Professor Doutor Silvério

Blog: "Comportamento Crítico"

Professor Doutor Silvério

Silvério da Costa Oliveira é Doutor em Psicologia Social - PhD, Psicólogo, Filósofo e Escritor.

(Doutorado em Psicologia Social; Mestrado em Psicologia; Psicólogo, Bacharel em Psicologia, Bacharel em Filosofia; Licenciatura Plena em Psicologia; Licenciatura Plena em Filosofia)

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5- Blog 4 “O grande segredo: A história não contada do Brasil”

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terça-feira, 24 de setembro de 2024

Quanto mais superficial, melhor

 

A cultura da superficialidade: Quanto mais superficial, melhor.

 

Por: Silvério da Costa Oliveira.

 

Não é difícil constatar que a nossa sociedade tem investido muito no desenvolvimento de uma cultura da superficialidade, onde o novo ganha cada vez mais destaque sobre o velho, mesmo que este tenha poucas semanas. Mais importante do que o desenvolvimento interior, passa a ser a fugaz aparência externa. Antes aparentar ser sábio, do que sê-lo de fato.

Porque ler o livro se podemos meramente apreciar a sua bela capa? A busca por relevância em vários segmentos da vida diária passa a se restringir a ser direto, a não ficar enrolando, a chamar a atenção logo de cara, ou seja, a viver na superficialidade de um mundo raso e nada mesmo profundo. No lugar do passo a passo, por vezes lento e gradual, da reflexão, encontra-se a fuga no entretenimento rápido, uma forma hipnótica de encantamento que esconde a verdadeira beleza com a qual poderíamos de fato nos encantar.


 

Mentes menos desenvolvidas sempre privilegiaram o espetáculo e atração, fosse qual fosse, e aqui não importa se gladiadores lutando ou pessoas sendo devoradas por feras na arena romana, como o foi no passado já distante, ou as modernas mídias sociais, bem como as já tradicionais e consagradas, gerando manchetes sem o devido detalhar correto dos fatos ocorridos. A grande quantidade gerada de informação tende a esconder a lisura e verdade dos fatos.

A própria veracidade da informação cede lugar ao número de curtidas e compartilhamentos ou a narrativa do momento. Estamos na sociedade da superficialidade e em tal sociedade há espaço mais que o suficiente para que seja criado o império das mentiras e o governo das tiranias agraciadas pelo clamor público dos que vivos não pensam, enquanto os que pensam deixam de estar vivos ou, pelo menos, mas que dá no mesmo, somem diante do politicamente correto somado ao cancelamento.

A educação formal tende a priorizar resultados, quando não a doutrinação ideológica partidária. Ao priorizar notas e aprovação em cursos, deixa-se de valorizar o pensamento crítico e reflexivo. A busca da verdade passa a um segundo plano, quando muito, ou é simplesmente descartada ou negada em prol de uma verdade já pronta e ideologicamente aceitável pelo grupo dominante.

Na política as ideias complexas são rapidamente substituídas por slogans vazios ou frases de efeito para as massas. Por vezes, a falta de senso crítico faz com que ideias políticas substituam uma religião transcendental, criando fanáticos religiosos por suas ideias, que se tornam em crenças vinculadas à criação de um paraíso na Terra.

Diante de uma cultura de superficialidade que abomina o tempo necessário para uma apropriada reflexão crítica, cria-se o ambiente adequado para a proliferação de narrativas que ocupam o lugar da verdade, re-escrevendo a história aos moldes dos interesses de determinados grupos políticos-ideológicos. Esta superficialidade contribui para a disseminação de desinformação com muita rapidez, mas também pode atuar no sentido contrário, combatendo uma falsa narrativa dominante, por meio de outras mídias e, deste modo, criando uma guerra cultural de informações em um campo plano e nada profundo.

Quanto mais uma pessoa ou um grupo social se aproxima da mera superficialidade, menos consegue discernir entre o real e o ilusório. A superficialidade nos apresenta uma exagerada preocupação com a aparência, não com o real, seja a nossa própria ou a de outros, ignorando por completo qualquer menção a um conteúdo legítimo, é a total submersão no oceano da futilidade. Quando nos tornamos fúteis, no fundo de nosso ser nos tornamos desprovidos de qualquer interesse, de valor, de importância. É ser frívolo, ser leviano, ser ignorado pela história como se nunca tivéssemos de fato existido neste mundo.

A superficialidade também pode se apresentar como uma pseudo-intelectualidade, onde se sabe muito sobre coisa nenhuma. Saber muito pode ser importante, mas não podemos esquecer o grau de importância e prioridade entre os diversos assuntos que disputam nosso conhecimento. Talvez seja interessante perguntar sobre o conhecimento que adquirimos, em que irá nos ajudar, ou a sociedade na qual vivemos, a crescer intelectualmente, criticamente, emocionalmente, espiritualmente? Que novas conquistas nos permitirá executar? Que novas terras poderemos desbravar e mapear?

