Por: Silvério da Costa Oliveira.
Schelling
Friedrich Wilhelm Joseph Schelling (1775-1854) nasceu em Leonberg em Baden-Württemberg, sul da Alemanha. Seu pai era pastor protestante e Schelling teve a oportunidade de aprender, além de seu idioma materno, o alemão, também árabe, hebraico, grego e latim. Em 1790, então com 15 anos de idade, inicia seus estudos universitários no seminário protestante de Tübingen. Schelling estudou teologia e filosofia na Universidade de Tübingen, onde se destacou como um brilhante aluno, bem como, pôde conhecer e conviver com outros alunos que se tornariam célebres no futuro: Hölderlin e Hegel, na época cerca de cinco anos mais velhos em idade. Aos 17 anos de idade, e influenciado pela leitura de Kant, publica seu primeiro livro (1792), versando sobre o pecado original e uma interpretação alegórica do mesmo.
Nesta década publica sua primeira obra, sob a influência de estudos sobre Kant: “Da irreligião da época”, também "Cartas Filosóficas Sobre Dogmatismo e Crítica". Posteriormente publica “Filosofia do Idealismo Transcendental” ou “Filosofia da identidade”, considerado por comentadores como uma de suas obras mais influentes
Em 1798 ocupa o cargo de professor de filosofia na Universidade de Jena (ocupará o cargo por cinco anos, de 1798 a 1803). Neste momento, ele é influenciado pelo Idealismo Transcendental de Fichte. Em 1803 passa a lecionar em Wurzburgo, onde permanece por três anos, até 1806. Após esta data mudou para Munique onde associou-se à Academia de Ciências, ofereceu cursos em Stuttgart em 1810, e em Erlangen de 1821 a 1826. De 1827 a 1841 atuou como professor na Universidade de Munique. Hegel falece em 1831 e em 1841 Schelling é convidado a ocupar a sua cátedra na universidade de Berlim, onde leciona até 1846.
Casou-se com Caroline Michaelis (1763-1809) em 1803 e teve com ela quatro filhos, Caroline era uma escritora e tradutora alemã, mulher intelectual envolvida em atividades literárias e acadêmicas, tendo exercido forte impacto na vida de Schelling. Quando sua esposa faleceu, por causa de tuberculose, casou-se novamente em 1812 com Pauline Gotter (1786-1854), filha do poeta Christian August Gotter e com quem teve seis filhos. Pauline veio a falecer quatro meses após seu marido.
Em resumo, atuou como professor universitário em Jena e depois mudou-se para Munique, onde permaneceu por 35 anos de sua vida e ocupou o cargo de secretário geral da Academia das Artes Figurativas e também veio a ocupar, em 1827, o cargo de reitor da universidade de Munique. Após a morte de Hegel, o substituiu como professor na universidade de Berlim.
Seu trabalho é inicialmente influenciado pelas primeiras obras de Fichte, bem como por Kant e, posteriormente, se desenvolve vindo a ter influência da concepção da natureza de Spinoza e pelas concepções filosóficas de Giordano Bruno. Como filósofo é considerado um representante do movimento do “Idealismo Alemão” e também sofre influência do “Romantismo”. As ideias presentes no Romantismo, a sua época, valorizavam a subjetividade, a natureza e a emoção. Há uma certa dificuldade por parte dos comentadores em classificar em qual movimento melhor pertenceria o pensamento de Schelling.
Suas ideias tiveram forte repercussão e influência em sua época e mesmo após sua morte. A última fase de seu pensamento exerceu forte influência sobre o desenvolvimento da teologia alemã. Sua obra exerceu grande influência no Idealismo Alemão, no Romantismo, e no desenvolvimento da filosofia da natureza, da arte e da religião.
Kant escreveu três críticas: "Crítica da Razão Pura", 1781, a "Crítica da Razão Prática", 1788, e a "Crítica do Juízo", 1790, além de outras obras também importantes. Tanto Fichte, como também Schelling, foram influenciados pela leitura das obras de Kant, em particular suas “Críticas”.
