Tomás de Aquino
Por: Silvério da Costa Oliveira.
VIDA
Tomás de Aquino (1225-1274), ou, em italiano, Tommaso d’Aquino, ou em latim, Tommaso Aquinate, também conhecido por "Doctor Angelicus", "Doctor Communis" e "Doctor Universalis". Nasce no castelo de Roccasecca, em Aquino, na Sicília, hoje Itália e vem a falecer em 7 de março de 1274, então com 49 anos de idade, na abadia de Fossanova, Sicília, hoje Itália. É considerado santo pela Igreja Católica Apostólica Romana e sua festa litúrgica ocorre em 28 de janeiro, data na qual suas relíquias foram transladadas para Toulouse. É autor de uma vasta obra literária sobre diversos temas, dentre os quais se destacam temas vinculados à teologia e religião cristã, bem como a filosofia enfocando em particular as obras e os comentadores árabes de Aristóteles. Suas principais obras são “Suma contra os gentios” e “Suma Teológica”.
Seguiu vida religiosa e foi membro da Ordem dos Dominicanos, tendo ingressado na mesma após o falecimento de seu pai em 1443/4, com cerca de 19 anos de idade, e contra a vontade de sua família, que chegou a mandar os irmãos sequestrá-lo, sendo mantido em cárcere privado no castelo da família por mais de um ano, na tentativa de que este mudasse de ideia quanto ao ingresso na Ordem dos Dominicanos. Por ser o filho mais novo já estava decidido no meio familiar, como de costume àquela época, que este ingressaria na vida religiosa, o que a família não concordava é que ele ingressasse em uma ordem mendicante, esperavam que ele ingressasse em outra ordem, Beneditinos, podendo deste modo estar mais perto da obtenção de poder e status social.
Há um relato, trazido pela tradição, de que sua família contratou uma prostituta durante o período do cativeiro, visando fazê-lo mudar de ideia, mas que este a expulsou do quarto com um ferro em brasa e a noite, após este episódio, Tomás sonhou com dois anjos que vieram consolá-lo.
Tendo fugido de seu quarto no Castelo por meio de uma janela, que supostamente sua mãe teria providenciado aberta, acreditando que seria menos desonroso que este fugisse do que admitir que a família não conseguiu demovê-lo de sua decisão, Tomás de Aquino retorna aos Dominicanos em 1245, onde pronuncia os votos e se torna frei dominicano, no convento de Nápoles.
Entre 1245 e 1248 completa seus estudos na universidade de Paris sobre a supervisão de seu mestre, Alberto Magno, com quem segue para Colônia, hoje pertencente à Alemanha, onde continua seus estudos e passa também a dar aulas, além de ser ordenado sacerdote.
Em 1252 retorna a Paris como professor, onde fica até 1259. Entre 1259 a 1268 leciona no que hoje entendemos por Itália, em Nápoles, Orvietto e Roma. Em 1269 retorna a Paris onde fica até 1272, onde ocupa o cargo de Regente Mestre da Universidade de Paris. Entre 1272 e 1274 vai para Nápoles, onde assume o posto de Regente Mestre.
No ano de 1273, mês de dezembro, ocorre algo misterioso em sua vida, ele decide interromper toda a sua produção alegando que tinha compreendido que tudo o que até então tinha escrito era “um monte de palha”. Ao que parece ele teve nesta ocasião uma experiência mística e visão de alguma coisa, algo como uma revelação sobrenatural, durante a celebração de uma missa.
Em 1274 é convocado pelo papa Gregório X para participar do Concílio de Lyon, que iria discutir sobre a reunificação da Igreja ocidental e oriental, formada por quatro patriarcados, se põe a caminho, mas vem a falecer antes de chegar ao concílio.
