Professor Doutor Silvério

Blog: "Comportamento Crítico"

Professor Doutor Silvério

Silvério da Costa Oliveira é Doutor em Psicologia Social - PhD, Psicólogo, Filósofo e Escritor.

(Doutorado em Psicologia Social; Mestrado em Psicologia; Psicólogo, Bacharel em Psicologia, Bacharel em Filosofia; Licenciatura Plena em Psicologia; Licenciatura Plena em Filosofia)

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terça-feira, 19 de dezembro de 2023

Hegel

 

Por: Silvério da Costa Oliveira.

 

Hegel

 

Todo o real é racional e todo o racional é real.

Só o que é real é racional e só o que é racional é real.

 

1- VIDA

Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) nasceu em Stuttgard, no Ducado de Württemberg, Sacro Império Romano-Germânico, hoje Alemanha, e faleceu por motivo de cólera em Berlim, Confederação Germânica, hoje também Alemanha.

Hegel é proveniente de uma família religiosa protestante. Seu pai, Georg Ludvich Hegel, estudou direito na Universidade de Tübingen e atuava como funcionário público. Sua mãe, Maria Magdalena Louisa Hegel, era pessoa muito culta para uma mulher de sua época e com ela pode aprender latim ainda em sua infância. Sua mãe veio a falecer em 1781, quando o futuro filósofo contava com apenas 11 anos de idade e conforme este confidenciou anos mais tarde, tal fato marcou profundamente a sua vida. No ano de 1811, casou com Marie von Tucher, com quem teve filhos, Karl Friedrich Wilhelm Hegel (1813-1901) e Immanuel Thomas Christian Hegel (1814-1891). Algumas fontes colocam que teve três filhos, mais um faleceu ainda criança.


 

Estudou teologia e filosofia na Universidade de Tübingen, onde teve como colegas Schelling e Hölderlin, e, posteriormente, atuou como professor universitário. Foi professor nas universidades de Frederico-Guilherme, Tübingen, Jena, Heidelberg, Humboldt de Berlim. Assume a cátedra da Universidade de Berlim em 1818, ficando nela até seu falecimento. Atuou como professor, escritor e filósofo.

No desenvolvimento de seu pensamento foi inicialmente influenciado por Kant, Fichte e Schelling, se bem que encontramos influências outras, tais como Heráclito, Aristóteles e Spinoza, só para citar algumas. E, claro, a influência dos movimentos conhecidos por Romantismo e Idealismo Alemão, dos quais Hegel sofreu influência e, por sua vez, também influenciou, sendo considerado um dos representantes do “Idealismo Alemão”, mas a elaboração de seu sistema filosófico apresenta diferenças consideráveis em relação a obra de Fichte e Schelling, seus contemporâneos. É considerado por parte de alguns comentadores, e já o era em vida, um pensador de difícil compreensão e mesmo obscuro.

Em sua vasta obra abordou diversos temas, dentre os quais a consciência, a ética, a estética, a religião, a política e também a história. Encontramos tratados em sua obra, tópicos vinculados à ontologia e à epistemologia.

Há comentadores que dividem sua obra em duas partes, a primeira com seus escritos iniciais e geralmente mencionada como “o jovem Hegel” e a segunda com seus escritos posteriores, conhecida por “Hegel de maturidade” ou por “velho Hegel” ou por “Hegel sistemático”. Considera-se o ano de 1807 como o divisor entre os dois períodos, com a publicação do livro “Fenomenologia do Espírito”, considerada por muitos comentadores como a sua principal obra. Sua filosofia busca alcançar a totalidade por meio da dialética, superando divisões e cisões presentes entre por um lado o “sujeito” e por outro o “mundo ao seu redor”, ou, segundo outros comentadores, “sujeito” e “realidade externa”.

O sistema filosófico desenvolvido por Hegel é denominado, por alguns comentadores, de “Idealismo Absoluto”, enfatizando que para este filósofo a realidade passa a ser compreendida como manifestação do Espírito Absoluto, outros há que a denominem de “Filosofia do Espírito”, em virtude da enorme ênfase dada ao desenvolvimento do Espírito no transcurso da história da humanidade em busca da autoconsciência e liberdade.

 

2- O ESTADO

Hegel dá destaque ao Estado, aqui pensando na formação do Estado prussiano presente a sua época histórica. Entende que a melhor forma de governo para ser adotada no Estado é a monarquia constitucional. O poder do Estado não deve ficar restrito à vontade arbitrária de um único indivíduo, cabe a este poder de Estado ser a representação do Espírito do povo. Entende que o Estado é um universal concreto, sendo a forma mais elevada de ética objetiva e a plenitude da ideia moral, a realização da liberdade objetiva. No Estado temos a síntese entre tese e antítese, presente na família por um lado e na sociedade (sociedade civil) por outro. Em Hegel o Estado é a manifestação da Divindade no mundo. A sociedade presente no Estado é mais que a mera soma de todas as pessoas, como também é mais que uma pessoa isolada.

As vontades individuais se desenvolvem dentro do Estado, sendo este a vontade suprema e universal. Segundo o pensamento de Hegel e contrariamente ao pensamento liberal ou o contrato social, o Estado não se encontra subordinado às pessoas, e sim estas, conjuntamente com a família e a sociedade civil, se veem subordinadas ao Estado.

O Estado não recebe a sua soberania do povo, como proposto pela teoria do contrato social, e seus limites se encontram somente diante das leis da moral e de outro Estado. Qualquer tentativa de criar um direito válido entre Estados será mera abstração, pois, todos os Estados são caracterizados por sua total autonomia diante de qualquer outro Estado, resultando somente a guerra entre Estados como opção. O Estado é a própria história, comparado a um deus vivo, englobando toda a vida do seu povo, seja esta em que aspecto for: moral, religioso, jurídico.