Ao distinguir entre númeno (a coisa em si) e fenômeno (o que nós percebemos da realidade), Kant influenciou a ambos os autores, levando-os a considerarem as relações existentes entre sujeito e objeto, em suas próprias filosofias. Ambos autores abandonam a ideia de númeno, presente em Kant, e buscam uma maior integração e unidade, saindo deste dualismo kantiano entre númeno e fenômeno.
Em termos gerais, apesar da influência das três críticas no desenvolvimento do trabalho filosóficos destes dois autores, Fichte teve uma maior identificação e influência da “Crítica da razão prática” e, por sua vez, Schelling da “Crítica do juízo”. Fichte desenvolveu sua ética baseada na autonomia do eu e no dever, entendendo que a ação moral é a expressão mais alta da liberdade, sendo a obrigação moral o princípio central da ética. Já Schelling apresenta um maior interesse pela filosofia da arte, explorando a relação entre arte, natureza e espírito. Schelling enfatizou a unidade da natureza e do espírito presente na arte. A arte em Schelling é a expressão do absoluto e da unidade da natureza e do espírito na estética.
Não há um sistema filosófico propriamente dito em Schelling e sim uma evolução constante de seu pensamento, partindo de um ponto central comum. No decorrer de sua vida passou por várias fases filosóficas, não havendo um consenso por parte dos comentadores no tocante a quantas fases marcariam o seu pensamento filosófico. Esta dificuldade em classificar as ideias filosóficas de Schelling é decorrente da complexidade da evolução de seu pensamento no decorrer de sua vida.
Se nos basearmos na divisão do desenvolvimento de seu pensamento proposta pelo próprio autor, então teríamos três fases. Uma fase de transição do pensamento de Fichte para uma filosofia da natureza, outra na qual partindo da filosofia da natureza se encaminha para uma filosofia da identidade, e por último, o desenvolvimento de uma postura crítica a filosofia de Hegel, esta última fase desenvolvida quando ocupou em Berlim a cátedra anteriormente ocupada por Hegel antes de seu falecimento.
Há várias fases na filosofia desenvolvida por Schelling e cada comentador há de preferir uma dada divisão, mas em linhas gerais e a par com alguns comentadores, podemos dividir nas seguintes três fases: 1- O contato com Fichte e Kant e a elaboração de uma filosofia da natureza, onde encontramos uma fase de transição (1794-1800); 2- a filosofia da identidade, ou Idealismo de identidade (1801-1809); 3- a filosofia positiva – negativa, e a crítica a obra de Hegel (1827-1854). Já outros comentadores hão de preferir dividir tematicamente em: 1- influência e debate filosófico com a obra de Kant e Fichte; 2- filosofia da natureza e a liberdade; 3- filosofia da história e mitologia; 4- filosofia da arte; 5- filosofia da revelação.
Natureza, identidade, arte, história e mitologia, Revelação e Teologia Negativa, são temas abordados no decorrer da vida deste filósofo, de modo não isolado, mas sim entrelaçado, de forma que tais temáticas se relacionam entre si.
Na fase de transição e elaboração de uma filosofia da natureza, (1794-1800), a primeira fase do pensamento de Schelling segundo alguns comentadores, temos a maior presença do embate entre as filosofias de Kant e Fichte na elaboração do pensamento inicial de Schelling. Influenciado por ambos autores, Schelling argumentou que o princípio fundamental da realidade é a liberdade, e a realidade é uma expressão da atividade mental. Uma característica importante dessa fase é a ênfase na subjetividade, dentro da elaboração filosófica sobre a questão vinculada a como a mente humana cria e interpreta o mundo circundante, qual a relação entre a mente e o mundo. Com a evolução do pensamento de Schelling, este aos poucos vai se afastando do pensamento de Kant e Fichte e se direcionando para uma filosofia da natureza.
