Textos filosóficos, críticos, comportamentais e sobre arte da escrita, sucesso e auto-ajuda.
Professor Doutor Silvério
Blog: "Comportamento Crítico"
Professor Doutor Silvério
Silvério da Costa Oliveira é Doutor em Psicologia Social - PhD, Psicólogo, Filósofo e Escritor.
(Doutorado em Psicologia Social; Mestrado em Psicologia; Psicólogo, Bacharel em Psicologia, Bacharel em Filosofia; Licenciatura Plena em Psicologia; Licenciatura Plena em Filosofia)
E-mails encaminhados para doutorsilveriooliveira@gmail.com serão respondidos e comentados excluindo-se nomes e outros dados informativos de modo a manter o anonimato das pessoas envolvidas. Você é bem vindo!
Liberdade versus
censura: Elon Musk, Moraes e o PL2630
Escrevo este
texto em abril de 2024, sob influência dos fatos ocorridos não somente neste
mês, mas também nos últimos anos, no Brasil, e que resultaram na atual
conjuntura histórica e política. Neste mês fomos testemunhas do debate e
polêmica entre por um lado o empresário e milionário Elon Musk, e por outro, o
ministro do STF Alexandre de Moraes, numa troca de acusações. Este debate
reativou outro, sobre a aprovação ou não do PL2630, que trata da regulamentação
das redes sociais e que é chamado por alguns de PL da censura.
O Brasil
apresenta no decorrer de sua história uma série de fatores que o colocam com
uma vocação para a liberdade. Na construção de uma sociedade que valoriza a
liberdade em seus diversos aspectos, conjuntamente com os desafios que possam
se apresentar no caminho, temos no Brasil a ampla diversidade cultural e também
étnica, na qual temos a mistura de povos indígenas, europeus, africanos e
asiáticos no transcurso de sua história. Toda esta diversidade é altamente
positiva, pois, tende a contribuir para uma maior riqueza cultural, maior
tolerância e aceitação das diferenças, pontos importantes para o
desenvolvimento da liberdade no âmbito social. Desde o ano de 1985, com o final
da ditadura civil-militar, o país apresenta uma democracia consolidada por um
longo período onde temos eleições livres e periódicas, alternância do poder e
respeito às instituições democráticas, mesmo com os desafios ainda por superar,
é uma grande conquista. Há no país o desenvolvimento histórico de uma cultura
que fornece valor positivo à liberdade de expressão, ao ativismo político, à
mobilização social em defesa de ideias ou possíveis direitos a serem
reivindicados.
Quanto à recente
polêmica entre Elon Musk e Alexandre de Moraes, temos que um ministro do STF
exerce um papel de relevo no sistema judiciário de nosso país, em particular
nas questões constitucionais. Cabe a um ministro do STF defender as
instituições democráticas do Estado de direito, tal como são descritas na Constituição
de 1988. Não cabe, no entanto, o exercício de atividade política no sentido
tradicional, mas sim, a correta interpretação e aplicação da lei, deste modo e
em teoria, a relação de um ministro do STF com o quesito “liberdade” fica
restrito à proteção dos direitos fundamentais garantidos pela constituição
brasileira.
Elon Musk se
apresenta como um bem sucedido empresário, um visionário que exerce liderança
em diversas empresas de tecnologia de ponta, tal como a Tesla com o carro
elétrico, ou a SpaceX, com viagens espaciais. Seu trabalho tem refletido uma
busca pessoal pelo avanço da humanidade dentro de uma ambiciosa visão de um determinado
futuro. O empresário nasceu na África do Sul, mas reside nos EUA. Seus valores
pessoais podem ser relacionados à inovação, ao empreendorismo e à busca por
soluções diante dos desafios da humanidade no presente e no futuro. Conhecido
por sua determinação em alcançar seus objetivos e por sua disposição para
correr riscos calculados. Diante da liberdade, se coloca crítico da regulação
excessiva e da burocracia do governo, entendendo que a regulação excessiva e a
burocracia podem prejudicar a inovação e o progresso. Seus empreendimentos
podem ser entendidos como uma forma de democratizar o acesso a tecnologias
avançadas, promovendo a liberdade de oportunidade e escolha.
Chegamos, então,
ao outro ponto que foi levantado no transcorrer desta polêmica. A questão que
se apresenta, inicialmente, pode ser resumida com o dilema entre por um lado a
liberdade e por outro lado a censura. Há motivos para questionar os possíveis
ganhos, bem como as possíveis perdas, com uma lei que trate da regulamentação
das redes sociais, da internet e da inteligência artificial.
Imagine um país
localizado na América do Sul no qual um governo devidamente eleito tem um
posicionamento dentro do espectro político da esquerda progressista. Este
partido no passado esteve envolvido em vários escândalos de corrupção e teve
diligentes processados e presos. Ocorre que, com o advento da Internet e depois
as redes sociais e os aparelhos de smartphones, as pessoas passaram a possuir o
poder de trocar ideias entre si, não ficando dependentes da grande mídia. A
grande mídia (jornais impressos, revistas, rádios e canais de televisão) pode
ser comprada pelo governo por meio de ameaças com relação a renovação da
concessão que permita a empresa trabalhar, ou por meio de contratos vantajosos
para divulgar a propaganda de empresas estatais. Ora, seja por convivência
passiva em decorrência de concordância com uma dada ideologia de esquerda
progressista por parte de jornalistas e comentaristas, seja por medo de perder
a concessão para existir, ou motivado por lucros advindos da divulgação de
propaganda de empresas estatais, a grande mídia se cala ou se apresenta na
defesa do governo, não sendo, portanto, problema para o governo. A internet e
as redes sociais, por outro lado, estão fora deste contexto e as pessoas podem
falar e divulgar o que bem entendem.
Deste modo, se
um político ocupando um cargo público diz uma mentira sobre algo do seu
passado, breve teremos nas redes sociais a presença de vídeos, fotos e textos
comprovando ser mentira. Dentro deste contexto, o governo propõe um projeto de
lei chamado PL2630 com o objetivo informado de regular e normatizar as redes
sociais, a internet e, posteriormente, com a inclusão, também, da IA -
Inteligência Artificial, com a alegação de impedir a divulgação de fake news.
No entanto, por trás disto pode se esconder a censura aos adversários políticos
do projeto de governo da esquerda progressista, em particular o espectro
político da direita conservadora.
Qualquer
sociedade que queira ser democrática tem como ênfase o princípio que garanta as
liberdades individuais e de expressão, princípio este já consagrado como um
direito essencial e presente a muitas constituições mundo a fora. Tal princípio
é a pedra angular sobre a qual repousa qualquer sociedade que queira disputar o
status de ser democrática. Há de se permitir que as pessoas expressem suas
opiniões falando oralmente ou escrevendo, que expressem suas ideias, suas
críticas e também seus elogios, sem, no entanto, sofrerem represálias por isto.
Não pode haver o medo de agir livremente ocasionado por qualquer censura
prévia. Liberdade esta tão fundamental e ao mesmo tempo, constantemente
ameaçada e mesmo tolhida no decorrer da história das civilizações humanas. O
PL2630 pode ameaçar esta liberdade, já tão tênue e frágil, o que nos traz a
perspectivas de novos desafios e dilemas a superar.
