Por: Silvério da Costa Oliveira.
Johann Hamann
Johann Georg Hamann (1730-1788) nasce em Königsberg (cidade localizada na Prússia Oriental, hoje Kaliningrado, na Rússia). e falece aos 57 anos em Münster (cidade localizada no oeste da Alemanha, na região da Renânia do Norte-Vestfália). Filósofo alemão, escritor, teólogo protestante, historiador de arte e tocador de alaúde.
Estando a serviço da casa Berens em Riga (1756) e em viagem de negócios para Londres (1757) onde fica até 1758, foi mal sucedido em sua atividade comercial, o que o levou a um comportamento de excessos que o arruinou financeiramente e o colocou em profunda crise existencial. A par com tais acontecimentos em sua vida, passa a se dedicar à leitura da Bíblia e tem uma vivência religiosa que muito influencia em sua vida e postura religiosa. Hamann se apresenta como um radical crítico do Racionalismo e do Iluminismo, defendendo uma posição mais fundamentalista vinculada ao cristianismo. Tendo retornado para Könisberg em 1759, participa do movimento literário alemão, o Sturm und Drang (1760-1780).
Hamann durante sua juventude foi adepto do Iluminismo, mas após a vivência religiosa que teve em 1758, passa a se dedicar à tradição cristã pietista, ramo do luteranismo que se caracteriza por enaltecer a devoção pessoal, a introspecção, a abnegação de si mesmo e uma relação pessoal com Deus, além do puritanismo, pessimismo e conservadorismo. Desde a vivência religiosa e profunda conversão cristã ocorrida em 1758, adota para si o lema socrático de que “só sei que nada sei”.
No decorrer de sua vida atuou como defensor da fé cristã e seu trabalho veio a influenciar dentre outros, a Goethe, Johann Gottfried Herder, Friedrich Heinrich Jacobi, Lessing, Mendelssohn, Friedrich Schlegel, Schiller, Søren Kierkegaard.
Johann Georg Hamann é por vezes chamado de “Mago do Norte”, este apelido se deve ao seu estilo, que tende a contrastar com a tradição filosófica dominante em sua época. Hamann apresentava um estilo enigmático, no qual por vezes fazia uso de aforismos e de uma linguagem simbólica, trazendo para sua escrita uma aura de mistério e desafio. O nome “Mago do Norte” também se vincula a sua postura de crítica à filosofia racionalista e iluminista de seu tempo, bem como, de crítica as ideias de Kant em seu livro “Crítica da razão pura”. O apelido deve também estar associado ao contraste de seu pensamento com a tradição racionalista então presente a sua época e a sua imagem de ser um pensador não convencional e por assim dizer, quase “mágico” no tocante a sua abordagem dos problemas por ele tratados. Também sua associação com o movimento filosófico alemão que influenciou o desenvolvimento do pensamento europeu dentro da tradição romântica. O apelido também se deve a sua vida e personalidade excêntrica e intensa, que trazia a mente de seus leitores ser este um pensador quase místico ou mesmo “mágico”, ao desafiar as convenções e normas acadêmicas então presentes e criar para si uma reputação única. Ao falar em “Mago do Norte”, temos uma referência ao seu estilo enigmático, a sua crítica à época inovadora, a sua influência na filosofia e na cultura europeia.
Hamann é um pensador antissistemático, não possuindo um método rigoroso e racional como seus principais contemporâneos em filosofia (Kant, Hegel, etc.). Sua postura o aproxima dos movimentos Anti-Iluminismo e Romantismo, da mesma forma que o afasta do Racionalismo e do Iluminismo. Pode ser classificado como um representante do Anti-Iluminismo. Para o autor, todo o conhecimento tem sua base na fé em Deus, se posicionando firmemente contra o uso indiscriminado da razão e se apresentando como um anti-racionalista.
Embora fosse amigo de Immanuel Kant, também foi um feroz crítico de sua obra e da ênfase por este dada à razão. Segundo o pensamento de Hamann, Kant cometeu o erro de priorizar a razão humana e negligenciar a importância da linguagem, da fé e da tradição. No tocante a obra de Kant, “Crítica da razão pura”, Hamann era de opinião não ser a razão pura suficiente para compreender a verdade e o real conhecimento, necessitando da participação deveras importante da linguagem, da fé e da tradição. Entende que a linguagem é uma realidade histórica, não podendo se separar a razão da linguagem. Hamann é conhecido por sua posição crítica à razão e suas ideias sobre a linguagem e a religião.
Hamann se posiciona contrário aos conceitos enquanto tomados como a própria realidade, pois, o conhecimento para Hamann se dá como percepção direta das entidades individuais, coisa que os conceitos não permitem fazer.
A filosofia desenvolvia por Hamann se apresenta de forma única e multifacetada, onde predomina uma crítica ao Racionalismo e ao Iluminismo, bem como, a razão como soberana no tocante à resolução dos problemas humanos. Para Hamann falta a estes movimentos de seu tempo histórico, uma devida e maior ênfase aos aspectos referentes à fé, à linguagem e à tradição, bem como, a Revelação Divina. Seu pensamento é complexo e tende a se aproximar do Romantismo e do Anti-Iluminismo, bem como, há de encontrar guarida em correntes teológicas posteriores.