Na primeira fase de sua filosofia, a filosofia da natureza, parte de alguns filósofos e também das descobertas científicas de sua época para defender a objetividade da natureza enquanto realidade que basta a si mesma. A natureza é algo que possui vida própria, é criadora e autônoma. A natureza ao longo da evolução busca tomar consciência de si mesma e isto se dá por meio da consciência humana. A contradição encontrada anteriormente em Fichte e Kant, ao descrever duas realidades, seja uma numênica e outra fenomênica ou entre finito e infinito, ou entre natureza e espírito, encontra segundo uma possível interpretação das obras de Schelling, a solução em que é Deus quem cria a razão e a natureza, Deus cria todas as coisas ao pensa-las, claro que não há consenso nesta interpretação, alguns outros comentadores preferindo entender que a mente e a natureza se originam ambas de uma única unidade, e não como criação de um ser transcendente mais presente na terceira fase da filosofia de Schelling.
Se formos comparar o pensamento de Schelling com o de Fichte, temos que na elaboração de seu pensamento encontra os conceitos de “Eu absoluto” e “não Eu” presentes na filosofia de Fichte. O “Eu absoluto” é o pensamento, a consciência. Ora, Schelling toma o conceito de “não Eu” como sendo o inconsciente, mas como tal, faz parte do “Eu absoluto”, só não é conhecido neste momento. Deste modo, unifica os conceitos de “Eu absoluto” e “não Eu” em um único ser, pensamento que se pensa a si mesmo e conforme pensa, cria. A realidade para Schelling é pensamento produtivo, criativo. A realidade é pensamento que enquanto pensa, cria. A realidade, a natureza, se apresenta como um constante esforço de tomada de consciência de si mesma, autoconsciência. Na natureza temos dois movimentos, um de expansão e outro de atração. Pelo movimento de expansão é criado o espaço e pela relação e interação entre expansão e atração temos a criação do tempo. Em Kant tempo e espaço são dados a priori, já em Schelling são criados a partir da interação entre expansão e atração. Schelling usa a expressão “espírito” como equivalente ao “Eu puro” de Fichte. Espírito e natureza são duas formas opostas, mas complementares, é a consciência e a inconsciência. O lado claro e o lado escuro de uma mesma coisa (por exemplo: the dark side of the moon).
No início não havia diferenciação entre natureza e consciência individual, ambas ligadas a uma unidade absoluta e infinita, quando ocorre esta separação entre consciência individual e natureza, a consciência passa a ter um limite dado por ela própria, já a natureza não possui limites. A essência de nossa consciência é o espírito, já a essência da natureza é a matéria, a força. A natureza neste sistema filosófico se mostra tão real quanto o próprio eu racional e consciente de si mesmo. A razão humana busca refletir a natureza da qual se originou. A natureza possui o mesmo princípio de inteligência do eu racional consciente, mas adormecido.
A natureza é um todo coerente e não fragmentado, sendo sua essência a força, atividade pura, uma atividade infinita. Na natureza podemos encontrar duas tendências: a dispersão (expansão) e a unificação (atração). Já a realidade na qual vivemos é composta pelo movimento dialético entre estas duas tendências.
Na sequência da evolução de sua filosofia, alguns comentadores entendem que temos uma segunda fase (1801-1809), na qual a questão principal é a filosofia da identidade. Nesta segunda fase, a elaboração de uma filosofia da natureza que havia começado na primeira fase de seu pensamento, encontra-se agora completa. Nesta nova fase o foco se dá na relação entre natureza e mente, ambas compartilhariam de uma identidade fundamental. Não há uma separação rígida entre a natureza e a mente, mas sim uma unidade interconectada. Esta unidade fundamental e incondicional da realidade recebe de Schelling o nome de “Identidade Absoluta”. Trata-se de uma identidade transcendental e base de todo o ser.