Tomás de Aquino é um dos maiores representantes da Escolástica, marcando com sua presença não somente o século XIII, mas também o desenvolvimento do pensamento cristão e filosófico nos séculos seguintes até mesmo na atualidade, quando observamos por parte de alguns estudiosos uma tentativa de resgate do pensamento medieval e a incorporação do mesmo às temáticas hoje atuais. Cabe a ele cristianizar o pensamento de Aristóteles, incorporando-o aos dogmas e à religião Cristã. Foi discípulo de outro grande pensador da Escolástica, Alberto Magno, que também trabalhou o pensamento de Aristóteles em conjunto com a doutrina cristã.
Tomás de Aquino escreveu mais de 60 obras e dedicou toda a sua vida aos estudos e ao ensino de questões de Teologia e mesmo de Filosofia, se bem que ele não se veria como um filósofo.
Quando aluno de Alberto Magno, os demais religiosos o chamavam de boi mudo, provavelmente por ser ele mais introspectivo e calado e de ser gordo. Certa vez, conta-nos a tradição, seu mestre respondeu da seguinte forma: “Vocês o chamam de boi mudo! Ao invés, eu lhes digo que este boi vai mugir tão alto, que seu mugido vai ser ouvido no mundo inteiro”.
A CIÊNCIA
O conceito de ciência engloba todos os saberes, incluindo a filosofia e a teologia. A filosofia ganha uma relativa liberdade, mas continua subordinada à teologia, pois, mesmo tendo um campo próprio, a teologia por meio da revelação e da fé prossegue de onde os estudos da filosofia param em virtude das limitações da razão humana.
A ciência se faz por meio do trabalho do entendimento humano em abstrair e ordenar os conceitos, estes, produtos da atividade normal do entendimento. Todos os conceitos começam a ser elaborados por meio de nosso contato com a realidade, não havendo qualquer ideia inata. O conhecimento obtido pela ciência deve corresponder à realidade. Os conceitos em nossa mente fazem parte de uma realidade mental, que deve manter correspondência com a realidade ontológica. Tomás de Aquino segue Aristóteles ao afirmar não ser possível ciência do individual, do singular, e somente do universal. Tudo quanto existe é possível de ser conhecido, de modo que temos um conceito realista da ciência, onde há uma intima relação entre ser e conhecer.
FILOSOFIA
Tomás de Aquino começa sendo influenciado pelos estudos sobre os filósofos neoplatônicos, Platão, Agostinho de Hipona, Pseudo-Dionísio e outros, mas aos poucos e conforme vai consolidando sua obra madura, sua maior influência passa a provir dos textos de Aristóteles e de seus comentadores. Claro que também há uma forte influência da religião cristã e muitos pontos interessantes e importantes são interpretados à luz da Revelação Cristã, como, por exemplo, a discordância do pensamento de Aristóteles e alguns de seus comentadores sobre o mundo ser coeterno a Deus, para Tomás de Aquino o mundo foi criado do nada por Deus.
Para entendermos o quanto foi revolucionário o pensamento expresso por Tomás de Aquino, podemos comparar três contextos de pensamento então presentes ao século XIII. O proveniente de Aristóteles e suas interpretações, o proveniente do neoplatonismo e o proveniente da teologia cristã até então desenvolvida.
Por um lado, temos o neoplatonismo, presente em parte nos padres apologistas, na patrística, em Agostinho de Hipona e nos continuadores deste modo de pensar na época de são Tomás. Neste sistema de pensamento, a ordem de exposição começa de cima e se direciona para baixo. Do Uno de Plotino nos direcionamos aos seres múltiplos, do perfeito e das ideias perfeitas de Platão nos direcionamos ao imperfeito e as cópias. Da ideia ou conceito de Deus nos direcionamos ao mundo, do criador vamos em direção à criação. Dentro desta concepção de mundo, toda pluralidade provém da unidade, o movimento provém do imóvel, da imobilidade, o imperfeito provém do perfeito, o mundo e tudo mais provém de Deus.
Se agora pensarmos na teologia cristã até então desenvolvida, com forte influência neoplatônica, temos que o olhar também se dá de cima para baixo. Trata-se de um movimento descendente e a Teologia é a ciência da qual se parte em direção aos demais saberes. Pela fé, revelação, escritos sagrados e autoridade, o religioso adota uma série de dogmas e princípios que segue, como a existência de um Deus único e criador. Na concepção cristã o mundo não é eterno, e sim, é criado por Deus.