Em Hegel o Estado se apresenta como uma instituição fundamental, desempenhando um papel central na realização da liberdade e também na organização da sociedade. O Estado se apresenta como manifestação da vontade racional, encarnando os valores e os princípios morais da comunidade e sendo o representante da vontade geral. O Estado atua de modo a propiciar a reconciliação das tensões entre os interesses individuais e coletivos, gerando uma situação de harmonia e permitindo aos cidadãos buscar a autorrealização dentro da comunidade na qual estão inseridos. O Estado é entendido como sendo o garantidor dos direitos e da liberdade. Cabe ao Estado o papel de proteger os direitos e as liberdades individuais, garantindo aos cidadãos que estes possam exercer de modo equitativo as suas liberdades.

Cabe ao Estado regulamentar e harmonizar os interesses privados dos indivíduos, evitando conflitos e garantindo o bem estar comum, bem como, evitando possíveis perseguições que possam ocorrer a estes indivíduos e aos seus interesses, dentro da sociedade civil. Por sua vez, cabe ao cidadão atuar de modo ético e participar ativamente da vida política, cumprindo as suas obrigações cívicas para com o Estado.

Entende que o Estado deva possuir uma constituição, na qual temos a divisão entre os poderes, a existência de um governo representativo e a proteção dos direitos individuais, deste modo, o Estado é entendido como sendo uma organização política e legal. O Estado é uma instituição em constante evolução, buscando o aperfeiçoamento e, também a busca do ideal de poder incorporar a ética, a racionalidade e a liberdade em sua estrutura.

O Estado mostra-se como a síntese de toda a história da humanidade e seu desenvolvimento espiritual no decorrer do tempo. A história é um processo pelo qual a humanidade avança na direção da realização da liberdade. O Estado marcha em sua evolução para o “fim da história”, o que ocorrerá quando este conseguir alcançar o seu auge, quando a liberdade e a racionalidade forem plenamente realizadas, quando os valores do Estado ético forem alcançados.

Esta visão sobre o Estado exerceu influência significativa em pensadores subsequentes, em particular na filosofia política, enfatizando a relação entre o indivíduo e a sociedade, a proteção dos direitos e a importância da ética e da razão no contexto da política.

 

3- A DIALÉTICA

Conceito central e fundamental dentro da filosofia de Hegel, a dialética atua de modo a proporcionar melhor compreensão do mundo e do pensamento. Apresenta-se como um modo de raciocínio no qual temos uma série de desenvolvimentos, contradições e resoluções.

Não é criação única de Hegel, podendo suas origens serem buscadas mesmo em filósofos antigos, tais como Heráclito, que em sua filosofia enfatizou a constante mudança, Platão e Sócrates, com o processo dialético e maiêutico, e mesmo em Kant e Fichte, dentre outros.

Os termos “tese, antítese e síntese” geralmente associados a Hegel e usados para explicar a sua teoria, ficam mais corretos quando direcionados para Fichte e não para Hegel. Por questões didáticas, normalmente se adota com fins de explicação e ensino, a divisão da dialética hegeliana em “tese, antítese e síntese”, apresentando uma evolução ou progressão constante. Deste modo temos que a partir de uma posição inicial, uma dada afirmação, temos na sequência uma outra afirmação que se apresenta como negação ou oposição do primeiro enunciado e a estes dois é seguida uma nova afirmação que proporciona uma superação em relação aos dois primeiros, buscando a resolução das contradições presentes entre a tese e a antítese.

A dinâmica presente no processo dialético é em geral dividida em três etapas pelos comentadores, que as denominam, respectivamente por: “tese, antítese e síntese”. Com isto, dentro do pensamento de Hegel, se entende que a realidade: 1- se apresenta, 2- nega a si própria e, 3- elimina esta contradição superando estas fases iniciais. Aqui temos três fases que Hegel denominou por: 1- simplicidade, 2- cisão e, 3- reconciliação. A partir da síntese ou reconciliação tem início um novo ciclo, com novas contradições e soluções.

Hegel entende que o método próprio para a obtenção da verdade é a dialética. Ao se propor uma nova argumentação, posição ou enunciado que afirme algo sobre alguma coisa, temos uma tese que é ali formulada. Em um momento subsequente poderá ser proposto um enunciado também válido, mas contrário ao primeiro e passamos a ter uma antítese. Esta tensão entre a tese e a antítese será solucionada por um novo enunciado que supere os dois primeiros, descartando alguns elementos e aproveitando a outros, neste momento passamos a ter a síntese, a qual, por sua vez, é uma nova tese que em algum momento se confrontará com uma nova antítese e, deste modo, o pensamento vai evoluindo no decorrer da história humana.

Na dialética presente em Hegel temos a ideia de “suprimir, guardar e elevar”, buscando sair de um conhecimento estático e buscar um conhecimento em constante evolução, de um discurso em total movimento histórico. Temos etapas que são percorridas pela consciência dentro de um processo de autoconhecimento e dentro deste processo, ensinamentos e eventos são ultrapassados, mas simultaneamente conservados, havendo um estágio mais elevado que permita a observação e compreensão destes fatos, eventos, conhecimentos. Conjuntamente com a supressão, a conservação e a elevação, temos também a negatividade, a positividade e o progresso, dentro de um mesmo processo. Esta relação dialética procura abarcar o vir-a-ser, que já encontramos presente em Heráclito.

A dialética se apresenta em Hegel como um método de raciocínio que permite o desenvolvimento de ideias, integrando os opostos e resolvendo contradições. É um processo no qual a realidade e o conhecimento se desenvolvem, sendo conceito importante para a devida compreensão da história e a evolução do Espírito Absoluto, a totalidade da realidade e do conhecimento.

A realidade se apresenta como um processo dialético no qual temos a incorporação dos aparentes opostos (tese e antítese) em algo novo (síntese), proporcionando uma elevação e compreensão maior dos momentos iniciais do processo. Este processo dialético ocorre no âmbito do sujeito individual, mas também se encontra presente no “Ser”. Observamos este processo em diferentes estágios da sociedade, tal como a relação existente entre, por exemplo, a família (tese), a sociedade civil (antítese) e o Estado (síntese). Mesmo em questões vinculadas à ética e à política, onde temos a moralidade, a justiça e a liberdade, a dialética se faz presente na relação entre o indivíduo e a sociedade e entre a vontade e o dever.

