Por: Silvério da Costa Oliveira.
Francisco Suárez
Francisco Suárez
(1548-1617) ou Doctor Eximius et Pius (Doutor Exímio e Piedoso), nasceu em
Granada, na Espanha, em 5 de janeiro de 1548 e veio a falecer em Lisboa,
Portugal, em 25 de setembro de 1617. Dentre suas principais obras podemos citar
“Disputationes Metaphysicae” (Disputas metafísicas), “De legibus” (Das leis),
“Defensio fidei catholicae” (Defesa da fé católica). Considerado por alguns
comentadores, conjuntamente com Francisco de Vitória, como um dos principais
membros da Escola de Salamanca, seu sistema por vezes é conhecido como
“Suarismo”.
Atuou como
jurista (estudou Direito em Salamanca entre 1561-1564), filósofo e religioso da
Ordem Companhia de Jesus (Jesuíta), tendo ingressado na Ordem em 1564 ao
abandonar os estudos em Direito. Em 1571 toma o hábito. Dedicou sua vida à
atividade como professor. Apesar da época histórica, é um representante da
Escolástica, no pensamento medieval tardio. Um dos principais expoentes da
Escola de Salamanca e o início da segunda Escolástica. A partir dele o
movimento renascentista se encaminha para o Barroco. Exerceu influência em
Leibniz, Grotius, Samuel Pufendorf, Shopenhauer e Heidegger. Também com certeza
foi lido e inspirou a Descartes, Spinoza, Wolff, Vico, Berkeley, Hume, Weltheim
e Heerboord, deixando rastros em seus sistemas que apontam para o pensamento e
obra de Suárez.
À época de Francisco
Suárez haviam três vias distintas que se destacavam na herança medieval: a de
Tomás de Aquino, a de Guilherme de Ockham e a de Juan Duns Escoto. Neste
tocante, Suárez se mostra um eclético, se bem que tente apresentar uma
contribuição própria, em particular no que se refere à metafísica. Apesar das
diversas citações de Aquino e de alguns o verem como tomista, penso mais certo
o posicionamento de outros comentadores que o aproximam mais do nominalismo
presente em Ockham e entendem que Tomás de Aquino jamais concordaria com a
interpretação de seu pensamento e obra, dada por Suárez.
A grande questão
com se debate Suárez, então marcando profundamente a cristandade de seu tempo
histórico, é a reforma protestante e a contra reforma católica. Neste tocante,
Suárez foi o teólogo mais importante da contra reforma. Também presente em
Suárez temos a questão política envolvendo a origem do poder do soberano, onde
muitas vezes seus trabalhos se contrapõem às teses defendidas pelos
protestantes e também pelo rei Jaime I da Inglaterra, que ao afirmar que seu
poder provinha diretamente de Deus e não sofria mediação, se opunha ao poder do
papa. Outro ponto importante em Suárez é a discussão sobre o tema da
metafísica, o qual ganha destaque em particular por este escrever um livro onde
já no título (Disputationes Metaphysicae) se propõe a discutir a metafísica e
não somente a comentar a metafísica de Aristóteles.
Suárez faz uso
da já tradicional classificação presente na Escolástica para as leis, sem maior
originalidade de sua parte, deste modo temos as leis: eterna, natural e humana.
Deus ocupa o lugar de onde se originam todas as leis. A lei eterna é dada por
Deus fazendo uso de sua infinita sabedoria e as demais devem ser conformes a
esta lei eterna, variando gradativamente. Suárez vincula a salvação à
observância da lei justa.
Também
diferencia e divide a lei em: lei eterna, lei natural, direito das gentes, lei
positiva humana (direito civil) e lei positiva divina (dez mandamentos). É
reconhecido por alguns comentadores como um dos mestres do direito
internacional. Seu pensamento sobre filosofia política encontra-se nas obras
“De legibus”, Coimbra, 1612, e “Defensio fidei catholicae, Coimbra, 1613.
Na lei civil
entende que toda lei supõe que haja um legislador e por sua vez a existência de
um legislador pressupõe a existência de uma autoridade. Entende que a sociedade
civil é natural para o humano e tem sua origem em Deus, que é o criador da
natureza. Acompanhando Aristóteles, entende que o humano é um animal social e
político, portanto, tende a viver em sociedade.
Apresenta uma
contribuição ao conceito de “soberania”, segundo a qual o poder provém de Deus
e é atribuído a toda comunidade política, mas diretamente o poder é dado pelo
povo ao governante.
Segundo
Francisco Suárez, na formação de qualquer sociedade civil, primeiro surge o
poder político como algo natural, mas este, no entanto, não é recebido
diretamente de Deus e sim por intermédio da sociedade organizada. É a sociedade
organizada quem há de designar o governante e lhe conferir a autoridade que o
torna o titular do poder. Por sua natureza, o humano é direcionado a viver em
sociedade, sendo que a soberania é uma propriedade do corpo social constituído
em uma sociedade política. Segundo Suárez o poder não é transmitido
imediatamente por Deus e nem um direito divino dos reis a quem o povo deveria
obediência absoluta, o poder dos reis é transmitido imediatamente sim, mas pelo
povo, com a condição destes reis terem como propósito o bem comum. Se o rei
cuidar unicamente de seus próprios interesses e não do bem comum, estaremos
diante da tirania e neste caso o poder pode ser revogável, pois, o fim para o
qual está sendo empregado não legitima a sua transmissão. Cabe, portanto, à
sociedade, ao povo organizado enquanto uma comunidade política, o direito de
deposição de um governante que não atue em prol do bem comum e se porte como um
tirano buscando seus próprios interesses. Mesmo a condenação do rei tirano a
morte, tiranicídio, é possível dentro dos escritos de Suárez.
