Por: Silvério da Costa Oliveira.
Introdução ao pensamento e obra de Sócrates, Platão e Aristóteles
Sócrates (470/469-399 a.C.), Platão (429/428/427-347 a. C.) e Aristóteles (384/383-322 a.C.) são os três grandes filósofos da Antiguidade e que influenciaram tudo que veio depois, bem como, praticamente conhecemos o que veio antes por meio da análise e interpretação do que estes três filósofos disseram sobre seus antecessores. Aristóteles é discípulo de Platão, que por sua vez é discípulo de Sócrates.
Desde a criação da filosofia com Tales de Mileto (640/639 ou 624/623-548/545 a.C.) no sétimo século antes de Cristo e seus estudos sobre a “Physis”, física ou natureza, seguido por outros interessantes filósofos hoje por nós conhecidos como pré-socráticos ou filósofos da natureza, o interesse e estudo se dava prioritariamente pela formação do mundo, do universo, do cosmos. Coube ao filósofo Sócrates, no quinto século antes de Cristo, mudar esta ênfase para o humano. Claro que contemporaneamente a ele tivemos também o movimento sofista, cuja ênfase também se deslocou da natureza para o humano, mas de modo diverso do de Sócrates. Os sofistas eram professores itinerantes e cobravam pelos seus serviços, bem como ensinavam voltados para um fim vinculado a ter êxito nos seus negócios e interesses dentro da sociedade. Apesar de ensinarem tudo que fosse do interesse de seus alunos, boa parte do seu trabalho se voltava para a prática da retórica e o ensino sobre a relatividade do conhecimento.
Sócrates troca a retórica dos sofistas pela maiêutica, ou seja, o parto das ideias, buscando não a relatividade do conhecimento ou a persuasão de seu interlocutor, mas sim a verdade, e morreu pelos seus princípios, podendo ter evitado esta morte. Esta ênfase na busca da verdade será passada para seu discípulo Platão e, posteriormente, para Aristóteles. Em Platão o método será a dialética e Aristóteles irá desenvolver a lógica, mas com o mesmo objetivo de aclarar o que é dito e favorecer o encontro da verdade.
Sócrates tem toda a sua vida e obra desenvolvida em sua cidade, da qual não quis sair nem para evitar sua própria morte, a cidade de Atenas. Escutando sempre seu “daemon”, demônio interior, no que devia evitar e no que devia buscar, em verdade, buscou nunca se afastar de sua “consciência moral”, seguindo os caminhos por esta apontados. Nada escreveu em sua vida, mas sua obra nos foi entregue pelos seus discípulos, seja pelas escolas socráticas menores (fundadas por quatro de seus discípulos, mas teremos ao todo cinco escolas socráticas menores) ou pelos diálogos de Platão, onde seu mestre aparece como personagem. A filosofia é entendida como um empreendimento coletivo, cuja palavra escrita trai o espírito vivo da filosofia. É pelo diálogo que se proporciona o nascimento e amadurecimento de novas ideias na busca da verdade.
A busca de Sócrates pela verdade esteve próxima de questões morais e éticas, usando do diálogo e partindo do particular em direção ao mais geral, ao universal, deste modo, apresentando uma forma do método indutivo. Pelo modo como Sócrates viveu e morreu, nos afirma que não devemos temer a morte, no seu lugar devemos viver e morrer bem. Viver bem é viver com justiça e na busca pela verdade, que é igualada ao Bem. Também em Sócrates fica nítido que quem pratica o mal o faz por desconhecer o bem, se conhecesse o bem não praticaria o mal. Bem, justiça, virtude e sabedoria se vinculam e igualam no pensamento de Sócrates.
Pelo método socrático, a maiêutica, busca-se destruir as falsas crenças no que seja a verdade, baseadas na opinião, doxa, e ir em direção a episteme. É necessário destruir as falsas crenças para que o conhecimento verdadeiro possa emergir. No método socrático, a maiêutica atua junto com a ironia na destruição da doxa e busca da episteme. Sócrates não fundou sua própria Escola de Filosofia, mas Platão fundou a Academia e Aristóteles o Liceu.
Se Sócrates nada escreve, Platão escreve muito, mas quase sempre em forma de diálogo, tentando manter vivo o frescor de uma conversa entre duas ou mais pessoas. A ênfase continua no humano e também na busca de uma melhor constituição ou de uma melhor legislação que permita a construção de uma cidade ideal, onde esteja presente a justiça e a virtude, cidade esta que ele tentou construir factualmente com suas três viagens a Sicília e também cidade esta que descreveu em seu livro “A República” como sendo “Kallipólis”, ou no seu livro “As Leis” como sendo “Magnésia”. No primeiro livro defende que o governo seja ocupado por um rei que seja também um filósofo, ou seja, um sábio. Já em “As Leis”, opta por valorizar não uma pessoa, mas sim o conjunto das leis presentes no Estado.