Já no sistema proposto por Aristóteles e seus seguidores se dá o inverso do neoplatonismo, vamos de baixo para cima, da comprovação dos diversos entes que nos circundam caminhamos por meio de nossa razão em direção a um ser único, a Deus. Trata-se de um movimento ascendente, que nos leva do conhecimento das diversas ciências até a Teologia. Utilizando de nossos sentidos percebemos no mundo ao nosso redor a multiplicidade de seres e por meio de nossa razão nos direcionamos a um ser único e singular na origem desta multiplicidade. Também por meio de nossa razão, ao observarmos o movimento pensamos que o mesmo se originou a partir de uma causa determinada. Lembremos, no entanto, que na concepção de Aristóteles o mundo não é criado e sim eterno.
No sistema proposto por Tomás de Aquino, mantém-se o Deus criador, de modo que o mundo não é visto como eterno, como entendia Aristóteles. A teologia de Aquino provém de cima para baixo, acatando a fé, a revelação, as escrituras sagradas e a autoridade no que concerne a religião. Deus passa a ser associado à criação de tudo de modo consciente pela sua vontade e desejo, é Deus quem cria a vida e nele encontramos a verdade. Todas as coisas se completam e dependem de Deus. Isto torna fundamental a este sistema a comprovação da existência de Deus e em que este consistiria. Mas acrescentemos que se pela teologia o movimento se dá de cima para baixo, pela filosofia encontramos o movimento oposto, de baixo para cima, donde Tomás de Aquino irá provar a existência de Deus por meio da observação de sua criação. O que Tomás faz é provar por meio da filosofia a existência do Deus nominal, mas o Deus real, sua essência, somente pode ser conhecida por meio da revelação. Há coisas no Deus real, tais como ser ele trino e uno, que só podemos conhecer por meio da revelação.
TEOLOGIA
A teologia natural presente em Tomás de Aquino encontra Deus ao final de cada uma das cinco vias, as quais apresentam por sua vez, cinco predicados aplicados a Deus e estas qualidades presentes em sua essência são, respectivamente, ser Deus o motor imóvel, a causa eficiente não causada, o ser necessário, o ser perfeitíssimo e a inteligência ordenadora suprema. A partir da análise destes cinco predicados extraídos das vias que nos levam a provar a existência de Deus, podemos prosseguir obtendo mais dados sobre o que seja a sua essência. Nesta essência temos a “simplicidade”. Todos os demais seres são compostos, mas Deus é um ser uno e simples, não há também como falar em multiplicidade em Deus.
Deus é o motor imóvel e nele temos o ato puro, não havendo mistura entre ato e potência. Deus é causa incausada e nele não há distinção entre aquele que atua como causa e aquele que atua como efeito. Deus é ser necessário e nele se identificam essência e existência. Deus é ser perfeitíssimo e nele se identificam sujeito e forma da perfeição. Deus é inteligentíssimo e nele não temos distinção entre os meios e os fins, sendo um fim em si mesmo.
Nesta essência também temos a “perfeição absoluta”, por ser Deus o primeiro ato e a causa primeira, cabe ser também perfeito, possuindo em si todas as perfeições que podemos encontrar nos demais seres.
Encontramos, portanto nesta essência a “simplicidade”, a “perfeição absoluta”, a “bondade”, a “infinitude”, a “imensidade”, a “imutabilidade”, a “eternidade”, a “unidade e unicidade”.