A dialética também se faz presente do processo histórico em constante evolução, indo além, portanto, de ser apenas uma ferramenta lógica. A dialética mostra-se presente no transcurso histórico do desenvolvimento social e humano, pois, os diversos eventos históricos evoluem por meio do embate com contradições em busca de novas soluções e resoluções de conflitos.

Sua dialética lida com a interação e superação de contradições, segundo o pensamento de Hegel, as contradições estão presentes e fazem parte da realidade, não sendo correto entender a contradição como um obstáculo e sim como a verdadeira força motriz de toda a evolução e progresso da humanidade. É por meio da dialética que as contradições são superadas, gerando uma síntese, uma nova unidade. É por meio das contradições e resolução das mesmas, presente no processo dialético, que obtemos o autoconhecimento e o desenvolvimento da autoconsciência.

A dialética se mostra também presente na lógica desenvolvida por Hegel, explorando as categorias do pensamento e sua evolução por meio do processo dialético, onde temos em primeiro lugar a afirmação, em segundo a contradição e em terceiro a resolução, superação ou síntese.

Quando pensamos na obra de Hegel, devemos ter em mente que a noção de uma filosofia composta por “ideias claras e distintas” não é algo buscado por Hegel, o qual entende que a clareza não seria adequada para conceituar o objeto. A dialética apresentada por Hegel se mostra como um sistema que objetiva entender a história da filosofia e do mundo em sua constante evolução. Nesta dialética temos que cada novo movimento se dá na sucessão de um outro, sempre buscando a solução de contradições ali presentes.

O processo dialético mostra-se também como parte do caminho para alcançar a realização da liberdade absoluta, na medida em que as contradições são superadas e a razão é concretizada na realidade. Deste modo, a dialética está presente no desenvolvimento e obtenção da liberdade.

A dialética em Hegel exerce papel de vital importância no contexto do desenvolvimento de sua filosofia, conceito profundo e multifacetado, mais que uma ferramenta lógica, se apresenta como sendo uma proposta de abordagem ampla para o entendimento do mundo, da história, da evolução da consciência, buscando capturar a dinâmica do pensamento, do ser e da realidade em sua constante transformação. A dialética proposta por Hegel tem como objetivo chegar a um nível mais elevado de compreensão e também liberdade.

A dialética em Hegel exerceu significativa influência em pensadores e movimentos posteriores, sendo também criticada e sofrendo modificações e alterações de acordo com o contexto em pauta.

 

4- DIALÉTICA DO “MESTRE E DO ESCRAVO” OU “SENHOR E SERVO”

Muito importante no livro “Fenomenologia do Espírito” é a dialética do mestre (senhor) e do escravo (servo). A Dialética do "Mestre e do Escravo" é parte da seção "Consciência" da "Fenomenologia do Espírito," onde Hegel explora a evolução da autoconsciência. Por meio desta passagem dialética em seu livro, temos uma análise profunda das relações humanas, do autoconhecimento e da dinâmica da liberdade. Mestre e escravo se apresentam como representações simbólicas das fases iniciais do processo de autoconsciência e desenvolvimento humano.

A consciência de si se desenvolve por meio do desejo e há uma diferença entre o desejo manifesto entre os humanos e o desejo presente em outros animais. Para todos o desejo se dá em relação a algo externo, mas o desejo dos demais animais se extingue quando da obtenção deste objeto de desejo, saciando-se, mas o desejo humano não para aí, pois, ele incide também sobre um outro desejo. Quando amamos alguém, nos oferecemos a este outro alguém, mas em contraparte, exigimos que este alguém também se ofereça a nós, o que de fato os humanos desejam não é outra pessoa enquanto objeto e sim o desejo de outra pessoa. Há uma disputa entre forças amorosas e destrutivas dentro de uma consciência que é a um só tempo egoísta e altruísta. Busca-se o reconhecimento pelo outro. Há inicialmente um conflito não dialético, que é a guerra, trata-se de um conflito radical entre consciências, dentre do qual são possíveis três posições:

1- O equilíbrio de forças entre os adversários em luta

2- Um é vencido e aceita morrer

3- O vencido pede perdão ao vencedor e aceita ser seu escravo.

Se o senhor faz uso do seu direito de matar o servo, perde uma consciência que o reconheça e ganha uma coisa, um objeto incapaz de reconhecer sua própria consciência. Trata-se de uma dominação abstrata, pois, o senhor também é escravo nesta relação, há uma dupla servidão.

Na dialética do senhor e do servo, temos que o senhor se apresenta como uma consciência que faz do sujeito que é escravo, esta outra consciência, somente um objeto. Mas, ao submeter o servo a condição de objeto, necessita que este o reconheça na qualidade de senhor. Para que o escravo o reconheça como senhor é preciso que este atue como uma consciência, deste modo, o escravo é simultaneamente objeto e consciência, e cabe ao mestre precisar que o escravo o reconheça como senhor e neste momento, o mestre ocupa o papel de objeto diante de outra consciência, a do escravo. Deste modo, posições de mestre e escravo, sujeito e objeto, são constantemente trocadas dentro de uma relação dialética. A afirmação de um sujeito, o mestre, a tese, precisa do reconhecimento do outro, do escravo, da antítese, gerando a negação da negação (síntese), em um desenvolvimento histórico. O desenvolvimento histórico está presente na superação das contradições iniciais.

Ao analisarmos o início desta relação entre mestre e escravo, temos que há uma relação de dominação na qual o mestre detém o poder Absoluto sobre o escravo, incluindo sua vida ou morte. Estamos diante de uma forma de dominação direta onde o controle se dá sobre todas as esferas da vida e do trabalho deste que se encontra na condição de escravo. Cabe destacar que mesmo diante desta relação de total controle e subordinação, o mestre também é dependente do escravo, pois dele necessita para atender as suas próprias necessidades materiais.

Ao permitir que o escravo interaja com o mundo no lugar do mestre, por meio do trabalho, este adquire autoconhecimento e autoestima, já por sua vez o mestre, não adquire o mesmo justamente por não interagir com o mundo por meio do trabalho, por meio desta experiência. Esta relação de dependência leva ao conflito e ao reconhecimento.