É preciso valorizar a autonomia individual, pois é quem você de fato é. Desenvolver sua semente até atingir todo o esplendor da mesma, mas não esquecer que somos seres de linguagem, vivendo em uma sociedade que possui uma jornada histórica. Crescer é também crescer em conjunto, é evoluir, se desenvolver e transformar, mas não sempre sozinhos, pois, por mais lenta que possa parecer em virtude de seu enorme tamanho provindo do somatório de inúmeras individualidades, a sociedade também se move no transcurso histórico, também evolui, também amadurece, cresce, se desenvolve. O maior cuidado que devemos ter é para não regredirmos com medo ou pela mera preguiça de prosseguir em frente. Sociedades por vezes andam para trás, mas em algum momento futuro recuperam o passo e novas gerações marcharão de modo decidido para a frente. Nosso desenvolvimento pessoal e também social, muito menos que uma marcha em linha reta, mas se apresenta como uma marcha em espiral ascendente.

Há vários “eus” com os quais convivemos em nossa jornada e em algum momento devem ser integrados ao somatório disto tudo, que somos nós. A vida nas redes sociais, por exemplo, é importante e nela podemos criar e manter um eu ideal do qual gostamos e não vejo problema algum nisto, o problema surge quando este “eu” se mostra não somente em oposição ao “eu” que mantemos na vida real e diária, mas também como uma fuga de um “eu” o qual não gostamos e não aceitamos, mas que também não estamos dispostos a fazer algo para mudar, para escolher na nossa vida cotidiana sermos quem de fato queremos ser.

Não é por meio da validação externa de nosso “eu” dentro de redes sociais, ou a busca constante de novos bens materiais e novidades vãs que iremos crescer de fato, pois tal caminho só leva ao superficial e a constante necessidade de gratificação instantânea. A busca de resultados cada vez mais rápidos inviabiliza a manutenção de objetivos de longo prazo baseados em investimentos duradouros, em um planejamento composto por metas a serem atingidas em um ponto marcado do futuro a partir de um investimento no momento presente.

Em um momento histórico-cultural cada vez mais focado no efêmero, torna-se imperioso a busca por significados mais profundos que possam erguer o humano por cima das águas calmas da cultura da superficialidade vazia. Nesta cultura da superficialidade o aprendizado por vezes é reduzido a fragmentos de informação sem contexto ou profundidade, algo a semelhança da aprendizagem dada a um papagaio, que tudo aprende ao repetir, mas que de nada sabe o significado. Do humano sapiens para o humano papagaio o passo é bem pequeno, mas decisivo.

Não devemos negligenciar em nossas vidas ou em nossa sociedade a essência do aprendizado, objetivo da educação, que não é meramente transmitir informações, pois se o fosse o papagaio humano resolveria e tudo bem. O verdadeiro objetivo é propiciar o surgimento de um ser humano que saiba pensar de modo racional e crítico, que possua a capacidade de análise e a habilidade para resolver novos problemas complexos que ainda não existiam quando de sua aprendizagem inicial.

Podemos com facilidade constatar que há uma tendência em tempos atuais e de modo crescente em nossa sociedade para que as interações sociais, as ideias e os valores professados pelas pessoas e instituições, sejam tratados de modo cada vez mais raso e superficial, ou seja, sem a adequada profundidade crítica. Em virtude desta tendência, temos a geração de uma sociedade que tende a valorizar as aparências e o imediatismo, abandonando ou relegando para mais tarde a reflexão profunda sobre a essência do conteúdo em análise.

Dentre as principais características presentes neste raso cultural, temos: a valorização da imagem, sendo esta priorizada no lugar do conteúdo da coisa; a busca por uma informação que seja rapidamente consumida, mesmo que fragmentada ou distorcida; uma sociedade voltada quase que unicamente para o consumismo desnecessário; a busca frenética pelo imediatismo, onde impera o aqui e agora para sempre.

A aparência física e os resultados obtidos em redes sociais ou programas de tv são vistos como mais valiosos que o aprofundamento no conteúdo ou o desenvolvimento de habilidades intelectuais. Quem somos? Onde estamos? ou Para onde vamos?, são possíveis perguntas interessantes, mas que por via de regra não são feitas, ou quando o são, não são devidamente analisadas, pois o tempo para tais divagações é raro, escasso, insuficiente.

Há uma nítida preferência por textos e vídeos bem curtos, nada profundos, mas que possam ser consumidos de modo rápido. Aqui entram as manchetes, os memes, os posts e vídeos curtos, curtíssimos, onde o tempo se mede não mais em horas ou minutos, mas sim em segundos. Buscar por profundidade e desenvolver o intelecto pode ser entendido como sendo algo chato, entediante e muito demorado para quem não tem tempo a perder para nada fazer com sua própria vida.

A compra de bens materiais passa a ser a porta de entrada para a felicidade, estando esta associada ao status social de ter tais bens de consumo. A identidade pessoal passa a ser criada e moldada dentro de uma base vinculada ao consumo de bens e associação com determinados valores político-ideológicos. Não há a devida valorização para valores éticos universais e a reflexão histórica e filosófica sobre o universo e a existência.

