Por: Silvério da Costa Oliveira.
Nicolau
Copérnico (1473-1543) é com certeza deveras importante não somente para a
historiografia da física e astronomia, bem como para o desenvolvimento de
sistemas filosóficos distintos que fizeram uso, se inspiraram ou defenderam
abertamente suas ideias. O desenvolvimento das ciências modernas é fruto do
trabalho de diversos atores, mas teve um marco decisivo na assim chamada
revolução copernicana, que faz uma referência ao trabalho e obra escrita de
Copérnico, pois, mesmo que este não estivesse vivo para defender e propagar
suas ideias e teoria, seu pensamento encontrou acolhida em diversos pensadores
que deram prosseguimento e desenvolvimento as mesmas, levando por vezes a
consequências já presentes na teoria de Copérnico, mesmo que este sequer
tivesse se dado conta das mesmas.
Copérnico (Nicolaus
Copernicus, versão latinizada – Niklas Koppernigk, versão polaca) nasceu na
Polônia em 19 de fevereiro de 1473 e veio a falecer em 24 de maio de 1543 aos
70 anos de idade. Seguiu vida religiosa dentro da Igreja Católica Apostólica
Romana, vindo a se doutorar em direito canônico além de também cursar medicina.
Teve oportunidade de organizar para si uma grande biblioteca para os padrões da
época e também um observatório. Ao que parece, a ideia de seu sistema
astronômico tem início já em 1506 e sua principal obra na qual expõe tal
sistema ficou pronta em 1530, apesar de só ser publicada no ano de sua morte,
em 1543, a impressão terminou, em verdade, pouco antes de seu falecimento.
Estou aqui me referindo ao livro “De revolutionibus orbium caelestium” (Sobre
as revoluções das esferas celestes). No livro impresso não há uma referência a
Aristarco de Samos e o novo sistema é apresentado como uma hipótese, mas a
supressão de Aristarco e a apresentação como hipótese foi uma modificação feita
pela pessoa que organizou a impressão do livro, o teólogo luterano Andrés
Osiander. Copérnico havia feito referência a Aristarco e não via o seu novo
sistema como uma hipótese e sim como a realidade dos fatos.
Copérnico nesta
obra se propõe a substituir o modelo astronômico de Ptolomeu por um modelo
heliocêntrico. Para entendermos melhor, no sistema de Ptolomeu a Terra é
colocada no centro do universo, daí chamar-se a este sistema de geocêntrico, já
no sistema de Copérnico o sol é colocado no centro do universo (próximo ao
centro), daí chamar-se de heliocêntrico. No sistema de Ptolomeu a Terra está no
Centro e o sol e demais astros giram ao redor da Terra. Já no sistema de
Copérnico o sol está no centro e a Terra e demais astros giram ao redor do sol.
O sistema proposto por Copérnico simplificava cálculos (este ponto quanto à
simplificação de cálculos é deveras polêmico entre os comentadores e estudiosos
da obra de Copérnico) e resolvia dificuldades oriundas do sistema de Ptolomeu,
de modo que a proposta de Copérnico foi vista no futuro como a “revolução
copernicana” (deve-se ter em mente que apesar de se usar o nome de Copérnico
para marcar tal revolução, a mesma não seria possível sem a participação ativa
de muitos outros personagens).
No sistema
copernicano as órbitas dos planetas ocorrem em movimentos circulares, somente
com Kepler passaremos a ter o entendimento de que as órbitas seriam elípticas,
ou seja, apesar da simplificação nos cálculos (como já mencionei, trata-se de
algo polêmico) se comparado ao sistema de Ptolomeu e de resolver diversas
dificuldades oriundas do mesmo, o sistema de Copérnico também possuía suas
falhas e gerava, portanto, outras dificuldades. No sistema de Copérnico a Terra
levaria um ano para dar uma volta completa ao sol e um dia para rotacionar a si
própria. A cada novo ano uma órbita completa ao redor do sol fixo e a cada dia
o giro em torno de seu eixo. Segundo proposto por Copérnico, a Terra tem três
movimentos, a saber: A volta ao redor do sol que dura um ano, a inclinação de
seu eixo que nos fornece as estações do ano e a rotação diária sobre seu
próprio eixo que proporciona a alternância entre o dia e a noite. Copérnico
chegou à concepção de seu sistema heliocêntrico por meio de cálculos
matemáticos e da observação dos astros a olho nu (Mesmo que Copérnico tenha
feito uso de alguns instrumentos, o telescópio só passa a ser usado a partir de
Galileu Galilei).
Para entendermos
o pensamento e obra de Copérnico é necessário ter em mente que este foi vital
para a elaboração subsequente da física e astronomia por meio dos trabalhos
posteriores de Galileu Galilei, Tycho Brahe, Johannes Kepler e Isaac Newton.
Foi o trabalho anterior de Copérnico que permitiu estes desenvolvimentos
posteriores, bem como, teve forte influência na obra filosófica de vários
autores, dentre os quais Giordano Bruno, que acabou condenado a morte em uma
fogueira por aprimorar e defender as ideias de Copérnico. No entanto, Copérnico
não é o primeiro ou o único a defender e o heliocentrismo até aquele momento,
há outros, inclusive na antiguidade clássica, que defendiam algo semelhante ao
proposto por Copérnico, cabe a ele, no entanto, colocar tal defesa dentro de um
rigoroso modelo matemático.