O atual projeto
de lei PL2630, que bem provavelmente poderá ser renomeado em futuro próximo
para fugir das críticas e tentar sordidamente avançar sob a égide de um
disfarce qualquer, originado por alguma comoção social ocasional, mostra-se de
modo preocupante como uma tentativa de restringir as liberdades individuais de
expressão. Sua aparente causa nobre, de impedir a propagação de notícias
falsas, as assim chamadas fake news, pode nos levar a algo nada nobre. Claro
que são possíveis raciocínios favoráveis a regulamentação das redes sociais,
raciocínios que justifiquem tal iniciativa, visando, dentre outras coisas,
combater a desinformação, no entanto, a preocupação que nos fica é que tais
medidas sejam agora ou no futuro, usadas como ferramentas de censura política
para com os adversários ideológicos da vez. O PL2630, proposto por um governo
com histórico de corrupção e manipulação da mídia, levanta sérias preocupações
sobre o abuso de poder e a erosão das liberdades individuais.
As chamadas big
techs (Google, Twiter atual "X", Facebook atual Meta) com seus
diversos programas e aplicativos (YouTube, Instagran, etc.) se posicionaram
enfaticamente e mobilizaram a população a ser contrária a aprovação deste
projeto, não indo o mesmo a votação, não faz muito tempo. Tal projeto aguarda o
momento oportuno para ser posto em votação e talvez aprovado.
Em recente
atuação contrária à aprovação deste projeto, tivemos uma manifestação explícita
nas redes sociais, do posicionamento das assim chamadas big techs (Google,
Twitter agora “X”, Facebook agora Meta). Colocaram-se diante da defesa da
liberdade de expressão e mobilizaram a população contra a aprovação deste
projeto de lei que ameaçaria este direito fundamental, no entanto, não devemos
esquecer que estas empresas também possuem interesses comerciais próprios neste
tocante.
Cabe destaque
que estamos no século XXI e hoje no Brasil se discute a relação entre liberdade
e censura, tema muito presente no século XVIII e discutido amplamente no
movimento filosófico intitulado Iluminismo. Parece que estamos em uma viagem no
tempo, indo para trás, como se tais discussões históricas nunca tivessem de
fato existido.
O Iluminismo foi
marcado por um pensamento crítico, pelo uso prioritário da razão no lugar de
crenças ou religiões, pela valorização da liberdade individual. Neste movimento
temos grandes filósofos que discutiram a temática da liberdade, tais como: John
Locke (1632-1704), Voltaire (1694-1778), Jean-Jacques Rousseau (1712-1778),
dentre muitos outros. A liberdade passa a ser entendida como um direito natural
do ser humano.
Só é realmente
possível o entendimento das reais dimensões da liberdade, bem como da censura,
com o aprofundamento histórico filosófico da questão, buscando a forma como
tais conceitos foram tratados, abordados, desenvolvidos. No Iluminismo presente
no século XVIII a liberdade teve um merecido destaque, pois a censura tinha
sido algo constante e cruel. Os filósofos iluministas, em geral, entendiam que
a liberdade é um direito inalienável do ser humano. Cabe a defesa da liberdade
de pensamento e expressão. Expressão pela fala e também pela escrita. Somente
podendo expressar nossas ideias é que poderemos avançar em direção a um futuro
promissor da sociedade humana. A liberdade está presente na diversidade de
ideias, na livre troca de informações, na busca da verdade e também, na
ocorrência do progresso social e humano.
Por sua vez,
temos também o exemplo histórico de sociedades onde imperou a censura e suas
trágicas consequências, como no caso dos regimes totalitários e opressivos
presentes na Alemanha nazista e na URSS, que reprimiam totalmente a liberdade
de expressão. A consequência da censura é muito clara: temos a falta de
diversidade de ideias, a opressão política e sucessivas violações dos direitos
humanos.
Sociedades que
eliminaram as liberdades individuais e adotaram a censura estão presentes como
exemplo histórico para observarmos e, de preferência, não seguirmos pelo mesmo
caminho. Temos regimes totalitários, como o nazismo na Alemanha e o comunismo
na URSS, onde a liberdade não existia, dissidentes eram silenciados, a
informação era controlada e mesmo falsificada, tudo para manter o poder e a
governança. A censura destrói as bases da democracia e dos direitos humanos, perpetua
a ignorância e a opressão social, impede o livre e natural fluxo de ideias e a
crítica construtiva que nos permitem crescer enquanto indivíduos e sociedade.
Em verdade, a
liberdade de expressão é um pilar fundamental da democracia e do progresso
humano. Penso ser interessante encorajar a todos os brasileiros para refletirem
sobre a sociedade que estamos construindo hoje, neste momento presente, e o que
queremos para o nosso próprio futuro. Cabe, no meu entendimento, defender
ativamente as liberdades individuais e resistir a qualquer possível tentativa
de censura e controle da informação.
Há uma frase que
foi imputada a Voltaire e mesmo este não a tendo dito, resume bem o seu
pensamento: "Posso não concordar com o que dizes, mas defenderei até a
morte o teu direito de dizê-lo." Voltaire, ou pelo menos uma síntese de
suas ideias sobre liberdade de expressão, segundo escreveu Evelyn Beatrice
Hall.
No transcorrer
da história tivemos os defensores da opressão, tirania e censura, mas também
tivemos os que defenderam a liberdade. Aqueles que defenderam a liberdade de
expressão, tal como Voltaire, dentre outros, ressaltaram a importância da
tolerância e do debate aberto para a construção de uma sociedade realmente
livre e onde possa haver justiça. Nisto, entra a imprensa livre, mas não
somente a imprensa tradicional, com seus jornais e revistas impressos, seus
programas de rádio e tv, mas também as novas mídias, hoje presentes junto às
redes sociais na Internet. Todas estas falas possíveis desempenham um papel realmente
importante e sem igual na exposição de abusos de poder, de mentiras perpetradas
por agentes públicos e políticos, proporcionando transparência e correta
prestação de contas do governo eleito e de seus diversos agentes públicos. A
liberdade possui enorme e inestimável valor, sendo a liberdade de expressão um
verdadeiro baluarte contra a opressão e tirania que pode resultar das melhores
intenções dos governos pautados em ideologias que se proponham a salvar a
humanidade e entregar um paraíso na Terra.
A sociedade se
vê diante de um dilema entre liberdade e censura. Penso que cabe a união em
torno da proteção das liberdades individuais e que isto possa se dar de melhor
forma em um amplo debate público sobre os prós e os contra presentes em
qualquer projeto de lei que restrinja esta liberdade em prol de alguma coisa,
seja lá o que for. O futuro da liberdade de expressão está em nossas mãos hoje.
Cabe aprender com os acertos e erros do passado, e defender a liberdade de
poder expressar o nosso pensamento por meio da fala, escrita ou qualquer outro
meio. A possibilidade de podermos nos expressar é um princípio fundamental de
uma sociedade que queira de fato ser considerada como sendo democrática e justa
para com todos seus membros, evoluindo no tempo e não presa e estagnada no
passado.