A constância do “agora” impede que se desenvolva a natural paciência necessária para executar projetos de longo alcance, vivenciando-se em consequência o império da total impaciência. No tocante ao pensamento racional e crítico, este exige tempo, dedicação, esforço e reflexão consciente, sendo, portanto, abandonado a favor de soluções instantâneas e fáceis. Deste modo, o processo de aprendizagem e mesmo de auto-descoberta interior, que requer um tempo próprio e por vezes pode se mostrar como sendo algo lento, tende a ser substituído por respostas que sejam rápidas e de fácil compreensão.

Na busca por agradar um maior número de pessoas no menor tempo possível, a produção cultural em seus diversos níveis e itens, tende a sacrificar a qualidade e profundidade. Esta expressão cultural da superficialidade se mostra nítida também na mídia tradicional e nas redes sociais para consumo imediato e sem muita reflexão, repletas com frases curtas ou fotos e vídeos de impacto, ou vídeos curtíssimos que garantam a atenção por um ínfimo tempo de prazer.

Também temos a destruição paulatina do pensamento crítico, do questionamento e da análise profunda dos fatos e ideias. O que favorece a incapacidade de poder genuinamente discernir entre ideias e fatos verdadeiros e falsos, tornando as pessoas mais manipuláveis por meio de falsas narrativas veiculadas na mídia.

A novidade de hoje será o ultrapassado de amanhã, e isto com um ritmo alucinantemente rápido, em uma celebração orgiástica do efêmero e do descartável. Estamos desenvolvendo uma cultura cujo pensamento é voltado para a crença na obsolescência, não somente de produtos com data programada para ficarem desatualizados, mas também para ideias e valores relacionados a nossa vida e ao convívio social.

Este comportamento cultural não fica imune às consequências dele obtidas, como a alienação social, que proporciona a perda de um significado mais profundo para suas próprias experiências pessoais / emocionais-cognitivas, e sociais. Isto pode resultar em real solidão e isolamento mascarado pelo entorno superficial no qual vive a pessoa.

A empatia também se mostra reduzida, pois, as interações humanas passam a ser tratadas de modo superficial e não genuíno. Um ambiente que favoreça a superficialidade tende a prejudicar a real compreensão da complexidade da experiência humana e reduzir o tempo e disponibilidade para cuidar de si próprio e do outro.

Ao se buscar a superficialidade a todo custo, tentando levar a cultura, arte e filosofia, dentre outras criações humanas, ao nível das massas mais desinteressadas, simplificando ao extremo e moldando ao gosto superficial da época, perde-se totalmente em profundidade, destrói-se a real importância e significado de tais obras, e a cultura passa a ser somente um entretenimento efêmero e fugaz, cujo único objetivo é entreter, distrair, fazer esquecer.

Este fenômeno se mostra particularmente presente nos dias atuais nas redes sociais e também na moda, pois, ambas tendem a atuar de modo a perpetuar esta mesma cultura de superficialidade. A superficialidade, tanto nas redes sociais como também na moda, é reforçada por meio de uma forte ênfase na valorização das aparências, no consumo rápido, no engajamento momentâneo.

 Algumas das principais redes sociais tendem a priorizar interações rápidas, conteúdos visualmente impactantes, gratificação instantânea. Ao atuarem de modo a amplificar a superficialidade cultural, tornam-se responsáveis pela menor profundidade racional e crítica. A lenta reflexão racional é substituída pelo “humano esponja”, que tudo absorve, sem, no entanto, nada entender ou reter para si, para sua vida, de modo mais prolongado, pois, o “humano esponja” absorve tudo com a mesma facilidade com a qual poucos momentos depois é expremido para nada deixar em seu interior que possa impedir de continuar absorvendo o novo, as novidades incessantes.

O que facilmente percebemos nas interações que ocorrem entre por um lado as pessoas em sociedade e por outro as redes sociais e os ditames da moda, é uma busca por aprovação e validação imediata. Busca-se o rápido engajamento por meio de curtidas e compartilhamentos nas redes sociais, que tendem a ser indicadores do sucesso e aprovação social. Este mesmo desejo de aprovação social leva as pessoas a se vestirem e se comportarem dentro dos parâmetros aceitos pelo seu grupo social e dentro da moda efêmera ditada para a ocasião. Há, portanto, uma busca por priorizar a imagem, a estética, a aparência de sucesso e popularidade, não uma busca real por autenticidade.

As redes sociais se juntam à moda, criando ambas, em parceria, estilos de vida moldados pelas vitrines nos canais e influencers. Por meio de tal artifício se vende uma imagem de sucesso, beleza e felicidade que possa estimular o consumo de determinados produtos, seguindo uma dada tendência da moda, aderindo aos padrões de comportamento exigidos e aceitos pelo grupo social do qual se deseja participar.

O valor legítimo da moda enquanto expressão individual e artística, por sua vez, passa a ser reduzido à superficialidade cultural que a torna em mero símbolo de status social e conformidade com o meio social.

As tendências da moda mudam rapidamente visando incentivar o consumo de novos bens materiais, sejam estes, roupas, artigos de perfumaria, veículos, smartphones ou outros mais. Temos o surgimento da moda do descartável, onde não se compra algo por necessidade real ou por expressão pessoal, mas sim por uma necessidade artificialmente criada visando seguir as últimas tendências. Deste modo, a constante preocupação com a aparência externa substitui a qualidade, o estilo pessoal e a reflexão crítica sobre o que realmente se está fazendo e qual o impacto deste comportamento consumista em nossas vidas, família e sociedade.

