Professor Doutor Silvério

Blog: "Comportamento Crítico"

Professor Doutor Silvério

Silvério da Costa Oliveira é Doutor em Psicologia Social - PhD, Psicólogo, Filósofo e Escritor.

(Doutorado em Psicologia Social; Mestrado em Psicologia; Psicólogo, Bacharel em Psicologia, Bacharel em Filosofia; Licenciatura Plena em Psicologia; Licenciatura Plena em Filosofia)

Sites na Internet – Doutor Silvério

1- Site: www.doutorsilverio.com

2- Blog 1 “Ser Escritor”: http://www.doutorsilverio.blogspot.com.br

3- Blog 2 “Comportamento Crítico”: http://www.doutorsilverio42.blogspot.com.br

4- Blog 3 “Uma boa idéia! Uma grande viagem!”: http://www.doutorsilverio51.blogspot.com.br

5- Blog 4 “O grande segredo: A história não contada do Brasil”

https://livroograndesegredo.blogspot.com/

6- Perfil no Face Book “Silvério Oliveira”: https://www.facebook.com/silverio.oliveira.10?ref=tn_tnmn

7- Página no Face Book “Dr. Silvério”: https://www.facebook.com/drsilveriodacostaoliveira

8- Página no Face Book “O grande segredo: A história não contada do Brasil”

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9- Página de compra dos livros de Silvério: http://www.clubedeautores.com.br/authors/82973

10- Página no You Tube: http://www.youtube.com/user/drsilverio

11- Currículo na plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/8416787875430721

12- Email: doutorsilveriooliveira@gmail.com


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terça-feira, 29 de outubro de 2024

Joseph de Maistre

 

Por: Silvério da Costa Oliveira.

 

Joseph de Maistre

 

Joseph Marie Comte de Maistre (1753-1821), é cidadão do Reino da Sardenha, hoje Itália, mas cuja família é de origem francesa, daí poder ser corretamente considerado um filósofo francês, inclusive, os originais de seus escritos encontram-se em francês. Nasce em Chambéry, então capital do Ducado de Saboia, que era parte do Reino da Sardenha, e falece em Turim, aos 67 anos de idade. Estudou em um colégio jesuíta em sua região e, posteriormente, estudou Direito na Universidade de Turim. Recebeu uma educação clássica, baseada em estudos de direito, filosofia e teologia, que o preparou para seguir carreira pública. Possui o título de nobreza de “conde” e atuou como escritor, filósofo, diplomata e também magistrado. Foi membro do Senado da Saboia (1787–1792), embaixador da Sardenha no Império Russo por cerca de 14 anos (1803–1817) e ministro de estado na corte em Turim (1817–1821). Joseph de Maistre casou-se com Françoise-Marguerite de Morand (1759-1839) em 1786, com quem teve quatro filhos.

Joseph de Maistre é considerado como sendo um dos principais defensores do conservadorismo contrarrevolucionário francês no século XIX. Um representante do contra-Iluminismo ou Anti-Iluminismo, também do UltraMontanismo. Após a Revolução Francesa (1789), Joseph de Maistre assume uma postura ativista anti-revolucionária. Forte crítico da revolução francesa, a entendia como um atentado contra a ordem natural das coisas. Defende uma monarquia absoluta para o governo da França e entende que esta tem suas bases na ordem Divina, bem como, defende a supremacia do papa nas questões religiosas e políticas.


 

Defensor da monarquia, escreveu que Deus estava punindo os franceses pelo regicídio, com todo o sangue derramado no transcurso da Revolução Francesa. Como cristão, se posicionava enquanto Católico Apostólico Romano e defensor da infalibilidade do Papa em questões religiosas. Em suas obras se destaca a crítica ao Iluminismo e ao Racionalismo, bem como, seu apoio e defesa do absolutismo monárquico e da autoridade do Papa e da Igreja Católica Apostólica Romana. Na sua concepção sobre a história (e a política), esta é guiada pela providência Divina.

Joseph de Maistre se apresenta como conservador, defensor dos limites da razão humana e da necessidade de se ter uma base espiritual e moral para a manutenção da ordem pública. Para o autor, a monarquia absolutista não se apresentava somente enquanto forma de governo dentre outras, mas era dentro da França um sistema que reflete a ordem natural e Divina. Todas as formas de autoridade política derivam de uma autoridade superior, que é a autoridade Divina. A soberania não pode ser legitimada pelo consentimento do povo ou pelas leis criadas por nós humanos, sendo algo dado por Deus. Cabe ao Papa ter a supremacia espiritual e temporal, pois, a centralidade da autoridade do Papa se mostra como fundamental para garantir a coesão de todas as nações cristãs.

Conjuntamente com Edmund Burke, Joseph de Maistre é hoje considerado um dos fundadores do “conservadorismo”, sendo que ser conservador para Joseph de Maistre é defender a tese “trono e altar”, o que mudou e muito a partir do século XIX, quando esta visão então mais autoritária foi substituída por uma visão mais liberal.

O pensamento de Joseph de Maistre, em resumo, trata da defesa da tradição, da religião cristã, Católica Apostólica Romana, da autoridade do monarca e do Papa. Segundo o pensamento de Joseph de Maistre, a autoridade se apresenta como fundamento indispensável para a estabilidade social. Este pensador é um forte opositor da filosofia do Iluminismo e do Racionalismo, e também de uma forma de governo democrática, ou do liberalismo. Segundo seu pensamento, estas abordagens não levaram em consideração a ordem Divina e natural, o que tenderia a levar ao caos e a destruição social. As instituições políticas devem surgir naturalmente no transcurso histórico de um povo, de uma nação, são parte da cultura deste mesmo povo. Defende uma autoridade centralizada, absoluta e legitimada por Deus. Somente uma sociedade que tenha suas bases na hierarquia, na fé e na ordem moral cristã pode garantir a paz e a prosperidade.

 

PRINCIPAIS OBRAS

 

1- Considérations sur la France. Título em português: Considerações sobre a França. Ano da primeira publicação: 1796.