Cabe ficar
atento contra qualquer tentativa, por mais disfarçada que possa ser, contra as
nossas liberdades individuais, atentos contra a chegada maliciosa e sorrateira
da censura disfarçada em um verdadeiro pacote de bondades. É preciso que a voz
de cada um seja ouvida e respeitada, independente de quem seja, por mais
humilde ou sofisticada que seja esta pessoa. Seu direito a fala nada tem a ver
com seu status social ou nível educacional, isto se queremos realmente afirmar vivermos
em uma sociedade livre e democrática.
É normal que as
pessoas que digam ou façam qualquer coisa contra outra pessoa ou instituição,
se falso, se afeta a credibilidade ou imagem deste outro, sejam processadas e
punidas. No entanto, qualquer punição virá depois do ato e não antes. Se atuo
antes da pessoa se manifestar, proibindo sua manifestação, o que temos é
censura. A distinção entre se a punição é dada antes ou depois da manifestação
é essencial para entendermos o que seja a censura prévia. A verdadeira natureza
da liberdade de expressão em uma sociedade realmente democrática lhe permite se
manifestar, expor suas ideias e, caso ofenda ou prejudique alguém ou alguma
empresa ou instituição, estar sujeito a alguma punição após, claro está, o
devido processo legal, pois, a sociedade sempre deverá se pautar pela presunção
de inocência. A censura prévia representa uma violação direta do princípio de
inocência, fundamental em uma sociedade livre e democrática.
A censura prévia
ocorre quando temos a proibição ou a restrição da expressão do pensamento e das
ideias, seja por que meio for, antes mesmo dela de fato ocorrer. A censura
prévia impede a livre troca de ideias, prejudica o debate público, destrói os
verdadeiros princípios democráticos, afeta a transparência e a prestação de
contas por parte do governo, inviabiliza o pluralismo social
Ao censurar e
inibir ou reprimir perspectivas divergentes das oficiais, destrói-se a
criatividade e inovação, confere-se poder excessivo ao censor, representante da
autoridade do governo no tocante ao que pode ou não controlar e permitir.
Domina-se a narrativa dos fatos fornecida ao público, silencia-se os
dissidentes, abre-se amplo espaço para abusos de poder de todo tipo e violações
dos direitos humanos. Se a ideia é uma boa ação, o resultado é, no entanto,
catastrófico no decorrer do tempo histórico.
Claro que
liberdade não exclui responsabilidade. Mas a resposta a qualquer difamação ou
prejuízo deverá ser dada diante do devido processo legal, após a manifestação
do indivíduo e não antes deste manifestar o seu pensamento. A censura prévia é
totalmente incompatível com os princípios democráticos.
Como já o disse John
Emerich Edward Dalberg-Acton (1834-1902), conhecido como Lord Acton, um
historiador e político britânico do século XIX: "O poder tende a
corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente. Grandes homens são quase
sempre homens maus, mesmo quando exercem influência e não autoridade, ainda
mais quando você supera um por um sem limites ou controle". Ou, de modo mais
resumido, mas também correto: "O poder absoluto corrompe
absolutamente". Acton alerta para os perigos da corrupção que podem surgir
quando o poder é exercido sem limites ou controle. Este pensamento também está
totalmente compatível com o de John Locke, que faz em seus trabalhos uma
crítica ao absolutismo e uma defesa da limitação do poder do governo. Segundo o
pensamento de Locke, o governo deve proteger os direitos naturais do indivíduo
e deve ser limitado pelo consentimento daqueles que são por ele governados.
Locke entende que o governo legítimo deva proteger os direitos à vida, à
liberdade e à propriedade, sendo os governantes responsáveis perante o povo que
governam.
Como afirmou o
filósofo John Stuart Mill (1806-1873) em seu livro "Sobre a Liberdade",
"Se toda a humanidade menos um fosse da mesma opinião, e apenas uma pessoa
fosse de opinião contrária, a humanidade não teria mais direito de silenciar
aquela pessoa do que esta pessoa, se tivesse o poder, teria de silenciar a
humanidade."
Com isto,
encerro defendendo as liberdades individuais, é a isto que temos de defender
com coragem e não a qualquer suposta ideologia que prometa um paraíso na Terra,
após sacrifícios no altar da tirania e autocracia, perante a censura prévia e
as bondosas leis e projetos que tudo prometem no seu pacote de bondades, para
tudo depois tirar, nos deixando, tal como a caixa de Pandora, somente com a
esperança e nada mais.
Félix Guattari (1930-1992)
foi escritor, roteirista, filósofo e ativista revolucionário francês a favor da
esquerda comunista. Estudou filosofia na Sorbonne, em Paris, vindo a
diplomar-se no ano de 1953. Interessou-se pela Psicanálise e pela Psiquiatria,
tendo a partir de 1955 trabalhado no hospital psiquiátrico de La Borde, sob a
direção de Jean Oury. Neste hospital Guattari atuou como pioneiro na
implementação de práticas terapêuticas consideradas inovadoras, com base na
psicanálise e na psicoterapia institucional.
Guattari
trabalhou em algumas instituições psiquiátricas no decorrer de sua vida, na
ordem cronológica temos: 1- Clinique des Maladies Mentales et de l'Encéphale
(CMME), na década de 1950, 2- Clinique de La Borde, da década de 1950 a 1980,
3- Centre d'études, de recherches et de formation institutionnelles (CERFI),
décadas de 1960 e 1970, 4- Institut de Recherche et d'Innovation (IRI), a
partir de sua fundação em 1989. Destas clínicas há de se destacar o papel
desempenhado pela Clinique de La Borde na vida de Guattari. Nesta clínica temos
a presença de vários profissionais militantes políticos de esquerda, vinculados
ao partido comunista e defendendo bandeiras coerentes com sua ideologia
política por um prisma identitário.
Conhecido
particularmente por sua colaboração e coautoria em algumas obras, com o
filósofo Gilles Deleuze, quem conheceu no ano de 1968. Conjuntamente com
Deleuze, publicou “O anti-Édipo”, em 1972, e “Mil Platôs”, em 1980. Nestes
trabalhos e parceria, desenvolveu o conceito de “esquizoanálse”, além de
estudar questões vinculadas ao desejo, à sociedade e ao poder. Considerado por
alguns comentadores como representante do pós-estruturalismo.
Atuou como
militante político pró-esquerda política, tendo se filiado a grupos e partidos
comunistas. Profundamente envolvido com questões políticas e sociais,
participou ativamente dos protestos de maio de 1968, na França, bem como, atuou
em defesa da Palestina contra os israelenses que ocupavam seu território, do Vietnã
contra os franceses e americanos, e mesmo do Brasil contra o regime
civil-militar que dominou o país de 1964 a 1984. Atuou de modo ativo na busca
por transformações sociais, pautadas em uma ideologia revolucionária de
esquerda política pró comunismo e identitária.
Dentre os
conceitos e ideias desenvolvidos por Guattari, temos: transversalidade,
ecosofia, caosmose, desterritorialização, ritornelo, singularidade, produção de
subjetividade e capitalismo mundial integrado. Em sua obra, discutiu temas,
tais como: a transdisciplinaridade, o desejo, as instituições. Também defendeu
a antipsiquiatria e combateu noções e conceitos básicos da psicanálise.
