Por: Silvério da Costa Oliveira.
A alta Idade Média vai do século V ao X e neste momento temos na filosofia o desenvolvimento da Patrística que recebe este nome por ser conduzida por padres da Igreja que buscavam a conciliação entre os dogmas da Igreja com a filosofia clássica greco-romana. É uma das duas divisões da Idade Média, sendo a outra a baixa Idade Média, século XI ao XV. Há quem fale ainda em uma terceira divisão, sendo esta a Idade Média Tardia (Late Middle Ages) e ocupando a parte final da baixa Idade Média, séculos XII a XV (ou iniciando no século XIII, 1250 a 1500 d.C.).
Alguns filósofos importantes e com características medievais podem não estar contidos dentro desta divisão temporal, tal é o caso, por exemplo, de santo Agostinho (354-430) que se encontra na divisa entre os séculos IV e V, vindo a falecer antes da queda do império romano do ocidente, marco do início da Idade Média, mas com certeza um filósofo com características medievais e que vai marcar profundamente a alta Idade Média. Há quem afirme que a Patrística tem início com santo Agostinho por volta do século IV e prossegue com relativa força até por volta do século VIII. Deste modo e por tal raciocínio, a Patrística tende a surgir quando o cristianismo começava a se expandir por todo o continente europeu, mas partindo do oriente. Também há quem date o início da Idade Média e da Patrística tomando por base a data da morte de Agostinho e há outros, nos quais me encaixo, que datam o início da Idade Média da queda do Império Romano do ocidente e classificam Agostinho como um precursor da Patrística que irá estar presente na primeira fase medieval. Digo precursor por considerar a Patrística como um dos dois movimentos que podem ser considerados parte de uma filosofia medieval, a Patrística na alta Idade Média (século V ao X) e a Escolástica na baixa Idade Média (século XI ao XV). Isto apesar de ser Agostinho a principal influência filosófica nos primeiros séculos da Idade Média.
Se formos buscar os antecessores deste período com base naqueles que se tornaram conhecidos por defender a religião cristã do século I ao V, podemos citar: santo Inácio de Antioquia (35-108), Flávio Justino ou Justino Mártir ou Justino de Nablus (100-165), santo Irineu de Lyon (130-202), Atenágoras de Atenas (133-190), Clemente de Alexandria (150-215/217), Marco Minúcio Felix (viveu entre 150-270), Tertuliano (160-220), Orígenes de Alexandria ou Orígenes de Cesareia ou Orígenes o Cristão (185-253), Eusébio de Cesareia ou Eusebius Pamphili ou Eusébio amigo Pânfilo (265-339), Gregório de Nazianzo ou Gregório Nazianzeno ou Gregório teólogo (329-389), Gregório de Nissa (335-395), Basílio de Cesareia (329/330-379), santo Ambrósio de Milão (340-397), são João Crisóstomo (347-407), são Jerônimo (347-420).
Claro está, aquele que todos hão de realmente considerar como o mais importante dentro da filosofia desta época, por ter influenciado toda a corrente de pensamento que se seguiu depois, mesmo não estando sua vida contida dentro da Idade Média, foi santo Agostinho de Hipona (354-430). Também podemos falar de Isidoro de Sevilha (560-636), Beda (673-735), Severino Boécio (480-524), Pseudo-Dionísio o Areopagita (século V / VI), Máximo o confessor ou Máximo o teólogo ou Máximo de Constantinopla (580-662), João Damasceno (675-749).
Logo após a figura histórica de Jesus Cristo e o início da religião cristã, temos aqueles que divulgam, explicam e defendem a nova religião. No começo eram os apóstolos, a partir do século I d.C., que são chamados por padres apostólicos. Posteriormente teremos os padres apologistas. A filosofia medieval, no tocante as ideias provenientes do cristianismo, tem aí a sua origem que estará presente e irá se desenvolver até o final da Antiguidade, inclusive, gostaria de destacar novamente que santo Agostinho está historicamente entre o final do século IV e início do V, ainda na Antiguidade e, portanto, antes da era da Idade Média.
Podemos, portanto, falar em quatro momentos do pensamento cristão que irá desembocar na filosofia medieval, sendo dois anteriores a Idade Média, que seriam os padres apostólicos e os padres apologistas, e dois dentro da Idade Média, que são respectivamente a Patrística e a Escolástica. A rigor é errado falar em filosofia medieval antes de termos o início da Idade Média e a Patrística deve ser vista começando a par com o pensamento de santo Agostinho, e não antes, cuja influência irá estar presente na alta Idade Média.