Platão dá prosseguimento aos estudos de seu mestre, mas acrescenta a teoria do mundo das ideias, não presente em Sócrates, onde achamos apenas conceitos universais formados pela indução. Para Platão, teríamos a existência ontológica dos universais, pois, as ideias perfeitas preexistiriam às coisas. Passamos a ter em Platão uma divisão em dois mundos, aquele que percebemos é o mundo sensível, da doxa, da opinião, sujeito ao erro, e há um outro mundo, o das ideias ou formas perfeitas, que não percebemos pelos nossos sentidos e sim pelo uso de nossa razão e por meio da dialética, é o mundo inteligível. Uma solução dada para o dilema entre a eterna mudança presente na filosofia de Heráclito e a eterna permanência, imutabilidade e imobilidade presente na filosofia de Parmênides expressa no poema da deusa.
Platão também defende a imortalidade de nossa alma racional e uma teoria da reminiscência, pela qual aprender é recordar o que nossa alma havia visto quando presente no mundo das ideias. Visando a evolução, a alma passaria por sucessivas reencarnações em distintos corpos e épocas. O corpo humano é mortal, mas a alma racional é imortal.
Da mesma forma que seu mestre, entende que o humano pratica o mal por ignorância e se detentor do conhecimento sobre o que seja o bem e o mal, escolherá praticar o Bem e não o mal. Iguala o comportamento ético e moral com ser virtuoso. Para ser virtuoso é necessário contemplar o Bem, a ideia do Bem. Apresenta duas metáforas para exemplificar esta ideia, a da luz do sol que quando chega elimina as trevas da escuridão, e a metáfora dos prisioneiros da caverna, que só conhecem sombras projetadas na parede de sua caverna, sombras criadas pela passagem de objetos diversos na frente das chamas de uma fogueira. Estes prisioneiros desconhecem que saindo da caverna há um mundo de luz e objetos mais reais que as sombras as quais estão habituados. Para chegarmos à verdade há necessidade de uma ascensão, por meio do uso da razão, da dialética, do amor pelo Bem e pela ideia pura da beleza.
Aristóteles discorda do mestre com relação a existência do mundo das ideias, para este só há um único mundo e este é o dos nossos sentidos. Enquanto para Platão as ideias atuariam neste mundo por meio da participação, para Aristóteles temos o hilemorfismo, no qual as formas se apresentam sempre em conjunto com a matéria e não há como percebermos uma sem a outra. Já com relação aos universais, estes não teriam uma realidade ontológica como o quer Platão com suas ideias perfeitas habitando o mundo das ideias e preexistindo as coisas, em seu lugar propõe uma realidade lógica e conceitual para os universais, frutos de nossa observação dos seres individuais. Somente os seres individuais teriam uma realidade ontológica. Por meio da indução observamos uma quantidade grande de eventos e criamos uma ideia que os descreve, depois por meio da dedução usamos esta ideia para aplicar a outros fenômenos quando os mesmos se apresentarem a nossa percepção.
Tudo que o humano sabe ele o sabe por meio de um processo de aprendizagem e não por recordação de vidas passadas. Quando nasce a pessoa é uma tábula rasa, não possuindo qualquer tipo de conhecimento. Aristóteles não admite a existência de ideias inatas ou qualquer tipo de conhecimento prévio à experiência oriunda de nossas percepções diante do mundo sensível.
Para entendermos a metafísica de Aristóteles é preciso entender conceitos fundamentais em sua filosofia, tais como: matéria e forma; potência e ato; substância e acidente; o ser; o primeiro motor; a teoria das quatro causas (material, formal, eficiente e final); deus.
Aristóteles também desenvolveu trabalhos sobre lógica dos silogismos, sobre a retórica e sobre poética, este último analisando a arte como forma de proporcionar prazer por meio da catarse de fortes emoções. Aristóteles se dedicou ao estudo de praticamente todas as ciências de sua época, em particular cabe destaque à física, à biologia e à psicologia.
Também muito interessante e importante sua concepção sobre a ética do justo meio. A ética se encaminha para a eudaimonia (felicidade, prosperidade) e tudo se direciona para o Bem, sendo o Bem a finalidade de todas as coisas. O objetivo do humano é alcançar a eudaimonia e para tal cabe atuar de modo ético, político e social. Cabe ao humano fazer o bem as demais pessoas e ao Estado garantir o bem-estar e a felicidade de seus cidadãos.
Quanto à ética, esta se constrói por meio da prática constante, criando o hábito, e não pelo conhecimento prévio do que seja o Bem como o querem Platão e Sócrates. No entendimento de Aristóteles, mesmo conhecendo o Bem e o Mal, a pessoa pode escolher praticar o mal. É a prática constante e não o conhecimento teórico que leva a fazer o bem e ter um comportamento ético.
Enquanto para Platão a visão de mundo é a de um matemático, para Aristóteles a visão de mundo é a de um biólogo e isto irá influenciar em muito na elaboração de suas filosofias. Há comentadores que defendem uma divisão tripartida dos períodos históricos da evolução da filosofia na Grécia antiga. O primeiro período se daria com os filósofos pré-socráticos, com o estudo da “physis” ou natureza, seria o período cosmológico. Com o advento dos sofistas, de Sócrates e dos socráticos, passamos a ter a ênfase voltada para o humano, sendo o período antropológico. Já com Aristóteles a ênfase se daria junto a organização e delimitação da filosofia e das ciências, seria o período sistemático.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.
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