Na segunda fase, a fase da "Filosofia da Identidade", Schelling continuou a explorar a relação entre natureza e mente, já presente na primeira fase, mas ele se concentrou mais na ideia da identidade absoluta e em questões epistemológicas, em vez de desenvolver ainda mais sua filosofia da natureza. Deste modo, temos que a elaboração de uma filosofia da natureza encontra-se mais presente na primeira fase, ainda no embate com as filosofias de Kant e Fichte no desenvolvimento de suas próprias ideias sobre a relação entre natureza e mente.
A filosofia da natureza presente no pensamento de Schelling tem seu foco de interesse voltado para a relação existente entre natureza e mente, para a unidade subjacente existente entre natureza e mente. A natureza e a mente compartilham da mesma identidade fundamental, não estando a natureza separada da mente e não sendo algo oposto a mesma. Enfatizou a importância da intuição intelectual na apreensão da realidade, deste modo, segundo o autor, a compreensão real não pode ser alcançada somente por meio de conceitos racionais, necessitando de uma apreensão direta e intuitiva da unidade entre natureza e mente.
A natureza se mostra como expressão da mente divina, uma manifestação do processo criativo do absoluto. A natureza se mostra como algo vivo e em constante evolução. Encontramos um animismo na teoria da natureza deste autor, uma “alma mundo”, na qual todas as coisas tem vida, a natureza constitui um todo vivente. Schelling reporta toda a criação à natureza, a vida surge da matéria sem vida. A natureza é uma realidade em constante evolução. Tanto a realidade física como o espírito, são, ambos, expressão de um único Deus criador, espírito do mundo. A natureza se apresenta como o espírito visível, por sua vez, o espírito é a natureza invisível. Em toda natureza há um espírito estruturante. A inteligência está latente na matéria. A natureza está viva. Há uma evolução que vai da natureza inorgânica para a natureza orgânica e desta para a consciência.
Em Schelling temos o absoluto como semelhante a uma matriz da qual tudo se origina, deste modo, como tudo se origina deste absoluto, há em tudo uma identidade comum, por mais diferentes que tais coisas possam parecer. Toda a realidade está em constante evolução e se manifesta por sucessivas fases. Temos que da natureza inorgânica vamos para a natureza orgânica e a seguir para o espírito. O espírito está presente na natureza inorgânica, proporcionando ordem a mesma. Em Schelling a natureza se mostra como um todo vivo e ativo.
Em Schelling o acesso ao absoluto se dá por meio da intuição intelectual como consciência de si mesmo. O absoluto faz referência a uma atividade primordial presente em todas as coisas, orgânicas e inorgânicas, de modo inconsciente e produtivo. Cabe ao entendimento filosófico provindo da consciência humana, buscar restaurar a unidade e identidade desta atividade primordial do absoluto. Em sua filosofia da identidade, tanto o sujeito, como também o objeto, são entendidos como a unidade do absoluto.
Na filosofia da identidade, Schelling aprofunda seus estudos sobre a identidade entre natureza e mente, formulando o conceito de “identidade absoluta”, representando a unidade incondicional e transcendental de toda a realidade e base de todo o ser. Esta fase também se mostra mais metafísica e especulativa que a anterior, demonstrando interesse filosófico por questões sobre a estrutura mais profunda da realidade e a relação entre o finito e o infinito.
Na filosofia de Schelling a “consciência” é apresentada como a expressão mais alta de toda atividade espiritual, exercendo um papel central em sua filosofia. A consciência representa o “eu individual”, o “sujeito pensante”, o “sujeito racional” que possui a capacidade de refletir e compreender a realidade que o rodeia. É na consciência que temos o reino do espírito e da liberdade, domínio da razão.
A “natureza” no pensamento de Schelling se apresenta como uma realidade objetiva e autônoma. A natureza não é um mero conjunto de entes externos ao sujeito pensante, mas sim a manifestação da atividade divina, expressão da mesma inteligência presente na mente humana, mas inteligência adormecida. A natureza deve ser entendida como regida por leis naturais, sendo uma fonte de inspiração para nossa mente.