Até hoje o que aparentemente
vemos quando observamos atentamente e o que dizemos para as demais pessoas é
que o sol nasce a leste e se põe a oeste, seguido da lua e das estrelas. Ora,
do nosso ponto de vista esta observação pode estar certa, do mesmo modo que se
pode afirmar que a Terra é plana e imóvel e ainda há quem defenda tal tese.
Apesar de no sistema de Ptolomeu e Aristóteles ser prevista a esfericidade da
Terra, na prática a adoção de tal sistema durante a Idade Média trazia
conjuntamente a ideia de uma Terra plana, imóvel e no centro de um universo
finito. Coube a Copérnico redescobrir o que outros antes dele e mesmo na
antiguidade clássica já suspeitavam e defendiam, que não é a Terra o centro e
sim o sol. Isto retira não somente a Terra do centro de um universo finito,
como abre a possibilidade para se questionar a Bíblia, pois nela há relatos
coerentes com uma Terra imóvel tendo os demais astros a girar ao seu redor.
Também retira o ser humano do centro do universo criado por Deus, pois, se nós
estamos na Terra e esta não está no centro do universo, então nós, a criação
divina, não nos encontramos no centro do universo. Quebra-se de uma só vez a
ideia do heliocentrismo e também do antropocentrismo. Abrindo espaço para
posteriormente um Giordano Bruno concluir que o universo é infinito e que em
outros planetas haveria seres vivos e inteligentes. Apesar de no início as
teorias de Copérnico não serem vistas como prejudiciais à Igreja, não tardou
muito para conseguirem adversários dentro da cristandade. Mesmo Lutero se
manifestou contrário a tais ideias e a Igreja Católica acrescentou o livro de
Copérnico a lista dos livros proibidos (em 1619), o que só foi retirado no ano
de 1835 (nos comentadores não há um pleno consenso quanto ao ano de entrada e
de saída do livro de Copérnico do Index dos livros proibidos), já no século
XIX.
Foi também no
século XIX, em 1838, que o astrônomo Friedrich Bessel conseguiu pela primeira
vez na história da humanidade medir com êxito a paralaxe estelar usando como
instrumento um heliômetro. O que prova a veracidade da teoria heliocêntrica. A
paralaxe é o movimento aparente de algo quando observado de ângulos diferentes
e se a Terra se movesse ao redor do sol, a cada seis meses teríamos a mesma em
uma posição oposta e extrema a que estava seis meses antes, de modo que as
estrelas deveriam ser percebidas tendo se movido em virtude do ângulo de
observação. Ocorre que quanto maior a distância, menor a paralaxe observável e
pela enorme distância da Terra até as estrelas, seria muito pequena esta
variação. Alguns estudiosos negavam a teoria heliocêntrica em virtude da enorme
distância que deveria haver entre a Terra e as estrelas para que o
heliocentrismo fosse verdadeiro e a paralaxe não fosse observável, eles
acreditavam que esta distância era absurda.
Copérnico apresenta
uma tentativa de simplificação do sistema de Ptolomeu, se bem que entre os
principais estudiosos e comentaristas de sua obra haja um debate até que ponto
tal tentativa de simplificação de cálculos e necessidade de uma quantidade
maior ou menor de círculos (epiciclos) para explicar a órbita dos planetas,
tenha ou não sido de fato efetivada ou tenha ficado somente na intenção. De
fato, ambos os sistemas, de Ptolomeu e Copérnico, fazem uso de diversos
círculos e cálculos matemáticos sofisticados, além disto, devemos mencionar que
apesar de se dizer comumente que a Terra é o centro do universo em Ptolomeu e o
sol em Copérnico e que cada qual estaria imóvel dentro do sistema
correspondente, a verdade é que para ambos os sistemas o centro não se encontra
seja na Terra ou no sol e sim em um ponto próximo.
A teoria de
Copérnico leva algumas vantagens sobre a teoria anterior, proposta por Ptolomeu,
e tomando por base esta separação entre as duas teorias percebemos uma busca de
aperfeiçoamento presente na apresentação da teoria e nas definições científicas
ali propostas, o que tem como objetivo uma tentativa clara de adequar aquilo
que é observado com o que é proposto para explicar. Deste modo, mesmo que não
se consiga, como alguns argumentam, houve uma real tentativa de simplificação
do modelo anterior e o modelo apresentado por Copérnico tende a apresentar-se
de um modo mais elegante. Estas características mencionadas estão presentes no
desenvolvimento das ciências no desenrolar da história.
Copérnico foi de
suma importância, sua teoria nos apresenta uma nova forma de entendermos não
somente o universo, mas também nossa posição dentro do mesmo. A retirada da
Terra do centro foi também a retirada do humano do centro do universo. Propor
que todos os planetas estavam em movimento ao redor do sol e que este sistema
estava a uma distância enorme das estrelas no firmamento dentro de um universo
finito, abre espaço para pensarmos que este mesmo universo seja não finito, mas
infinito e que possa haver outros planetas com vida inteligente além do nosso.
Abre espaço também para o questionamento de diversos valores baseados nos
ensinamentos da Igreja e dos ditos textos sagrados. Ou seja, o potencial
revolucionário do trabalho de Copérnico vai muito além da astronomia e matemática.
Para se entender o desenvolvimento do pensamento filosófico entre os séculos
XVI e XVIII é necessário entender a revolução copernicana e a ciência moderna
que ali começava a se descortinar e desenvolver gradativamente até o pensamento
de Isaac Newton.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa
Oliveira.
Site: www.doutorsilverio.com
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