RAZÃO (FILOSOFIA) E FÉ (TEOLOGIA / REVELAÇÃO)
Destaque deve ser dado à relação entre razão e fé, ou filosofia e Revelação, no pensamento de Tomás de Aquino. Para ele a razão presente na filosofia, está subordinada a fé, a Revelação, a teologia, mas possui independência, atuando pelas próprias leis naturais, não necessitando de uma iluminação divina especial para poder agir e buscar o conhecimento verdadeiro. O conhecimento não depende da fé ou de uma iluminação divina. A razão deve ser percebida como um instrumento que nos permita alcançar o conhecimento verdadeiro e nos aproximar de Deus. Há campos específicos de atuação da razão e outros da fé e revelação. A razão nos ajuda a provar a existência de Deus e a sabermos algo sobre sua essência, mas só sabemos que o mundo foi criado por Deus, ao invés de ter sempre existido, por meio da Revelação.
A razão não está em oposição a fé, não há necessariamente um desacordo entre fé e razão, podendo ambas caminharem juntas se auxiliando mutuamente.
Podemos dizer que o centro de sua obra, pensando aqui nas cinco partes nas quais está dividida a “Suma teológica”, estaria na confiança que Tomás de Aquino demonstra na razão humana e nos sentidos, apesar de continuar a entender, como seus antecessores, que a filosofia deva se subordinar à revelação e a fé cristã, mas ambas caminhariam lado a lado e uma não anularia a outra.
VERDADE
A conceituação da verdade ou do que venha a ser a verdade dentro do pensamento de Tomás de Aquino segue em linhas gerais o que pensa Aristóteles sobre o mesmo tema, dele se afastando, no entanto, quando introduz a noção de uma verdade revelada. Neste tocante, tanto para o filósofo medieval quanto também para o filósofo grego, a verdade é a conformidade entre o intelecto e a coisa percebida.
O SER E OS ENTES
Algo que irá diferenciar de modo inequívoco Deus dos demais seres é que Deus é o ser necessário enquanto os demais seres são contingentes, ou, dito de outro modo, Deus existe, sempre existiu e sempre existirá, já os demais seres um dia não existiram e tendo passado a existir, um dia deixarão de existir. Mesmo anjos, um dia não existiram. E todos os demais seres são dependentes de outros que lhes deram vida ou algum modo de existência.
Podemos falar também de uma diferença entre “existir” / “existência”, e “essência”. Sócrates tem uma essência que o faz ser Sócrates, posso falar da sua essência, mas isto não significa que ele exista, ou pode ser que tenha existido e não mais exista. Posso falar corretamente sobre a essência de uma fênix, um unicórnio, de um cavalo alado como Pégaso, de um gigante de um olho só, de deuses gregos ou egípcios, mas esta essência é somente o ser em potencialidade, precisando de uma força externa que o torne ato, que lhe dê existência. Por melhor e mais correta que seja a descrição que possa fazer da essência de algo, não significa que este ente exista em ato na realidade. Esta é a novidade em Tomás de Aquino, não presente em Aristóteles, mas presente nos comentadores Árabes, como Avicena, que “essência” e “existir” são diferentes e que essência se aproxima do conceito de potência, enquanto existir se aproxima do conceito de ato.
Somente em Deus a existência e a essência se confundem no ser. As essências de todos os seres contingentes podem ou não virem a existir e se existem, podem deixar em algum momento, de existir. De qualquer modo, estes entes existem depois de haverem não existido, podendo vir a perder esta capacidade de existir em algum momento futuro ou presente. A exceção de Deus, o ato da existência não se identifica com a essência dos seres. Concluímos deste parágrafo que Deus é necessário e tudo o mais é contingente, bem como, que essência é diferente de existência.
Não existe um único ser e sim múltiplos seres, mas como todos são criação de Deus, podemos ver Deus em sua criação por meio da analogia, a qual implica em quatro coisas: 1- pluralidade dos seres, já que não é possível ser análogo a si mesmo, 2- semelhança, havendo, portanto, a necessidade de algo comum para comparação, 3- dessemelhança, onde temos o afastamento que o faz ser um ser único e independente, apresentando aqui a diferença em relação ao primeiro, 4- relação, pois temos uma proporção, uma proporcionalidade.