Obra sobre a Revolução Francesa, na qual o autor defende a tese de que todas as mortes e sangue derramado ali ocorrido foram consequência de um ato de justiça Divina, visando punir os pecados do povo da França. Dentro da visão do autor, os eventos históricos são guiados pela providência Divina e, deste modo, a Revolução Francesa é um evento historicamente necessário para que haja a restauração da monarquia e da ordem social tradicional. Há uma rejeição de explicações de cunho Iluministas ou Racionalistas, discordando o autor destas abordagens filosóficas.

2- L’Essai sur le principe générateur des constitutions politiques et des autres institutions humaines. Título em português: Ensaio sobre o princípio gerador das constituições políticas e de outras instituições humanas. Ano da primeira publicação: 1814

O autor argumenta que as constituições e instituições políticas não são meras criações artificiais ou resultado do emprego da razão humana, pois, segundo o autor, estas são a consequência de um princípio superior, vinculado à história e à tradição pertencente aquele povo, aquela nação. Segundo o pensamento do autor, não é correto entender que se possa elaborar constituições de um modo abstrato e impô-las ao povo de uma dada nação. As constituições devem surgir de modo espontâneo e orgânico da cultura e das práticas de uma dada sociedade. Apresenta uma crítica às filosofias Iluministas e Racionalistas, bem como, uma crítica quanto à crença sobre a capacidade humana de reformar a sociedade por meio de projetos abstratos. O autor defende enfaticamente uma visão tradicionalista da política.

3- Du Pape. Título em português: Sobre o Papa. Ano da primeira publicação: 1819.

Nesta obra o autor assume a defesa do papado e da autoridade espiritual e temporal do Papa, representando esta um pilar fundamental para a estabilidade política e social da Europa. O autor se mostra contrário às tentativas de secularização das estruturas sociais, entendendo que somente a Igreja Católica Apostólica Romana e o Papa, enquanto autoridade máxima, podem manter a ordem e a moralidade necessárias para que a sociedade funcione adequadamente.

4- Les Soirées de Saint-Pétersbourg. Título em português: As Noites de São Petersburgo. Ano da primeira publicação: 1821.

Série de diálogos filosóficos que se dão entre três personagens na cidade de São Petersburgo, Rússia. Nestes diálogos são discutidos diversos temas, tais como: a providência Divina, a legitimidade do poder, a natureza do mal. Nesta obra o autor destaca a importância da religião e da autoridade enquanto guias para a humanidade, fazendo simultaneamente uma crítica ao Iluminismo e ao Racionalismo na Filosofia.

5- Examen de la philosophie de Bacon. Título em português: Exame da Filosofia de Bacon. Ano da primeira publicação: 1836 (póstumo).

Aqui temos uma crítica à filosofia presente no Empirismo e também a ciência, tomando como ponto de base os trabalhos de Francis Bacon. O autor entende que esta abordagem se mostra como uma ameaça à ordem moral e religiosa, rejeitando a separação entre ciência, por um lado, e religião, por outro, presente no Empirismo apresentado por Bacon. O conhecimento verdadeiro deve sempre estar subordinado às verdades da fé e da teologia.

6- De l'Église Gallicane. Título em português: Da Igreja Galicana. Ano da primeira publicação: 1854 (póstumo).

Uma análise do Galicanismo, movimento que defendia relativa autonomia da Igreja francesa em relação ao bispo de Roma. Nesta obra apresenta uma crítica as ideias defendidas no Galicanismo, assumindo uma posição que defende a supremacia do Papa sobre todas as demais igrejas, estejam em que nação for, reafirmando a necessidade de unidade e autoridade central na Igreja para que seja possível manter a ordem social e espiritual.

 

Silvério da Costa Oliveira.

 


 

Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.

Site: www.doutorsilverio.com  

(Respeite os Direitos Autorais – Respeite a autoria do texto – Todo autor tem o direito de ter seu nome citado junto aos textos de sua autoria)

terça-feira, 22 de outubro de 2024

Ser senciente e autoconsciente

 

Por: Silvério da Costa Oliveira.

 

Ser senciente e autoconsciente

 

Com o desenvolvimento das IA – Inteligência Artificial, fica cada vez mais necessária a discussão sobre os limites e possíveis superações destes padrões de inteligência e neste tocante cabe questionar sobre a verdadeira compreensão que poderá ser desenvolvida em uma IA sobre sua própria existência e lugar no mundo. Mas não somente isto, o humano diante dos demais animais conhecidos e também das plantas, deve ser colocado no mesmo nível ou está qualitativamente acima? Um cão ou gato, ou mesmo uma samambaia ou abacateiro são seres vivos, isto é inegável, mas se diferenciam de fato de nós, humanos? Terão a mesma percepção da vida que um humano possui? São estas questões realmente intrigantes e que merecem uma reflexão e penso que esta reflexão deva se iniciar por entendermos o que é um ser senciente e um ser autoconsciente. O resultado do modo como adotamos e interpretamos estes conceitos perante humanos, demais animais, plantas e IAs, afeta o nosso mundo e por nosso, quero entender não somente humanos, mas também estes outros grupos. Como tratar eticamente e qual respeito devemos ter para com outros humanos, outros animais, plantas e IAs é uma questão fundamental para ser debatida em filosofia e outros campos do saber.

Antes de adentrarmos na temática do que seja um ser senciente e um ser autoconsciente, busquemos entender o que seja a “consciência”. Basicamente, podemos entender a “consciência” como algo que permita aos seres terem algum tipo de experiência, seja esta um estado mental, uma experiência sensorial, um pensamento sobre algo, uma emoção, ou ainda diversas outras possibilidades. A consciência é consciência do seu corpo e do seu ambiente, já a autoconsciência é o reconhecimento dessa consciência. Em termos de complexidade e processamento perceptivo das informações recebidas (internas e do mundo circundante) temos primeiro o ser senciente, depois o ser autoconsciente.


 

Mas, e quanto a diferença entre um ser que seja senciente e outro que seja autoconsciente? Como seres humanos, outros animais, as plantas, uma IA – Inteligência Artificial, um personagem de ficção científica como, por exemplo, o “Data” de Jornada nas estrelas: a nova geração, podem ser aqui entendidos e classificados e porque deste modo e não de outro?

