Por: Silvério da Costa Oliveira.
Antonio Gramsci
Antonio Sebastiano Francesco Gramsci (1891-1937) atuou como filósofo e escritor, teórico marxista, jornalista, crítico literário, linguista, historiador e político na Itália. Nasce em Ales, na Sardenha, e falece em Roma, Itália. Seus pais tiveram no total sete filhos, sendo Gramsci o quarto. Proveniente de família pobre, enfrentou algumas dificuldades financeiras quando jovem. Gramsci casou-se com Julia Schucht (1896-1980), com quem teve dois filhos. Membro fundador e secretário geral do partido comunista da Itália. Foi deputado eleito em 1924 pelo distrito de Vêneto, Itália. Foi preso na Itália em 1926, condenado a 20 anos de prisão, ficou cerca de 11 anos preso, sendo solto em 1937, quando recebeu liberdade condicional, estando com sua saúde debilitada e após tratamento em alguns hospitais, veio a falecer pouco depois de liberto, então com apenas 46 anos de idade. Em vida não publicou livro algum. Escreveu e publicou alguns ensaios em jornais antes de ser preso e durante a prisão escreveu os assim chamados “cadernos do cárcere”, além de várias cartas. Este material foi posteriormente organizado e publicado após a sua morte.
Seu trabalho tem como foco o que na obra de Marx recebe a denominação de “superestrutura”, ou seja, as ideias presentes na sociedade, a ideologia reinante, as crenças e as diversas doutrinas, sistemas e instituições que compõem todo o pensamento predominante em uma dada sociedade. Para Marx, na sociedade temos a infraestrutura e a superestrutura, a infraestrutura se apresenta como sendo a base econômica da sociedade, composta pelos modos de produção, e as relações de produção e trabalho.
Gramsci entende que as condições existentes no oriente são diferentes das do ocidente. Aqui por oriente ele entende particularmente a Rússia, na qual tivemos a revolução comunista de outubro de 1917, mas seu pensamento também se aplicaria às subsequentes revoluções ocorridas na China, Coreia e Vietnã. Estas condições eram específicas e distintas das existentes no restante da Europa e nos países americanos, pois, nestes outros países as condições existentes se mostram bem mais complexas socialmente. Se nos países citados a revolução comunista ocorreu a partir de uma “guerra de movimento”, priorizando a luta armada para a tomada do poder, nos demais países caberia adotar uma “guerra de posição”, estratégia na qual se valoriza a educação das classes subalternas para se obter uma progressiva hegemonia cultural marxista. Primeiro a mudança da mentalidade, atuando na superestrutura social, depois a mudança se daria na infraestrutura, ou seja, nos meios produção e nas relações de trabalho.
Segundo seu pensamento, o que garante o domínio de uma classe sobre outras dentro de uma sociedade não é o aparelho repressor do Estado e sim a hegemonia cultural, que se dá por meio do controle dos meios de comunicação, do sistema educacional e das instituições religiosas. Segundo o pensamento de Gramsci, a revolução comunista e tomada de poder pelo proletariado deve obrigatoriamente ser antecedida por uma mudança cultural de mentalidade das pessoas na sociedade. Gramsci entende que os principais agentes desta mudança cultural de mentalidade do proletariado são os intelectuais com o uso prioritário da escola enquanto instrumento adequado a efetivar tais mudanças.
Uma questão de relevância a ser destacada é o uso dos termos “hegemônicos” e “subalternos” em substituição aos conceitos de “burguesia” e “proletariado”. Tais termos se apresentam como categorias mais abrangentes, capazes de englobar outros atores que ficavam de lado com o uso dos termos tradicionais. A categoria de “subalterno” envolve toda e qualquer classe ou grupo social que se apresente como subalterna a outra, incluindo aqui não somente os proletários, mas também os camponeses, os desagregados, desajustados e marginais, que na linguagem marxista são chamados de “lupemproletariado”. Deste modo, pela categoria de “subalternos” podemos englobar conjuntamente os explorados e oprimidos de um modo mais abrangente do que pela forma como tradicionalmente a luta de classes e a divisão marxista da sociedade nos apresentavam.