Cabe, no entanto, considerar somente a Agostinho como um filósofo medieval, mesmo não estando dentro da Idade Média, por sua enorme influência neste período e por ter desenvolvido estudos de filosofia a par com a doutrina cristã. Os demais padres anteriores a Agostinho não podem a rigor serem considerados como sendo filósofos, pois, além de não terem interesse pela mesma, por vezes poderiam, inclusive, demonstrar desprezo pela filosofia, buscando combate-la e substitui-la pela palavra revelada. Se é para considerar a Patrística como um movimento filosófico, então cabe ser coerente e deixar dentro do movimento somente aqueles que fazem algum uso produtivo da filosofia, para os demais padres cuja preocupação é unicamente religiosa cristã e mantém um afastamento ou mesmo um enfrentamento diante da filosofia, vista simplesmente como “sabedoria pagã” e não como “amor a sabedoria”, não cabe considera-los dentro de um movimento que tenta unir filosofia e religião cristã e sim somente dentro da religião cristã.
A principal orientação filosófica destes padres provinha de Platão e discípulos do mesmo até o neoplatonismo, de modo que conceitos desta filosofia, tais como “o mundo das ideias”, estavam muito presentes e havia a intenção de unificar estes conceitos com os dogmas cristãos. O “mundo das ideias” foi identificado a palavra divina ou mesmo a mente de Deus e incluiu-se o conceito cristão de revelação, pelo qual o humano poderia entender a Deus. Estes padres tinham como missão unificar a filosofia e a teologia cristã, dando sentido a dogmas, tais como: imortalidade da alma, haver um Deus único e não vários, a santíssima Trindade, a transubstanciação do corpo e sangue de Jesus Cristo no pão e vinho na eucaristia, e outros mais.
Neste período histórico temos as consequências da queda do Império Romano do ocidente, a implantação do modelo feudal, o resultado das invasões germânicas (chamados de povos bárbaros pelos romanos, por serem estrangeiros, terem valores e cultura diferentes e não falarem latim) e seu estabelecimento em definitivo na região. São, portanto, muitas as transformações pelas quais passa a Europa neste período. Durante este período o uso da moeda e o comércio diminuíram drasticamente, também houve a troca das cidades pelo campo numa busca de segurança. As cidades começaram a ser menos abastecidas, também foram presas mais fáceis para saqueadores e diminuíram em tamanho.
Durante este período a Igreja se afirma não somente como uma força religiosa, mas também como uma força política e econômica. Deste modo a Igreja Católica tende a se tornar uma instituição muito poderosa e toma para si o modelo romano de títulos e administração, mantendo, inclusive, sua sede em Roma, que era a capital do império.
A alta Idade Média terá na filosofia o desenvolvimento de um pensamento formado por conceitos oriundos da filosofia greco-romana e também oriundos da dogmática cristã em desenvolvimento. Sua principal corrente filosófica será a Patrística tendo como representante máximo a Agostinho de Hipona. Para que fique claro e dentro de uma divisão lógica racional, não cabe falar em filosofia medieval antes da Idade Média, mas podemos falar, sim, de precursores e antecedentes que irão ter um papel significativo durante o período histórico.
Dentro da filosofia medieval cabe falar em dois momentos, sendo o primeiro a Patrística e o segundo a Escolástica. O que ocorre antes da Idade Média deve receber outro nome, para não confundir. Mesmo tendo a presença de padres da Igreja, não cabe usar o nome Patrística, deixando este para o momento histórico referente a Idade Média. Para a Antiguidade, podemos falar inicialmente em padres apostólicos, a partir da morte de Jesus, já no século I, seguidos de padres apologistas. Lembremos que da mesma forma que temos aqui padres e cristianismo, também temos neoplatonismo, Platão e Aristóteles e do mesmo modo que não cabe propor o surgimento da Patrística no século V ou IV a.C, também não cabe propor seu surgimento no século I d.C, mas sim falar em precursores importantes e antecedentes provindos de distintas fontes. Detalhe que antes de Agostinho a relação destes padres com a filosofia não era muito amigável, pois seu interesse não estava na filosofia e sim na palavra revelada, sendo a filosofia por vezes vista como uma aliada dos “pagãos” e contrária a revelação. Deste modo a filosofia deveria ser combatida em prol dos dogmas religiosos cristãos que se desenvolviam.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.
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