Por: Silvério da Costa Oliveira.
Magia em Giordano Bruno
Giordano Bruno (1548-1600), grande filósofo do século XVI, falece aos 52 anos de idade vitimado pela santa inquisição que o condenou a ser queimado vivo em praça pública, após oito anos de prisão (sendo 1 em Veneza, e 7 em Roma). Neste pequeno livro, “De Magia”, Bruno apresenta uma sistematização dos princípios universais presentes na prática da magia, ao mesmo tempo em que busca obter uma melhor compreensão sobre a relação existente entre de um lado o indivíduo, e do outro lado, o universo, o microcosmos e o macrocosmos.
O livro, sem um título dado por Bruno, mas que mais tarde ficou conhecido por “De magia” ou “Tratado da magia”, não chegou a ser publicado pelo autor e, portanto, não teve o acabamento necessário a uma publicação, foi ditado ao discípulo Jerônimo Besler, quando de uma estada na cidade de Frankfurt, em 1590 / 91.
No livro, Bruno apresenta várias definições para o que seja a magia e o mago. No seu entendimento, a magia é um tipo de conhecimento válido. Discorre sobre os diversos elementos presentes no universo, dos mais simples aos mais elevados e as influências que um possa exercer sobre o outro. Desenvolve a ideia que o mago pode exercer influência sobre os elementos. No fundo, temos a tese por ele defendida de que existe uma continuidade entre ideia, palavra, símbolo, coisa concreta, substância e os seres vivos. Pode-se deste modo argumentar que há uma continuidade entre o que falamos e os elementos presentes no universo. Havendo esta comunicação entre palavras e coisas, podem as palavras exercer influência sobre o mundo físico.
O livro começa com Bruno apresentando 11 possíveis definições para o mago e a magia, e nos informando que haverá tantos tipos possíveis de definições para a expressão “magia”, quanto os tipos de magos. Inicialmente nos lembra que o termo mago, no passado, fazia referência a uma pessoa que fosse sábia. Nos lembra também que a magia esteve presente no decorrer da história em todos os povos e culturas. Mas vamos, resumidamente, as onze definições propostas por Bruno.
1- a magia é entendida como a sabedoria e conhecimento. O mago é entendido como sendo o sábio.
2- magia natural, são os prodígios produzidos pela aplicação dos princípios ativos aos passivos, ou seja, as propriedades elementais: aquecer, esfriar, umedecer e secar. Comum na medicina e na química.
3- magia dos prestígios e dos prestidigitadores, que conseguem provocar a sensação de maravilhamento em seus espectadores, por meio de causas naturais objetivando efeitos que pareçam sobrenaturais. São os mesmos prodígios citados no item dois e presentes na medicina e química, mas cujas circunstâncias levam a crer tratar-se de algo mais, decorrente da natureza ou de uma inteligência divina.
4- magia natural por simpatia ou antipatia: é a aplicação das virtudes de simpatia e antipatia presentes nas coisas. Aqui, por simpatia e antipatia, temos uma referência à analogia entre os espíritos, à aplicação das propriedades elementais, ou mesmo ao fenômeno do magnetismo. A atração ou a repulsão que determinadas substâncias podem exercer umas sobre as outras.
5- magia matemática ou filosofia oculta, algo intermediário entre a magia natural e a magia extranatural ou sobrenatural: é quando aos princípios ativos e passivos (entendidos como naturais) se juntam elementos abstratos (entendidos como sobrenaturais), por exemplo, cantos, relações entre números, imagens, selos, caracteres e letras, aos quais possam ser atribuídos valores, fossem estes astrológicos, numerológicos ou cabalísticos.
6- teurgia, magia trans-natural ou magia metafísica, o culto e invocação às potências exteriores à consciência do mago, fazendo referência a deuses, demônios ou heróis, através de preces, consagrações, ritos, sacrifícios ou cerimônias religiosas.
7- necromancia, quando o culto não se dirige aos deuses, demônios ou heróis, mas sim às almas dos mortos, fazendo uso de partes dos cadáveres.
8- no encantamento acrescenta-se fragmentos de coisas vinculadas a pessoa, sejam roupas ou mesmo excrementos, qualquer coisa que possa ter tido contato físico com a pessoa. Esta prática pode ser usada para o bem, como no caso dos curativos e os remédios usados por médicos e curandeiros e que possuem a finalidade de, estando em contato com a pessoa doente, poderem curá-la, ou também, se este for o caso, atuarem de modo prejudicial a esta pessoa, podendo mesmo leva-la à morte.
9- os adivinhos e as profecias, presentes nas muitas formas de adivinhação, organizadas em torno dos quatro elementos (fogo, ar, água e terra), como tal é o caso da: piromancia, geomancia, hidromancia, e outras mais.
10- Mago e magia também podem ter uma definição infame, longe das definições acima elencadas. Neste caso mago passa a ser entendido como um louco que fez um pacto com o demônio, por meio do qual se tornou capaz de prestar auxílio ou provocar dano. Usado pelos “bardocuculli” ou “encapuzados” (monges e frades) e celebrizado no livro “Malleus maleficarum” ou “Martelo das feiticeiras”, de uso de inquisidores alemães.
11- a magia presente no mago é a sabedoria aplicada. O conhecimento e o poder para agir. Segundo Bruno, “esta palavra mago designa um homem que alia o saber ao poder de agir”.