Já a consciência humana mostra-se como parte da mente que se eleva acima da natureza, nela temos a esfera da liberdade e da reflexão. Por meio da mente humana pode-se transcender as limitações da natureza, buscando a compreensão da realidade de forma livre e racional, se bem que tal compreensão não seja completa sem levar em conta a conexão existente entre a consciência humana e a natureza.
A relação existente entre estes três conceitos (consciência, natureza e consciência humana) na filosofia desenvolvida por Schelling é complexa. A natureza tende a aparecer em seu pensamento filosófico como algo anterior à consciência, um estágio no qual a atividade espiritual ainda não se desenvolveu completamente. Cabe à consciência humana a possibilidade de refletir sobre a natureza, buscando a compreensão da realidade, reconhecendo a existência de uma conexão entre consciência e natureza. Esta relação complexa está presente no transcorrer das várias fases do pensamento deste filósofo.
Enquanto na primeira fase de seu pensamento predominou a influência de Kant e Fichte, nesta segunda fase percebemos a influência de Spinoza e Giordano Bruno. A filosofia da identidade de Schelling é nitidamente influenciada pelo pensamento de Spinoza, quando este último filósofo afirma a identidade entre Deus e a natureza, ideia esta em conformidade com o pensamento de Schelling quanto a identidade absoluta, que unifica todos os aspectos da realidade. A influência de Spinoza se faz presente em Schelling na ênfase sobre a unidade e no entendimento de que a natureza e a mente não estão separadas, mas fazem parte de uma mesma e única realidade. Já Giordano Bruno se faz presente com a ideia por este defendida quanto a infinitude do universo e a existência de inúmeras realidades.
Na opinião de vários comentadores, segue-se a esta uma terceira fase (1827-1854) no pensamento de Schelling, a fase da filosofia positiva-negativa e na qual temos uma crítica a obra de Hegel.
Schelling introduz sua filosofia positiva-negativa, na qual explora conceitos como o absoluto e a relação entre afirmação e negação. Ele critica a filosofia de Hegel e busca uma abordagem alternativa.
Além de adotar uma postura crítica ao sistema de Hegel, tende a se afastar do seu pensamento expresso nas fases anteriores, em particular sobre a filosofia da identidade. Sua filosofia se direciona mais para questões religiosas, abordando a teologia e temas espirituais, voltada para a compreensão do mistério e da transcendência divina. Fica nítido nesta terceira fase uma mudança significativa nas principais ideias por ele defendidas anteriormente. Nesta fase se afasta do Romantismo e do Idealismo Alemão, adotando uma abordagem crítica em relação aos mesmos, tendendo a se afastar bastante do idealismo então presente nesta época, de forte influência no pensamento elaborado por Hegel.
Boa parte deste período é destinado a uma crítica ao pensamento de Hegel, discordando de aspectos presentes ao sistema hegeliano, dentre os quais a natureza do absoluto e a questão da liberdade em Hegel. Também enfoca, nesta terceira fase, a importância da liberdade humana, destacando que esta não pode ser devidamente entendida por meio do sistema filosófico de Hegel.
A dialética tradicional, tal como ficou convencional após Hegel, na qual temos uma tese (afirmação), seguida de uma antítese (negação) visando uma superação de ambas em uma síntese, encontra-se ausente nas duas primeiras fases do pensamento de Schelling, já na terceira fase de seu pensamento filosófico, observamos a tese e a antítese na dualidade entre positivo e negativo, mas em sua dialética, Schelling não busca superar ambas as posições e sim integrá-las. Há aqui uma valorização da complexidade da realidade, permitindo que ambas as dimensões coexistam dentro de uma dualidade positiva-negativa.
A filosofia positiva-negativa desenvolvida por Schelling nesta fase de seu pensamento filosófico, caracteriza-se por uma busca de compreensão mais aprofundada do absoluto por meio de uma complexa abordagem na qual discute ideias positivas ou afirmações sobre a realidade, e ideias negativas ou negações e limitações da realidade.
