crença de que o passado se repetirá no futuro. Não há como falar em necessidade
ou universalidade no sistema de causa e efeito.
Apesar de a
tradição ter priorizado a contribuição na área da epistemologia e teoria do
conhecimento, em particular por causa da proximidade e antecedência histórica
de Hume do filósofo Kant, há de se considerar como deveras interessante e
importante as demais contribuições feitas nos campos da política, moral, religião
e outros. Hoje vemos um contínuo interesse por este filósofo não somente no
ambiente acadêmico, gerando desde trabalhos de conclusão de curso e
dissertações de mestrado até teses de doutorado, mas também por outros
segmentos da sociedade. Os questionamentos por Hume levantados são
problemáticos e desafiadores para todos que querem pensar filosoficamente e não
meramente se ater ao conforto de seu espaço criado por suas crenças e
ideologias religiosas, políticas ou outras. Ignorar, denegrir, ou meramente,
como agora está na moda nesta sociedade infantilizada, “cancelar”, não
eliminará as profundas questões e desafios propostos a nós por tal filósofo.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa
Oliveira.
Site: www.doutorsilverio.com
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