Por: Silvério da Costa Oliveira.
Martinho Lutero (Martin Luther)
Martinho Lutero (1483-1546) estudou direito, teologia e filosofia. Em 1505 ingressa no convento, tendo se ordenado sacerdote em 1507. Quando em 1510 visita Roma em missão representando seu convento agostiniano, encontra uma cidade cheia de problemas e um clero corrompido. Esta visita há de marcar bastante a Lutero. No ano de 1517 afixa na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg suas 95 teses contra as indulgências, sendo que neste momento não se opõe à autoridade de Roma. Em 1518 é chamado a Roma para explicar as suas teses, mas por intervenção de algumas autoridades, é dispensado de ir, em seu lugar recebe a visita de um representante do papa. Em 1520 o papa Pio X condena por meio de uma bula as doutrinas de Lutero. Em janeiro de 1521 é excomungado. Em abril de 1521 participa da Dieta de Worms, sob salvo conduto do imperador Carlos V. Após a sua participação na Dieta de Worms, quando retornava com outro frade para sua cidade, é sequestrado e levado em segurança para o castelo de Wartburg a mando de Frederico III, o sábio. Em 1531 (publicada em 1534) termina sua tradução da Bíblia, Antigo e Novo Testamento (Lutero termina a tradução do Novo Testamento entre 1521 e 1522 e publica-o em setembro de 1522), para a língua alemã. Antes desta tradução já existiam outras do latim para o alemão (baixo e alto alemão), mas a tradução de Lutero foi mais marcante e importante historicamente, mesmo não sendo a primeira. Lutero traduziu diretamente do hebraico o Antigo Testamento e do grego o Novo Testamento, para o alemão.
Alguns consideram como marco inicial da Reforma Lutero ter afixado na porta da igreja as suas 95 teses, escritas em latim, no ano de 1517, sem dúvida, fato mais conhecido e divulgado até os presentes dias (mesmo podendo não ser verdadeiro em sua íntegra, pois, apesar de ter escrito as teses e as divulgado, há questionamentos sobre se teria ou não fixado as mesmas na porta da igreja), no entanto, outros comentadores entendem o ano de 1530 como o marco do princípio do Luteranismo, com a “confissão de Augsburgo”.
No século XV, mais especificamente entre os anos de 1439 e 1400, Gutenberg inventou e desenvolveu a imprensa com tipos móveis, o que foi bem útil para a divulgação das ideias de Lutero no século seguinte. As 95 teses foram impressas, traduzidas para o alemão e outras línguas, em algumas semanas toda a região de língua alemã já tinha acesso as mesmas e em dois meses, toda a Europa. Este pode ser considerado o primeiro evento no qual a invenção da imprensa exerceu um papel de suma importância na distribuição e divulgação das novas ideias presentes neste documento para uma ampla região e população.
O pai de Lutero tinha o desejo de ter um filho advogado e funcionário público na família, o que daria não somente status, mas também uma melhor condição financeira. Um fato pitoresco é contado para explicar porque Lutero largou os estudos em Direito e se voltou para a vida religiosa. É narrado do seguinte modo: um dia, retornava Lutero após visitar a casa dos pais quando repentinamente foi apanhado por uma forte tempestade com relâmpagos, trovões e raios. Um raio caiu bem perto dele, quando caminhava pela estrada e eram muitos raios cortando os céus e caindo. Neste momento de desespero fez uma promessa a santa Ana que caso a tempestade parasse e ele pudesse sair dali a salvo, entraria para a vida religiosa, tornando-se um monge. Como a tempestade parou, Lutero cumpriu sua promessa e ingressou na Ordem Agostiniana em Frankfurt, no dia 17 de julho de 1505.
Dentre as reformas adotadas estava presente a que abolia o celibato presente na vida religiosa da Igreja de então, a partir disto, no ano de 1525 Lutero casou-se com Catarina de Bora (Katharina von Bora) com quem teve seis filhos. Catarina, por sua vez, era freira, mas com a Reforma havia abandonado seu convento.
Há também um lado obscuro em Lutero na visão dos dias atuais, pois, se comportava e defendia o antissemitismo. Até o ano de 1536 se colocava de modo entusiástico a favor da conversão dos judeus ao cristianismo, mas como encontrou muitas dificuldades na concretização deste projeto, muda seu enfoque e já em 1543 publica “Contra os judeus e as suas mentiras”, trabalho no qual apresenta grande oposição ao judaísmo. Lutero chegou mesmo a defender que ateassem fogo às sinagogas e escolas judaicas, afirmar que os judeus deveriam ter suas casas destruídas, seus bens e também seus livros religiosos apreendidos.
O início do movimento e as 95 teses, teve sua origem na oposição feita por Lutero a venda de indulgências, ou seja, prática comum autorizada pelo papa, na qual as pessoas podiam pagar e deste modo comprar, o perdão de seus pecados e sua salvação. Na época, a venda de indulgências objetivava arrecadar fundos para a construção da Basílica de São Pedro, no Vaticano.
O problema com a não aceitação da venda de indulgências se tornou mais claro com a visita a cidade de Lutero de um representante do papa para tal finalidade, o monge dominicano Johan Tetzel, que tinha como atribuição principal vender indulgências por toda a região da Alemanha e do qual temos um ditado que lhe é atribuído, a saber: "Tão logo uma moeda na caixa cai, a alma do purgatório sai."
Além da venda de indulgências, outra questão debatida e criticada por Lutero em seus sermões e escritos era a simonia, ou seja, a venda de coisas vinculadas a religião, sejam cargos na Igreja, ou supostas relíquias sagradas.