A filosofia positiva-negativa tende a se mostrar uma elaborada e complexa abordagem desenvolvida por este autor. Schelling busca tratar filosoficamente questões metafísicas e teológicas que ultrapassem as estruturas rígidas do sistema filosófico de Hegel. Para o correto entendimento da complexidade da realidade é necessário considerar o que é positivo (afirmações sobre a realidade) e o negativo (negações ou limitações da realidade), incorporando esta dualidade e não negando uma em proveito de outra. No lugar de afirmar ou negar um dado conceito, caberia desenvolver uma crítica filosófica que permita abranger a totalidade da experiência humana e da realidade.
Por meio da filosofia positiva-negativa, reconhece que diversos aspectos presentes na realidade, tais como questões metafísicas e teológicas, mantém o seu mistério e transcendência em relação a nossa capacidade de compreensão racional conceitual. Não seria possível por meio da filosofia a compreensão total destes aspectos, sua explicação deve deixar espaço para um aspecto inerente ao mistério da realidade.
Nesta fase aborda questões teológicas e espirituais por meio da teologia negativa, a qual entende que Deus não pode ser totalmente abarcado por conceitos oriundos da razão humana, não sendo possível afirmar o que Deus de fato é, mas podemos afirmar o que Deus não é.
Por meio da teologia negativa se enfatiza a impossibilidade da total compreensão de Deus, ser misterioso e transcendente, diante da limitada capacidade de compreensão humana. A nós somente resta afirmar o que Deus não é. Já quanto ao “mistério”, este faz referência a ideia de que existem aspectos da realidade que estão além da capacidade de compreensão humana, indo muito além do alcance da razão humana e dos conceitos por ela desenvolvidos. O mistério se faz particularmente presente nas questões religiosas e na transcendência de Deus.
Coube ao pensamento de Schelling enfatizar a importância da unidade, bem como, da relação existente entre diferentes esferas da realidade, onde incluímos a natureza, o espírito, a ética e a teologia. O absoluto é uma realidade presente em tudo e há um só tempo material e espiritual. Entendia que a intuição é uma fonte de conhecimento que vai além da razão humana, permitindo uma compreensão mais profunda da realidade. Sua filosofia exerceu forte influência não somente na filosofia, mas também na teologia.
No período em que lecionou em Berlim desenvolveu e apresentou suas ideias sobre religião e mitologia. Entendia que o cristianismo tem como essência a sua real natureza histórica presente na encarnação de Jesus Cristo, em sua vida e martírio. O valor da religião cristã encontra-se justamente nesta realidade histórica presente na vida real de Jesus Cristo, não sendo correto tentar reduzir o conteúdo da doutrina cristã somente aos preceitos morais nela presentes.
A abordagem filosófica à teologia por meio da via negativa presente em Schelling enfatiza que o conhecimento de Deus se dá não pela afirmação de suas qualidades e sim pela negação ou descrição do que Deus não é. Esta abordagem encontra diversos outros autores que a defendem no transcorrer da história humana e que podem ter influenciado o pensamento de Schelling, como tal é o caso de Pseudo-Dionísio, o areopagita (século V d.C.), Mestre Eckhart (1260-1328), São João da Cruz (1542-1591).
Schelling entende que o absoluto se mostra como uma unidade entre natureza e espírito, se revelando na história, na arte e na religião, deste modo, sua filosofia exerce influência na estética e também nos trabalhos de outros membros do Idealismo Alemão e do Romantismo.
Na arte, na obra de arte, se intui o absoluto em si mesmo, isto porque a arte possui algo de Divino, igualando-se aqui ao universo criado por Deus. É na arte que o espírito e a natureza se unem, sendo uma atividade simultaneamente consciente e inconsciente, onde a obra de arte é algo finito, mas sua significação é infinita. A pretensão inalcançável da filosofia é a de validade universal, mas somente pela arte podemos atingir uma objetividade absoluta.
