Por: Silvério da Costa Oliveira.
A Reforma religiosa
A Reforma religiosa (século XVI), também conhecida por Reforma protestante, exerceu forte influência sociocultural na história mundial que se irradiou pelos mais diversos campos, passando pela política até a economia. Os comentadores do período não têm dúvidas em afirmar ser Martinho Lutero (1483-1546) o iniciador da reforma, no entanto, não há pleno consenso quanto a data de seu início. Há os que consideram como marco inicial da Reforma o momento histórico no qual Lutero afixou na porta da Igreja do castelo de Wittenbeng as suas 95 teses contra a prática da venda de indulgências, em 31 de outubro do ano de 1517. Outros há que preferem como marco do começo da Reforma o ano de 1530, com a “confissão de Augsburgo”.
Todos concordam, no entanto, que há outros pensadores importantes que antecederam Lutero na defesa de reformas religiosas dentro da Igreja Católica Apostólica Romana, como tal é o caso de: John Wycliffe (1320 a 1328-1384), Jan Hus ou John Hus (1369,1372 ou 1373-1415), Girolamo Savonarola (1452-1498). E outros pensadores que atuaram na Reforma após Lutero ter afixado suas 95 teses, em 1517, como tal é o caso de: Thomás Müntzer (1490-1525), Ulrich Zwingli (1484-1531), João Calvino (1509-1564). Já na Inglaterra, temos o rompimento com a Igreja Católica em 1534, quando o rei Henrique VIII assume a autoridade da Igreja de seu país, criando a Igreja Anglicana.
Portanto, desde o século XIV tivemos pensadores alertando para a necessidade de uma reforma da Igreja e pagando com a própria vida por tal empreitada. A Igreja Católica foi alertada que algo estava profundamente errado e teve tempo e oportunidade para mudar, mas preferiu calar e mesmo matar aqueles que ousavam abertamente questionar, deste modo não resolveu as insatisfações e problemas e abriu espaço para um movimento que resultou em uma cisão que não pode ser contida.
Todos estes pensadores tem um núcleo comum em suas reivindicações, que se encontra junto a corrupção do clero e o afastamento da Igreja de seus fundamentos históricos e primitivos. Não havia de início uma clara tentativa de romper com a Igreja Católica e sim de reforma-la, foi na medida da oposição e intransigência da Igreja que acabou ocorrendo o rompimento definitivo.
O contexto no qual a Reforma eclode é o do Renascimento e Humanismo, que começa na região da Itália e abrange os séculos XIV, XV e XVI. Há o resgate de antigos textos gregos e a tradução para o latim, bem como, posteriormente para as línguas nacionais. Ocorrem mudanças profundas na Europa, tanto no nível político com o surgimento dos Estados nacionais absolutistas; como no nível cultural, onde ocorreu um deslocamento da ênfase antes colocada em Deus, para o homem, uma mudança do teocentrismo medieval para uma forma de antropocentrismo. A economia também muda, de uma economia agrícola baseada na servidão presente na Idade Média, para o início do mercantilismo, marcando os primórdios do surgimento do capitalismo. Novos interesses políticos surgem e o comércio se desenvolve largamente. Também temos um desenvolvimento nas artes, na literatura, nas ciências e na filosofia. Tudo isto somado a invenção da imprensa de tipos móveis. Lutero foi favorecido em sua empreitada pela invenção da imprensa de tipos móveis por Gutenberg no século XV (entre 1439-1440).
Neste novo contexto que começava a surgir e a apontar para mudanças futuras, a Igreja Católica se apresentava como representante do antigo sistema feudal. Em um mundo em transformação que começava a valorizar as diferenças que constroem as nacionalidades, como o idioma e a cultura, a Igreja fazia presente uma antiga ideia de universalidade, contrária à fragmentação em Estados nacionais. A Igreja também era a maior proprietária de terras na época, cobrava o dízimo e outras taxas, além de exercer influência política sobre os príncipes e seus territórios, o que há um só tempo desagradava estes príncipes, como também gerava a cobiça pelas terras da Igreja e pelo dinheiro que escoava de seus territórios (taxas, dízimos, indulgências, etc.) para Roma. Alguns comentadores consideram que a Igreja Católica era proprietária de um terço das terras na região da Alemanha e de um quinto das terras na França. Aliás, o idioma adotado oficialmente pela Igreja, o latim, dava a aparência, para os príncipes, de estar lidando com um Estado estrangeiro e rival. Por sua vez, a nascente burguesia se ressentia pela doutrina então adotada pela Igreja sobre o lucro justo e a condenação da usura (cobrança de juros por empréstimos e acúmulo de dinheiro).
Tivemos presente alguns momentos mais radicais, como a destruição de objetos vinculados ao luxo e obras de arte em fogueiras, bem como a proibição do jogo, da bebida e das festas, por Savonarola e seus seguidores. Savonarola se apresentava contrário à libertinagem do clero e buscando uma educação condizente com a fé cristã. Bem como, também, a revolta dos camponeses encabeçada por Müntzer, por melhores condições de vida.
Lutero e outros mais se opuseram à venda de indulgências (pagar para comprar o perdão de seus pecados e a salvação); a simonia (venda de coisas vinculadas à religião, sejam supostas relíquias ou cargos eclesiásticos); o nicolaismo (apesar da imposição do celibato, os religiosos se relacionavam com mulheres e tinham filhos, fossem esposas e famílias não oficiais, ou prostitutas).
Defenderam a tradução da Bíblia para o idioma falado pelo povo na sua região; que a missa fosse proferida não em latim, mas sim na língua do povo da região; a abolição do celibato entre os religiosos; que a salvação se dá pela graça de Deus e que a única autoridade válida em questões de religião se encontra nos escritos sagrados. Alguns irão defender a importância das obras, outros, como Lutero, somente pela fé e a graça de Deus, e alguns (Calvino) irão destacar a predestinação dos que serão salvos.
O protestantismo não é algo que surja pronto e acabado de uma só vez, teve a participação de vários líderes religiosos, bem como a influência de outros pensadores a margem do movimento, como o caso de Erasmo de Rotterdam, dentre outros. Existem várias divisões discordantes entre si dentro do movimento da Reforma, de modo que este movimento não nasce uno, e sim múltiplo, e como tal se apresenta ainda nos dias atuais.
Interessante notar que para a Igreja Católica Apostólica Romana há uma enorme ênfase na autoridade representada por uma pessoa a frente de um determinado cargo ou de uma instituição, autoridade esta que deve ser respeitada e acatada diante de qualquer tentativa individual de questionar ou interpretar a religião ou os escritos sagrados. Neste caso, mesmo comentadores mais antigos tem primazia sobre a verdade no tocante a alguma divergência com relação ao texto sagrado, trazendo, deste modo, a autoridade dos escritos dos primeiros padres da Igreja e de outros autores medievais. Já no protestantismo não há outra autoridade que não seja a Bíblia e cada qual pode ler e interpretar o texto sagrado, deste modo, podemos também afirmar que a Igreja Católica há de valorizar e muito o coletivismo, onde decisões são tomadas em concílios e baseadas nas opiniões emitidas pela tradição, já o protestantismo há de valorizar o individualismo e a autoridade do texto sagrado interpretado pelo próprio indivíduo, pois, temos o sacerdócio universal e não a dependência de autoridades outras.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.
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