Em certos nichos sociais a moda é vista unicamente como um símbolo de status social dentro de uma cultura da superficialidade. Certas marcas ou grifes são associadas ao sucesso, ou a identidade com determinados grupos sociais, criando verdadeira obsessão por adquirir certos bens para poderem se sentir aceitas e não rejeitadas socialmente dentro de seu grupo. Isto acaba valorizando marcas de luxo com um custo elevado em alguns segmentos sociais, em detrimento da real utilidade, conforto pessoal ou mesmo qualidade do produto em si.

Há uma forte pressão para a conformidade social e a moda tende a promover esta mesma conformidade por meio de uma pressão constante para seguir as últimas novidades do mercado. Este comportamento pode gerar em algumas pessoas um quadro de ansiedade, insegurança e mesmo depressão, se entender que não consegue atingir estes valores e ideais lhe impostos por esta moda consumista. Torna-se necessário, de acordo com o poder aquisitivo, ter o último modelo de celular, ou um veículo de tal marca e com tais atributos, vestir determinada roupa ou usar determinado calçado. São padrões impostos pela indústria, incluso a indústria da beleza, exigindo que as pessoas moldem sua aparência de acordo com um ideal fictício e irreal, por vezes inatingível para a grande maioria, mas vendido como a imagem glamourosa por influencers em redes sociais diversas e pela publicidade em geral.

Neste caso, o corpo humano é um produto que pode ser modificado, decorado, reinventado, para ser exibido e consumido visualmente, em particular pelas redes sociais. São criados padrões estéticos específicos e é reforçada a ideia de que o verdadeiro valor de uma pessoa está em sua aparência externa, que pode ser fotografada, filmada, mostrada, tornada pública. Toda a complexidade presente na identidade e subjetividade humana são, deste modo, reduzidas a como a pessoa se mostra nas fotos e filmes exibidos em dada rede social.

Menos importante que o conteúdo de algo, é tornar este algo atraente e cativante para as pessoas que o irão consumir sem a devida ruminação intelectual. Sair da cultura da superficialidade não é para todos, já que requer esforço consciente e capacidade intelectual. É preciso avaliar a qualidade, a veracidade e a legitimidade daquilo que nos é dado, deste algo que nos é por algum meio transmitido.

A nossa cultura ocidental é bela e demorou séculos para ser desenvolvida. Se o objetivo é deixarmos de lado a superficialidade, então cabe retornar historicamente a esta mesma cultura em sua base, buscando as pilastras que a sustentam. Nossa cultura ocidental atual pode muito bem ser comparada, de modo simbólico, com um banco sustentado por três pés. A superfície do banco é onde nos encontramos, nossa sociedade, mas o banco só se mantém em pé devido a sustentação histórica obtida por cada um dos seus três pés, que podemos batizar pelo nome da cidade que representa os valores ali contidos, deste modo teremos: Atenas, Roma e Jerusalém. Atenas representa a Grécia antiga, não somente esta cidade, mas também outras cidades contemporâneas. Em Atenas tivemos Sócrates, Platão e Aristóteles, dentre outros, mas nas demais cidades gregas tivemos, também, outros grandes filósofos. A cidade de Atenas nos traz, portanto, a filosofia. Já a cidade de Roma nos traz o direito e a administração do Estado. Jerusalém, por sua vez, nos traz a religião judaico-cristã. É por meio da filosofia, do direito e administração romanas e da religião cristã que a nossa sociedade foi construída e tais valores históricos culturais merecem ser conservados, pois, representam parte essencial de nossa própria identidade.

Em verdade, é preciso coragem para viver, é necessário coragem para empreender o autoconhecimento e também para melhor conhecer o outro. Ser superficial é uma escolha, mesmo que a pessoa que o faz não o saiba. Nós sempre escolhemos algo, não há como ser diferente apesar de todas as mentiras que contamos para nós mesmos sobre não termos escolha.

A solução pode começar a ser encontrada na saída desta cultura do provisório, do descartável, e pela busca de reais aspirações realmente mais profundas, tanto no nível intelectual, como também no nível espiritual. Cada um tem o seu próprio caminho, mas não basta olhar para a foto em duas dimensões da entrada e do percurso, cabe viver, e para viver é necessário sair das duas dimensões de uma foto superficial para as três da nossa realidade cotidiana, sem esquecer do tempo histórico que nos sustenta. Cabe percorrer o caminho com as dores e prazeres que a jornada nos traz.

 

Silvério da Costa Oliveira.

 


 

Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.

Site: www.doutorsilverio.com

(Respeite os Direitos Autorais – Respeite a autoria do texto – Todo autor tem o direito de ter seu nome citado junto aos textos de sua autoria)

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Marco Túlio Cícero: Ecletismo em Roma

 

Por: Silvério da Costa Oliveira.