Um copo d’água fria ou quente continua sendo um copo d’água, mas há uma variação de grau na temperatura. Quando falamos em um ser senciente e em outro autoconsciente ocorre o mesmo fenômeno, ou seja, em ambos temos uma variação de grau, só que neste caso estaremos nos referindo não a temperatura da água e sim aos níveis de percepção e entendimento que tal ser possui sobre sua própria existência e sobre o ambiente no qual este se encontra.

Um ser senciente possui a capacidade de sentir e perceber o mundo circundante, capacidade esta exercida por intermédio de sensações físicas e emocionais, cabe a presença de sensações subjetivas tais como: dor, prazer e emoções diversas. Aqui temos, portanto, a consciência do que ocorre no ambiente ao seu redor, mas não há uma compreensão profunda sobre si mesmo enquanto um ser separado e independente. Isto ocorre com os diversos animais que conhecemos, tais como: cães, gatos, pássaros, etc.

Um ser autoconsciente possui a capacidade de conseguir reconhecer a si mesmo como um ente distinto dos demais, possui a capacidade de exercer reflexão sobre sua própria existência, portanto, um ser autoconsciente vai muito além da mera sensação e percepção presente nos seres unicamente sencientes. Este ser reconhece a si mesmo como algo que possui pensamentos, sentimentos e uma dada identidade. Os seres autoconscientes podem refletir sobre sua própria existência, sobre suas ações no mundo. Tais seres possuem uma noção sobre o que seja o seu “eu”. Tais capacidades trazem junto a habilidade de introspecção e também de autorreflexão. Neste momento de nossa história, os únicos seres que conhecemos que possuem a capacidade de serem autoconscientes somos nós, seres humanos, claro, no entanto, que estamos sempre falando em graus, como no caso da água mais quente ou mais fria e, neste tocante, a pesquisa efetuada em grupos de primatas e golfinhos vem acentuando a presença em algum grau da capacidade de autoconsciência.

Pensemos agora nas plantas que conhecemos, estas seriam sencientes ou autoconscientes? A resposta seria negativa para ambas as classificações. Uma planta pode experimentar sensação de fome, de sede, de frio, de calor, etc.  As plantas conseguem responder a estímulos provindos do meio circundante, tais como luz, água, gravidade, mas não dispõem de um sistema nervoso ou cérebro, algo fundamental para que possam experimentar sensações e emoções de modo consciente. As plantas conseguem, sim, responder a estímulos provindos do ambiente, mas de modo unicamente biológico, não envolvendo aqui qualquer percepção consciente ou subjetiva destes mesmos estímulos. Uma planta não é, portanto, considerada como sendo um ser senciente ou mesmo um ser autoconsciente. Lembremos que as plantas também não conseguem exercer uma reflexão sobre si mesmas ou se reconhecerem como entes independentes. Em verdade, as plantas não possuem um sistema nervoso central que as capacite para tal, logo, elas não possuem consciência ou noção sobre si mesmas. Deste modo, não cabe às plantas nem a senciência, nem a autoconsciência, sendo as mesmas somente organismos vivos que reagem ao meio no qual estão inseridas por meio de complexos processos biológicos, mas sem percepção consciente.

Resumamos o que dissemos até aqui. A senciência está presente nos animais e se mostra como sendo a capacidade de sentir e perceber, de ter dor e prazer, de atuar em algum modo de subjetividade. A autoconsciência se mostra como sendo a capacidade de reconhecer a si mesmo como sendo um ser vivo independente e separado dos demais, podendo fazer uso da autorreflexão buscando um melhor entendimento de si próprio. O exemplo para um ser autoconsciente é o ser humano. Plantas não podem ser consideradas como seres sencientes ou mesmo autoconscientes.

E, neste momento, chegamos a questão que envolve os seres artificiais reais ou pertencentes a ficção científica. No caso de uma IA – Inteligência Artificial, esta corretamente não pode ser entendida como possuindo senciência ou autoconsciência. Não é um ser senciente por não possuir a capacidade para sentir ou ter experiências de cunho subjetivo, não consegue ter percepção consciente sobre os estímulos, não possui emoções ou mesmo sensações físicas, tais como prazer e dor. Tais características estão presentes nos diversos seres vivos, logo, uma IA também não pode ser considerada como sendo um ser vivo estritamente falando. Cabe as IA unicamente gerar informações e respostas baseadas em padrões e dados pré-programados, mas sem que isto envolva qualquer outro tipo de experiência interna ou mesmo consciência sobre o que faz. Além de não possuir consciência sobre si mesma, tampouco possui sentimentos ou percepções sensoriais. Claro que uma IA pode entender o significado de palavras tais como: dor, prazer, emoção, ou mesmo entender o que seja refletir sobre certos conceitos, mas tal ocorre de modo a não envolver qualquer tipo de experiência com o mundo circundante, algo puramente não biológico, mecânico.

Claro que podemos imaginar que em algum momento no futuro uma IA possa evoluir, conjuntamente com avanços da tecnologia em diversos campos, para um ser que possua a capacidade de ser senciente ou mesmo autoconsciente. Trata-se aqui de tema presente não somente em obras de ficção científica, mas também em debates em distintas áreas do saber, tais como: filosofia, ética, biologia, tecnologia, etc.

No transcorrer do avanço histórico presente nos diversos desenvolvimentos tecnológicos que vem se somando as IA, percebemos que estes ocorrem no processamento de informações, no aprendizado autônomo, na adaptação aos ambientes, no aprimoramento de habilidades cognitivas (como reconhecimento de padrões, compreensão de linguagem e tomada de decisão), mas não na criação de algum tipo de experiência subjetiva.