Guattari se posiciona de modo crítico ao poder presente na sociedade.
Buscou
desenvolver uma abordagem transdisciplinar em sua obra. Em “As três ecologias”,
de 1989, ampliou o campo de sua análise visando incluir a esfera social,
psicológica e ecológica.
O pensamento
filosófico de Guattari se mostra como sendo complexo e inovador diante da
filosofia tradicional, vinculado a bandeiras político-ideológicas da esquerda
política, como sua atitude de se filiar a partidos e associações comunistas de
mais de uma orientação, deixam claro no decorrer de sua vida. Seu pensamento
filosófico perpassa diversas áreas do saber humano, tais como: psicanálise,
filosofia, psiquiatria, política e ecologia.
IDEIAS
Guattari propõe
o conceito de “ecosofia”, pelo qual expressa as formas como os sujeitos
interagem entre si e com o meio ambiente. A ecosofia tem como base a união
entre três ecologias: meio ambiente, relações sociais e subjetividade humana.
Na ecosofia temos um estudo de como compreendemos, aprendemos e agimos, a
partir do meio no qual estamos inseridos, atuando na problemática ambiental.
Por meio da ecosofia busca Guattari compreender que a natureza e os humanos
fazem parte de um mesmo ecossistema comunicativo. Por meio de tal conceito
torna-se possível a discussão de temáticas associadas ao meio ambiente com a
filosofia. A subjetividade da condição humana encontra-se resumida nos
problemas ambientais decorrentes da evolução da sociedade na qual vive. Neste
tocante, encontramos aspectos econômicos, políticos, sociais e educacionais.
Mais que uma reflexão sobre temas na ecologia, a ecosofia mostra-se como sendo
uma busca por ações concretas, apontando para a interação entre o humano e o
meio ambiente.
O conceito de
“ecosofia” está mais associado a Guattari, apesar de sua colaboração com
Deleuze. Este conceito mostra-se como sendo uma síntese entre ecologia por um
lado e filosofia por outro. Por meio do conceito de “ecosofia”, busca Guattari
estudar a interconexão entre ecologia, subjetividade e sociedade.
Por meio do
conceito de “ecosofia” busca-se uma integração entre a ecologia e a filosofia,
ultrapassando um entendimento unicamente ambiental. Há por meio de tal conceito
a intenção de abordar as inter-relações complexas entre o ambiente natural, as
estruturas sociais e a subjetividade humana. Busca-se uma abordagem que seja
interdisciplinar, que possa conectar questões provindas do meio ambiente, da
sociedade e da esfera psicológica, rompendo as barreiras existentes entre as
disciplinas para melhor trabalhar os desafios globais de modo holístico.
Segundo o
pensamento do autor, a “ecosofia” deve se vincular às transformações sociais e
subjetivas, não se limitando a questões ambientais. Deste modo, a “ecosofia”
atua em prol de uma mudança nas práticas sociais, nos modos de vida e na forma
como as pessoas se relacionam com o meio ambiente.
Visando
facilitar o entendimento sobre este conceito, podemos imaginar uma dada
comunidade que decida em conjunto criar uma horta comunitária. Trata-se de uma
iniciativa que agrega questões ambientais, tais como práticas agrícolas
sustentáveis, mas também tende a reforçar os laços sociais dentro desta mesma
comunidade, exercendo papel significativo na subjetividade dos participantes ao
promover uma conexão mais direta com a natureza.
Podemos também
falar em uma educação ambiental holística, envolvendo além da transmissão de
conhecimentos sobre ecologia, também o questionamento sobre como as escolhas
individuais e coletivas interferem com o meio ambiente e influenciam o modo
como as pessoas podem se perceber enquanto agentes de mudança.
Também podemos
pensar na participação em movimentos pela justiça ambiental, que tenham como
bandeiras, além da proteção do meio ambiente, questões sociais, econômicas e
sociais vinculadas à distribuição desigual dos impactos ambientais.
No geral, o
conceito de “ecosofia” nos traz um modo mais amplo e integrado para lidar com
questões ambientais, fazendo reconhecimento das interconexões complexas
existentes entre ecologia, sociedade e subjetividade, promovendo uma relação
mais harmoniosa entre as pessoas, a sociedade e o meio ambiente.
Outro importante
conceito presente na filosofia de Guattari é o de “esquizoanálise”, pelo qual
entende que psicanálise tradicional se encontra limitada por uma abordagem
individualista e pautada na doença mental. A esquizoanálise busca superar as
limitações contidas na psicanálise, focando nas relações sociais e políticas
presentes no inconsciente, bem como, nas estruturas coletivas presentes na
formação do sujeito.
O conceito de
“esquizoanálise” foi desenvolvido conjuntamente com o filósofo Deleuze, se
apresentando como uma análise crítica direcionada a teoria e prática da
psicanálise com base na obra de Freud e Lacan. Por meio de tal conceito são
questionadas as estruturas e categorias presentes na psicanálise tradicional.
Por tal análise é colocado o foco na multiplicidade e na dinâmica do desejo.
Por meio da
elaboração do conceito de “esquizoanálise” é proposto uma reinterpretação do
inconsciente e do desejo, tal como presente na psicanálise desenvolvida a
época. Há aqui uma busca para desestabilizar as estruturas da psicanálise
tradicional (Freud, Lacan), considerando o desejo como sendo uma força
produtiva e libertadora. Guattari e Deleuze colocam a ênfase na multiplicidade,
na criação e nas linhas de fuga em oposição à fixação em estruturas presentes
no assim chamado complexo de Édipo.
O conceito de
“esquizoanálise” foi desenvolvido por Guattari em parceria com Deleuze, em
particular nas obras “O anti-Édipo”, 1972, e “Mil Platôs”, 1980, vindo a
influenciar diversas áreas do saber, tais como a psicanálise, a psicologia, a
filosofia e a teoria social. Na origem do desenvolvimento deste conceito temos
a psicanálise e a participação de Guattari no grupo de Lacan. Trata-se de uma
abordagem inovadora que busca explorar os aspectos coletivos e sociais da
subjetividade, enquanto que a psicanálise se atém na análise individual do
inconsciente.
A
“esquizoanálise” possui alguns princípios básicos, tais como: múltiplas linhas
de fuga; desejo e máquinas desejantes; multiplicidade de identidades.
Enquanto a
psicanálise busca explorar e entender os conflitos individuais que o sujeito
apresenta durante seu tratamento, a esquizoanálise busca explorar as múltiplas
linhas de fuga, ou, dizendo de outro modo, as formas usadas pelas pessoas para
escapar de categorias pré-determinadas pela sociedade na qual vivem. As “linhas
de fuga” mostram-se como sendo caminhos alternativos usados pelas pessoas para
saírem dos caminhos convencionais dados pela sociedade, no tocante a
compreensão e vivência de suas próprias vidas. Como exemplo de uma “linha de
fuga”, podemos pensar em um adolescente proveniente de uma família de médicos
já a algumas gerações, resolva romper com a tradição familiar e seguir uma
carreira artística, seja voltada para o teatro, música, pintura, artes
plásticas, ou outro ramo qualquer, rompendo com a expectativa social.