Hamann foi um severo crítico do Iluminismo presente no século XVIII, pois, entendia que este elevava a razão a um status quase divino, ignorando outros aspectos fundamentais da experiência humana, tais como a fé, a tradição e a linguagem. Hamann entendia que a razão humana é importante, mas contém limitações, sendo insuficiente para a real compreensão da totalidade da realidade. A razão também é limitada, parcial e incapaz de absorver toda a complexidade da experiência humana, não podendo, deste modo, sozinha, fornecer um completo entendimento sobre a vida ou mesmo sobre o mundo que nos circunda. Deste modo, destaca Hamann a importância da fé e da Revelação Divina na existência humana, proporcionando um conhecimento que vem complementar o conhecimento trazido pela razão.
A linguagem tem um papel de destaque na filosofia desenvolvida por Hamann, estando vinculada ao pensamento e à experiência humana. O pensamento racional se dá dentro da linguagem, sendo esta última o fundamento do pensamento. Para Hamann a linguagem não é apenas um meio de comunicação e sim a base de todo o conhecimento. Em cada palavra ou expressão temos um enorme número de possíveis significados e interpretações que que atuam direcionando a compreensão humana. Hamann entende não ser correto abstrair conceitos da experiência concreta, como o querem os filósofos iluministas. Segundo seu pensamento, a abstração não abarca o todo, pois, a linguagem traz junto o contexto, a história e a experiência vivida. Segundo Hamann, a linguagem é um dom divino, meio pelo qual Deus pode se comunicar com a humanidade. Somente pela razão não seria possível compreender a Revelação Divina, pois, esta última está intrinsecamente vinculada à linguagem e à tradição.
Hamann não concorda com o dualismo entre razão e fé presente na tradição filosófica. Para Hamann razão e fé não são opostas, mas interdependentes. Há uma unidade na experiência humana, na qual razão, fé, linguagem, cultura e história se mostram interconectados. Tentar separar tais elementos tenderia a levar a um entendimento incompleto da realidade, não passando tal tentativa de mera falácia. A par com tal visão de mundo, Hamann empreendeu uma crítica a obra de Kant, em particular “Crítica da razão pura”, pois, em seu entendimento a obra de Kant se apresentava excessivamente racionalista e abstrata, não dando a devida importância e destaque à fé e à Revelação na formação do conhecimento humano. Daí sua obra “Metacrítica do purismo da razão”, 1784, onde argumenta não ser possível defender a razão pura sem a presença da fé e da tradição.
Sua visão religiosa é eminentemente cristã, acreditando que o verdadeiro conhecimento provém da Revelação e não de outras fontes, como, por exemplo, a razão humana. A Revelação Divina se mostra como a real fonte de todo o conhecimento verdadeiro que nos permita de fato conhecer a nós mesmos e ao mundo que nos circunda. Não é pela razão humana e sim pela Revelação Divina que nós, seres humanos, podemos encontrar a verdade última sobre a existência, a moral e Deus. Em última instância, a única fonte confiável de conhecimento se dá pelo cristianismo, o qual, segundo Hamann, deve ficar na base de todo empreendimento filosófico, estando em erro qualquer filosofia que possa tentar substituir a fé em Deus e na Revelação Divina pela razão, filosofia, ciência ou qualquer outra coisa.
Apar com isto, o estilo literário de Hamann era diferente de seus conterrâneos, apresentando-se como único, aforístico, fragmentário e por vezes tido como enigmático, apoiando sua concepção de que a linguagem se mostra como algo complexo, com diversas nuances e incapaz de ser integralmente capturada por qualquer sistema filosófico rígido. É comum nos seus escritos o uso de metáforas e alegorias, bem como, de referências à Bíblia, visando melhor expressar suas próprias ideias. Segundo o pensamento de Hamann, não é possível colocar a vida e o conhecimento dentro de um sistema filosófico rígido, pois, isto provocaria uma distorção da realidade, já que a vida é caótica, multifacetada e complexa, entendimento este que acaba refletido em seus próprios escritos.
PRINCIPAIS OBRAS
1- Considerações Bíblicas. Título original de quando da publicação da obra: "Biblische Betrachtungen". Data da primeira publicação: 1758.
Reflexão sobre a influência da Bíblia na filosofia e na vida prática. O autor entende que a Bíblia não é apenas um texto religioso, mas também uma fonte de sabedoria filosófica.
2- Pensamentos sobre o meu Currículo. Título original de quando da publicação da obra: "Gedanken über mein Curriculum". Data da primeira publicação: 1758/59.
Reflexão sobre a formação acadêmica e intelectual do autor, proporcionando uma visão crítica sobre o sistema educacional e os seus limites. O autor entende que é importante que a educação inclua não somente a razão, mas também a fé e a experiência pessoal.
3- Momentos Socráticos. Título original de quando da publicação da obra: "Sokratische Denkwürdigkeiten". Data da primeira publicação: 1759.
Reflexões sobre Sócrates e a sua filosofia, destacando a importância da dialética e da busca pelo autoconhecimento. Aqui são discutidas questões presentes na filosofia e na pedagogia.
4- Cruzadas do Filólogo. Título original de quando da publicação da obra: "Kritische Kreuzzüge des Philologen". Data da primeira publicação: 1762.
Conjunto de ensaios contendo análises críticas sobre temas literários e filosóficos.
5- Metacrítica do Purismo da Razão. Título original de quando da publicação da obra: "Metacritik des Reinheitsgebots der Vernunft". Data da primeira publicação: 1784.
Crítica sobre o “purismo” da razão”, enfocando os limites e os problemas da filosofia racionalista. A razão não deve ser entendida isoladamente e sim integrada a outros aspectos da experiência humana, tais como a religião e a linguagem.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.
Site: www.doutorsilverio.com
(Respeite os Direitos Autorais – Respeite a autoria do texto – Todo autor tem o direito de ter seu nome citado junto aos textos de sua autoria)
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