A noção de magia no decorrer do século XVI, em particular na Itália, mas também presente no restante do mundo, se mesclava a outros saberes, tais como a ciência que estava nascendo, a filosofia e a medicina. Enquanto a magia faz uso da técnica, esta se assemelha à ciência e por sua vez, as descobertas científicas tinham o efeito de maravilhar as pessoas, do mesmo modo que a magia. Por tal modo, ciência e magia fazem uso da técnica e maravilham, por seus resultados, as pessoas. Mais que uma prática presente a uma tradição restrita, a magia tende a se mostrar como uma forma de sentimento vinculado ao maravilhoso diante do conhecimento da natureza.
Bruno se mostra adversário da ideia de um universo finito, presente na filosofia de Aristóteles e de outros gregos antigos, entende ser o universo infinito, com outros mundos ao redor de outros sóis e com a possibilidade e habitantes nestes outros mundos. Tal concepção não é mera hipótese e sim tida com Bruno como algo real e verdadeiro. Em uma abordagem devedora do antigo panteísmo presente em outros autores, defende que todo o universo está cheio de potência divina. Deus está presente a tudo. O universo não possui um centro onde possa ser encontrado Deus, se não há um centro, então todos nós somos centros de nosso próprio universo.
Giordano Bruno nos apresenta um modelo do cosmo tripartido entre: natural, mental e arquetípico. Não há neste livro uma diferença real entre ciência, magia e religião. A magia recebe onze definições possíveis, sendo que Bruno tende a adotar a definição de magia como sendo ter o conhecimento e o poder para agir, ou seja, uma sabedoria aplicada. o mago é aquele que alia o saber ao poder de agir.
Segundo Giordano Bruno, temos a existência de três mundos, o arquetípico (ou divino), o natural (ou físico) e o racional (ou intelectual). A magia, por sua vez, tende a se apresentar de modo semelhante a uma teoria do conhecimento, estando esta última dividida em três graus, a saber: divina, natural e matemática. Cada um destes graus presentes na magia se reporta a um dos três mundos acima citados, de modo a possuirmos três distintas formas para apreender todo o universo. Podemos, portanto, afirmar segundo Bruno, que temos um mundo natural, um mundo intelectual ou matemático e um mundo divino ou arquetípico, no entanto, não se trata de mundos fisicamente separados e sim como algo mais semelhante a reflexos, um do outro, em espelhos. Três distintas formas de observarmos o mesmo universo, ser único, enorme animal. A magia divina e a magia natural são sempre boas, já a matemática pode ser boa ou má de acordo com seu uso.
A magia matemática recebe este nome não em decorrência das categorias da matemática comumente conhecidas (geometria, aritmética, óptica, música, etc.) mas sim pelas semelhanças com estas categorias. A magia assemelha-se à geometria pelo uso de figuras e símbolos. Assemelha-se à música pelo encantamento. Assemelha-se à aritmética pelos números e cálculos. Assemelha-se à astronomia pelos períodos e movimentos. Assemelha-se à óptica pelo fascínio do olhar.
No transcorrer do texto admite a existência de seres espirituais com variados graus de evolução e dependência do que seres humanos possam lhes ofertar ou oferecer. Estes seres espirituais possuem todos um certo grau de materialidade, mesmo sendo uma matéria mais sutil. Podendo os mesmos exercer uma ação mais ou menos maléfica ou benéfica para com os seres humanos.
Bruno também faz uma análise sobre as criaturas espirituais, uma demonologia que é ampliada até abarcar anjos, espíritos, demônios e os Deuses. Também trata dos vínculos que permitem ao mago uma ligação entre mundos e realidades no tratamento da arte mágica, são os vínculos com os espíritos. Nos fala de cinco vínculos.
Sobre os vínculos dos espíritos, nos fala sobre sua origem na razão do agente, na matéria e na aplicação, trata-se, portanto, de uma origem tripla. Fornece como exemplo o de um músico (agente) com grandes conhecimentos sobre sua arte, que, no entanto, precisará de um instrumento musical de boa qualidade (matéria) para o melhor desenvolvimento de sua arte musical (aplicação).
1- No primeiro vínculo temos a contaminação, pelo qual o mago pode chamar a si as virtudes de uma planta ou pedra. A água ao ser misturada com (1) água ou com (2) vinho, temos uma mistura totalmente compatível, a água não pode ser separada da (1) água e o (2) vinho dificilmente terá suas partículas separas da água que lhe foi acrescentada, pois há uma total contaminação, isto já não ocorre se misturamos água com óleo.
2- no segundo vínculo temos a voz e o canto: A capacidade do canto e da poesia em produzir “encantamento”.
3- no terceiro vínculo temos aqueles que procedem de nossa vista. Aqui trata-se de gerar uma fascinação por meio do olhar.
4- No quarto vínculo temos a imaginação.
5- No quinto vínculo, temos que este procede da faculdade intelectiva. Neste vínculo a noção de imaginação é ampliada e combinada com a de fé.
Em Bruno a magia tem como objetivo unir o céu com a terra, o divino com o natural, neste tocante, a magia tem em comum com a matemática ser algo intermediário entre estes dois mundos. A magia se assemelha, portanto, ao mundo matemático ou racional, no qual temos a predominância do imaginário, o qual foi criado pelo mundo divino ou arquetípico por meio do mundo natural, sendo possível para o mago realizar o caminho inverso, ou seja, por meio do mundo natural (pedras, ervas, etc.) e com o uso da imaginação, alterar o mundo divino. Por tal modo, é a imaginação o verdadeiro mediador entre o mundo natural e o mundo divino, a porta de entrada para todos os espíritos.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.
Site: www.doutorsilverio.com
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