O processo dialético se faz presente quando passamos a ter uma inversão de papéis na medida em que o escravo toma consciência de que é alguém que interage no mundo circundante por meio de seu trabalho e que o seu mestre depende dos resultados de seu trabalho. Aqui passamos a ter a inversão na relação de poder entre mestre e escravo, na medida em que o escravo inicia a sua percepção e compreensão sobre a sua própria liberdade e dignidade.

Este processo dialético se encaminha para o reconhecimento mútuo e a liberdade, no qual tanto o mestre, como também o escravo, tendem a reconhecer a igualdade essencial presente em toda a humanidade, algo de suma importância para a real realização da liberdade. A liberdade genuína envolve o reconhecimento do outro como também sendo um ser livre.

A dialética do mestre e do escravo aponta para que o autoconhecimento e a liberdade são alcançados por meio das interações com outros humanos, sendo o reconhecimento mútuo algo essencial para o desenvolvimento ético e político.

A dialética do mestre e do escravo mostra como essencial a presença de contradições e conflitos para que haja progresso do pensamento e da autoconsciência, destacando a interação complexa entre a liberdade individual e o reconhecimento mútuo.

 

5- O ESPÍRITO

Em sua obra “Fenomenologia do Espírito”, Hegel argumenta que toda consciência é consciência de si e se descobre pela razão. A razão, por sua vez, se realiza como Espírito em direção ao Absoluto. O conceito de “Espírito” (em alemão: “Geist”), mostra-se como central na filosofia de Hegel, desempenhando papel essencial no tocante à compreensão do mundo, da história, da moral e da filosofia. O conceito de Espírito se apresenta em Hegel como sendo uma categoria ampla e complexa, abarcando a realidade transcendente e imanente. O “Espírito” não se limita à esfera presente na psicologia de cada um, mas envolve a totalidade da realidade. Neste conceito temos incluídos a história, a cultura, a ética e a própria consciência humana.

Para Hegel, o “Espírito” é formado pela vida do humano, seus pensamentos e cultura no decorrer da história, deste modo, o “Espírito do mundo” ou “razão do mundo” abarca tudo que o humano, único detentor do Espírito, produziu. A marcha do “Espírito do mundo” no transcorrer da história humana é a marcha das criações históricas deste humano. Todo conhecimento existente é conhecimento subjetivo e humano, não havendo coisa alguma além ou aquém disto, deste modo, nega a possibilidade de existência do “númeno” ou “coisa em si” presente na filosofia de Kant.

Não é possível separar uma filosofia ou a elaboração de um pensamento do contexto histórico no qual se origina, a própria verdade, ou seja, aquilo que se considera verdadeiro ou falso, há de mudar de acordo com a evolução histórica e, deste modo, algo que possa fazer muito sentido em determinada época, pode parecer incoerente e absurdo em outra. A marcha sempre evolutiva do “Espírito do mundo” se dá por meio da dialética.

O verdadeiro encontro, para Hegel, não é do indivíduo consigo próprio e sim do “Espírito do mundo” consigo mesmo, o que ocorre em seu nível mais elevado com a filosofia. Este encontro do “Espírito do mundo” consigo próprio há de ocorrer em três estágios. O primeiro ocorre na esfera do indivíduo, que é onde o “Espírito do mundo” começa a sua conscientização, aqui temos a razão subjetiva. O segundo estágio se encontra na família, na sociedade e no Estado, aqui temos a razão objetiva, que surge da interação entre as pessoas. No terceiro estágio temos a arte, a religião e a filosofia, sendo que o lugar mais elevado se encontra na filosofia, que é a que permite que o “Espírito do mundo” reflita sobre si próprio. A filosofia atua como se fosse um espelho no qual o “Espírito do mundo” pudesse se observar.

O Espírito é um só, mas didaticamente pode ser dividido em três estágios: subjetivo, objetivo e Absoluto. Só há um Espírito e este se apresenta em sua atividade e não como algo parado, no entanto, pode-se falar em um Espírito subjetivo, referente a vida mental de um dado sujeito e de um Espírito objetivo, referente a todas as manifestações e produções culturais e intelectuais presentes na coletividade. O Espírito caminha em direção a Absoluto, a sua plenitude, no qual a ideia se manifesta como ser em si e para si.

O Espírito subjetivo é o que se sabe a si mesmo, a interioridade, a consciência individual presente em uma pessoa e estudada pela antropologia e pela psicologia. O Espírito objetivo se manifesta no direito das sociedades e no comportamento aceito como moral. Já o Espírito Absoluto se apresenta como a síntese destes dois, incluindo aqui a arte, a religião e a filosofia.

O Espírito subjetivo se dá no tocante à esfera individual. Ele se faz presente na consciência e na subjetividade do sujeito, envolvendo a experiência individual e mental, bem como, o processo de autoconsciência do sujeito.

O Espírito objetivo se vincula às instituições sociais, culturais e políticas que regem a vida social das pessoas. Aqui temos a ética e moral, o direito, a família, o Estado. O Espírito objetivo é a expressão da racionalidade em ação na sociedade.

O Espírito Absoluto se mostra como a síntese resultante do Espírito subjetivo com o Espírito objetivo, representando a realização mais elevada da liberdade e da racionalidade. O Espírito Absoluto se manifesta na arte, na religião, na filosofia, sendo esta última a mais alta expressão do Espírito, pois, permite a reflexão sobre si mesmo. A arte se mostra como a expressão sensível da verdade. A religião é a expressão simbólica da verdade. A filosofia é a expressão conceitual da verdade.

O Espírito Absoluto evolui no transcurso da história. A história é direcionada pela racionalidade, seguindo uma lógica própria, interna, que possui um propósito, um sentido. A história não é um conjunto de fatos aleatórios, ou o resultado da atuação de forças sobrenaturais. O Espírito Absoluto é a totalidade da realidade e do conhecimento, se manifestando e evoluindo na história do mundo no sentido da realização da liberdade e da autoconsciência que observamos no humano. Deste modo, a história evolui seguindo um determinado padrão onde percebemos eventos que podem ser interpretados como sendo a tese, a antítese e a síntese, proporcionado que contradições e eventuais conflitos que possam surgir no transcurso da história sejam solucionados por meio de um processo dialético, o que resulta em evolução, desenvolvimento e progresso. O objetivo da história mostra-se como sendo a realização da liberdade e da autoconsciência humana.