A esquizoanálise
também se relaciona com o conceito de desejo e máquinas desejantes, destacando o
desejo como sendo uma força central na formação da subjetividade. O desejo é
expresso e produzido por meio de máquinas desejantes. Aqui entra tudo que possa
fazer a pessoa sentir como estando viva e conectada com o mundo ao seu redor,
como, por exemplo, a arte, a música, a escrita. Como exemplo podemos imaginar
um adulto jovem cuja paixão seja a prática do skatismo, expressando seu desejo
por meio desta prática.
A esquizoanálise
não pensa identidades como sendo fixas, trabalhando a ideia de multiplicidade
de identidades que uma mesma pessoa possa ter. A esquizoanálise entende que as
pessoas não possuem uma identidade única e estável e sim que são formadas por
diferentes “eus” em distintos contextos. Pensemos no exemplo de um adolescente,
este pode simultaneamente, ter distintos “eus” em contextos diferentes, sendo
ao mesmo tempo um estudante, um irmão, um filho, um atleta, um artista, etc.,
cada qual representando uma face diferente de uma mesma identidade, a sua.
Deste modo, a
esquizoanálise defende um tratamento mais amplo e coletivo visando entender a
subjetividade, dando destaque a diversidade, ao desejo e a busca por caminhos
não convencionais enquanto elementos fundamentais para a estruturação daquilo
que somos.
Outro importante
conceito desenvolvido conjuntamente com Deleuze, em particular na obra “Mil
Platôs” é o de “rizoma”, pelo qual os autores entendem uma rede de relações não
lineares e também não hierárquicas, dando destaque a multiplicidade e a
conectividade. Como exemplo e metáfora pode-se falar em uma árvore, onde temos
as raízes, o caule, os galhos e as folhas. No rizoma não há uma estrutura
central (caule) ou linear com conexões fixas entre as partes (raízes - tronco –
galhos – folhas / frutos). No lugar da metáfora da árvore, o rizoma se apresenta
como sendo uma rede horizontal (e não vertical), não centralizada (não há um
centro de onde possam partir todas as conexões) e na qual todas as diversas
conexões existentes possuem o mesmo grau de importância. O conceito de “rizoma”
se opõe à ideia de uma estrutura linear e hierárquica. Esta visão
descentralizadora teve influência não somente na filosofia, mas também na
teoria cultural e na organização social.
Outro conceito
introduzido por Guattari e Deleuze é o de “máquinas desejantes”, que surge na
obra “O anti-Édipo”. Aqui destaca-se como o desejo é produzido e reproduzido em
diferentes contextos. As máquinas desejantes representam as complexas
interações entre o desejo e a realidade.
O conceito de
“máquinas desejantes” enfatiza a natureza produtiva do desejo. O desejo não se
vincula apenas a objetos específicos, sendo uma força que produz interações
sociais e é também produzida, por meio de interações sociais complexas. Este
conceito de “máquinas desejantes” reflete a dinâmica em constante mudança entre
o sujeito e o seu ambiente.
Também presente
no pensamento filosófico de Guattari, temos sua abordagem diante da
macropolítica (ao nível social e global) e da micropolítica (ao nível
individual e local). Segundo o pensamento do autor, torna-se necessário
conectar as experiências pessoais com as dinâmicas sociais e políticas mais
amplas.
No tocante às
instituições terapêuticas hospitalares, Guattari entendia ser importante
integrar a abordagem psicanalítica adotada na instituição com questões sociais e
políticas, buscando, deste modo, transformar o ambiente institucional
psiquiátrico.
Guattari militou
pela transformação da instituição psiquiátrica, fazendo parte integrante do
movimento denominado “anti-psiquiatria”. Segundo o pensamento do autor, as práticas
terapêuticas ultrapassam os limites físicos da instituição psiquiátrica ou do
consultório do psicoterapeuta. Defende a criação de espaços terapêuticos que
sejam mais abertos, permitindo que o processo terapêutico possa fazer uso de
uma maior interação social e expressão criativa.
Também
desenvolveu o conceito de “três ecologias”, se referindo a junção de três
dimensões para análise e intervenção: individual, social e ambiental. Buscou
demonstrar as interconexões existentes entre a ecologia mental, a social e a
ambiental, dentro de uma abordagem holística.
As três
ecologias (mental, social e ambiental) propostas por Guattari ampliam o
conceito de ecologia para além do meio ambiente presente na natureza ao
incorporar novas dimensões (mental, social). Temos aqui um destaque e ênfase na
interdependência entre as três esferas (mental, social e ambiental), buscando
uma abordagem integrada para melhor atuar diante dos desafios atuais.
Também explorou
os diferentes territórios do desejo presentes em distintos contextos culturais
no seu livro “Cartografias do desejo”, publicado em coautoria com Suely Rolnik,
onde aborda as interconexões existentes entre a psicanálise, a política e a
arte.
Em outro insight
interessante, temos o conceito de “ritornelo”, que foi desenvolvido por
Guattari em colaboração com Deleuze, em particular na obra “Mil Platôs”. A
origem deste conceito pode ser encontrada na música, fazendo referência ao
“refrão” ou a uma determinada linha melódica que seja repetida em dada
composição musical. Guattari e Deleuze ultrapassam as fronteiras da música,
utilizando do conceito de “ritornelo” de modo amplo, para descrever fenômenos
sociais complexos. Por meio do conceito de “ritornelo” os autores explicam como
os territórios são construídos e como os sujeitos se relacionam com o espaço e
a subjetividade.
O conceito de
“ritornelo” é pelos autores, associado a construção de territórios, sejam estes
físicos ou subjetivos. Podemos encontrar este conceito em uma melodia, em um
gesto, em uma palavra ou qualquer outro elemento que seja repetido e pela sua
repetição possa ajudar a demarcar e organizar um determinado território,
levando-se em consideração a subjetividade.
O conceito de
“ritornelo” atua como um porto seguro que permita a sensação de segurança e
estabilidade durante transições, estando associado a ideia de “linha de fuga”.
O sujeito pode se movimentar em direção a novas experiências ou territórios,
tendo ao seu lado a sensação de segurança e estabilidade proporcionada pelo
“ritornelo”. O “ritornelo” mostra-se como uma estratégia para melhor se
relacionar com a complexidade presente na realidade, sendo uma resposta
criativa ao caos e à multiplicidade, proporcionando a criação de padrões
reconhecíveis e zonas de estabilidade em meio ao caos. Podemos encontrar a
presença do “ritornelo” na música, na linguagem, nos gestos, nos rituais, nas
estruturas sociais, não se limitando a uma forma específica, mas se
apresentando como sendo uma estratégia geral de organização e expressão cuja
manifestação pode se dar em distintos domínios e aplicações sociais. Por meio
do conceito de “ritornelo”, podemos obter uma melhor compreensão da relação
dinâmica entre estabilidade e movimento, ordem e caos, na construção dos
territórios individuais e coletivos. Este conceito realça a contribuição da
repetição criativa e da familiaridade com algo, no decorrer da exploração de
áreas desconhecidas para o sujeito, bem como, no processo de negociação com a
complexidade presente na realidade ao redor do sujeito.