Outra questão também presente é a corrupção e decadência da Igreja presente não somente na venda de indulgências e na simonia, mas também no que alguns chamam de nicolaismo, doutrina pela qual os padres católicos podiam casar e terem mais de uma mulher, poligamia. Na prática o que temos é que apesar do voto de celibato, era comum encontrar pessoas do clero com relacionamentos e mesmo filhos provindos de tais relacionamentos. Podiam ter esposas não oficiais ou mesmo se relacionarem abertamente com prostitutas. Em Roma, segundo alguns comentadores do período, havia inclusive, bordel só para religiosos. O termo “nicolaismo” surge primeiramente como uma heresia na Igreja, sendo mencionado no Apocalipse. Seu significado inicial em grego era “conquistador de pessoas”, tendo como sentido a aceitação da poligamia ou o compartilhamento de esposas.
Temos, portanto, em Martinho Lutero, frade agostiniano, da Igreja católica apostólica romana, aquele que irá ser o responsável por dar início a um movimento de contestação de várias práticas então aceitas e presentes na Igreja no século XVI.
Destaca em seus escritos o caráter preponderante da fé para a salvação. A salvação se dá somente pela graça de Deus e o único livro sagrado se encontra nas Escrituras (Bíblia). Há uma separação quase que completa entre fé e obras, bem como, entre religião e ética. Também é negada a teologia natural.
Lutero acabou formulando implicitamente o princípio das cinco “solas” (somente): 1- fé, 2- escrituras, 3- Cristo, 4- Graça, 5- glória somente a Deus. A formulação explícita destes cinco princípios não foi feita por Lutero ou seus contemporâneos, e sim somente ocorre no século XX, por meio de um teólogo católico, visando resumir a doutrina luterana.
Sola fide (somente a fé)
Sola scriptura (somente a Escritura)
Solus Christus (somente Cristo)
Sola gratia (somente a graça)
Soli Deo gloria (glória somente a Deus)
Os princípios da reforma protestante apresentados pelo pensamento de Lutero têm alguns pontos centrais, como, por exemplo: a ideia do sacerdócio universal dos crentes, a justificação pela fé, a autoridade exclusiva da Bíblia em questões de fé, a pessoa salvadora de Cristo, bem como, só admitir dois sacramentos, o batismo e a eucaristia, enquanto eram sete os sacramentos presentes na Igreja Católica. Entenda que o casamento ocorre, mas não é entendido como um sacramento do mesmo modo que na Igreja Católica, onde não é possível a separação após a união por Deus, pois, cabe a possibilidade de separação em um casamento protestante luterano, mais se assemelhando a um casamento civil.
Vários fatores estiveram presentes e tornaram possível o sucesso do cisma provocado pela reforma protestante, fatores estes que favoreceram o êxito de um Lutero, e cuja ausência anos antes, em Florença, Itália, levaram Savonarola ao fracasso com sua tentativa. Lutero se mostrava insatisfeito com a situação religiosa que via na Igreja e há comentadores que vinculam esta insatisfação a sua viagem a Roma, motivada por questões relacionadas a ordem da qual fazia parte como membro do mosteiro, em 1510, Lutero teria presenciado fatos que o levaram a concluir pela falta de espiritualidade e corrupção entre os religiosos.
O bom êxito da Reforma tornou-se possível na medida em que Lutero teve adesão popular e de nobres alemães. Enquanto que os nobres percebiam este movimento como capaz de enfraquecer o poder do papa, diminuindo a influência da Igreja no poder secular, bem como um modo de se abster dos impostos devidos a Igreja, por sua vez, os camponeses vislumbravam neste movimento uma via de combate a opressão e a pobreza então reinante em sua região, o que gerou uma série de revoltas camponesas apoiadas por outros líderes religiosos, pois, Lutero pessoalmente não era a favor de tais revoltas camponesas, em parte pela violência explicitamente presente.
Podemos afirmar que as atitudes tomadas por Lutero foram pautadas em sua pessoal indignação e pela discordância com os então costumes e práticas adotadas pela Igreja. Com a Reforma, passamos a ter três grandes vertentes do cristianismo: A Igreja Católica, a Igreja Ortodoxa e a Igreja Protestante, fruto da Reforma. A Reforma também exerceu profunda influência em diversos setores da sociedade, bem como na economia e na política, além da educação, onde também proporcionou uma reforma no modo de educar, no sistema de ensino alemão, inaugurando o que podemos chamar de escola moderna. Pelo entendimento presente na Reforma, era importante ler a Bíblia para obter a salvação e para isto era necessário saber ler.
Na época histórica em que se encontrava Lutero, a educação era organizada e mantida somente pela Igreja. Coube a Lutero defender que fosse organizado um sistema educacional de frequência obrigatória e mantido pelo Estado e não pela Igreja. As alterações propostas por Lutero na educação abrangem a sua organização, seus princípios e fundamentos, defendendo que a educação seja dada a todos.
Após o começo da Reforma com Lutero, tivemos vários outros líderes que conduziram a reforma para um caminho próprio e particular, havendo, portanto, divisões no movimento, e não uma, mas várias Igrejas protestantes, que, inclusive, entravam em conflito entre si. Tivemos, portanto, diversas guerras religiosas nas quais se verteu muito sangue. Foram guerras entre católicos e protestantes, bem como, guerras entre os próprios protestantes, a partir das divisões ocorridas dentro da Reforma. O protestantismo não nasce uno com a Reforma, e sim múltiplo, e como tal se apresenta até os dias presentes.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.
Site: www.doutorsilverio.com
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