 

Cícero

 

Marco Túlio Cícero (106 a.C.-43 a.C.), em latim: Marcus Tullius Cicero. Segundo expressou o historiador Plutarco, o nome de família “Cícero” provém da palavra romana “cicer”, significando “grão-de-bico”, o que faria referência a uma protuberância na ponta do nariz de um ancestral de Cícero, que em muito lembraria um “grão-de-bico”. Cícero nasceu em Arpino, uma cidade a cerca de 100 km de Roma, proveniente de uma família nobre romana (Sua família pertencia à ordem equestre, os Cavaleiros), mas que não fazia parte da aristocracia romana tradicional. Sua família lhe proporcionou uma boa educação, de modo que, Cícero era homem culto, dominava bem o latim e o grego. Quando jovem, esteve na Grécia para estudar formalmente nas cidades de Atenas e Rodes.

Sofre influência dos estoicos, dos acadêmicos, de Platão e Aristóteles. Sua filosofia busca adaptar a visão filosófica grega ao contexto romano, priorizando questões práticas presentes na política, moral e no direito. Se aproxima mais do platonismo da nova academia e do estoicismo em Roma, apresentando uma visão eclética da filosofia.

Cícero atuou como advogado, político, filósofo, escritor, tradutor e orador. Enfim, Cícero foi um grande estadista, orador e filósofo na Roma antiga, cuja influência se fez presente até os dias atuais. 


 

Em 79 a.C., então com 27 anos de idade, casa-se com Terência, com quem ficou casado até 51 a.C., quando ocorreu o divórcio. Com Terência teve uma filha, Túlila (Tullia), que muito amava e cuja morte em 45 a.C. muito o abalou. Em 45 a.C., pouco depois da morte da filha, casa-se novamente, desta vez com Publília. Ficou, no entanto, pouco tempo casado com esta segunda esposa (alguns comentadores entendem que o casamento durou menos de um ano), segundo consta, por entender que a mesma não soube respeitar o sentimento de pesar que este ainda sentia pela perda da filha. Ocupou diversos cargos na magistratura, tendo sido eleito cônsul no ano de 63 a.C., então com 43 anos de idade. Entre 58 e 57 a.C. esteve afastado de Roma, em exílio em Tessalônica, na Grécia. Este exílio ocorreu em decorrência de sua atuação durante a conspiração de Catilina e a condenação à morte dos cidadãos romanos nela envolvidos, o que lhe trouxe a inimizade de Públio Clódio Pulcro, que no ano de 58 a.C. conseguiu aprovar uma lei que condenava à morte qualquer pessoa que executasse cidadãos romanos sem o devido julgamento, tornando inviável a permanência de Cícero em Roma. Conseguiu retornar a Roma graças a seus amigos, em particular Pompeu.

Em 51 a.C. assume o governo proconsular da Cilícia, antiga província romana e hoje Turquia. Em 43 a.C. e após uma tentativa frustrada de fugir da península italiana, foi capturado e assassinado a mando de Marco Antônio, tendo sua cabeça e mãos sido levadas para exibição no Fórum Romano. Contava na época com 63 anos de idade. A inimizade com Marco Antônio começa após o assassinato de Júlio César. Nesta época e crendo ser Marco Antônio uma ameaça à República, Cícero faz uma série de 14 discursos, chamados de “As Filípicas” (o nome faz referência direta às Filípicas do orador grego Demóstenes, que foram discursos proferidos contra o rei Felipe II da Macedônia no século IV a.C.), denunciando as supostas ambições de Marco Aurélio. Com a formação do Segundo Triunvirato, Marco Antônio aproveitou para se vingar do inimigo, para tanto, obteve o consentimento de Lépido (Marco Emílio Lépido) e também de Caio Júlio César Otaviano (futuro imperador Augusto), quem mais tarde irá expressar o seu arrependimento por permitir o assassinato de Cícero.

Durante sua vida conviveu com revoltas civis e guerras, e buscou preservar a República e a Constituição romanas. Coube à Cícero introduzir em Roma os principais filósofos e Escolas de Filosofia da Grécia, bem como criar no latim um vocabulário filosófico próprio para absorver as ideias e conceitos presentes no pensamento destes filósofos. Seu estilo em prosa influenciou marcantemente a Europa nos séculos subsequentes, até a atualidade.

A influência de Cícero como escritor e grande orador esteve presente não somente na Roma antiga, mas também durante a alta e baixa idade Média, no Renascimento, no Iluminismo, na Revolução Americana e na Revolução Francesa. Pelos escritos de Cícero, este ficou conhecido como grande defensor da República constitucionalista e da liberdade, bem como, por ser um conservador no tocante aos valores romanos tradicionais e republicanos. Mas também não esteve isento de críticas quanto aos seus posicionamentos, como vemos em escritos de Hegel e Engels, no século XIX. Alguns comentadores creditam o início do Renascimento, no século XIV, a redescoberta das cartas de Cícero, feita por Petrarca, dentre outros marcos também importantes.

Sua defesa da República e da constituição em Roma antiga fez de Cícero um marco no desenvolvimento dos ideais de liberdade que vieram a influenciar filósofos tais como Locke e Voltaire e movimentos políticos tais como a Revolução Americana e a Revolução Francesa. Segundo o pensamento de Cícero, cabe ao Estado respeitar as leis e defender a propriedade privada. Cícero também se mostra um defensor de ideias presentes no direito natural, não podendo o direito positivo estar em oposição ao direito natural e sim, em conformidade com o mesmo.