O Espírito busca sua autorrealização no curso da história. É no transcurso da história que o Espírito se desenvolve e realiza a sua liberdade, sendo cada época histórica entendida como uma fase do desenvolvimento do Espírito.

O Espírito se mostra como agente na realização da liberdade, por sua vez, a dialética tem um importante papel na evolução do Espírito, superando as contradições entre tese e antítese e tornando mais concreta e completa a liberdade.

Devido a enorme ênfase dada por Hegel ao Espírito e seu desenvolvimento no transcurso da história buscando a liberdade, por vezes há quem chame a filosofia de Hegel de “Filosofia do Espírito”. Conceito fundamental na filosofia de Hegel, cabe ao Espírito ligar a subjetividade individual com a objetividade social e com o desenvolvimento histórico unificado da realidade. O Espírito mostra-se como a força motriz de todo o progresso da humanidade, da autorrealização, sendo a filosofia a forma mais elevada de expressão de todo este complexo processo. O Espírito é a manifestação da razão e da liberdade na história.

 

6- ÉTICA E MORAL

Os deveres éticos limitam a liberdade abstrata do indivíduo e são obrigatórios. O comportamento ético se dá não individualmente, mas na coletividade de indivíduos, a unidade de sujeitos, a comunidade social enquanto algo que existe historicamente. Este algo é o Espírito de um povo, o seu Espírito nacional. Este modo de ser ético se manifesta em três distintos momentos: 1- a família; 2- a sociedade civil; 3- O Estado, como se fosse a tese, a antítese, e a síntese expressa no Estado.

Intrinsecamente ligados a ética e moral em Hegel encontram-se os conceitos de liberdade, razão e autorrealização. Dentre as preocupações deste filósofo, encontramos a natureza da liberdade humana e como esta se relaciona com a moral e ética. Hegel entende que a moral e ética se mostram como essenciais para o desenvolvimento da autoconsciência e também da liberdade.

A liberdade mostra-se como a principal característica que há de distinguir a natureza humana, não podendo ser imposta externamente e sendo o resultado de uma escolha livre e racional por parte deste humano. Há, portanto, uma nítida e marcante relação entre liberdade por um lado, e ética e moral por outro.

A moral deve se basear em princípios racionais e universais oriundos da natureza racional do humano, deste modo, a razão há de desempenhar um papel significativo na ética e moral em Hegel.

Hegel faz uma distinção entre a moralidade subjetiva e a ética objetiva. A ética objetiva mostra-se como uma forma mais elevada de moralidade, se baseando em deveres objetivos e obrigações éticas com relação a família, à sociedade civil e ao Estado. Estamos diante de uma ética do dever. A moralidade se faz presente não somente no indivíduo, mas também na família, na sociedade civil e no Estado, tendo cada um destes níveis as suas próprias obrigações e deveres.

A comunidade é importante na autorrealização do indivíduo, a ética objetiva se desenvolve em comunidade, sendo o local onde valores e princípios morais são compartilhados entre todos.

A dialética também se encontra presente no desenvolvimento ético e moral. Conflitos éticos e morais são oportunidades para o desenvolvimento e a autorrealização moral, pois, com a confrontação com dilemas éticos e morais temos a busca de soluções para a correta e racional resolução dos mesmos.

A filosofia mostra-se como a forma mais elevada de expressão da ética, pois, envolve a busca por meio do uso da razão, pela verdade, pela liberdade, pela autorrealização. No Idealismo ético defendido por Hegel, temos a ênfase nos princípios éticos e morais, na autorrealização do indivíduo, na construção de uma sociedade mais justa.

 

7- O SER

O conceito de “Ser”, ou “Sein” em alemão, mostra-se central dentro da filosofia de Hegel, sendo complexo e estando em evolução conjuntamente com o pensamento de Hegel no transcurso de suas obras.

Se pensarmos no processo dialético a partir da história da filosofia, em particular nos filósofos pré-socráticos, temos que para Parmênides “o Ser é, e o não Ser não é”, sendo toda mudança ilusória. Já Heráclito enfatiza em sua filosofia o devir e a constante mudança observável.

 

Parmênides (permanência) – Ser – Tese

Górgias (vazio, ausência) – Nada (nada é) – Antítese

Heráclito (transformar-se) – Devir – Síntese

 

Hegel busca superar esta dicotomia entre as visões filosóficas de Parmênides, Górgias e Heráclito, mostrando que “Ser” e “Nada” apresentam-se intrinsecamente ligados e em constante evolução. Com a evolução do pensamento filosófico de Hegel, o conceito de “Ser” passa a ser integrado a sua dialética, tornando-se mais complexo e vinculado ao sistema filosófico mais amplo deste filósofo. O “Ser” em Hegel não se apresenta como uma categoria filosófica abstrata, mas como um processo em constante evolução, no qual temos contradições e transformação, atuando na busca pela compreensão e pela verdade.

Temos na filosofia e lógica tradicional, desde Parmênides e Aristóteles, que: “o ser é e o não ser não é”. O Ser mostra-se idêntico a si mesmo. Aqui temos o princípio da identidade e também o princípio da não contradição presentes na lógica. Já para Hegel a coisa é diferente, pois, este filósofo entende que a realidade em sua essência é mudança, constante mudança, um eterno devir, sempre tendo algo mudando para o seu oposto em uma relação dialética.

É por meio da dialética que as contradições são superadas e a realidade se desenvolve em direção a maior compreensão e racionalidade e este processo dialético encontra-se presente no desenvolvimento do conceito de “Ser”.

Hegel nos apresenta o real como síntese a priori dialética, e o conceito como sendo a forma do Absoluto. Temos a seguinte identidade do racional e do real: “o que é real é racional e o que é racional é real”, ou também, “Só o que é real é racional e só o que é racional é real”.