FUNDAMENTOS E ARISTÓTELES
Alguns fundamentos da filosofia de Tomás de Aquino podem ser encontrados nas seguintes relações:
1- razão e fé: Ao analisarmos pelo prisma da fé cristã a obra de Tomás de Aquino, vemos presentes conceitos tais como o criacionismo, a imortalidade, a revelação, a verdade contida nos escritos sagrados, uma visão linear da história e não cíclica como na época dos gregos antigos, um sentido transcendente na história vinculado à ideia de salvação e projeto divino. A filosofia ocupa-se em seu labor das verdades naturais, obtidas por meio da luz da razão, já as verdades reveladas poderiam ser alcançadas somente pela luz divina.
2- Tomás de Aquino e Aristóteles: Para ambos a metafísica é entendida como a ciência do ente enquanto ente, ou dito de outro modo, a ciência das primeiras causas e também dos princípios do ser. Temos presentes noções comuns, mesmo que possam variar um pouco no entendimento de ambos os autores, tais como: a teoria das quatro causas, a teoria da substância, a teoria do ato e potência.
3- As quatro causas em Aristóteles e Tomás de Aquino: causa material (aquilo do que é feito algo), causa formal (o que é algo), causa eficiente (o agente que produz algo) e causa final (para qual finalidade algo existe).
4- A substância em Aristóteles e Tomás de Aquino: entidade concreta e particular constituída pela soma indissolúvel de matéria e forma. Todas as substâncias são compostas de matéria e forma a exceção, segundo Tomás de Aquino, dos anjos e de Deus. Tomás de Aquino aceita a ordenação das categorias acidentais de Aristóteles, a saber: quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, posição, estado, ação e paixão.
5- Ato e potência em Aristóteles e Tomás de Aquino: Ao nos referirmos à substância, temos nela o momento presente no qual se apresenta em ato, podendo vir a ter um desenvolvimento e se tornar algo outro, nela já contido em potência. Pensemos em um caroço de abacate, aqui e agora pode ser um caroço de abacate, mas em potência temos nele um grande abacateiro se tiver as condições propícias para o seu desenvolvimento. Uma criança em ato é um adulto em potência.
6- Essência e existência: Esta distinção foi introduzida pelos comentadores árabes. A essência se aproxima do conceito de potência, enquanto a existência do conceito de ato. Quando pensamos no argumento ontológico de Anselmo, por exemplo, o que ele prova é a existência em nosso pensamento de uma ideia sobre a essência de Deus, mas isto não significa que Deus exista na realidade. A essência é aquilo que faz com que a coisa seja o que ela é. A essência de Sócrates é o que faz com que Sócrates seja Sócrates, mas conhecer a essência de algo não significa que este algo exista. Posso conhecer a essência de Sócrates, mas Sócrates já existiu e não existe mais neste tempo presente. A essência é um modo de ser em potência e sua concretização depende de uma atualização proporcionada por outro ser, uma vez que não há quem possa se autocriar.
7- Para Tomás de Aquino todos os entes são um misto de matéria e forma, mas os espirituais somente são formados por formas puras, não possuindo matéria. Seres de forma pura seriam os anjos e Deus.
8- O entendimento de Tomás de Aquino sobre a realidade natural e divina há de implicar em que só seja possível demonstrar por meio de nossa razão a existência de Deus por meio de argumentos a posteriori, baseados nas nossas observações sobre o mundo circundante, e não em argumentos a priori.
AS SUBSTÂNCIAS CORPÓREAS
No primeiro nível dos seres encontramos as substâncias corpóreas, as quais são sempre formadas pela junção de matéria e forma, não sendo possível uma sem a outra. Aqui temos o hilemorfismo ou hilomorfismo, na qual esta teoria afirma que todos os entes físicos são formados por matéria (hilé) e forma (morphé). Teoria esta já presente em Aristóteles e agora também em Tomás de Aquino. Forma não é a aparência de algo, seu formato observável, e sim aquilo para que serve este algo, sua essência, sem a qual deixaria o ente de ser o que é. A matéria se apresenta do mesmo modo em seres vivos ou não, mas a forma é distinta nos seres vivos e se apresenta em diversas gradações. Em ambos o princípio material é o mesmo, mas apresentam uma distinção junto à forma. Nos seres não viventes a matéria e a forma são ambas materiais, pois da matéria só obtemos matéria. Já nos seres viventes a forma é não material, sendo a vida um princípio totalmente diferenciado da matéria.