O direito positivo é composto pelas leis criadas pelos humanos e, portanto, varia de região para região e também no transcorrer das épocas históricas, já o direito natural se apresenta como um conjunto de princípios que são obtidos por meio da razão e não meramente criados aleatoriamente, sendo válidos para todos os povos e épocas. O direito natural possui as seguintes características:  universalidade, imutabilidade e racionalidade. Em Cícero o direito natural se mostra superior ao direito positivo, atuando como um guia para a criação de leis que sejam justas, já que segundo ele, a justiça não é fruto de convenções humanas e sim algo objetivo e que pode ser conhecido por meio do uso da razão humana, deste modo, cabe ao direito natural definir o que seja de fato justo e correto, independente das leis que possam vigorar em dada região ou tempo histórico.

Seguindo o pensamento da escola estoica, Cícero entendia ser a virtude o principal objetivo a ser alcançado durante o transcurso de nossas vidas humanas, o bem moral estaria acima de qualquer outro objetivo que possamos ter. A virtude se mostra no pensamento de Cícero como sendo o bem supremo. Para ser virtuoso é preciso se comportar coerente com a razão e a natureza, proporcionando harmonia entre as paixões e o intelecto. A virtude se manifesta principalmente em quatro categorias: prudência (sabedoria), justiça, coragem (fortaleza) e moderação (temperança).

A prudência ou sabedoria nos permite distinguir o certo do errado e tomar decisões pautadas na razão. A justiça nos faz respeitar os direitos dos outros e cumprir as obrigações sociais e legais. A coragem ou fortaleza nos permite enfrentar o perigo ou as adversidades com a devida força necessária. A moderação ou temperança nos permite exercer o controle sobre as paixões e os desejos.

 

PRINCIPAIS OBRAS

 

1- As Catilinárias (In Catilinam). Data: 63 a.C.

Esta obra apresenta o conjunto dos quatro discursos proferidos por Cícero contra Lúcio Sérgio Catilina (em latim: Lucius Sergius Catilina) e seu grupo, que tramavam uma conspiração para a derrubada do governo romano e assassinato de senadores, dentre eles o próprio Cícero. Tais discursos são importantes para o devido entendimento da crise política vivida na época e também para melhor compreensão do estilo retórico empregado por Cícero.

2- Sobre o Orador (De Oratore). Data: 55 a.C.

Trata-se de um tratado de retórica, no qual temos um diálogo sobre a arte da retórica e oratória e como se daria o orador ideal. Segundo Cícero, o bom orador deve ser mais que um excelente comunicador, pois, deve também possuir grande sabedoria e conhecimento em filosofia, direito e cultura geral. A oratória ganha neste tratado uma posição de destaque dentro da vida política e intelectual romana. Neste trabalho fica evidente o entendimento de Cícero sobre a importância da comunicação na política e no serviço público.

3- Sobre a República (De Re Publica). Data: 54-51 a.C.

Trata-se de obra de filosofia e política, inspirada na obra de Platão, na qual o autor assume a defesa do equilíbrio entre os interesses presentes nas diversas classes sociais e as instituições republicanas. É proposto um governo misto, que combine elementos provenientes da monarquia, da aristocracia e da democracia. Temas importantes são aqui abordados: justiça, governo, bem comum, etc. Neste trabalho Cícero desenvolve suas ideias sobre o que seria o governo ideal, tendo como modelo e inspiração tanto os diálogos platônicos, como também a República Romana. Trata-se de obra essencial para a devida compreensão do pensamento de Cícero no tocante à defesa que o autor faz dos valores republicanos e do ideal de uma constituição equilibrada.

4- Sobre as Leis (De Legibus). Data: 52 a.C.

Uma continuação de sua obra “Sobre a República”, na qual aborda as leis ideais dentro de um governo, buscando um sistema legal que seja baseado na razão e na justiça natural. Trata-se de obra inacabada.

5- Sobre a Amizade (De Amicitia). Data: 44 a.C.

Sobre a importância da verdadeira amizade, a qual deve ser uma relação baseada na virtude e no bem comum, e não em interesses pessoais ou conveniências passageiras.

6- Sobre os Deveres (De Officiis). Data: 44 a.C.

Discussão sobre os princípios morais que devem servir de guia para as pessoas, em particular para aquelas que possuam alguma responsabilidade pública. Na obra o dever moral é comparado com o interesse pessoal e se entende a primazia do primeiro sobre o segundo como devendo ser a base do comportamento humano. Trata-se de uma das últimas obras escritas por Cícero e que exerceu grande influência dentro das discussões sobre ética na sociedade ocidental. No tocante à ética e moral, esta obra influenciou o cristianismo e o Renascimento.

7- As Filípicas (Philippicae). Data: 44-43 a.C.