Ao abordar o livro “O príncipe”, de Maquiavel, Gramsci entende que o príncipe moderno não é mais uma pessoa e sim um coletivo presente na forma do partido comunista. No livro original, o príncipe se refere a uma pessoa que pode exercer seu poder e influência para reorganizar a Itália, mas Gramsci pensa que as mesmas qualidades presentes ao príncipe podem estar presentes no partido comunista. Deste modo, adapta a interpretação desta obra às lutas políticas e de classes contemporâneas. O príncipe deixa de ser uma figura individual e passa a ser representante de um coletivo. Com isto, Gramsci argumenta sobre a necessidade de haver uma liderança política na luta pela hegemonia. Numa abordagem adaptativa da obra ao contexto social presente na época de Gramsci, este entende que a obra pode ser lida como um guia para o governante adquirir e manter o poder. Cabe ao príncipe ter habilidade, coragem, sabedoria, astúcia e força. Cabe ao partido comunista liderar a transformação social, exercendo liderança intelectual e moral visando criar uma nova visão de mundo que possa desafiar a visão de mundo hegemônica atual. Cabe ao partido propiciar o surgimento de intelectuais orgânicos e apoiar o seu desenvolvimento. Deve o partido usar de estratégias e táticas para alcançar seus objetivos, ter capacidade adaptativa, saber negociar e fazer alianças, bem como, saber usar da propaganda. O partido deve saber usar do consenso e também da coerção, quando necessário for.
Em Gramsci temos alguns conceitos por ele elaborados que se apresentam com originalidade e importância, tais como: hegemonia cultural, intelectuais orgânicos, bloco histórico, filosofia da práxis e a distinção entre sociedade civil e sociedade política. Iremos agora falar destes conceitos, explicando-os resumidamente.
Hegemonia cultural: Não é somente pela coerção econômica que a classe dominante detém o poder, o controle social é mantido por meio do que Gramsci chamou de “hegemonia cultural”, conceito que nos fala na internalização de valores e ideologias da classe dominante por parte da classe subalterna. Nesta visão de mundo temos os valores e as normas sociais que são passados por meio da liderança moral e intelectual, moldando as crenças sociais. A luta pela hegemonia cultural torna-se de vital importância para o movimento revolucionário, de modo que a revolução não pode se restringir a tomada do poder político, ampliando sua esfera para a transformação da cultura e ideologia dominante e para isto é necessário que os trabalhadores desenvolvam uma contra-hegemonia cultural, visando desafiar os valores culturais existentes na sociedade capitalista. A hegemonia cultural é formada por meio de um processo de construção de consenso, do qual participam diversas instituições sociais, tais como a Igreja, as escolas, a mídia e mesmo elementos da cultura popular. A estabilidade social só é mantida por meio deste consenso, já que a longo prazo a coerção sozinha não seria capaz de manter o poder.
Intelectuais orgânicos: Em Gramsci temos a diferenciação entre intelectuais orgânicos e tradicionais. Os orgânicos surgem de dentro da classe trabalhadora, estando envolvidos na luta de classes visando a transformação social e a construção de uma sociedade sem classes. Já os intelectuais tradicionais pensam serem isentos, mas na prática defendem o status quo hegemônico da classe dominante. Por intelectual Gramsci não entende somente aquele que seja acadêmico, sua visão é bem mais abrangente e inclui todos que possam exercer alguma liderança em algum setor cultural. Toda classe social possui seus próprios intelectuais orgânicos, que surgem do interior da mesma e desempenham um papel importante na construção da hegemonia cultural reinante. Os revolucionários precisam investir na formação de intelectuais orgânicos pertencentes à classe trabalhadora, visando educar, organizar e liderar os trabalhadores para a ação revolucionária e para tal intento, tais intelectuais devem criar uma cultura contra-hegemônica visando contestar as narrativas dominantes.
Bloco histórico: Por tal conceito Gramsci entende a combinação de forças resultantes das estruturas econômicas, sociais e ideológicas, formando uma hegemonia que favorece uma determinada classe no poder, mantendo a ordem social. O que significa que para que haja uma real mudança social é preciso mudar não somente a infraestrutura, mas também a superestrutura social, formada pelas crenças e ideologias, pela religião e diversos valores sociais. Aqui temos, no bloco histórico, uma combinação de forças sociais e culturais que dão sustentação a uma específica ordem hegemônica, são relações sociais, econômicas e culturais.