As substâncias corpóreas vêm a formar toda a realidade física ao nosso redor. Aqui passa a ter lugar, objetivando o estudo e conhecimento, todas as ciências físicas e biológicas.
ANTROPOLOGIA – O HUMANO
O ser humano se encontra em uma condição toda especial, bem no limite entre dois mundos, material e espiritual. Possui um corpo formado por matéria, mas também uma alma espiritual. Se por um lado se assemelha aos demais seres materiais por ter um corpo formado por matéria, se diferencia de todos os demais seres materiais por também possuir uma alma espiritual. Ocupa, portanto, um lugar privilegiado dentro da criação.
ÉTICA – MORAL
No tocante à ética, Tomás de Aquino põe a ênfase na razão humana individual, sendo esta que irá determinar se a pessoa agirá ou não de modo ético e virtuoso, pois há uma lei natural que pode ser observada pela razão.
Inspirado pela Ética a Nicômaco, de Aristóteles, enumera quatro virtudes cardinais, que podemos alcançar por meio da razão ao vivermos seguindo a lei natural: prudência, temperança, justiça e coragem. Estas virtudes seriam naturais e estariam presentes em todos os seres humanos. A seguir, enumera outro conjunto de virtudes, agora em número de três, que seriam sobrenaturais, as virtudes teologais, dadas por meio da graça de Deus: fé, esperança e caridade.
POLÍTICA
Apesar de defender uma posição de pacifismo filosófico, no tocante à guerra e à defesa de si próprio ou de outro quanto a uma agressão injusta, adota a concepção de Agostinho de Hipona sobre a guerra justa. Deve-se evitar a guerra, mas se esta for necessária para sanar uma agressão injusta e manter a paz no longo prazo, então ir à guerra se torna uma condição necessária.
O humano é um animal social e político e, portanto, tende a viver em sociedade e conviver com outros de sua espécie. A primeira forma de sociedade é a família, da qual depende a continuidade dos seres humanos, a segunda forma de sociedade é o Estado, do qual depende o bem comum. O Indivíduo não é e nem pode ser um meio para o Estado, pois, somente o indivíduo possui realidade substancial e também transcendente, deste modo, cabe ao Estado ser um meio para o indivíduo. O Estado não deve atuar somente de modo repressivo e material, pois, além deste modo negativo possui também um modo positivo no qual temos um papel organizador e espiritual por meio da moral. Para Tomás de Aquino o Estado deve ser subordinado à religião, à moral cristã e a Igreja. Esta subordinação se deve ao fato de o Estado estar vinculado ao bem temporal e a Igreja ao bem eterno e salvação das almas.
A LEI
Ao pensarmos na organização da sociedade e de suas leis, podemos entender conjuntamente com Tomás de Aquino que há uma hierarquia nas leis, temos:
1- A lei eterna, que é o governo racional de tudo que há e que é conduzido por Deus, expressando sua vontade, sendo um mistério inacessível para a humanidade.
2- A lei divina, a palavra de Deus presente nas sagradas escrituras, sendo do mesmo modo que a lei eterna, também a expressão da vontade de Deus. Para alcançarmos a lei divina se torna necessário a revelação, a graça e a fé.
3- A lei natural, que está em tudo e ordena os acontecimentos. Trata-se da ordem natural das coisas. Aqui também temos a autopreservação e a necessidade de procriação, de onde a necessidade da formação da família. A lei natural é atingida pela nossa razão, nos proporcionando participar da lei divina.
4- A lei humana. Se esta última estiver em contradição com as anteriores, então se encontra corrompida. Se manifesta por meio das leis escritas e presentes nas sociedades. Quando estas leis são justas e legítimas se mostram de acordo com a lei natural e com a lei divina, sendo esta última uma expressão da lei eterna.