Composta por 14 discursos proferidos contra Marco Antônio, entendido por Cícero como sendo uma ameaça a República Romana após o assassinato de Júlio César. Aqui busca Cícero denunciar as ambições de Marco Antônio e conclamar o Senado Romano a tomar uma atitude. Estes discursos resultaram na solidificação da inimizade entre estes dois homens e, com a vitória (Segundo Triunvirato) de Marco Antônio, no assassinato de Cícero. O nome "Filípicas" faz referência a obra de mesmo nome, do orador grego Demóstenes (384 a.C. – 322 a.C.), contra o então rei Filipe II da Macedônia, compostas por série de discursos apaixonados e incisivos visando a resistência de Atenas contra a expansão imperialista da Macedônia.

 

Silvério da Costa Oliveira.

 


 

Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.

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quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Hermes Trismegistus: Três vezes grande, três vezes abençoado

 

Por: Silvério da Costa Oliveira.

 

Hermes Trismegistus

 

Hermes Trismegistus (século 1 a 3 d.C.) é um personagem mítico que faz referência a uma era longínqua, mas que na verdade provavelmente é o resultado de vários escritores diferentes no transcurso do início da Era Cristã. Segundo Clemente de Alexandria (teólogo cristão do século II – obra “Stromateis” ou "Miscelâneas"), eram 42 livros divididos em 6 conjuntos temáticos (que supostamente cobria um vasto leque de conhecimento sobre leis, religião, medicina, astrologia e rituais egípcios) que formavam a obra de Hermes Trismegistus.

Vários comentadores frequentemente citam que, segundo fontes antigas, tais obras hoje perdidas, estariam divididas tematicamente do seguinte modo:

1- Leis, filosofia e religião

2- Medicina

3- Rituais e práticas sacerdotais

4- Astronomia e astrologia

5- Alquimia e magia

6- Cosmologia

O nome Hermes Trismegistus faz referência aquele que domina os três graus ou níveis do conhecimento, significando Hermes, o três vezes grande. Aqui temos um sincretismo que une o deus grego Hermes (deus dos mensageiros, da sabedoria, da magia e dos caminhos) com o deus egípcio Thoth (deus da sabedoria, da escrita, da ciência e da magia, associado à lua e ao conhecimento divino), inventor da escrita. O nome faz referência a um ser que é o revelador, o profeta, o sábio, ao mesmo tempo que em alusão ao deus grego, é também o interprete e mensageiro dos deuses. "Trismegistus" ou "três vezes grande", ou, "três vezes abençoado", reflete sua supremacia nas três áreas principais: sabedoria, conhecimento (ou escrita) e magia.


 

Constam relatos históricos que no transcorrer dos séculos II e III d.C. foram produzidos vários escritos atribuídos a Hermes Trismegistus, chamados de literatura hermética, estes escritos praticamente não chegaram até os nossos dias. Tais textos foram baseados na leitura e intepretação dada a Platão na época em que foram produzidos. Os textos herméticos apresentam mesclados um conjunto de influências filosóficas, incluindo o platonismo e o estoicismo. Temos neles a fusão, também, das visões religiosas presentes entre os gregos e egípcios na época do Império Romano. No passado, houve quem acreditasse tratar-se de textos anteriores a Moises e produzidos na época do antigo Egito e que tais textos já previam o surgimento do cristianismo, teriam influenciado a criação da Bíblia, Antigo Testamento, e das obras dos filósofos gregos, neste contexto, Hermes Trismegistus seria um autor pré-diluviano.

Dentre os textos atribuídos a Hermes Trismegistus encontramos “Tábua de esmeralda” e “Corpus hermeticum”, estas duas obras foram as bases da alquimia árabe e europeia medievais e, dentre as muitas que foram historicamente relatadas como pertencentes a ele, também as obras “Asclépio” e “Pimandro”, formam as quatro únicas que possuímos hoje.

Seus ensinamentos focavam a busca do autoconhecimento e também o conhecimento da natureza, estando presente dentre os textos usados na alquimia. Em “Corpus Hermeticum” são tratados temas tais como: a natureza Divina, como surgiu o Cosmos, a caída do humano do paraíso, a verdade, o Bem, a beleza. Já na “Tabua Esmeraldina” temos uma obra que foi consagrada pelos alquimistas. Trata-se de um pequeno texto (cerca de uma página A4 digitada) que pode gerar inúmeras interpretações a partir de um enorme simbolismo nele presente.

Envolto em mistério até os presentes dias, Hermes Trismegistus foi entendido e apreciado de modos diferentes no correr da história. Na Idade Média houve quem acreditasse que o mesmo foi um profeta pagão que havia anunciado o surgimento futuro do cristianismo. Já no Islã foi considerado um mestre e profeta, mas seu nome não aparece no Corão, se bem que, segundo alguns comentadores, este teria sido mencionado ali com outro nome (O profeta e sábio Idris, identificado por alguns como sendo Enoque, citado na Bíblia). No final da Idade Média e mesmo depois, seu nome foi vinculado à alquimia, sendo considerado um homem sábio que teria vivido nos tempos de Moisés (ou anterior) e mesmo teria influenciado Platão. No Renascimento seu nome se vinculou as sociedades secretas e esotéricas, buscando unir as ciências com a espiritualidade.

