Por: Silvério da Costa Oliveira.
Pedro Valdo
Valdenses
Pobres de Lyon
Heresias Cristãs
Pedro Valdo (cerca de 1140-1205 ou 1218), ou em francês Pierre Vaudès ou Pierre de Vaux, nasceu na França e a tradição nos diz que faleceu em algum lugar na Alemanha, mas não se conhece o local exato ou onde se encontram os seus restos mortais. Na época em que passa a se dedicar integralmente à religiosidade, possuía esposa e duas filhas. Deixou parte dos seus bens para a esposa e distribuiu o restante entre os pobres. Esta profunda conversão teria ocorrido, segundo alguns comentadores, quando diante do falecimento de um amigo íntimo, já segundo outros, quando da passagem pela cidade de um trovador viajante que o inspirou com uma canção espiritual.
Pedro Valdo era inicialmente um rico comerciante de roupas francês, com boa educação, que em determinado momento de sua vida optou por abandonar todos os seus bens e se dedicar a uma vida religiosa e de pobreza, vindo a liderar um grupo de pessoas que queriam usufruir do mesmo tipo de vida. O grupo acabou sendo considerado uma heresia cristã, formou sua própria Igreja e apesar das inúmeras perseguições e membros condenados à morte pela Inquisição, ainda existe até os dias atuais como uma Igreja independente.
Entre 1170 e 1180 Pedro Valdo traduziu (ou segundo outras fontes, encomendou a tradução) a Bíblia – Novo Testamento para língua provençal (idioma histórico falado na região da Provença, e em outras áreas do sul da França e do norte da Itália. O termo é frequentemente associado ao occitano, uma língua românica que se desenvolveu a partir do latim vulgar).
Em 1179 Pedro Valdo foi a Roma falar com o Papa (Papa Alexandre III) para que seu grupo fosse autorizado a continuar pregando, sendo reconhecidos como uma Ordem religiosa dentro da Igreja, mas tal lhes foi negado, sendo permitido pregar somente onde os bispos locais o permitissem (o que na prática não ocorria). Pedro Valdo e seus discípulos ignoraram a proibição e continuaram pregando, o que acarretou que no Terceiro Concílio de Latrão, em 1179, fossem condenados, mas não excomungados, o que só veio a ocorrer em 1184, quando, por se recusarem a parar com suas pregações, todo o grupo foi excomungado pelo Papa (Papa Lúcio III), tendo isto sido confirmado em 1215 pelo Quarto Concílio de Latrão. Apesar de ter sido perseguido pela Igreja, o movimento durou por cerca de três séculos, quando foi incorporado a segmentos da Reforma Protestante, ou a Ordem de São Francisco ou ainda um grupo manteve sua identidade religiosa nos Alpes. Após a excomunhão, Pedro Valdo e seus seguidores foram forçados a fugir de Lyon. Eles se dispersaram por várias regiões da Europa, incluindo o norte da Itália, Alemanha e Boêmia, onde continuaram a pregar suas ideias.
Pedro Valdo e seus discípulos também foram chamados por “Valdenses” e “Pobres de Lyon”, dentre outros nomes. Pedro Valdo e seus seguidores eram também seguidores de São Francisco, mas com uma posição mais radical sobre a “Era do Espírito Santo”. O grupo negava a existência do purgatório e da eficácia das orações pelos mortos. Também são considerados precursores da Reforma Protestante.
No transcorrer dos séculos XII e XIII, quando o grupo se formou e estabeleceu, a autoridade inicial pertencia a seu fundador, Pedro Valdo, a qual os fiéis eram obedientes. Os membros tinham o voto de pobreza como sendo um ideal de vida, mas não de ascetismo, negavam a existência do purgatório e do culto aos santos, também praticavam a castidade. A prática de juramentos era proibida, do mesmo modo que a pena de morte. Aos poucos o grupo foi se organizando e criando funções para serem exercidas por diáconos, presbíteros e bispos.
Era comum Pedro Valdo caminhar pelas ruas pregando e ensinando passagens bíblicas e textos de autores consagrados pela Igreja. Pedro Valdo e seus discípulos pregavam por uma vida simples e o amor a palavra de Deus presente nos Escritos Sagrados. O grupo entendia que a Igreja de sua época se aproximava da idolatria. Pedro Valdo recusava os dogmas católicos e parte dos sacramentos. Só reconheciam três sacramentos básicos: o batismo de crianças, o casamento e a eucaristia, além da prática de penitência. Após um longo treinamento, que podia durar anos, homens e mulheres podiam exercer as pregações públicas. Os adeptos viviam na pobreza e mendigando, podendo se autossustentarem por meio do trabalho manual como artesãos, mas sem se dedicarem aos negócios vinculados ao comércio.
As ideias defendidas por Pedro Valdo e seus seguidores se centravam em um retorno ao cristianismo primitivo, com forte ênfase na pobreza, na pregação feita por leigos (homens e mulheres) e na leitura por parte dos fieis do texto da Bíblia. O movimento defendia a vivência da pobreza e o desapego dos bens materiais. Acreditavam que a verdadeira vida cristã deveria ser vivida em simplicidade e humildade, sem os excessos e corrupções que entediam estar presentes no clero da Igreja Católica da época. Segundo o pensamento dos adeptos do movimento, era necessário imitar a Cristo e, para isto, cabia ao cristão viver em pobreza da mesma forma como viveu Jesus, para tanto, cabia não somente a renúncia aos bens terrenos, mas também dedicar a vida ao serviço dos pobres e necessitados. Eles pregavam contra a luxúria, a ganância e a corrupção. Segundo o movimento, os membros da comunidade cristã deveriam viver de modo fraterno e solidário, ajudando-se mutuamente dentro da comunidade na qual viviam.
O movimento criticava a centralização da Igreja Católica na autoridade do Papa e seus representantes. Segundo os valdenses, a hierarquia presente na Igreja Católica se apresentava como uma distorção dos ensinamentos dados por Jesus Cristo. Eles defendiam uma Igreja que fosse mais igualitária e também descentralizada. Para os valdenses as comunidades locais deveriam ter autonomia, sem necessidade de uma autoridade central, como ocorre com o Papa dentro da Igreja Católica. Cada comunidade cristã tem o direito de se autogovernar, desde que mantendo a base dos ensinamentos presentes nas Sagradas Escrituras.
Pedro Valdo e seus seguidores não deixaram obras escritas, sendo o movimento valdense caracterizado pelas pregações orais. Houve sim, a tradução da Bíblia – Novo Testamento, do latim para a língua vernácula (língua falada pelo povo) e a disseminação do seu conteúdo durante as pregações públicas. Toda a ênfase do movimento se encontrava na prática de uma vida simples e ao retorno a vida adotada pelos primeiros cristãos.
No ano de 1848 a Igreja Valdense conseguiu obter a liberdade religiosa na Itália. Hoje em dia a Igreja Valdense persiste, tendo sua maior força na Itália e no Uruguay e mesmo, possuindo um núcleo em Santa Catarina, Brasil. No ano de 2015 o Papa Francisco visitou uma Igreja Valdense em Turim, na Itália, beijou o livro sagrado (a Bíblia) e pediu perdão pelos pecados da Igreja Católica no tocante aos valdenses. Historicamente a relação entre a Igreja Católica e os valdenses foi marcada por perseguições, julgamentos pela santa inquisição e condenações à morte. O gesto de beijar a bíblia e pedir perdão em nome da Igreja, feito pelo Papa Francisco, tende a reforçar uma mensagem pastoral de reconciliação e diálogo ecumênico entre as distintas Igrejas.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.
Site: www.doutorsilverio.com
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