A obra de arte nos permite a intuição do absoluto, se mostra como expressão do divino, se apresenta como a união entre espírito e natureza, é uma atividade simultaneamente consciente e inconsciente, nela temos presente a finitude e também a infinitude, permite atingir a objetividade absoluta.
A arte possui em si mesma algo de divino que a iguala ao universo criado por Deus. A arte se mostra como uma forma de expressão criativa que consegue capturar a essência da realidade de modo semelhante a própria criação divina. A arte mostra-se como uma atividade vinculada ao absoluto e à espiritualidade.
A arte possui, segundo o autor, um caráter todo especial que nos permite uma experiência direta e profunda do absoluto, ou seja, é possível por meio da obra de arte intuir o absoluto em si mesmo. O absoluto é a realidade fundamental por trás de todas as coisas, sendo que a arte nos fornece um modo único de nos conectarmos a esta realidade.
Na obra de arte há uma união entre o espírito e a natureza. A arte não é somente a expressão da criação humana, pois, nela estão presentes elementos da natureza, sendo esta união entre espírito e natureza uma característica distintiva da arte.
Na atividade artística temos simultaneamente a consciência do artista quanto as suas próprias escolhas na criação da obra de arte, com aspectos inconscientes, nos quais a intuição desempenha um importante papel na expressão artística.
Na obra de arte percebemos a finitude e a infinitude, pois, enquanto a obra de arte é algo finito, limitado, que possui um determinado formato material, por outro lado, evoca interpretações e emoções diversas em cada novo observador. Deste modo, o finito se faz presente na obra, do mesmo modo que o infinito, proporcionando a obra de arte transcender as suas limitações físicas e se conectar com o absoluto.
Somente é possível por meio da arte atingir uma objetividade absoluta, não sendo tal possível por meio da filosofia, apesar desta buscar uma validade universal. A arte tem em si a capacidade de comunicar verdades profundas sobre a existência, verdades estas muito difíceis de serem expressas por meio da linguagem filosófica.
Dentro da filosofia de Schelling a arte exerce um papel importante e especial na busca de compreensão do absoluto. A arte permite uma intuição direta do absoluto, representando uma união entre espírito e natureza. Na arte temos tanto uma atividade consciente, como também uma atividade inconsciente que ultrapassa a finitude material presente na obra de arte feita pelo artista, tornando-se deste modo uma expressão significativa da objetividade absoluta. Tal abordagem da arte feita por Schelling teve a virtude de influenciar a estética e a filosofia da arte. Esta abordagem da arte se encontra mais presente na segunda fase do pensamento deste autor.
Em sua obra, Schelling também aborda questões éticas e morais. Schelling, da mesma forma que Fichte, defende a autonomia moral do eu. Segundo Schelling, a ação moral é a expressão da liberdade humana e a moralidade está vinculada com a capacidade humana de agir de acordo com o dever e o imperativo moral. Também trabalhou a relação entre liberdade, dever e moralidade, entendendo que a verdadeira moral é consonante com a realização do dever enquanto expressão da vontade livre e autônoma do indivíduo. O dever é entendido por Schelling como sendo algo intrínseco a própria natureza humana, algo originário da liberdade do sujeito. A ética é entendida por Schelling como estando vinculada à capacidade do humano de agir de acordo com o dever moral.
No desenvolvimento da segunda fase de seu pensamento, a filosofia da identidade, entendeu que havia uma unidade entre natureza e espírito, e que a moralidade é parte integrante do cosmos, onde o humano se comporta em harmonia com a totalidade. No decorrer da fase da filosofia da identidade, Schelling destaca a unidade e identidade entre natureza e espírito, entendendo a moralidade como uma expressão da harmonia entre os aspectos materiais e espirituais da realidade. Para Schelling a moralidade está relacionada à harmonia e à totalidade do cosmos, de tal modo que a moralidade envolve a participação do humano na realização da ordem moral do universo.
Schelling também destaca a importância da vontade na moralidade no tocante a realização do dever moral, pois, esta realização do dever moral está ligada à vontade livre do sujeito. A moralidade envolve a capacidade de escolher e agir de acordo com o dever, mesmo em circunstâncias difíceis e desafiadoras.