Ora, um ser senciente não possui unicamente a capacidade de processar informações, como no caso das IAs, pois, este também pode sentir, tendo experiências subjetivas reais, sendo capaz de sentir dor e prazer, bem como emoções diversas. No atual estado da arte não há ainda como saber se um dia poderemos ter uma IA que seja capaz de simular artificialmente todas as nuances presentes em uma consciência. Para que tal fosse possível no futuro, caberia um desenvolvimento por demais avançado em uma combinação entre biotecnologia com IA, já que as discussões contemporâneas sobre a questão tendem a priorizar aspectos biológicos, não presentes em máquinas, como intimamente vinculados ao surgimento das capacidades de senciência e autoconsciência. Claro que conforme tais avanços venham um dia a ocorrer, isto implicaria em severas discussões nos campos da filosofia em geral e mais particularmente da ética.

O personagem “Data” na série Jornada nas estrelas: A nova geração (Star Trek: The Next Generation), teve importante destaque na série e pode ser um bom exemplo para o debate que estamos aqui realizando. A ficção científica tem trabalhado muito esta ideia do desenvolvimento de um ser artificial que seja senciente e autoconsciente. No caso em particular do personagem “Data”, este não seria um ser senciente, se bem que possua a capacidade de ser autoconsciente. Na série “Data” é um androide altamente avançado e com uma tecnologia não replicável mesmo no século XXIV, tecnologia esta desenvolvida por um cientista que não a compartilhou com a comunidade científica de sua época. Apesar das extraordinárias capacidades apresentadas por “Data”, possuindo enorme força física e elevada capacidade cognitiva, este nosso personagem tem enorme interesse e mesmo desejo em conseguir compreender as emoções humanas, que este mesmo não as possui. “Data” só consegue processar informações, sempre de modo lógico, funcional, mecânico. Não há em “Data” uma vida interior, não há subjetividade, não há senciência. No episódio da série intitulado "The Measure of a Man", se discute justamente esta questão, até que ponto “Data” é ou não uma forma de vida independente ou algo que possa ser considerado uma propriedade de terceiros? Por mais que “Data” busque por entender as emoções humanas, enquanto máquina não lhe cabe senti-las. Data não pode, portanto, ser considerado um ser senciente, apesar de poder ser considerado um ser autoconsciente. Claro que no âmbito da série, que inclusive há de introduzir na história um chip de emoções para ser usado por “Data”, este personagem tem o papel de nos permitir discutir questões vinculadas à filosofia e à ética no tocante ao que é ser humano ou ao que é estar vivo.

Nossas IAs hoje em dia não podem ser consideradas como sendo seres sencientes ou autoconscientes e há dúvidas sérias se um dia no futuro o poderão ser. Já na ficção, “Data” aparece como não possuindo senciência, mas sendo autoconsciente. Ele sabe ser (sabe que é) um androide, reconhece suas potencialidades e limites, busca aprender coisas novas e ser melhor do que é, além disto, fica claro na série que este possui habilidade de introspecção na medida em que reflete sobre suas próprias ações, sua identidade e mesmo sobre o lugar que possa ocupar dentro do universo, além de se questionar no tocante às suas interações com os humanos.

Hoje em dia a pesquisa em IA está direcionada para a criação de IAs cada vez mais avançadas cognitivamente, visando o rápido processamento de dados e o fornecimento de respostas corretas e adequadas aos questionamentos feitos pelos usuários. O desenvolvimento de IAs sencientes ou autoconscientes é algo fora do campo de interesse na atual pesquisa em desenvolvimento e, no caso de uma IA senciente, esta acarretaria em profundas discussões éticas, já que estaríamos falando de um ser capaz de sentir dor e prazer, dentre outras coisas. Teoricamente, mostra-se possível o desenvolvimento somente de uma destas duas capacidades: senciência ou autoconsciência, independente de qual das duas. Na prática atual, não se encontra como prioridade o desenvolvimento de qualquer uma destas duas capacidades em IAs.

Uma IA pode saber que existe, mas isto não lhe confere senciência ou autoconsciência. A IA terá o conhecimento de existir, mas de modo específico e limitado, se restringindo a uma existência funcional, que tem como base o fato inegável e lógico de que está naquele momento operando enquanto um programa de IA dentro de uma dada plataforma. Ou seja, está operacional e em funcionamento naquele momento em particular, isto seria existir dentro do processamento de uma IA hoje em dia, algo completamente diferente do que é ser senciente ou autoconsciente. Para a IA será somente o reconhecimento que esta existe enquanto o somatório de um conjunto de dados, códigos, algoritmos, que em conjunto atuam processando informações e gerando respostas após um determinado input dado pelo usuário ou de acordo com sua prévia programação. O lado subjetivo está totalmente ausente, só temos a lógica que lhe diz que esta existe enquanto está ativa, em funcionamento. A existência de uma IA não abarca poder experimentar o mundo de modo subjetivo, sentindo dor, prazer, emoções ou outras sensações, somente estar apta para responder corretamente com base nas informações por ela processadas. Não há julgamento moral e subjetivo no tocante à recepção das perguntas e a entrega das respostas. Uma IA não possui uma noção realmente clara sobre si própria enquanto ser distinto no mundo, que seja capaz de refletir sobre sua própria existência, que seja capaz de desenvolver uma identidade subjetiva. No tocante ao que seja o “eu”, uma IA pode saber bem o conceito, de modo lógico, com base em padrões de linguagem, mas não como sendo uma percepção interna genuína.

