Por: Silvério da Costa Oliveira.
Zenão de Elea
Zenão de Elea
(490-430 a.C.) é discípulo de Parmênides e no decorrer de sua vida se envolveu
com a política local de sua cidade, culminando em sua prisão, tortura e morte.
Escreveu vários paradoxos em apoio à teoria proposta por Parmênides e visando
criar dificuldades para os que defendiam a tese do senso comum, poucos destes
paradoxos chegaram até os nossos dias e há comentadores que argumentam que
teria escrito cerca de 40 paradoxos.
Procura por meio
do desenvolvimento de sua filosofia defender a de seu mestre, afirmando que a
crença na existência do movimento e da pluralidade tende a gerar enormes
dificuldades e também paradoxos. Os absurdos e paradoxos presentes quando
aceitamos o movimento, tornam preferível a negação do movimento. Para Zenão
temos um ser uno como propôs Parmênides, não há pluralidade de entes e não há
movimento. Há um só ser e este é imóvel.
Encontramos em
Aristóteles uma discussão sobre a obra de Zenão e seus paradoxos. São
discutidos quatro paradoxos, a saber: 1- O argumento da dicotomia,
impossibilidade de movimento, já que qualquer coisa em movimento, saindo de um
ponto em direção a outro e percorrendo determinada trajetória, antes de chegar
ao seu destino tem de chegar à metade do percurso e esta necessidade de
alcançar o meio antes de chegar ao fim ocorre infinitamente. 2- O argumento de
Aquiles apostando uma corrida com uma lenta tartaruga. Se a tartaruga tem uma
pequena vantagem na saída, Aquiles jamais conseguirá alcança-la, pois, quando
este chega ao ponto em que ela se encontrava, esta já não está mais ali e sim
mais a frente e isto infinitamente. 3- O argumento da flecha disparada pelo
arqueiro, a qual se encontraria parada e totalmente imóvel em cada ponto da
série que compõe sua trajetória. 4- O argumento do estádio, no qual temos
blocos de elementos ali alinhados. Bloco AAAA, bloco BBBB e bloco CCCC. Se o
bloco AAAA está parado, o BBBB se movimenta da direita para a esquerda passando
por AAAA e o bloco CCCC se movimenta da esquerda para a direita também passando
por AAAA na exata mesma velocidade que BBBB, temos que BBBB e CCCC ultrapassam
o primeiro e o último A ao mesmo tempo. Agora, quando todos os B e todos os C
tiverem passado uns pelos outros, ainda faltarão para cada grupo de B e C,
ultrapassar dois A. Chegamos a conclusão de que o tempo será diferente, logo, a
metade do tempo será igual ao seu dobro.
Zenão defende a
tese de Parmênides de um ser que seja uno, contínuo e imóvel mostrando o
absurdo e irracionalidade decorrente de seu oposto, ou seja, da existência de
um ser múltiplo, descontínuo e móvel. Zenão busca reduzir os argumentos
contrários a tese de Parmênides ao absurdo a partir de deduções resultantes das
premissas adotadas por seus adversários. Eis abaixo como Zenão desenvolve seus
paradoxos.
1- Contra a
pluralidade e a descontinuidade do ser.
1.1- Argumenta
que se existem múltiplos seres, estes devem ser obrigatoriamente tantos quantos
são, nem mais nem menos. Se são tantos quantos são, seu número é finito, mas,
se são compostos por infinitas partes, são ao mesmo tempo finitos e infinitos,
donde a conclusão nos leva ao absurdo.
1.2- Se existem
muitos seres, estes são a sua vez iguais e desiguais. Iguais porque são
compostos por partes semelhantes divisíveis até o infinito e desiguais porque
cada um se divide em partes distintas uma das outras.
1.3- Todos os
seres extensos são compostos por partes e cada uma destas partes pode se
dividir em novas partes, até que se chegue a pontos inextensos e que, portanto,
não possam mais ser divididos. Se são pontos inextensos, são coisa alguma, puro
nada. Por sua vez, se os seres extensos se constroem a partir de seres
inextensos, todos são nada, ou seja, os seres extensos são compostos por nada.
1.4- Se algo é
extenso, então é simultaneamente grande e pequeno ao infinito. Infinitamente
grande já que são compostos de partes divisíveis ao infinito. Infinitamente
pequenos já que com partes inextensas não se pode formar um corpo extenso uma
vez que a partir da soma total das partes inextensas não se pode obter um corpo
extenso.
1.5- Somar e
dividir se mostram a mesma coisa, já que a soma das partes inextensas não
aumenta a extensão e a totalidade das partes inextensas retiradas não diminuem
a extensão original.
1.6- Se
afirmamos que as coisas são ao mesmo tempo finita e infinitamente divisíveis
entramos em contradição. Estas seriam finitas já que são compostas de partes
distintas, separadas e limitadas pelo espaço vazio. No entanto, estas mesmas
partes são simultaneamente divisíveis ao infinito. Daí a conclusão de que os
seres seriam simultaneamente finitos e infinitos, já que contém partes que são
infinitamente divisíveis.
2- Argumentação
contra a realidade do espaço.
2.1- Qualquer
coisa extensa está localizada no espaço e este por sua vez ou é alguma coisa ou
é nada. Se o espaço é alguma coisa, deve estar contido em outra coisa, outro
espaço, e isto sucessivamente ao infinito. Agora, se o espaço é nada, teríamos
de concluir que os seres extensos estão localizados no nada.