Para melhor
entender o conceito de “ritornelo”, pensemos em alguns exemplos básicos de sua
aplicação. Ao nos lembrarmos de uma música da qual gostamos, em geral lembramos
mais facilmente do refrão da música, ou seja, da parte que mais se repete. Este
refrão pode ser entendido como um “ritornelo”. O refrão da música nos traz uma
sensação de familiaridade, sendo um ponto de referência na canção, que ao se
destacar na música, ajuda a melhor estrutura-la. Também podemos pensar como
exemplo, nos rituais diários que fazemos no nosso dia-a-dia, seja em casa ou no
ambiente de trabalho, ou mesmo nas nossas atividades de lazer e interativas. Ao
chegar em casa, proveniente do trabalho ou da escola, o sujeito pode muito bem
ter um dado ritual, como ligar o som para escutar determinado estilo musical,
ou ligar a tv no seu canal favorito, preparar algo para comer e beber,
verificar o telefone celular para saber se há novas mensagens nas redes
sociais, etc. Este ritual inocente presente na nossa rotina diária, em
praticamente tudo o que fazemos repetidamente, funciona como um “ritornelo”,
oferecendo para nós um momento de reconhecimento, familiaridade, estabilidade e
conforto diante das inúmeras mudanças diárias as quais estamos sujeitos no
nosso dia-a-dia. A repetição de pontos de referência expressa pelo conceito de
“ritornelo”, nos ajuda na criação de pontos de referência que proporcionem
organização e compreensão da realidade na qual vivemos.
Dentro os
conceitos elaborados por Guatarri e Deleuze, temos também o de
“transversalidade”, este conceito de uma abordagem transversal foi desenvolvido
em particular nas obras “O anti-Édipo” e “Mil Platôs”. Por meio de tal conceito
os autores exploram ideias que transcendam as fronteiras disciplinares adotadas
convencionalmente. Há aqui uma busca por uma compreensão que seja mais ampla e
interconectada por uma variedade de fenômenos, expandindo os limites das
fronteiras tradicionais existentes entre filosofia, psicanálise e teoria
social.
Por meio do
conceito de “transversalidade” os autores fazem referência a ideia de se criar
conexões horizontais e interdisciplinares que possam atravessar distintas áreas
do saber, bem como, perpassar por práticas sociais e experiências individuais.
Por meio de tal conceito, busca-se superar os limites tradicionais e
desenvolver a interconexão entre distintos campos do conhecimento.
No lugar de se
optar por seguir estruturas verticais e hierárquicas, abordando questões
isoladamente em disciplinas específicas, pelo conceito de “transversalidade”
busca-se a criação de conexões horizontais. É incentivada a colaboração entre
as distintas áreas do saber, de modo a se obter a integração dos saberes. É um
reconhecimento de que problemas complexos requerem abordagens multifacetadas.
Com tal conceito busca-se a quebra de barreiras entre disciplinas acadêmicas e
o desenvolvimento de um diálogo entre as distintas formas de saber.
Por meio do
conceito de “transversalidade busca-se transpor fronteiras rígidas entre
disciplinas, indo além das divisões e convenções acadêmicas sobre o campo
específico de cada área do conhecimento. Busca-se a criação de uma rede de
conexões que possa abarcar as ciências, as humanidades, as artes e também
outras áreas do conhecimento humano.
O conceito de
“transversalidade” possui aplicação prática em distintos contextos, não se
limitando ao ambiente acadêmico. Podemos fazer uso de tal conceito nas questões
sociais, políticas e culturais. Busca-se por meio de tal conceito o
enriquecimento da compreensão sobre problemas diversos, bem como a facilitação
da resolução de tais problemas em distintas situações onde possa ser aplicado.
Como exemplo,
podemos pensar em uma turma de ensino médio na qual os alunos sejam
incentivados pelos professores na elaboração de um projeto interdisciplinar.
Por exemplo, sobre o clima e mudanças climáticas, dentre outras temáticas
possíveis. No lugar do projeto ficar restrito as aulas referentes as
disciplinas de ciências, uma abordagem baseada no conceito de
“transversalidade” irá propor a colaboração com outras distintas disciplinas
presentes na escola. Pode ser incluído as análises sociais e econômicas
resultantes das mudanças climáticas, as possíveis soluções para o problema por
meio da tecnologia e design, a evolução histórica da questão, o trabalho
matemático com os dados obtidos e uma análise estatística sobre os mesmos, etc.
Em outro exemplo
possível sobre “transversalidade”, alunos do ensino médio poderiam ser incentivados
na escola para a criação de um clube de estudos sobre as mídias sociais.
Caberia aos alunos abordar as implicações tecnológicas vinculadas à informática
(TI), as questões éticas vinculadas à filosofia, as questões sociais vinculadas
à sociologia, as questões individuais vinculadas à psicologia, às questões
históricas, dentre outras abordagens possíveis e associadas a disciplinas
correspondentes que estejam na grade curricular.
Por tais
exemplos sobre o conceito de “transversalidade” e sua aplicabilidade no uso
cotidiano podemos ilustrar como tal conceito pode se dar de modo
interdisciplinar, enriquecendo a compreensão de distintas temáticas complexas
em sua natureza.
Temos também o
conceito de “caosmose”, que apesar de ter sido desenvolvido em parceria com
Deleuze, está principalmente associado ao nome de Guattari, a quem é atribuído
o termo e suas explorações conceituais. A ênfase dada à contextualização do
conceito em um paradigma estético ético são características específicas dadas
por Guattari. Neste conceito temos as preocupações com a interdisciplinaridade,
bem como, a relação com a filosofia, psicanálise e estética. Trata-se de uma
abordagem na qual busca-se de modo inovador compreender as dinâmicas ocorridas
a partir da interação entre ordem e caos no universo. O conceito é elaborado
principalmente na obra "Caosmose: Um Paradigma Estético Ético", 1992.
No conceito de
“caosmose” temos a soma de duas palavras, “caos” e “cosmos”, dando ideia dos
processos dinâmicos de transformação que estão presentes na interação entre por
um lado elementos caóticos e, por outro lado, elementos que geram ordem no
universo.
Por tal
conceito, faz-se uma referência à dinâmica constante e criativa que ocorre
entre o caos e o cosmos. Para Guattari o caos não atua como um elemento somente
destrutivo, mas sim como a fonte de potencial criativo que age interagindo de
modo contínuo com as formas de organização presentes no cosmos.
No conceito de
“caosmose” temos o destaque a importância da multiplicidade e da singularidade,
sendo o caos entendido como sendo uma multiplicidade de possibilidades e o
cosmos como representante das formas organizadas e singulares que possam surgir
de dentro deste caos.
O conceito de “caosmose”
é entendido como sendo um paradigma estético ético, ou seja, as implicações
decorridas da interação entre o caos e o cosmos (sua dinâmica), tem implicações
estéticas e éticas. A estética se vincula à apreciação da beleza e da
expressão, já a ética se mostra nas questões morais e de valor.
Dentro do
contexto de “caosmose” a arte e a criatividade têm um papel de destaque. A arte
é entendida como sendo uma expressão deste processo dinâmico. Por meio da
criatividade artística pode-se capturar e comunicar as transformações
constantes ocorridas entre o caos e o cosmos.