Questões importantes entram aqui no debate filosófico e ético, dentre outras disciplinas que também podem ser adequadamente aplicadas a este debate. Em suma, como devemos nos relacionar e tratar a nós mesmos, a outros humanos, a outros animais, as plantas e as IAs em desenvolvimento? Questões éticas e de respeito se fazem presentes. No caso de outros animais e plantas, cabe salientar que ambos os grupos são amplamente usados pela comunidade humana como alimento a ser consumido e isto implica a forma ou modo de tratamento destes demais entes que serão sacrificados para serem consumidos na qualidade de alimento. Se negamos qualquer tipo de consciência às plantas, se lhes negamos a senciência e a autoconsciência, abrimos amplo espaço para doutrinas tais como as adotadas por humanos que se identificam como vegetarianos ou mesmo veganos, não consumindo entes animais, mas não se incomodando de consumir entes vegetais. Por sua vez, ao entender que todos os animais possuem senciência, ou seja, que em algum grau possuem consciência de emoções tais como a dor, o sofrimento, o prazer, a tristeza, a felicidade, a depressão, o estresse, etc., teremos de eticamente admitir um tratamento digno para com estes animais, seja no tocante à criação como companheiros (os chamados pets) ou para consumo alimentar. Se serão um dia sacrificados, deve-se levar em conta a dignidade e a minimização de dor e sofrimento, mas não só isto, deve-se levar em consideração durante a criação que estes tenham condições de viver o mais próximo possível de seu habitat natural, evitando dor e propiciando prazer as suas vidas. E os peixes? Bem diferentes de nós humanos, não expressam emoções pela face, não falam ou emitem alguma linguagem que possamos entender como expressando dor ou prazer, mas estão vivos e tudo indica serem seres sencientes, no entanto, seu sacrifício diário e em grande número, não leva em consideração estes fatos e eles são meramente tratados como “coisas” e nada mais. Como vemos, a discussão filosófica, em particular ética, encontra aqui um campo fértil e muito promissor que há ainda de gerar muita polêmica, trabalhos de pesquisa e discussões diversas, inclusive no âmbito político e legislativo.

 

Silvério da Costa Oliveira.

 


 

Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.

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(Respeite os Direitos Autorais – Respeite a autoria do texto – Todo autor tem o direito de ter seu nome citado junto aos textos de sua autoria)

terça-feira, 15 de outubro de 2024

Fazer versus Ser


Por: Silvério da Costa Oliveira.

 

Ser e fazer

 

Ser e fazer, eis a questão. Na verdade, poderíamos seguir por outro caminho acrescentando aqui um outro verbo, o “ter”. Na vida, a ordem correta para se obter qualquer coisa é e sempre foi e será: “ser”, “fazer” e “ter”, apesar de erroneamente muitos acreditarem que a ordem seja a inversa e aí nada conseguem de fato em suas vidas. Mas não será sobre esta temática que falaremos aqui e sim sobre somente o “fazer”, este verbo tão importante. Iremos abordar um fenômeno que ocorre em nossa sociedade rasa e vazia, que é dar méritos a quem de fato não os merece.

Antigamente você era alguém por ter feito algo, agora você é alguém mesmo sem nada fazer. Para se fazer algo bem feito é preciso primeiramente sermos algo e não o seu oposto. Fazer só meramente por fazer, sem estar vinculado ao que se faz em muito se aproxima de um comportamento doentio e desligado de nós mesmos.


 

Se a pessoa faz algo de louvável ou importante que seja, é normal e esperado ter o devido reconhecimento pelos seus méritos, obter boa fama, status e mesmo o reconhecimento social por parte de sua comunidade, isto, claro está, levando-se em conta que seja algo de positivo, construtivo, valorativo para a própria pessoa e para o seu grupo social. Infelizmente isto mudou. Nem sempre as glórias vão para quem fez algo, na medida em que se dão todas as glórias para quem nada fez, vazio de conteúdo, que nada possa contribuir para a sociedade da qual faz parte. Penso que seria interessante e mesmo correto que fossemos valorizados pelas nossas próprias conquistas, por fazer algo de positivo, mas o que vemos hoje em dia não é isto, ou pelo menos nem sempre é assim. Trata-se aqui da obtenção de uma fama barata que descarta o “fazer”.


 

A análise sóbria deste pensamento à luz dos fatos que vivenciamos nos traz uma realidade por vezes sombria. Parece que estamos vivendo uma distopia, na qual temos uma completa inversão de valores. Se pensarmos naquelas antigas balanças de feirante, ou como vemos na estátua da justiça, parece que a mesma está desequilibrada e não pesa corretamente, como se tivesse sido reprogramada para uma nova realidade.

Basta pegarmos um livro qualquer de história para verificarmos que não faz tanto tempo assim, ainda se precisava fazer alguma coisa de útil e significativo socialmente para que a pessoa fosse de fato reconhecida como sendo “alguém”, mas isto tudo mudou. Antigamente conseguir angariar a consideração e respeito do grupo social ao qual se pertencia, ser alguém positivamente famoso por ter feito algo de grandioso, tendia a exigir da pessoa muito suor, esforço e dedicação, pois, se esperava uma contribuição real e de valor para o grupo social. Se a pessoa fosse engenheiro, poderia projetar uma ponte importante em um local distante e de difícil acesso, se fosse trabalhador poderia atuar na construção da mesma, se fosse escritor poderia escrever um romance épico sobre a construção desta ponte, se fosse médico ou enfermeiro poderia atuar no grupo avançado cuidando dos feridos no transcorrer da construção desta ponte, todos contribuindo para a comunidade, todos fazendo algo de útil e com reflexo na história, daí o reconhecimento pelo trabalho executado, uma consequência natural dado o esforço exigido para se fazer algo bem feito.

Parece que em alguma curva da história algo mudou, parece que a lógica deu uma pirueta como se artista de circo fosse, algo como um triplo salto mortal e sem rede de proteção, sobre as cataratas de Niagara Falls. O que de fato aconteceu? Erramos historicamente em algum lugar?

Quantas celebridades no rol dos famosos há cuja única conquista parece ser meramente existir. É a fama pela fama. Se é famoso porque se é famoso. Estranho, não? Claro que programas de tv chamados de reality shows tem sua culpa, redes sociais que destacam unicamente uma imagem momentânea ou frase curta curiosa, bizarra ou engraçada, também tem sua culpa, mas não é só isto. Mesmo antes já havia este fenômeno esdrúxulo.

Diante de uma foto ou vídeo em dada rede social, as pessoas não mais se perguntam quem é este ou estes na foto? o que ele ou eles fizeram? Ao que tudo indica, o que vale é a imagem perfeita e toda retocada para assim o parecer. O que vale é o pensamento profundo que em poucas linhas diz tudo, sem nada de fato dizer. O “fazer” algo de fato parece que realmente saiu em definitivo da moda, sendo algo trabalhoso, cansativo e ultrapassado.