Filosofia da práxis: Aqui temos uma referência ao marxismo, apontando para a necessidade de enfatizar a prática e a ação humana sobre a história. A filosofia da práxis (marxismo) vai além de ser uma ciência das leis da sociedade, sendo um guia para a ação revolucionária. Também temos uma crítica ao marxismo tradicional, pois, a filosofia da práxis rejeita a visão determinista presente no marxismo, que tornaria as mudanças sociais inevitáveis, já que resultantes de forças econômicas. Para Gramsci são importantes a vontade, a ação consciente e a liderança política na transformação social. As ideias não se apresentam somente como reflexões sobre as condições materiais existentes, mas também atuam como forças ativas na mudança. A filosofia da práxis dá destaque a importância de transformar a consciência e a cultura para que seja possível a revolução comunista, destacando a necessidade de criação de uma nova cultura proletária visando a formação de uma contra-cultura hegemônica. A filosofia da práxis nos traz a unidade entre teoria e prática.
Um importante conceito desenvolvido por Gramsci é o de “sociedade civil”, esta esfera é nova, surgindo a partir da metade do século XIX dentro da sociedade capitalista. A “sociedade civil” é composta por organizações, entidades sociais, sindicatos, partidos políticos, associações de classe e diversas outras auto-organizações que na prática socializam a política. A sociedade civil é parte integrante do Estado e nela ocorrem claras relações de poder, sendo uma arena na qual vemos o desenvolvimento da luta de classes visando obter a hegemonia diante da orientação dada pelo governo ao rumo da sociedade. Ao se pensar nas sociedades ocidentais, complexas, onde temos uma já bem desenvolvida “sociedade civil”, não cabe adotar a luta armada presente na “guerra de movimento” e sim adotar uma estratégia de “guerra de posição”, na qual passamos a encontrar um caminho que se mostra mais viável para a implantação do socialismo a partir da conquista paulatina da hegemonia cultural, ocupando espaços na sociedade e angariando reformas em direção ao socialismo e a uma gradativa mudança de mentalidade social.
Sociedade civil e sociedade política: Por sociedade política, Gramsci faz referência a todas as instituições que atuam a favor da manutenção do Estado por meio da coerção, como tal é o caso da polícia, do exército e do sistema jurídico. Já a sociedade civil engloba as instituições presentes na vida privada das pessoas, tais como a escola, a Igreja, os sindicatos e os veículos de mídia. É por meio da sociedade civil que a hegemonia cultural é exercida, já que tais instituições ajudam na difusão das ideologias reinantes, obtendo o consentimento das classes subordinadas.
Conforme a sociedade civil for desenvolvendo a capacidade de regular-se a si própria, a tendência é o Estado ir aos poucos desaparecendo, no entendimento do pensamento de Gramsci.
Gramsci propõe como estratégia revolucionária conquistar primeiramente a sociedade civil e depois a sociedade política e, com esta, o Estado. Quando da exitosa construção da contra-hegemonia cultural na sociedade civil, temos conjuntamente as bases para a mudança política de um nível mais profundo e intenso. No lugar de uma luta armada, temos a conquista cultural da sociedade civil.
Guerra de movimento e guerra de posição: Ao se pensar em uma guerra de movimento dentro do contexto filosófico proposto por Gramsci, pensamos na luta armada, no enfrentamento direto entre classes sociais, em uma insurreição armada, em um golpe de Estado, mas para tal mudança rápida ocorrer é preciso estarmos diante de um Estado enfraquecido. A guerra de movimento é uma luta rápida e direta para a tomada do poder, como as revoluções clássicas, que derrubam rapidamente a ordem existente. A guerra de movimento foi exitosa no Oriente (Rússia, 1917), mas não seria vitoriosa, segundo o pensamento de Gramsci, no restante da Europa, onde se faria necessário uma guerra de posição, lembrando as trincheiras usadas na primeira guerra mundial. Temos aqui uma luta prolongada e gradual visando obter a hegemonia cultural dentro da sociedade civil. Aqui temos alianças, construção de uma nova cultura, gradual erosão do poder das classes dominantes, trabalho constante de organização, foco na educação, construção de instituições alternativas. Pela guerra de posição se prepara o terreno no campo ideológico e cultural antes de qualquer outra mudança econômica e política mais profunda.