Se formos pensar
em uma forma de exemplificar de modo mais simples, podemos imaginar uma pintura
abstrata. As pinceladas livres e espontâneas representariam o caos, já a
composição final obtida com a obra de arte pronta, representa o surgimento da
ordem presente no cosmos. Há uma interação dinâmica na relação entre a
expressão da liberdade (caos) e o resultado visual final presente na forma da
obra de arte (ordem / cosmos), como resultado temos o conceito de “caosmose”.
Outro exemplo de
“caosmose” pode ser obtido no ciclo natural da água na natureza. O caos pode
ser entendido como sendo a evaporação da água, mas ao caos segue-se a ordem, que
irá levar a formação de nuvens, a precipitação de chuvas, a criação de rios, e
a chegada final da água nos oceanos, representando este ciclo contínuo a
dinâmica natural presente no conceito de “caosmose”.
Também podemos
ver a presença do conceito de “caosmose” na improvisação musical. Durante uma
improvisação musical os músicos podem inicialmente começarem com um tema
caótico no qual distintas possibilidades sonoras podem ser exploradas. No
decorrer da apresentação musical, novos elementos surgem e são organizados em
harmonias e padrões, deste modo, temos aqui também a interação presente entre o
caos inicial e a ordem que se segue, “caosmose”. No conceito de “caosmose”
temos o destaque para a relação dinâmica e produtiva entre elementos caóticos e
ordenados, que se apresentam nos mais distintos e diferentes contextos.
Temos também o
conceito de “desterritorialização” presente em Guattari, desenvolvido em
colaboração com Deleuze. Por meio de tal conceito podemos entender a relação
dinâmica entre o território (territorialização) e o processo de desvinculação
ou transformação deste mesmo território (desterritorialização).
Por meio da
ideia de “territorialização” temos uma referência a criação de territórios, que
podem ser entendidos como sendo espaços físicos, ou sociais, ou psicológicos. A
construção, destes territórios se dá por meio de limites, regras e estruturas,
que, por sua vez, atuam de modo a organizar e definir determinada área.
Por meio da
ideia de “desterritorialização” temos uma referência ao processo que resulta na
dissolução, desorganização e transformação deste território. Este processo
envolve a quebra de fronteiras e estruturas já estabelecidas, de modo a
permitir a emergência de novas configurações.
Como possíveis
exemplos para o conceito de “desterritorialização” temos a migração e o
deslocamento de pessoas e populações em dada região. Podemos pensar em uma dada
comunidade que tenha sempre vivido em determinado local e que repentinamente
seja por algum motivo forçada a mudar para outra região. O território original
onde residia estas pessoas é desfeito e novos territórios passam a ser
formados, sejam territórios geográficos, sociais, culturais, comerciais ou
outros.
Um outro exemplo
para “desterritorialização” pode ser encontrado na globalização ou
mundialização, onde temos uma desterritorialização cultural. Com a globalização
temos a interação entre diversas culturas em uma escala ampla, na qual
elementos culturais de uma dada região podem ultrapassar as fronteiras desta
região e virem a ocupar espaço em outras regiões e populações, além da cultura na
qual tais elementos já são tradicionais no decorrer da história deste povo. A
música pop, por exemplo, tende a ultrapassar fronteiras, fazendo com que
estilos musicais diferentes surjam em comunidades nas quais não faziam parte de
sua tradição local. Deste modo, temos presente no conceito de
“desterritorialização” as transformações culturais.
No conceito de
“desterritorialização” temos também a desconstrução de normas sociais ocorridas
no contexto sociocultural. Um outro exemplo possível ocorre nos movimentos
sociais que atuam desafiando normas tradicionais de gênero ou de papéis
sociais, destruindo estruturas previamente estabelecidas.
Também temos a
presença da “desterritorialização” quando da introdução de novas tecnologias,
como, em décadas recentes, a introdução da Internet, dos smartphones e das
diversas redes sociais. Estas mudanças tecnológicas atuam desfazendo fronteiras
presentes na comunicação e na informação, proporcionando a criação de novos
territórios, agora virtuais, e proporcionando a reconfiguração do modo como as
pessoas se relacionam e compartilham informações sobre suas vidas.
Este conceito de
“desterritorialização” atua como um processo dinâmico que surge e se desenvolve
em distintas áreas da vida, tendo impacto em territórios físicos, culturais e
sociais. Por meio da compreensão deste conceito temos um instrumento para
analisar as mudanças, as inovações e as transformações que ocorram nos
distintos territórios, sejam estes físicos, mentais ou sociais.
Um outro
conceito importante é o de “singularidade”, desenvolvido por Guattari em
parceria com Deleuze, em particular nas obras “O anti-Édipo”, 1972, e “Mil
Platôs”, 1980. O conceito de “singularidade” se refere a individualidade única
e irredutível de cada ser, fenômeno ou evento. Para os autores, cada entidade é
considerada singular, única, diferente de qualquer outra.
O conceito de
“singularidade” nos apresenta a resistência à generalização e à categorização.
Por meio de tal conceito os autores buscam estudar o que há de único em cada
pessoa, situação ou conceito, evitando reduzi-los a categorias predefinidas.
O conceito de
“singularidade” se relaciona com outro conceito, “esquizoanálise”. A
singularidade mostra-se como por demais importante para o entendimento do
desejo e da subjetividade presente na esquizoanálise.Na esquizoanálise temos que o desejo não é
universal, mas singular. O desejo tende a resistir a todas as tentativas para
sua normalização e padronização.
Como exemplo do
conceito de “singularidade” podemos pensar em um pintor contemporâneo. Em cada
obra por ele produzida temos a presença de sua expressão artística que
possibilita tornar esta obra única, trazendo nela contida a sua visão pessoal,
técnica e também suas experiências de vida. Percebemos a singularidade na
escolha do material a ser trabalhado, na escolha da técnica, das cores usadas,
no modo particular deste fazer suas pinceladas, nos temas escolhidos para serem
desenvolvidos artisticamente, na interpretação dada ao mundo pelo artista por
meio de sua obra. Dois ou mais artistas podem possuir obras semelhantes ou
mesmo se assemelharem entre si na elaboração de sua arte, mas mesmo assim, cada
qual é singular, mostra-se como uma expressão única da subjetividade nele
presente.
Outro conceito é
o de “produção de subjetividade”, desenvolvido por Guattari em parceria com
Deleuze e que surgem particularmente nas obras “O anti-Édipo”, 1972, e “Mil
Platôs”, 1980. Pelo conceito de “produção de subjetividade” temos que a
subjetividade é apresentada como sendo um processo em constante movimento e
transformação, e não uma entidade fixa ou estável. A subjetividade é algo que
está sendo produzida de modo contínuo, sendo recriada e moldada no decorrer do
tempo histórico.
O conceito de
“produção de subjetividade” faz interconexão com o desejo e também o poder. O
desejo mostra-se como sendo uma força produtiva que abastece a produção da subjetividade.
Já o poder tende a influenciar e moldar esta mesma produção de subjetividade,
conforme as dinâmicas nele presente.