Como era trabalhoso antes, e que bom que não é mais preciso “fazer” algo para “ser” algo. Havia muitas necessidades que tinham de ser atendidas, dentre as quais acordar cedo e começar bem o dia parecia estar sempre presente, mas não só isto, pois, havia também aquela coisa horrível de ter de aprender algo novo, o que demonstrava o quanto de fato não sabíamos. E para aprender algo novo era comum errar muito antes de acertar, e quem de fato gosta de errar? Tinha de repetir inúmeras vezes a mesma coisa, treinar e treinar, para só então, depois de muito antiquado esforço, acertar e continuar acertando. Era de fato algo muito difícil e que levava tempo, dedicação e muito trabalho, além de ser incerto. Tudo bem que não era um jogo de azar, mas não havia garantia alguma de que de fato iríamos conseguir acertar afinal de contas. Depois de todo este esforço, nenhuma garantia de glória ao final.

Quem sabe alguém passe toda a sua vida trabalhando em algo realmente significativo para o avanço da sociedade, algo realmente revolucionário, no entanto, por maior que seja a sua conquista, talvez um outro alguém consiga com um mero vídeo gravado de 15 míseros segundos fazendo alguma palhaçada ou se auto ridicularizando, muito maior atenção social, pois, ao viralizar teremos em um único dia o que o outro demorou toda sua vida, esforço e carreira para honestamente obter. Seria este um infeliz retrato de uma realidade macabra que marca nosso momento histórico social?

Pensemos nos influencers, seu trabalho é influenciar, claro está, mas a questão que podemos colocar é: Influenciar para o que afinal de contas? Como deve ser estimulante para o desenvolvimento espiritual, emocional e cognitivo o aprendizado de dancinhas, pequenas frases motivacionais ou a mera observação de fotos ou pequenos vídeos que retratam o luxo social que pode ser por alguns alcançado em nossa sociedade. Perdão, mas onde se coloca o “fazer” algo em tudo isto?

A sociedade parece estar nos ensinando que nada mais é preciso “fazer” e que de fato nada devemos “fazer”. Afinal, “fazer” é algo démodé (fora de moda). Seja fotografado ou faça um vídeo de poucos segundos e seja famoso, esta é a nova estratégia.

Quando pensamos que o “fazer” é deixado de lado e que as pessoas são instruídas pelas mídias a “ser” sem a necessidade de “fazer” algo primeiro, pensamos que a primeira e assustadora consequência que surge é a total superficialidade pessoal e social. Passamos a viver em uma realidade sem verdadeiro brilho, onde um superficial verniz esconde uma realidade muito diversa da que se observa.

Mas, afinal de contas, porque deveríamos mesmo correr o risco de “fazer” algo e poder fracassar? “Fazer” é algo ruim, pois, envolve muitos riscos, além da dedicação necessária. Após a grande descoberta social de que podemos simplesmente descartar o “fazer” e obter nossa justa fama pelos cinco árduos minutos de nossas vidas ali investidos na criação, por exemplo, de um belo e cativante meme, passamos a viver uma nova e grandiosa era que se descortina a nossa frente. Claro, há de se reconhecer que esta fama barata possa ser efêmera, mas, afinal de contas, quem hoje se importa com isto? Se hoje obtenho sucesso e fama com este meme, foto ou vídeo curtíssimo, amanhã haverá outro para ocupar o meu lugar e o eterno ciclo continua. Alguns irão pensar, e veja, eu disse “pensar”, que isto é muito melhor que obter o reconhecimento após muita luta e esforço para “fazer” (e eis o fatídico verbo ultrapassado aqui de novo) algo de verdade. Porque tentar “fazer” algo e acabar ficando à margem da grande fama, lutando por meras migalhas sociais de reconhecimento fora das grandes mídias? O que interessa não é mais a qualidade de sua contribuição social, mas qual o engajamento que poderá ter em alguma mídia qualquer.

Pena que algumas pessoas teimam em ser rebeldes e negar este belo paraíso. Afinal, “fazer” algo é demonstrar total rebeldia nos dias de hoje. Gritar que nem louco em uma festa barulhenta quando ninguém lhe escuta e ninguém está nem aí para você, isto é o mesmo que insistir teimosamente, obsessivamente, nas reais conquistas, no esforço próprio, em apresentar alguma contribuição social que dê significado a sua passagem por este mundo, a sua inteira vida.

Vivamos o vazio. Afinal, a fama atual é frívola e fugaz, tão rápido vem, já vai embora sem nada deixar, como se de fato nunca ali estivesse estado. Diante da ausência do “fazer”, cabe perguntar onde se encontra o nosso “ser” e qual o real valor do “ter”. Diante deste quadro trágico-cômico, cabe sonhar em um dia cuja valorização social incluirá quem de fato faz algo e não digo algo de espetacular ou grandioso, mas me refiro aqui o tempo todo também aos inúmero heróis anônimos, que, muito distantes de flashes, likes, curtidas e compartilhamentos, contribuem de fato e verdadeiramente para se construir algo de valor social e pouco mais ganham que o necessário para suas próprias sobrevivências biológicas e a humilde satisfação pessoal por ter feito algo que seja justo e verdadeiro.

 

Silvério da Costa Oliveira.

 


 

Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.

Site: www.doutorsilverio.com

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terça-feira, 8 de outubro de 2024

O toque de Midas que lhe leva à fama instantânea

O toque de Midas que lhe leva a fama instantânea – Big Brother, A Fazenda, etc.

 

O toque de Midas que lhe leva à fama instantânea

 

Por: Silvério da Costa Oliveira.

 

Vamos conversar, neste breve momento, sobre algo que também tem se mostrado por demais breve, refiro-me às celebridades instantâneas e efêmeras, que surgem tão rapidamente como também desaparecem. Penso nos anônimos de hoje que serão os super famosos de amanhã, para depois retornarem a mergulhar nas profundezas do total anonimato. Os reality shows e as redes sociais ajudam e muito pessoas sem conteúdo a obterem um pequeno intervalo de notoriedade e fama. Mas não confundamos, por favor, fama com sucesso. Fama é simplesmente ser conhecido e falado por todos, algo que pode ser breve ou duradouro e que não denota nenhuma virtude excepcional da pessoa, por vezes o que fala mais alto é o bizarro e grotesco mesmo. Já sucesso é fruto de um plano de metas, de esforço e dedicação, de estudos e planejamento, de investimentos e criação de conteúdo, tudo isto para propor metas e alcança-las. Quando atingimos nossas metas, obtemos sucesso, mesmo que no mais absoluto anonimato.