Suárez separa a
Igreja do Estado, segundo ele a Igreja não deve se intrometer nos assuntos do
Estado e o Estado não deve se intrometer nos assuntos da Igreja. Um não opina
sobre os assuntos exclusivos do outro. A Igreja trata de assuntos vinculados à
espiritualidade e a moral, tendo superioridade sobre o Estado nos assuntos
imateriais, mas a Igreja e o papa não possuem soberania sobre o Estado nos
assuntos exclusivamente temporais. Cabe à Igreja cuidar da saúde da alma de
cada humano e de sua salvação espiritual, já ao Estado cabe cuidar do bem
comum. Ressalta-se que o espiritual tem primazia sobre o temporal, deste modo,
a Igreja é superior ao Estado, mas isto não significa um poder irrestrito da
Igreja, pois, a legitimidade da autoridade da Igreja e do papa se destina a
assuntos espirituais e teológicos, ao Estado, por sua vez, cabe a primazia no
tocante aos assuntos seculares e políticos.
Quando a
sociedade se organiza, o povo ao escolher um rei ou governante, transfere para
este seu poder, sem, no entanto, renunciar aos seus direitos naturais,
conservando-os. O rei não pode ir contra os direitos naturais do povo. O povo
tem a prerrogativa de estipular limites e condições para o exercício do poder
pelo rei. Não se trata de uma mera delegação revogável de poder e sim de uma
transmissão de poder, pois, todo poder provém de Deus, mas quando em uma pessoa
em toda sua concretude é consequência de uma concessão feita pelo povo. Já que
o povo deu o poder ao governante, o povo passa a dever obediência a este mesmo
governante, desde claro está, que o governante busque o bem comum. Não é
diretamente de Deus que o governante recebe o poder e sim por meio do povo
organizado em uma sociedade política. O poder se origina do consentimento comum
entre os que formam a sociedade e que o delegam ao soberano.
Com certeza a
filosofia jurídica moderna e o direito internacional encontram bases de seu
desenvolvimento histórico em Suárez, o qual tende a se mostrar interessante e
instigante mesmo na atualidade de um século XX ou XXI. Na sequência de
publicação de suas obras, suas ideias influenciaram em muito a teologia, tanto
em católicos como também em protestantes. No entanto, sua redescoberta por
parte dos que atuam na área da filosofia jurídica é bem mais recente, se
localizando em torno da segunda metade do século XIX. Não é difícil a partir da
leitura de suas obras, inferir sobre sua influência e antecipação em questões
deveras importantes na era moderna e contemporânea, tais como: a paternidade em
relação ao direito internacional, a antecipação de teses jurídicas e políticas
como o contrato social, a origem do poder no povo, a tese do tiranicídio. E
claro está, o direito das gentes, o direito internacional: jus gentium.
A par com o
pensamento de Aristóteles, que entende ser o humano um animal racional,
político e social, Suárez entende que o poder político faz parte da vida humana
na medida em que este vive em sociedade e só se vivesse isolado de outras
pessoas é que este poder poderia não estar presente. A sociedade é algo
natural, pois, presente na natureza humana. Se não houvesse uma forma de poder
estabelecido na sociedade, cada um individualmente se comportaria de acordo com
seus interesses particulares e não com o bem comum, podendo inclusive agir de
modo contrário ao bem comum. Entende o autor que qualquer sociedade, mesmo que
fosse de anjos, necessita de alguém que exerça o poder de mando, visando
organizar o grupo.
Para entender o pensamento
de Suárez é necessário primeiramente entender o contexto cultural no qual o
mesmo está inserido. Encontra-se ele na península ibérica, atuando entre
Espanha e Portugal, onde há uma forte presença Católica, inclusive por parte
dos reis, e onde o papa exerce forte influência. No restante da Europa temos
transcorrendo em alguns países a reforma protestante e o rei Jaime I da
Inglaterra afirmava sua independência sobre o papado, alegando que seu poder
não era mediado pelo papa e sim outorgado diretamente por Deus. Há um
predomínio de Aristóteles e Tomás de Aquino em uma Escolástica tardia. Mas
mesmo dentro deste contexto histórico, político e religioso, pode Suárez
apresentar respostas a questões de seu tempo, como, por exemplo: a reforma, a
legitimidade do poder do Estado, o direito do povo de resistência política
contra um governo injusto ou tirânico. Encontra-se Suárez em um período de
transição entre o pensamento medieval e o moderno, transição entre uma
sociedade teocêntrica e uma sociedade secular. Em meio a guerras motivadas pela
religião começa a surgir o germe de um direito internacional baseado na razão e
no equilíbrio de poder. Em virtude, talvez, de estar Suárez nesta divisa entre
uma realidade que finda e outra por vir, podemos perceber em sua obra uma certa
originalidade que nos lembra os liberais britânicos, ao mesmo tempo que uma
sutileza que nos traz a mente os medievais, em particular os escolásticos. Se
analisarmos as obras “Defensio Fidei” e “De Legibus” podemos ver em germe as
principais características do liberalismo clássico, a saber: a ideia do
contrato social, a tese sobre o limite do poder do Estado e também a defesa dos
direitos naturais.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa
Oliveira.
Site: www.doutorsilverio.com
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