A produção de
subjetividade também se relaciona com as instituições e as estruturas sociais
de poder, não ocorrendo de modo isolado. Normas, valores e práticas sociais
tendem a proporcionar sua contribuição para a produção de distintos modos de
subjetividade, dando forma as identidades individuais e coletivas.
Para
exemplificar o conceito de “produção de subjetividade” podemos pensar em
adolescentes contemporâneos, mergulhados em uma cultural digital, com forte
presença de redes sociais na Internet e do uso de seus aparelhos de smartphones
de última geração, participação em jogos online e em diversas plataformas
digitais, que produzem e moldam a sua subjetividade. A formação da
subjetividade única dentro deste contexto recebe fortes contribuições das
expectativas sociais, das dinâmicas das redes sociais e das influências
provindas da cultura digital.
Na produção de
subjetividade proposta por Guattari e Deleuze temos um rompimento com
abordagens tradicionais presentes na psicanálise, ao propor uma perspectiva
mais dinâmica e processual para a subjetividade. A ativa participação dos
indivíduos na criação de suas identidades surge por meio da ênfase dada a
produção. Temos uma resistência a ideias fixas e deterministas presentes nas
abordagens da psicologia tradicional.
Outro conceito
presente na filosofia deste autor é o de “capitalismo mundial integrado”. Este
conceito foi elaborado principalmente por Guattari, mas Deleuze também recebe
os créditos por colaborar em sua criação, sendo o mesmo desenvolvido em maior
profundidade nas obras “O anti-Édipo”, 1972, e “Mil Platôs”, 1980. Neste
conceito temos uma reflexão sobre a atual sociedade contemporânea. Nele temos
presente a globalização capitalista, ao se fazer referência à fase avançada do
capitalismo que surge com a globalização. Nesta fase de desenvolvimento do
capitalismo, as atividades econômicas, políticas e culturais se mostram de modo
interconectado e global, havendo uma profunda e ampla integração dos mercados e
das relações sociais.
Por meio do
conceito de “capitalismo mundial integrado” temos a presença da interconexão de
diversos fluxos como sendo a sua principal característica. Temos fluxos
financeiros, comerciais, tecnológicos, culturais e outros que atuam além das
fronteiras nacionais. No capitalismo mundial integrado temos a fluidez e a
velocidade na qual estes fluxos circulam por todo o planeta.
O “capitalismo
mundial integrado” oferece também, impacto nas subjetividades, na produção de
subjetividade, e não apenas nos setores econômicos e políticos. A integração
global nesta fase do capitalismo se relaciona com os modos como as pessoas
percebem a si mesmas e se relacionam com a realidade circundante,
influenciando-as.
Como exemplo
para o conceito de “capitalismo mundial integrado” podemos pensar no grupo de
jovens classificados como adolescentes em nossa cultura. Mesmo estando em
partes distintas do mundo, muito afastadas entre si, tendem a usar as mesmas
marcas, compartilhar as mesmas tendências, usar as mesmas plataformas digitais,
debaterem sobre as mesmas questões, havendo a elaboração de uma uniformidade
cultural mundial. Deste modo, o capitalismo mundial integrado atua de modo a
influenciar a economia, mas também as preferências individuais e coletivas, os
comportamentos sociais e a formação de identidade dos jovens em uma escala
global. Pelo conceito de “capitalismo mundial integrado” é colocada a ênfase na
natureza interconectada e mundial das dinâmicas sociais, econômicas e culturais
na atualidade. O impacto se dá não somente no nível macroeconômico, pois,
atinge também outras esferas nas vidas e relações entre as pessoas e
sociedades, tais como a experiência cotidiana e a produção de subjetividade das
pessoas envolvidas no processo.
No decorrer de
seu trabalho filosófico, Guattari buscou uma compreensão ampliada sobre as
relações existentes entre a subjetividade, a sociedade, a política e o meio
ambiente, bem como, desafiou os paradigmas então reinantes, indo ao encontro de
uma abordagem transdisciplinar.
PRINCIPAIS OBRAS
1- O anti-Édipo:
Capitalismo e esquizofrenia ("L'Anti-Œdipe: Capitalisme et
Schizophrénie"), 1972. Em coautoria com Gilles Deleuze.
Trata-se de uma
crítica à psicanálise, em especial de Freud e Lacan. Os autores propõem uma
abordagem nova que chamam de “esquizoanálise”. Na obra é analisada a relação
existente entre o desejo, o poder e a sociedade, em um questionamento sobre as estruturas
tradicionais de poder.
2- Kafka: Por
uma literatura menor ("Kafka: Pour une littérature mineure"), 1975.
Em coautoria com Gilles Deleuze.
Um exame da obra
de Franz Kafka dentro da perspectiva de uma literatura menor, mostrando como o
trabalho crítico de Kafka reflete as dinâmicas de minorias e oprimidos.
3- O
Inconsciente Maquínico: Ensaios de Esquizoanálise ("Machinic Unconscious:
Essays in Schizoanalysis"), 1979.
Conjunto de
ensaios sobre a temática desenvolvida no livro “O anti-Édipo” e a relação entre
máquinas, desejo e subjetividade contido no conceito de “esquizoanálise”.
4- Mil Platôs:
Capitalismo e esquizofrenia (“Mille Plateaux: Capitalisme et Schizophrénie”),
1980. Em coautoria com Gilles Deleuze.
Uma crítica à
hierarquia e à linearidade nas estruturas sociais então presentes, a partir do
conceito de “rizoma”. São abordadas questões vinculadas à multiplicidade e a
conexão.
O título “Mil
Platôs” pode ser traduzido para o português como sendo “mil planaltos”,
indicando que existe uma multiplicidade de planaltos ou níveis, em referência à
complexidade e à diversidade de conceitos e ideias desenvolvidos nesta obra. O
livro teria na sua composição e projeto uma série de “plateaux” ou capítulos,
cada um destes tratando de conceitos e temas diferentes, mas conectados por uma
lógica não linear. A multiplicidade de planaltos presentes no livro aponta para
a variedade de perspectivas possíveis presentes nesta obra, que traz em si a
natureza multifacetada e complexa presente nas reflexões sobre a filosofia, a
psicanálise e a sociedade.
5- Cartografias
do Desejo ("Cartographies schizoanalytiques"), 1986. Coautoria com
Suely Rolnik.
Nesta obra são
tratadas temáticas relacionadas à psicanálise, arte e política, abordando a
relação entre subjetividade e práticas culturais em uma perspectiva
transdisciplinar.
6- As três
ecologias ("Les Trois Écologies"), 1989.
O autor amplia
suas discussões para além da esfera social e psicológica, enfocando
inter-relações existentes entre ecologia mental, ecologia social e ecologia
ambiental, propondo uma visão mais ampla do conceito “ecologia” que possa
incluir as dimensões subjetivas e coletivas da existência.
7- Caosmose: Um
Paradigma Estético Ético ("Chaosmosis: An Ethico-Aesthetic
Paradigm"), 1992.
O autor trata de
questões éticas e estéticas dentro de um mundo complexo e caótico. São
discutidas as transformações das práticas éticas e estéticas diante de mudanças
sociais, tecnológicas e políticas.