Estado integral: Por tal conceito Gramsci entende o somatório da sociedade política com a sociedade civil, ou seja, o Estado não é somente um conjunto de instituições voltadas para a coerção, mas também de outras que difundem e perpetuam valores, crenças e tradições pertencentes à classe dominante, criando uma hegemonia cultural. É no Estado integral que temos o campo de batalha no qual as lutas pela hegemonia cultural são travadas e onde se busca manter o controle da classe dominante sobre as classes subalternas por meio da coerção presente na sociedade política e também por meio do consenso gerado na sociedade civil. Na transformação radical da sociedade é prioritário enfrentar e transformar o Estado integral por meio de uma luta política, mas também por meio da construção de uma nova hegemonia cultural e ideológica.
PRINCIPAIS OBRAS
1- Cadernos do Cárcere (Quaderni del carcere), 1975. A edição definitiva e mais completa é organizada por Valentino Gerratana e publicada pela Editora Einaudi em 1975.
Coleção de escritos de Gramsci produzidos enquanto estava preso pelo regime fascista entre 1929 e 1935. Os cadernos contêm reflexões sobre a política, a cultura, a história e a teoria marxista. Gramsci desenvolve conceitos-chave como a hegemonia cultural, o bloco histórico e a filosofia da práxis.
2- Cartas do Cárcere (Lettere dal carcere), 1947. Publicadas postumamente em 1947.
Obra que reúne as cartas que Gramsci escreveu durante seu período de encarceramento, principalmente endereçadas à sua família, amigos e camaradas do Partido Comunista Italiano. As cartas revelam tanto seu pensamento político e filosófico quanto aspectos pessoais de sua vida. A edição mais completa é publicada pela Editora Einaudi.
3- Escritos Políticos (Scritti Politici), 1967. Coletânea publicada postumamente em várias edições; uma edição significativa foi publicada em 1967
Coletânea de artigos, discursos e textos de Gramsci escritos antes de sua prisão, focados em questões políticas e sociais da Itália e do movimento operário internacional. Os textos cobrem temas como a organização do partido, a luta contra o fascismo e a estratégia revolucionária.
4- Literatura e Vida Nacional (Letteratura e vita nazionale), 1950. Coletânea publicada postumamente em 1950.
Esta obra reúne textos onde Gramsci analisa a literatura italiana e sua relação com a sociedade e a política. Ele discute o papel dos intelectuais, a importância da literatura popular e a função da cultura na formação da consciência nacional.
5- Os Intelectuais e a Organização da Cultura (Gli intellettuali e l'organizzazione della cultura), 1949. Coletânea publicada postumamente em 1949.
Gramsci explora o papel dos intelectuais na sociedade, diferenciando entre intelectuais tradicionais e orgânicos. Ele argumenta que os intelectuais devem desempenhar um papel ativo na luta de classes e na formação de uma nova hegemonia cultural.
6- Socialismo e Cultura (Socialismo e cultura), 1916.
Gramsci discute a relação entre socialismo e cultura, argumentando que a luta pela hegemonia cultural é tão importante quanto a luta política e econômica. Ele enfatiza a necessidade de uma cultura proletária que possa desafiar a hegemonia da classe dominante.
7- Notas sobre Maquiavel, sobre a política e sobre o Estado moderno (Note sul Machiavelli, sulla politica e sullo stato moderno), 1949. Publicadas postumamente em 1949.
Gramsci oferece uma análise detalhada das obras de Maquiavel, especialmente "O Príncipe", e utiliza suas teorias para discutir questões contemporâneas de política e teoria do Estado. Ele investiga como as ideias de Maquiavel podem ser aplicadas na construção de um novo tipo de liderança revolucionária.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.
Site: www.doutorsilverio.com
(Respeite os Direitos Autorais – Respeite a autoria do texto – Todo autor tem o direito de ter seu nome citado junto aos textos de sua autoria)
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