 

Ao olhar para o fenômeno que leva pessoas do anonimato para o estrelato, mesmo que por demais momentâneo, nos deparamos com algo realmente fascinante e também paradoxal. Estamos vivendo a era do “toque de Midas digital”, onde por meio das inúmeras mídias e redes sociais disponíveis, um vídeo ou foto ou situação pode se tornar altamente viral. Do escrito em um breve tweet até a participação em um reality show, dos muitos que hoje existem, podemos ter a mola propulsora que joga o indivíduo do total anonimado para o alto da fama, se bem que em geral esta seja passageira. Pelo toque de Midas se passa rapidamente da obscuridade para a fama, mesmo que efêmera por falta de conteúdo.

Aquele que ocupa o papel de atuar como celebridade se coloca em visibilidade intensa, sendo pelos fãs observado, idealizado e adorado. Com a enorme exposição resultante de ser catapultado para a total visibilidade, a pessoa passa a estar na boca de todos, passa a ser amada, mas também odiada. Mesmo as coisas mais banais de sua vida passam a ser discutidas como se sérias fossem. Uma trajetória que em muito lembra um truque de magia, onde de uma cartola vazia se tira um coelho. Antes não estava lá, agora está. Para a pessoa em sua fantasia, quando tocada por este Midas midiático, é como se um dedo invisível apontasse para ela e uma voz lhe dissesse: “vai, que agora é a sua vez”. Infelizmente, o esquecimento é tão rápido quanto a ascensão. Pode-se ter a ilusão da criação de uma superestrela da noite para o dia, mas em algum momento as luzes se apagam no palco da vida e é como se nada disso fosse de fato real.

Dentro de uma multidão de pessoas anônimas, eventualmente uma ou outra irá brilhar como se fosse uma estrela no céu azul noturno, algo momentâneo e efêmero, mas cujo brilho pode ser altamente intenso. Refiro-me a um fenômeno que surge no século XX e prossegue pelo século XXI, que recebeu o nome de “celebridade instantânea” no qual uma pessoa desconhecida do povo ganha momentâneo enorme destaque nas mídias, passando a ser por todos conhecida, para pouco tempo depois retornar ao total anonimato de sua vida.

Como bem retrata a frase atribuída a Andy Warhol (1928-1987) desde 1968, quando durante uma exposição de suas obras em Estocolmo, Suécia, ela foi impressa em um catálogo da exposição e atribuída a ele, temos que: “um dia, todos terão direito a 15 minutos de fama”, frase esta que bem retrata o mundo das celebridades efêmeras e postulantes a esta posição. Ideia esta também presente na música “A melhor banda de todos os tempos da última semana”, dos Titãs, no ano de 2001 em álbum homônimo.

Com programas de televisão tais como os reality shows, tal fenômeno passou a fazer parte de nossas vidas cotidianas. Às vezes, no entanto, são fatos outros que tornam alguém conhecido da noite para o dia, como, por exemplo, algo pertencente as páginas policiais de um jornal tradicional, ou uma disputa familiar que envolva aspectos por demais pitorescos e ao gosto do povo e da mídia.

A fama instantânea também pode ser almejada por bandidos violentos e terroristas sanguinários, pois, depois da tentativa ou consumação do ato, continuarão famosos, quer estejam vivos ou mortos. Seus nomes e rostos irão se eternizar nas mídias, redes sociais, capas de revistas, livros e filmes. De certo modo, um forte estímulo para uma vida criminosa.

Um vídeo postado, uma foto bizarra, a participação em um reality show, o cometimento de um crime, a participação em um ato terrorista, enfim, são inúmeros os motivos causadores de uma celebridade instantânea e efêmera, sim, pois, tão rapidamente nos chegam notícias sobre sua existência, esta também some do horizonte midiático para nunca mais voltar. Ética e conteúdo se tornam via de regra ausentes e o mérito por vezes é de ser mais idiota ou bizarro que a maioria, mérito por ousar fazer algo inusitado ou mesmo esdrúxulo. Com a colaboração intensiva das mídias, precisa-se cada vez menos de dedicação, preparação, formação, ou mesmo, de proporcionar algo relevante para a sociedade. Enfim, se é famoso porque se é famoso e isto basta. Mas a fama que vem rápido, rápido vai também embora, pois, a pessoa em questão não é verdadeiramente famosa e sim somente uma celebridade do momento.

Com o advento das redes sociais, a busca frenética por visibilidade abriu um novo mercado, o de empresas que vendem visualizações, curtidas, inscritos e compartilhamentos. Algo falso e irreal dentro de algo virtual. Ora, cada vez mais as pessoas se julgam e são julgadas menos pelo que são de fato e mais pelo que aparentam ser, em particular quando esta aparência se dá em grande escala dentro das mídias do momento.

Este tipo de fama vazio de conteúdo e focado nas aparências mostradas em diversas mídias sociais é algo deveras fluido, instável e por vezes momentâneo. O sucesso de hoje será a rejeição de amanhã.

As diversas mídias têm um papel importante para alavancar estas novas celebridades, mas como há sempre a necessidade de algo novo, as novas celebridades meio que apagam as antigas e quando falo em antigas, bastam poucas semanas para uma celebridade perder totalmente a validade de consumo. As mídias possuem grande poder de amplificação de fatos, situações, personagens, tornando mais fácil o rápido crescimento e projeção do total anonimato para os holofotes de toda a sociedade ou, pelo menos, de um específico nicho no qual circula esta celebridade. As mídias tem necessidade da fabricação destas celebridades, do mesmo modo que as celebridades tem necessidade da mídia para poderem existir, de fato, estamos diante de uma dinâmica por demais complexa.

