Por: Silvério da Costa Oliveira.
Dialética negativa
O conceito de dialética negativa surge e é desenvolvido no livro “Dialética negativa”, 1966, de Adorno. A dialética negativa vem a se tornar o motivo central de toda a especulação filosófica de Adorno, bem como, de demais membros da “Escola de Frankfurt”.
Em suas origens, a palavra “dialética” tem sua origem no grego, apontando para o significado de saber conversar, dialogar, uso de argumentos lógicos racionais, diálogo por meio de perguntas e respostas.
Por meio da dialética os autores de base marxista buscam superar a alienação, mostrando a realidade tal como ela é, ou seja, o embate histórico de classes sociais. Pela dialética negativa Adorno se propõe a discutir todo o processo histórico que culmina na realidade presente, negando suas premissas, buscando encontrar uma verdade que seja legítima e não fruto da alienação. Se opõe à racionalidade tal como foi desenvolvida pelo projeto modernista, incluindo aqui o Racionalismo de Descartes, o Iluminismo do século XVIII e o Positivismo presente no pensamento científico, pois tais visões de mundo tenderiam a legitimar o sistema ideológico capitalista.
Temos com o conceito de dialética negativa toda uma crítica ao modo tradicional de uso da dialética. Por dialética se entende a contraposição de dois conceitos opostos (tese e antítese), visando a obtenção de uma nova formulação que supere a ambos (síntese), a isto Adorno chama de dialética afirmativa e entende que a mesma atua reforçando a dominação e opressão na sociedade capitalista. Por sua vez, a dialética negativa se opõe a dialética afirmativa e busca a desconstrução e subversão das estruturas de poder existentes na sociedade.
O conhecimento verdadeiro, segundo a dialética negativa, não é afirmativo e sim negativo. A dialética negativa se atém à crítica e à desconstrução de todas as formas de conhecimento dominantes, deste modo, busca também revelar as contradições e os limites presentes nestas formas de conhecimento.
Com o desenvolvimento do conceito de “dialética negativa”, Adorno fornece uma reflexão sobre o modo como o pensamento filosófico foi estruturado desde a modernidade até os dias presentes. A partir de uma discussão conceitual e epistemológica são colocadas as problemáticas relacionadas aos limites da razão, bem como o papel social que esta exerce. Busca uma dialética que não seja absolutizante e totalitária, como entende que fôra proposto pelo pensamento moderno. Busca obter um método dialético que não tenha como objetivo dissipar as diferenças e tensões.
A dialética negativa se encontra dentro do contexto da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, buscando a emancipação do humano por meio de uma tomada de consciência da relação entre opressores e oprimidos existente na sociedade.
A dialética negativa tem uma base marxista e entende que a realidade social e histórica se apresenta como formada por contradições, conflitos e sofrimento. Cabe a filosofia crítica proporcionar voz a todos os marginalizados por esta sociedade, pois estes podem ser aqueles que irão desafiar a ordem estabelecida, segundo o pensamento de Marcuse.
Inicialmente temos um retorno ao método dialético de Hegel, mas invertendo-o. Enquanto Hegel baseia o conhecimento humano na consciência, a identidade entre sujeito e objeto, em Adorno saímos do contexto da identidade para o da não identidade entre sujeito e objeto. Por meio da dialética negativa obtemos consciência da existência da diferença entre sujeito e objeto, bem como, da total impossibilidade do pensamento tudo abranger.
Cabe à dialética negativa se opor à identidade entre o que é pensado e o pensamento, se opor à identidade pressuposta na totalidade entre pensamento e coisa pensada. A dialética negativa tem como objetivo a não identidade entre a coisa e o pensamento, ou seja, que a coisa pensada não é idêntica ao seu conceito. Busca-se expor a diferença entre a coisa, por um lado, e o conceito, por outro lado, mesmo diante de uma aparente identidade social. Ao adquirir consciência da não identidade entre coisa e pensamento, a dialética torna-se materialista.
Temos uma crítica à identidade enquanto algo fixo e determinado. A busca da identidade tende a levar a repressão da individualidade, deste modo, a dialética negativa busca o rompimento com a lógica identitária. Fazendo isto, a dialética negativa desafia as categorias e normas estabelecidas.
Adorno com este conceito se propõe fazer uma crítica aos sistemas filosóficos tradicionais e idealistas, negando uma relação entre sujeito e objeto. A relação entre sujeito e objeto presente nos sistemas filosóficos tradicionais e idealistas é na verdade uma relação de dominação ditada por interesses focados em uma razão instrumental que busca não somente o domínio da natureza, como também do humano. Esta razão instrumental se coloca submissa às necessidades da classe burguesa. A razão instrumental fica presa ao mito que se propõe superar. A dialética negativa busca a racionalidade por meio da negatividade, buscando a permanência da materialidade no interior da razão.
Adorno adota uma posição crítica e apresenta a dialética como uma autocrítica da filosofia. A dialética, segundo Adorno, busca romper com a pretensão de totalidade da consciência, bem como, com a tendência desta para a unidade. Trata-se de uma dialética da contradição onde o foco é a negatividade. Adorno faz uma crítica a todo sistema filosófico por meio de sua dialética negativa, a qual possui um caráter assistemático. Entende que a razão dialética deva ser crítica.
Por meio da dialética negativa busca-se revelar as contradições e negações ocultas dentro das estruturas sociais, políticas e culturais, já por meio da dialética afirmativa busca-se uma síntese ou reconciliação entre estas contradições. Segundo Adorno, a dialética negativa busca expor as injustiças e opressões sociais.
Adorno entende a dialética negativa como uma forma de resistência intelectual e política, mantendo viva a crítica e a possibilidade de uma mudança social radical, no entanto, não há a oferta de uma solução ou programa revolucionário definitivo para tudo resolver. Trata-se de uma abordagem filosófica às contradições presentes na sociedade, buscando desconstruir as estruturas de poder existentes, bem como, revelar estas contradições e as negações ocultas, exercendo a crítica e visando uma radical mudança no sistema social.
Segundo o pensamento de Adorno, a sociedade contemporânea é caracterizada pela alienação e pela fragmentação. Cabe à dialética negativa reconhecer a fragmentação social, mantendo presente o conceito marxista de uma totalidade histórica social. Não cabe à dialética buscar uma síntese harmônica entre as contradições presentes na sociedade e sim revelar estas mesmas contradições e tensões que compõe a totalidade social.
A dialética negativa também é aplicada por Adorno às artes e á cultura. Separa a cultura autêntica e legítima da inautêntica e vinculada a uma indústria cultural que visa o lucro e a conformidade social ao sistema. Caberia à arte autêntica possuir um potencial de resistência e crítica, que é perdido ao ser vendido homogeneizado como mais um produto a ser consumido pelo povo.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.
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