O objetivo da filosofia se mostra como idêntico ao da religião, ou seja, a busca do Absoluto, que a religião chama por Deus. Este Absoluto é a síntese resultante do finito com o infinito. Deus se faz na própria história, logo, Deus é imanente e não transcendente. É por meio da história que o Absoluto se auto revela.

Para Hegel o “Ser” não é uma categoria estática e sim algo em constante evolução. Em sua abordagem inicial sobre o tema, o “Ser” mostra-se como uma categoria abstrata e quase vazia de conteúdo, sendo a categoria mais simples e, com uma definição aparentemente circular, na qual o “Ser” é o “Ser”, sem conteúdo substancial.

Em um momento seguinte, Hegel empreende uma transição na qual transforma a categoria do “Ser” em “Nada”. Percebemos aqui a presença do processo dialético nesta transição do “Ser” para o “Nada”. A contradição e a evolução são inerentes ao pensamento.

Passamos para a unidade entre o “Ser” e o “Nada”, os quais não podem ser entendidos como categorias separadas, estando em uma relação de contradição mútua. Não é possível compreender o “Ser” sem que este esteja em relação com o “Nada” e vice-versa. Temos aqui a unidade presente na contradição.

A realidade é dinâmica e está sempre em um constante processo, de modo que o “Ser” e o “Nada se encaminham para o “Tornar-se” (devir), o que significa que as ideias representadas pelo “Ser” e pelo “Nada” não são estáticas, mas estão em constante transformação.

 

8- A CONSCIÊNCIA INFELIZ

O conceito de “consciência infeliz” está presente na obra “Fenomenologia do Espírito”, no estudo sobre o desenvolvimento da consciência, mostrando o percurso pelo qual a consciência humana progride em sua compreensão do mundo e de si mesma, sendo muito importante para a filosofia de Hegel, bem como um conceito bem complexo.

A ideia principal presente neste conceito é que a busca da satisfação e realização por parte dos humanos, a busca por felicidade e plenitude, faz a consciência individual se deparar, por vezes, com desafios e contradições presentes na natureza da autoconsciência. A consciência tende a se mostrar infeliz na medida em que esta supõe um além dela mesma, ou seja, uma linha de tradição histórica e também uma ruptura, dentro de uma dinâmica característica do processo dialético.

Estamos diante de uma fase do desenvolvimento da autoconsciência na qual o sujeito confronta as limitações e contradições inerentes à busca de satisfação e significado. Este conceito surge como parte do processo dialético estudado na “Fenomenologia do Espírito”, representando um estágio caracterizado pela busca por parte da consciência, da satisfação em objetos ou condições externas a si própria, o que acaba gerando desafios e desilusões.

A consciência infeliz é um conceito presente na filosofia de Hegel que fundamenta o trabalho de reparar a cisão histórica encontrada na relação do finito com o infinito, o sensível com o suprassensível, o mutável com o imutável. Este esforço de reparação e superação se mostra por meio da consciência infeliz, que nos traz o esforço do espírito em obter reconhecimento histórico racional de si mesmo, em sua liberdade. A consciência infeliz mostra-se como herdeira de dois grandes movimentos filosóficos: o Estoicismo e o Ceticismo. Se pensarmos em um movimento triádico, sua síntese se encontraria no cristianismo.

Movimentos como o Estoicismo, Ceticismo e Cristianismo podem ser analisados dentro do contexto da consciência infeliz. Por meio da tese, antítese e síntese, em Hegel, as contradições são confrontadas e superadas. Neste tocante, Estoicismo, Ceticismo e Cristianismo também podem ser entendidos como equivalentes da tese, antítese e síntese.

Estoicismo, Ceticismo e Cristianismo podem ser interpretados como momentos dentro de um processo dialético tríade, onde temos tese, antítese e síntese. Cada posição traz consigo suas próprias contradições e contribui para o processo de desenvolvimento dialético, numa busca por uma síntese que permita uma compreensão mais ampla que proporcione a reconciliação entre todas as propostas anteriores e transcendendo as suas limitações.

O Estoicismo pode ser entendido como sendo a tese, na qual temos a posição inicial da consciência na busca por satisfação e felicidade, assumindo uma aceitação passiva das circunstâncias. Aqui temos a virtude, a autodeterminação e a conformidade a uma dada ordem cósmica.

O Estoicismo valoriza a virtude e a autodeterminação, entendendo que a felicidade provém da aceitação do destino, vislumbrando uma razão universal presente a tudo. Deste modo, busca-se superar a consciência infeliz por meio da aceitação e conformidade com uma ordem cósmica, no entanto, esta aceitação passiva pode encaminhar o humano para a não obtenção de uma autoconsciência verdadeira.

O ceticismo pode ser entendido como sendo a antítese no decorrer do processo dialético de evolução da consciência infeliz, ao enfatizar a incerteza, a relatividade de todas as crenças e conhecimento.

O ceticismo apresenta um questionamento sobre a posse de um conhecimento realmente verdadeiro, priorizando que vivemos em um mundo de incertezas e crenças. No tocante à consciência infeliz, o ceticismo contribui com a dúvida e a desilusão, ao questionar a validade da busca por satisfação. Ao não fornecer uma base sólida para que seja construído o conhecimento e dado significado a realidade, tende a gerar incerteza e aumentar a insatisfação presente na consciência infeliz.

O cristianismo pode se apresentar como sendo uma síntese possível, numa tentativa de superação das limitações percebidas nas posições anteriores, tanto estoicas como também céticas. No Cristianismo temos a ênfase na transcendência, na renúncia, na busca espiritual, mas também pode levar a novas contradições, reiniciando o ciclo dialético.

O cristianismo, nas suas expressões mais ascéticas e monásticas, pode apresentar uma resposta mais satisfatória para a consciência infeliz, integrando os movimentos anteriores do Estoicismo e do Ceticismo. No cristianismo temos uma ênfase na transcendência, na renúncia aos desejos materiais e na busca pela salvação espiritual, apresentando a soma destes elementos uma tentativa de superação da insatisfação presente no humano. Cabe, no entanto, a crítica que o cristianismo pode também representar uma fuga da realidade terrena concreta de nossa existência e que a verdadeira reconciliação deva ocorrer no âmbito da existência no dia-a-dia.