AS CINCO VIAS – ARGUMENTOS PARA PROVAR EXISTÊNCIA DE DEUS
Quanto às provas da existência de Deus, Tomás de Aquino entende que a existência de Deus necessita de uma demonstração racional, mas não aceita como válido o argumento ontológico de Anselmo de propor um ser tão grande que não possa haver maior. Este seria o conceito mais adequado para Deus, mas sua existência em nosso entendimento não faz com que este exista necessariamente na realidade fora de nosso pensamento. Tomás de Aquino nega, portanto, que possamos por meio de um procedimento a priori, sem o uso da experiência, chegar a uma demonstração válida da existência de Deus e que esta deva se dar obrigatoriamente por um procedimento a posteriori, partindo de seus efeitos visíveis e por nós percebidos.
A proposição “Deus existe” é uma verdade evidente em si mesma somente para a mente de Deus, lembremos que em Deus sua essência se identifica com sua existência, mas o que é verdadeiro na inteligência de Deus não o é assim tão facilmente percebido pela inteligência humana, uma vez que esta não tem o poder de perceber de modo direto e intuitivo a essência de Deus e muito menos a inclusão nesta essência de sua existência. Não há como falar em ideias inatas em nosso entendimento, de modo que Tomás de Aquino nega que possuamos uma ideia inata de Deus. Também não se torna possível perceber Deus por meio de nossos sentidos ou imaginação. Todo conceito universal que nosso entendimento constrói é fruto de nossa percepção das diversas individualidades.
Visando provar a existência de Deus, Tomás de Aquino propõe cinco argumentos, chamados de “cinco vias”, por meio dos quais irá demonstrar, partindo daquilo que podemos perceber no mundo físico, a existência de um ser necessário e transcendental. Por ideia básica presente nos cinco argumentos, temos que de uma série causal ordenada não há como ir infinitamente, sendo que em algum momento há de se deter ao encontrar o final da mesma. Todas as cinco vias vão em direção a um mesmo ponto de chegada, no qual temos a existência de um ser necessário, um ser supremo, um ser transcendente, ou seja, e dito com outras palavras, a necessidade da existência de Deus.
As cinco vias são respectivamente 1- movimento, 2- causas, 3- seres contingentes, 4- imperfeição e 5- ordem.
Partindo-se da observação do movimento no mundo ao nosso redor, podemos ir até a chegada no conceito de um motor imóvel que seria a origem de todo o movimento e que não teria algo para move-lo, ou seja, Deus. O sentido dado por Tomás de Aquino ao movimento não é restrito e sim bem amplo, abarcando qualquer mutação ou modificação espacial, quantitativa ou qualitativa, em suma, qualquer mudança de algo que estava em potência para ato. A razão de todo e qualquer movimento não se encontra naquele que se move e sim provém de outro. Segundo Tomás de Aquino, tudo que se move é movido por outro. A cada movimento podemos perguntar sobre o motor responsável por este movimento, se este se move sozinho ou se necessita de outro, até chegarmos por fim ao motor imóvel, que move, mas não é movido.
Partindo-se da observação que tudo a nossa volta tem como origem uma dada causa e que esta causa possui como origem outra causa, de todas estas causas subordinadas podemos ir até a chegada no conceito de uma causa incausada que daria origem as demais causas. Algo não pode ser causa e efeito de si mesmo, logo, cada causa deverá ter uma causa de sua existência. Toda causa deve ser anterior ao efeito e se algo fosse causa de si próprio teria de ser anterior a si mesmo. No final da série causal há de se encontrar uma causa que não tenha causa e que seja a causa de todas as demais. Aristóteles nos fala em quatro causas e aqui utilizamos da causa eficiente.
Partindo-se da observação que todos os seres ao nosso redor são contingentes, que não existem por si sós, que um dia passaram a existir e que antes disto não existiram e que um dia deixarão de existir, podemos ir até a chegada no conceito de um ser necessário, que sempre existiu, que existe e que continuará para sempre existindo. Ser necessário é aquele que tem em si mesmo sua razão para existir, nele sua essência se identifica com sua existência.