2.2- Se os seres
são múltiplos, todos individualmente devem ser percebidos. No entanto, quando
colocamos grãos de qualquer espécie dentro de uma sacola e a balançamos, eles
fazem barulho, mas se colocamos um único grão não temos barulho algum para perceber,
por mais que balancemos a sacola.
3- Argumentação
contra a realidade do movimento.
São os quatro
paradoxos apresentados por Aristóteles, que não negam a aparência e sim a
realidade do movimento.
3.1- O paradoxo
do finito contendo o infinito
O movimento se
dá quando um móvel percorre determinada distância em determinado tempo. Zenão
procura demonstrar a impossibilidade do movimento no espaço, seja este espaço
composto por pontos divisíveis ou indivisíveis. A ideia é que se o espaço é
algo real, então deve poder ser percorrido por um objeto móvel, sendo que
conforme este objeto se movimento por sobre o espaço, ambas as partes são
posicionadas e comparadas em cada posição ocupada. O movimento se dá quando um
corpo qualquer, móvel, percorre as distintas partes deste espaço em um tempo
finito, ou seja, um corpo (móvel) percorrendo outro corpo (espaço) em um tempo
(finito) determinado. Daí se segue que se o espaço é dividido ao infinito,
temos que um dado móvel finito há de percorrer infinitas partes em um tempo
finito, o que não é possível. Por sua vez, se entendemos que o espaço não é
divisível e sim formado por pontos inextensos, por meros instantes, a
existência do movimento também geraria absurdos.
3.1.1- O
argumento da dicotomia (ou divisão), também conhecido como primeiro argumento
do estádio.
Antes de chegar
ao final temos de chegar ao meio, infinitamente. Entende que o espaço é
divisível ao infinito e que não é possível chegar ao final de uma reta, pois
sempre se pode dividir a distância restante ao meio e sempre haverá a
necessidade de se chegar ao meio antes de se chegar ao final. Um corredor não
conseguiria atravessar um estádio, pois sempre precisaria primeiro chegar a
metade e sucessivamente a metade da metade.
3.1.2- Argumento
de Aquiles. Trata-se da exemplificação de 3.2, onde para se chegar ao final
precisa-se chegar ao meio primeiramente e isto ao infinito tornando o movimento
impossível. Se Aquiles corre contra a tartaruga e esta tem uma pequena
vantagem, Aquiles jamais conseguirá ultrapassá-la.
3.1.3- Argumento
da flecha. Já que o espaço é composto por infinitos pontos e deste modo pode
ser dividido ao infinito, e se o tempo também pode ser dividido ao infinito,
uma flecha disparada por um arco terá de percorrer um a um, todos estes pontos,
e estará parada em cada um deles, logo, a flecha em movimento está em repouso
em cada instante e ponto no espaço.
3.1.3.1- Tudo
que se move ou se move no ponto em que está ou no ponto em que não está. Não é
possível o movimento no ponto onde se encontra e menos ainda onde não está
presente, disto se conclui que o que aparenta estar em movimento em verdade não
se move.
3.4- Argumento
do estádio. Dois carros correndo em um estádio em direção contrária e com a
mesma velocidade, um em direção ao outro, se movem com relação a si mesmos com
o dobro da velocidade que com relação a um observador imóvel. Cada unidade de
espaço deve ser entendida como igual a uma unidade de tempo. Deste modo
chegamos à conclusão de que a metade de um dado tempo é igual ao dobro desse tempo.
Mesmo hoje em
dia, já no século XXI e depois de diversas tentativas de refutação destes
paradoxos, desde os tempos de Aristóteles, os mesmos ainda se mostram atuais,
instigantes e provocativos. Novas questões surgem na medida em que a ciência e
a tecnologia humana evoluem, imaginemos, por exemplo, um filme fotográfico de
cinema, onde na película temos uma sucessão de imagens imóveis que ganham vida
quando o projetor as passa em velocidade na tela do cinema. O movimento no
cinema não seria meramente aparente?
O que temos em
Zenão é uma negação racional do movimento, o qual é somente uma ilusão e provém
da “doxa”, opinião. O movimento passa a ser entendido como algo absurdo dentro
de um princípio de racionalidade.
Também vale
destacar as contribuições sobre o Zenão quântico, onde um sistema instável, se
ampla e frequentemente monitorado, torna-se imóvel ao observador. Aqui
pensamos, dentre outros, em Schröndinger, 1935 e Misra e Sudarshan, 1977.
Uma outra
contribuição a qual somos devedores de Zenão é o método de refutar as teses
contrárias as suas por meio da redução ao absurdo. Como posso admitir o
movimento se esta tese me leva a conclusões absurdas e racionalmente
inaceitáveis? Método este que pode ser aplicado a outras questões em contenda,
reduzindo os argumentos do adversário a conclusões absurdas e inaceitáveis.
Segundo Aristóteles cabe a Zenão o mérito de ser o criador da dialética, arte
que desenvolveu na tentativa de levar ao absurdo os argumentos de seus
adversários que defendiam a multiplicidade do ser e o movimento.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa
Oliveira.
Site: www.doutorsilverio.com
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