A consciência infeliz traz a confrontação do humano com contradições e desafios na busca por satisfação e significado. Tanto o Estoicismo, como também o Ceticismo e o Cristianismo, enquanto abordagens filosóficas, podem proporcionar respostas a insatisfação humana no tocante a consciência infeliz, mas também podem se mostrar insuficientes ou apontar para formas limitadas de autoconsciência.

Para entendermos a consciência infeliz em Hegel torna-se necessário observar a oposição presente entre a finitude do humano e o pensamento do infinito, já que o pensamento do infinito só consegue se realizar por meio da finitude humana. O espírito se manifesta na história, onde torna-se possível a realização de sua verdade. A arte, a religião e a filosofia tendem a conciliar a ideia e a forma na história de cada povo em sua vivência histórica e universal. Para entendermos a consciência infeliz é preciso entender o desenvolvimento e papel social da arte no decorrer da história.

Na consciência infeliz temos uma excessiva dependência da experiência sensível e do mundo circundante com o objetivo de obter satisfação e prazer, preencher o vazio interno. A busca da felicidade pode levar a contradições, já que o que pode inicialmente trazer satisfação, pode posteriormente se mostrar insatisfatório e mesmo contraditório. A consciência infeliz tende a surgir do conflito entre a busca individual para obter satisfação, com a necessidade de reconciliar esta mesma busca com princípios que sejam universais e também éticos. Ao buscar a satisfação plena por meio de objetivos externos, o humano não consegue resolver contradições fundamentais, daí temos um confronto com a própria limitação humana.

No começo, a consciência busca preencher seu vazio interno por meio de objetos externos, são relacionamentos ou realizações diversas. É a busca da satisfação e da plenitude no mundo externo. Esta busca gera contradições e as coisas que em um primeiro momento pareciam trazer algum tipo de satisfação ou prazer, acabam mostrando-se como insatisfatórias na busca por significado e realização. Esta busca externa acaba por se mostrar como algo inadequado.

A consciência infeliz tende a depender da experiência sensível para validar a sua própria existência, caindo em um ciclo de busca por prazer material ou mesmo por reconhecimento, que tende a se mostrar insatisfatório, não resolvendo as necessidades mais profundas.

Temos uma tensão presente entre os desejos individuais e as normas sociais e éticas, o conflito entre a busca individual por satisfação e a necessidade de reconciliar esta busca com princípios que sejam universais e também éticos. Um conflito entre a individualidade e a universalidade.

Ao confrontar o espaço deixado vazio entre por um lado as expectativas e por outro a realidade, temos a desilusão, a insatisfação e o descontentamento, algo semelhante a uma consciência desiludida.

Diante do reconhecimento da limitação humana, a consciência infeliz percebe que a satisfação total é uma ilusão, deste modo, a constante busca pela obtenção de objetivos externos não resolve as diversas contradições presentes. Quando a pessoa percebe as limitações das abordagens puramente externas e passa a buscar uma compreensão mais profunda de si mesmo, vinculado a questões sociais e éticas, tende a se colocar no caminho para superar a consciência infeliz.

Ao caminhar em direção a estágios mais elevados de desenvolvimento espiritual, desenvolvendo uma compreensão mais madura e complexa da autoconsciência, tende a transcender as contradições iniciais e se encaminhar para um processo de superação e reconciliação consigo mesmo e com o mundo, buscando também o desenvolvimento de uma compreensão mais rica e reconciliada da própria existência. Trata-se de confrontar e superar as contradições, promovendo o desenvolvimento de uma síntese em busca da autoconsciência.

A superação da consciência infeliz ocorre ao reconhecer as limitações presentes em uma busca egoísta pela felicidade, havendo um retorno para uma tentativa de compreensão de si mesmo, em termos éticos e sociais. A consciência infeliz mostra-se como sendo um estágio transitório. Cabe ao humano transcender uma compreensão individualista e buscar uma compreensão abrangente reconciliada com a ética em um constante processo dialético.

A verdadeira superação da consciência infeliz ocorre quando o humano reconhece as limitações das abordagens unicamente éticas, céticas e religiosas, passando a buscar uma síntese maior que reconcilie as dimensões individuais e universais presentes na existência. Este processo de superação se encontra na dialética proposta por Hegel, na qual as contradições são confrontadas e integradas, buscando uma melhor e mais completa compreensão da realidade.

 

9- LÓGICA

Seu principal desenvolvimento dentro da filosofia de Hegel encontra-se no livro “Ciência da lógica”, no qual a lógica não é abordada somente como sendo uma disciplina formal, mas sim como sendo um processo dinâmico.

Hegel propõe em sua lógica uma série de encadeamentos categoriais para expressar o movimento do real. A filosofia se apresenta como a compreensão deste processo de auto exposição, de auto apresentação do absoluto. Neste processo temos uma exposição de categorias sequencialmente progressivas, desde a indeterminação primeira encontrada na díade “ser e nada”, que encontra sua solução no “devir”, até a completude da ideia do absoluto. O mundo se apresenta como sendo racional e as categorias não são, como propôs Kant anteriormente, categorias de nosso modo de pensar e assim perceber e entender o mundo ao redor, mas as categorias são do próprio ser.

A lógica em Hegel mostra-se como um processo dinâmico e dialético que reflete o desenvolvimento do pensamento e da realidade, ultrapassando a realidade estática na busca por trazer a natureza viva e contraditória existente no pensamento absoluto, na sua manifestação na realidade.

A lógica é a ciência das determinações do pensamento puro, deste modo, não é apenas a reunião de regras formais, mas sim uma investigação do conteúdo do pensamento e das categorias que são inerentes ao desenvolvimento do real.