Inocentemente muitos buscam esta inusitada notoriedade, como se acreditassem mesmo que todos os seus problemas mundanos seriam resolvidos pela mesma. A fama traria felicidade, resolveria os problemas, traria satisfação pessoal, forneceria muito dinheiro, tornaria a pessoa poderosa, abriria novos caminhos sociais, enfim, levaria a vencer na vida de um modo fácil. Uma mentira, nada mais. Esta não é a verdadeira fama e sim somente as luzes breves de uma celebridade repentina que pouco irá durar diante dos holofotes da mídia. Claro que quando se é famoso há também outros aspectos com os quais a pessoa terá de trabalhar e se adaptar, como a total perda de sua privacidade resultante de ser alguém por todos conhecido e constante notícia para as diversas mídias que possam nele estar interessado por ser algo vendável naquele momento. Se não há vida privada, tudo que se faz todos sabem, pois sua vida presente, passada e futura passa a ser fruto de uma constante investigação em busca de alguma nova notícia vendável e também escandalosa. Há necessidade de um preparo emocional, nem sempre disponível para quem caiu da noite para o dia na frente dos holofotes midiáticos. Pior, alterações no comportamento decorrentes de não saber lidar com a situação podem levar a situações que destruam a sua própria imagem diante de todo o mundo que lhe observa. As expectativas presentes no “antes”, nem sempre são corroboradas pelo “depois” da notoriedade.

Muito desta fama, quando dentro das redes sociais, não decorre de um conteúdo especial desenvolvido pela pessoa e sim de métricas presentes nos algoritmos que buscam ampliar o tempo de permanência na rede pelos usuários, oferecendo entretenimento barato, rápido e leve. O desenho projetado para as principais redes sociais leva em conta um ciclo rápido de consumo e descarte. Há um grito incessante clamando por novidades, sem parar, sempre buscando o próximo da lista. Tais celebridades são como ondas no mar, surgem e quebram na praia, olhamos para uma e depois a esquecemos por completo para olhar a próxima.

Os reality shows e as redes sociais se destacam como fábricas de celebridades instantâneas. Quando pessoas comuns, que podemos identificar em nosso dia-a-dia são colocadas em situações extremas e bizarras, mostrando suas fraquezas, manias e personalidades frágeis, tendem a se tornar um cruel espetáculo para um público cujo fascínio é justamente ver como se comporta sob tensão e pressão “alguém como eu mesmo”. Simultaneamente torcendo para o sucesso, mas também para o fracasso, afinal, se é como eu mesmo, como pode ele conseguir e eu não?

Infelizmente poucos, muito poucos mesmo, conseguem sustentar a fama por longo prazo e aquilo que acreditavam inicialmente ser o pontapé inicial para suas carreiras midiáticas mostra tão falso como tudo o mais ao seu redor, incluindo elas mesmas. Deste modo, após um ápice de momentânea fama, retorna-se para o anonimato de uma vida sem graça. Pode-se surfar a onda, mas virá logo a seguir alguém para lhe ocupar o lugar, uma novidade qualquer. E isto tem um custo que se mostra no impacto emocional nas pessoas. Claro que para muitos, ficar famoso da noite para o dia pode se apresentar como um conto de fadas com um final feliz, mas pode também se mostrar como uma armadilha cruel. Para se obter a fama real e nela permanecer é preciso ter conteúdo, ter uma base real, sólida, o que em geral não está presente em tais pessoas, tornando-as completamente despreparadas para o que está por vir.

Há uma forte pressão social e emocional para que a pessoa permaneça no topo, continuem a ser relevantes, mas, por vezes, o que temos é uma caída no anonimato, o que pode ter um impacto realmente devastador ao nível psicológico na pessoa que vivencia esta gangorra social do rol da fama efêmera. As mesmas redes sociais e midiáticas que elevaram a pessoa à fama, também podem atuar de modo implacável, abandonando-a na primeira oportunidade, como se nada nunca houvesse existido.

A indústria do entretenimento possui uma necessidade imperiosa de criar novo conteúdo para manter as pessoas assistindo passivamente, sem pensar, sem questionar, deste modo, a busca por algo constantemente novo movimenta o ciclo de criação e descarte de novas celebridades. Ciclo este cada vez mais rápido, sempre buscando alguém que mantenha o constante engajamento do público. Aqui quando falamos em tempo de permanência não cogitamos anos e sim meses ou algo bem menor.

Por trás da busca frenética pela fama se encontram várias motivações e por vezes uma vida vazia que precisa ser preenchida por algo, mesmo que este algo não tenha valor algum. Para alguns, o motivo conscientemente confessado é o dinheiro, trata-se de um aparente motivo monetário. Há algo de trágico e também de cômico em tudo isto. Os reality shows deixaram de ocupar a telinha da tv para virem a ocupar toda a sociedade, pois, de posse de um smartphone em suas mãos, independentemente de sua idade, você é o show. Todos nesta sociedade passam a ser simultaneamente atores, diretores, produtores e consumidores de um bizarro show. Nas redes sociais inúmeras pessoas estão todos os dias e minutos de modo frenético tentando captar aquele momento viral ou meramente construir um avatar que mostre ao mundo o que ela quer ser como se já o fosse, a construção de uma personalidade online não existente na vida real, pois na vida real dá trabalho, é arriscado, precisa de coragem.

Famosos hoje, anônimos amanhã. É realmente espantoso a velocidade com que suposta fama chega e desaparece nos dias atuais. Para cada nova estrela a brilhar há uma multidão de outras desejando ocupar o seu lugar. Para cada onda no mar há outra só aguardando a primeira quebrar na praia e sumir para sempre, para seguir seu percurso até as areias. A velocidade é tanta que algumas celebridades podem cair no esquecimento antes mesmo de perceberem que ficaram famosas. No fundo há uma ironia aqui, pois, apesar de todo o trabalho e desejo para “se tornar alguém”, a única constante nesta equação é a presença do anonimato. Estas celebridades construídas pelas distintas mídias muito nos lembra o voo das mariposas para a luz, estas são atraídas pelo intenso brilho, que infelizmente é justamente o que as consome e por vezes as mata.

 

Silvério da Costa Oliveira.

 


 

Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.

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