Partindo-se da observação que os seres ao nosso redor possuem um certo grau de perfeição, mas não o são de todo perfeitos, podemos ir até a chegada no conceito de um ser perfeito, perfeitíssimo.
Partindo-se da observação que há uma ordem no mundo, ordem esta facilmente observada em tudo por nós, podemos ir até a chegada no conceito de uma inteligência ordenadora, que proporcione ordem ao mundo, que tenha organizado e ordenado a tudo em algum momento, proporcionando a manutenção da ordem que observamos.
As cinco vias nos apresentam cinco provas da existência de Deus. 1- do movimento que leva ao motor imóvel, 2- da relação causa – efeito, que nos leva a uma primeira causa não causada, 3- Tudo que observamos pode ou não existir e sua existência depende de outro, logo, são contingentes, da contingência do mundo vamos a um ser não contingente e sim necessário, 4- constatamos um certo grau de perfeição em cada coisa, donde a necessidade de um ser perfeito, perfeitíssimo, 5- tudo tende a um fim ou finalidade, mesmo não possuindo uma inteligência própria, deste modo, vemos a necessidade de um ser ordenador, uma inteligência ordenadora.
Nesta estrutura lógica presente nas cinco vias, parte-se de um fato (movimento, causalidade, contingência, graus de perfeição, organização), aplica-se a este fato um princípio (tudo que se move é movido por outro, todo efeito tem uma causa, etc.) e por fim se chega à conclusão, que no final da série, pois não teria sentido não ter final e sim um eterno infinito, encontramos a Deus, ou seja, o motor imóvel, a causa não causada, o ser necessário, a perfeição máxima, a inteligência ordenadora.
As três primeiras provas se fundam sobre o princípio da causalidade e as duas últimas sobre o princípio da finalidade, deste modo, as três primeiras podem ser incluídas como prova cosmológica e as duas últimas como prova teleológica (ou seja, voltada a uma finalidade).
REAÇÕES
Em sua época o pensamento de Tomás de Aquino enfrentou forte objeção provinda da tradição neoplatônica e agostiniana que dominava a Igreja desde muitos séculos, também daqueles que faziam uma leitura de Aristóteles, mais fiel aos comentadores árabes e ao próprio texto de Aristóteles. Apesar de grande influência de suas obras enquanto vivo, teve algumas de suas teses condenadas em um concílio após sua morte, em Paris no ano de 1277, e demorou um tempo até a Igreja reconhecer toda a importância e força renovadora de seu pensamento, adotado até hoje na formação em teologia de novos religiosos, começando, inclusive, a desenvolver um recente interesse por parte também dos protestantes por meio do desenvolvimento do conceito de “graça” em Tomás de Aquino, além de toda a sua organização do pensamento religioso cristão e filosófico grego.
CONCLUSÃO
Em Tomás de Aquino temos presentes influências distintas, não somente de Aristóteles, mas também do neoplatonismo, dos padres apologistas, da patrística, de Agostinho de Hipona, de pseudo-Dionísio e outros mais, no entanto, a novidade de Tomás de Aquino está em construir um sistema próprio e original onde mesmo quando se aproveita de partes do pensamento de pensadores anteriores ou contemporâneos seus, o faz de modo que cada qual tenha o seu devido papel e importância dentro do sistema, como se fossem tijolos em sua construção, com um lugar definido e próprio e não somente a soma desconexa de diversos pensamentos. Mesmo as ideias de Aristóteles não estão presentes em Tomás de Aquino como um Aristóteles puro e íntegro, pois, mesmo sendo os mesmos conceitos, por vezes sofrem adaptações coerentes com o sistema estruturado e arquitetado por Tomás de Aquino e eis aqui sua grande originalidade e síntese no que concerne ao pensamento grego e cristão até então desenvolvido.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.
Site: www.doutorsilverio.com
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