Coube, no Renascimento, a Marsilio Ficino e a Giovanni Pico dela Mirandola ajudarem na redescoberta dos textos de Hermes Trismegistus, bem como, atuarem na promoção dos mesmos. Estes pensadores acreditavam que os escritos de Hermes Trismegistus fossem uma fonte de sabedoria primordial que antecedia e superava a filosofia grega clássica, os escritos bíblicos do Antigo Testamento e mesmo a Cabala judaica. Marsilio Ficino chamou a este conhecimento antigo que seria a origem do conhecimento filosófico e religioso judaico-cristão, de “prisco teologia”. Tais textos tiveram profunda influência dentro de distintas tradições esotéricas, místicas e filosóficas, bem como, na alquimia e nas ditas ciências ocultas.

Dentre as principais ideias presentes na obra de Hermes Trismegistus, temos que todo o universo é perpassado pelo Uno, por Deus, quem criou este mesmo universo. O ser humano é entendido como sendo um microcosmos (igual ao macrocosmos) e por meio do conhecimento (gnose) pode se unir ao Divino, libertando sua alma que se encontra presa à matéria que é o corpo. Há uma forte ênfase no tocante à importância do autoconhecimento, enquanto caminho de redenção espiritual. A alma humana é imortal e pode alcançar e se unir com a Divindade que se encontra em seu próprio interior, compreendendo e praticando os mistérios do Cosmos. Tais conceitos e ideias exerceram forte influência em correntes filosóficas, esotéricas e espirituais, bem como, no Renascimento presente nos séculos XIV, XV e XVI, com suas características centrais de humanismo, redescoberta da Antiguidade clássica e inovações culturais e intelectuais.

Os textos que chegaram até os nossos dias foram datados por meio da análise de suas fontes e influências, tanto da filosofia neles presentes, como também provindas de análise linguística, deste modo, identificou-se a presença de elementos provenientes do platonismo, do estoicismo, da filosofia, e da religião egípcia. Já sua transmissão se deu por meio da preservação de manuscritos escritos em grego e latim, que foram resgatados e comentados no transcorrer do período medieval e no Renascimento. Membros de ordens esotéricas atuais defendem que tais textos foram escritos na época na qual foram datados, mas que são frutos de uma tradição oral bem mais antiga.

 

PRINCIPAIS OBRAS

 

1- Corpus Hermeticum. Data: Entre os séculos II e III d. C.

Coleção de 17 tratados esotéricos cuja autoria foi atribuída pela tradição a Hermes Trismegistus. Coletânia de diálogos de cunho filosófico e espiritual que tratam da relação entre o ser humano, o cosmos e o Divino. Temos presente fortes traços da filosofia de Platão, da filosofia estoica e da gnose presente no Gnosticismo. Dentre os temas abordados temos: teologia e cosmogonia; misticismo e autoconhecimento; magia e alquimia. Destaque deve ser dado a duas obras: “Poimandres” e “Discurso de Hermes a seu filho Tat”.

2- Asclépio. Data: Entre os séculos II e III d.C.

Trata-se de diálogo sobre a prática religiosa e o culto no antigo Egito. Nesta obra são abordados temas vinculados à natureza do mundo e à natureza do poder Divino. Temos considerações sobre a criação de imagens dos deuses, que eram importantes dentro da religião egípcia. Segundo consta no texto, o humano pode imitar o Divino por meio do entendimento das leis naturais e cósmicas.

3- Pimandro (Poimandres). Data: Entre os séculos II e III d.C.

Contém uma descrição sobre uma revelação espiritual dada a Hermes Trismegistus por entidade divina. A criação do cosmos (cosmogonia) e a jornada da alma para a iluminação, bem como a Divindade e o papel do humano como participante da ordem cósmica são aqui abordadas.

4- Tábua de Esmeralda (Tabula Smaragdina). Data: Entre os séculos VI e VIII d.C.

Texto bem curto (cerca de uma página A4), mas muito famoso dentro da tradição hermética. Este texto foi considerado como sendo central dentro da tradição da alquimia medieval e renascentista. Em poucas linhas o texto aborda a correspondência entre o universo (macrocosmos) e o ser humano (microcosmos). Nele encontramos a frase já consagrada e famosa dentro desta tradição: “O que está embaixo é como o que está em cima, e o que está em cima é como o que está embaixo”. A interpretação dada a este texto foi de uma descrição das leis presentes na alquimia e na interconexão cósmica.

5- O Caibalion. Data: 1908.

Segundo a tradição, escrito por três iniciados anônimos ao hermetismo. Seu objetivo é expor e explicar a tradição hermética presente na obra de Hermes Trismegistus. O livro provavelmente foi escrito principalmente por William Walker Atkinson (1862-1932), tendo a colaboração de outros escritores. A temática central da obra concentra-se nos sete princípios herméticos que regeriam a natureza e o universo, a saber: 1- Princípio do mentalismo; 2- Princípio da correspondência; 3- Princípio da vibração; 4- Princípio da polaridade; 5- Princípio do ritmo; 6- Princípio de causa e efeito; 7- Princípio de gênero.

 

Silvério da Costa Oliveira.

 


 

Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.

Site: www.doutorsilverio.com

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