Já no desenvolvimento de sua filosofia da arte, entendeu que a experiência estética pode ser uma expressão da moralidade, pois, a arte pode revelar a harmonia entre natureza e espírito, refletindo a moralidade no universo estético. No tocante à estética, argumentou que a apreciação da beleza na obra de arte pode encaminhar para uma compreensão mais profunda da moralidade, sendo a arte um meio de comunicação da moralidade e da harmonia no universo. A arte e a religião são meios para expressar a moralidade e a relação do humano com o cosmos.
A abordagem dada por Schelling à ética e à moral em sua filosofia se mostra complexa e integrada as fases de seu pensamento filosófico, enfocando a importância da vontade livre, da harmonia e da unidade na compreensão da moralidade, em uma abordagem holística onde se destaca a relação entre natureza e espírito.
Não há, no entanto, uma ética totalmente desenvolvida e sistematizada em Schelling, tal como a encontramos em Kant ou Fichte. As suas reflexões sobre ética e moral estão inseridas dentro do desenvolvimento das várias fases presentes a sua filosofia, apresentando uma abordagem mais holística sobre a temática.
Dentre as suas principais obras destacamos algumas, divididas por períodos do desenvolvimento de seu pensamento:
Primeira Fase - Filosofia da Natureza:
1- "Ideias para uma Filosofia da Natureza" (Ideen zu einer Philosophie der Natur), 1797.
Nesta obra, Schelling explora suas primeiras ideias sobre a relação entre a natureza e o espírito, propondo uma filosofia da natureza que integra aspectos espirituais e naturais.
2- "Da Alma do Mundo" (Von der Weltseele), 1798.
Schelling continua a desenvolver sua filosofia da natureza, abordando a ideia de uma alma do mundo que permeia toda a realidade natural. Ele explora a conexão entre o mundo natural e o mundo espiritual.
3- "Primeiro Esboço de um Sistema da Filosofia da Natureza" (Erster Entwurf eines Systems der Naturphilosophie), 1799.
Neste trabalho, Schelling elabora suas ideias sobre a filosofia da natureza em um sistema mais abrangente, abordando conceitos como a polaridade e a dualidade na natureza.
Segunda Fase - Filosofia da Identidade:
4- "Sistema de Idealismo Transcendental" (System des transzendentalen Idealismus), 1800.
Schelling começa a desenvolver sua filosofia da identidade nesta obra, na qual explora questões de identidade e polaridade entre sujeito e objeto.
5- "Investigação sobre a Essência da Liberdade Humana" (Untersuchungen über das Wesen der menschlichen Freiheit), 1809.
Nesta obra, Schelling aprofunda sua filosofia da identidade, examinando a natureza da liberdade humana e sua relação com a natureza e a divindade.
6- "Filosofia da Arte" (Philosophie der Kunst), 1802-1803.
Esta obra é considerada uma das mais importantes na filosofia da arte do período romântico.
Terceira Fase - Filosofia Positiva-Negativa e Crítica a Hegel:
7- "Filosofia da Mitologia" (Philosophie der Mythologie), 1835-1836.
Uma obra importante que explora as relações entre filosofia, mitologia e religião.
8- "Filosofia da Revelação" (Philosophie der Offenbarung), 1858.
Postumamente publicada, esta obra reflete a terceira fase do pensamento de Schelling. Aqui, ele discute questões de teologia negativa, mistério e revelação divina.
Obras Gerais:
9- "Lições sobre o Método Acadêmico" (Vorlesungen über die Methode des akademischen Studiums), 1803.
Uma obra que discute questões metodológicas na filosofia e na educação. Nesta obra Schelling oferece orientação sobre como os estudantes podem atuar de modo mais eficaz nos estudos acadêmicos. Trata-se da visão pedagógica de Schelling.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.
Site: www.doutorsilverio.com
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