A dialética se apresenta como sendo o método principal na lógica de Hegel. Enquanto a lógica formal tradicional faz uso dos princípios de identidade e de não-contradição, a dialética proposta por Hegel engloba as contradições dentro de um processo de contínuo desenvolvimento dialético. Pensemos em tese, antítese e síntese, ora, podemos ocupar estas posições com “ser”, “nada” e “devir”. Deste modo, o “ser” de Parmênides se encaminha para o “devir” de Heráclito.

Cada estágio dentro da dialética de Hegel é superado e integrado no estágio seguinte, construindo uma rede de determinações conceituais que refletem o desenvolvimento do pensamento rumo ao absoluto.

A partir de categorias lógicas que refletem o movimento incessante do pensamento, temos um desenvolvimento que vai do mais simples ao mais complexo, na tentativa de capturar a natureza dinâmica e simultaneamente contraditória, presente na realidade circundante, deste modo, caminhamos do “ser”, para o “nada” e, destes para o “devir”. A lógica não é somente a descrição do processo de pensamento, mas é também a descrição da própria realidade, deste modo, há uma identidade entre o pensamento lógico e o desenvolvimento do ser. O “devir” ou “tornar-se” descreve um processo conceitual lógico, mas também reflete um processo de transformação e desenvolvimento que ocorre na realidade. A realidade, por sua vez, mostra-se com o lugar da manifestação do pensamento absoluto na sua forma mais desenvolvida. Deste modo, a lógica ultrapassa ser uma ferramenta de compreensão da realidade, para ser a substância desta mesma realidade.

Podemos entender a lógica proposta por Hegel como uma forma de ontologia ou mesmo de metafísica. Em Hegel, sua lógica desempenha um papel muito importante na busca por compreensão unificada do pensamento e da realidade e, neste tocante, está intimamente vinculada à ontologia e também à metafísica. Como ontologia na medida em que a lógica para Hegel não se apresenta somente como uma disciplina formal voltada para o estudo de regras do pensamento, mas sim como sendo basicamente uma exploração das categorias e determinações que compõe a realidade. Podemos afirmar que a lógica para Hegel é ontológica na medida em que cada categoria lógica é entendida como uma determinação do ser. Como metafísica na medida em que esta busca compreender as estruturas fundamentais e os princípios que permeiam toda a realidade. Podemos afirmar que a lógica para Hegel é metafísica na medida em que tradicionalmente a metafísica se ocupa com problemas além do mundo físico, buscando o entendimento da natureza última da realidade.

Em Hegel temos uma identidade entre lógica, por um lado, e realidade, por outro. Não há uma nítida separação entre lógica e realidade. A lógica não é somente uma ferramenta para compreender o mundo circundante, a lógica se mostra como a própria substância da realidade. A realidade é entendida como estando intrinsecamente vinculada às categorias lógicas.

Na lógica temos a presença de um processo dialético dinâmico, que reflete o movimento e o desenvolvimento da realidade. A realidade é entendida como sendo um processo em constante evolução, trata-se de uma forma de metafísica dinâmica.

A lógica se apresenta como uma tentativa de desvelar o absoluto nas suas estruturas fundamentais, o absoluto, por sua vez, se mostra como sendo o fundamento metafísico último, englobando tanto o pensamento, como também toda a realidade.

Não há como separar nitidamente a lógica, da metafísica e da ontologia, dentro do pensamento filosófico de Hegel. A lógica se apresenta como sendo um meio para a compreensão da natureza última da realidade e dos princípios que a organizam. Nesta lógica, a dialética é mais do que uma ferramenta formal, se apresentando como uma representação do movimento intrínseco e dinâmico do Absoluto, deste modo, se mostrando como um tratamento metafísico da realidade.

 

10- PRINCIPAIS OBRAS

 

1- A diferença entre os sistemas filosóficos de Fichte e Schelling (Die Differenz des Fichte'schen und Schelling'schen Systems der Philosophie), 1801.

Nesta obra Hegel examina e compara os sistemas filosóficos de Fichte e Schelling, dando destaque tanto às semelhanças, quanto às diferenças presentes em ambos sistemas.

2- Introdução à história da filosofia (Vorlesungen über die Geschichte der Philosophie), 1805.

Palestras ministradas sobre a história da filosofia nas quais é abordado o desenvolvimento da filosofia desde os pré-socráticos até os filósofos contemporâneos a Hegel, buscando traçar a evolução do pensamento filosófico no transcurso da história.

3- Fenomenologia do Espírito (Phänomenologie des Geistes), 1807.

Obra considerada por muitos comentadores como sendo a mais influente do filósofo e na qual explora a jornada da consciência em direção à autoconsciência, tratando de temas tais como: conhecimento, ética, filosofia da mente.

4- A Ciência da Lógica (Wissenschaft der Logik), publicada em três volumes entre 1812–1816.

Trata da lógica pelo prisma da dialética, estudando a estrutura do pensamento e do ser. A dialética é tratada como um método de investigação. Na filosofia de Hegel, esta visão da lógica exerce um papel significativo e deveras importante.

5- Enciclopédia das Ciências Filosóficas (Enzyklopädie der philosophischen Wissenschaften), 1817–1830.

Uma introdução sistemática da filosofia desenvolvida por Hegel, abarcando os seus principais conceitos e categorias filosóficas, os quais são organizados em três partes: lógica, natureza e Espírito.

6- Princípios da Filosofia do Direito (Grundlinien der Philosophie des Rechts), 1820 (publicado em 1820, sendo que a data na folha de rosto é 1821).

Aqui é abordada a filosofia do direito, tratando de temas relacionados à ética, justiça, direito político e a moral. Nesta obra é analisada a natureza do Estado e a relação entre indivíduos e sociedade, bem como a relação do indivíduo com o Estado, propriedade, moralidade e justiça.

7-Lições sobre a filosofia da história (Vorlesungen über die Philosophie der Geschichte), 1837. Obra publicada postumamente.

Aqui temos um estudo sobre a filosofia da história, enfocando a evolução das sociedades e culturas no decorrer do tempo histórico, bem como, a ideia de um “Espírito do mundo”, orientando o curso da história.

 

Silvério da Costa Oliveira.

 


 


 


 


 

 


 


 


 


 


 

Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.

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