Por: Silvério da Costa Oliveira.
Massacre na escola
Ataque na escola
O problema de ataques homicidas nas instituições de ensino não é algo recente e muito menos se iniciou no Brasil. O primeiro de que temos notícia ocorreu nos EUA no ano de 1927, na cidade de Bath, Michigan. Nesta ocasião um ex-funcionário da escola, Andrew Kehoe, fez uso de explosivos colocados na escola, matando um total de 45 pessoas, dentre as quais estavam 38 crianças. Já em nosso país, o primeiro ataque ocorreu em uma escola no ano de 2002, na cidade de Taiúva, São Paulo. Nesta ocasião, um ex-aluno adentrou armado na escola e atirou em direção aos alunos que ali estavam, o que resultou na morte de três pessoas e em várias outras feridas. Já o caso emblemático mais famoso depois deste primeiro incidente ocorreu em abril/2011, no bairro de Realengo, na cidade e Estado do Rio de Janeiro. O evento consistiu de um homem armado, ex-aluno, Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, que entrou em uma escola municipal e conseguiu matar 12 estudantes e ferir outros 22.
Nos EUA o ataque recente mais emblemático foi o de Columbine, Colorado, ocorrido em abril / 1999, com o uso de armas de fogo, tendo um total de 15 mortes (incluindo os dois agressores) e 24 feridos. As investigações no Brasil apontaram que os responsáveis pelo atentando de Suzano, SP, se inspiraram no caso de Columbine.
Guilherme Taucci Monteiro, 17 anos, e Luiz Henrique de Castro, de 25 anos, foram os agressores, ex-alunos, na escola estadual Professor Raul Brasil, no município de Suzano, São Paulo, em março/2019, sendo que Guilherme Taucci Monteiro é tido como o idealizador. Usavam um revólver 38, arco e flecha, uma besta (um tipo de arco e flecha), coquetéis molotovs, uma machadinha e um dispositivo em uma mala que simulava uma bomba. Foram 10 mortes, incluindo os dois agressores e 11 feridos. Organizadores de novos ataques após esta data tendem a usar de algum modo (e-mail, avatar, etc.) o codinome de “Taucci” numa referência direta a um dos perpetradores do massacre de Suzano SP.
No Brasil, o caso mais recente (abril/2023) foi o ocorrido em março/2023 na escola estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, Zona Oeste de São Paulo, SP. Resultou na morte de uma professora de 71 anos e em quatro feridos. O ataque foi executado por um aluno de 13 anos de idade. Neste ataque não foram usadas armas de fogo, e sim uma faca.
O ambiente escolar em todos os níveis de ensino (creche, escola, universidade) tem sido palco, não de hoje, de várias situações que envolvam agressões físicas e verbais e mesmo o assassinato gratuito de estudantes, professores e demais funcionários, seja por meio do uso de arma de fogo, faca ou outro instrumento que possa ferir ou matar. Além disto, temos também a propagação de notícias falsas sobre a iminência de um novo ataque, seja por meio de pichação nas instalações escolares ou em mensagens colocadas em redes sociais, ameaças estas muitas vezes encobertas pelo anonimato. Tornou-se comum avisar que irá ocorrer um tal evento. Nos avisos dados, por vezes falsos avisos, são determinantes datas que tenham um significado, seja o aniversário de um grande líder político cujo nome seja associado a genocídio, ou a algum atentado famoso ocorrido no passado. Muitas vezes, o objetivo destes avisos é somente criar sensacionalismo e pânico. Atônitos, presenciamos por meio dos veículos de mídia a realização de massacres e banhos de sangue no ambiente escolar.
Podemos nos perguntar, também, quanto às possíveis motivações que levariam uma ou mais pessoas a cometerem estes atos de agressão, no entanto, as respostas resultantes de tal pergunta seriam muito variadas e complexas, ou mesmo, difíceis de serem determinadas com a precisão necessária. Pesquisas na área tendem a apontar algumas possíveis causas que podem ser responsáveis por tais ataques, dentre as quais cabe aqui citar: 1- problemas de saúde mental por parte dos agressores (histórico de problemas mentais, tais como: depressão, ansiedade, transtornos psicóticos, etc.), 2- Assédio e Bullying ocorridos no passado com o agressor (no passado esta pessoa poderia ter sido levada a uma situação de alienação e mesmo exclusão social no ambiente escolar), 3- Facilidade no acesso e conhecimento sobre o manejo das armas escolhidas para o evento, 4- Possível influência motivadora exercida por meio de grupos extremistas ou determinadas ideologias (cujo contato possa ter sido facilitado pela internet, darknet e redes sociais). Podemos falar aqui, portanto, em problemas de saúde mental, bullying / assédio escolar, dificuldades ou problemas familiares, traumas vividos no passado pelo agressor, nutrir um sentimento de ter sido excluído ou marginalizado socialmente, sofrer influência de culturas vinculadas à violência, desejo de fama, desejo de vingança.
Cada caso de agressão é único e resultado de uma combinação também única de fatores ali envolvidos que acabaram por levar àquele desfecho. Para entender as motivações vinculadas a algum caso particular é necessário conduzir uma investigação especifica e detalhada sobre as circunstâncias ali envolvidas.
Ocorrido um fato de tal magnitude, diversas consequências podem estar presentes, envolvendo todas as partes constantes no evento. Deste modo, as pessoas presentes na escola no momento do ataque podem desenvolver traumas emocionais, apresentarem lesões físicas ou mesmo virem a óbito, os alunos podem posteriormente ao evento terem baixo rendimento escolar ou comprometimentos em sua vida pessoal. As pessoas envolvidas no evento podem ter dificuldades em reassumir a sua rotina na instituição. Pode também gerar por parte da comunidade a perda da confiança nas instituições de ensino. Pode haver também gastos com tratamento médico e psicológico. Os sobreviventes, familiares e amigos podem passar pelo sentimento de luto pela perda das pessoas que conheciam, traumas emocionais que requeiram tratamento e acompanhamento psicoterapêutico. Já para a sociedade, em particular a comunidade envolvida no evento, temos a maior preocupação com a segurança, sentimento de ansiedade quanto à nova ocorrência trágica, prejuízo para a credibilidade da escola no tocante à segurança, prejuízos na rotina diária daquela instituição de ensino. A sociedade, por sua vez, passa a ter uma maior preocupação com a segurança e o receio, também, com a ocorrência de novos eventos deste nível.
Grupos políticos com suas pautas ideológicas se aproveitam da situação para tentarem a aprovação de leis coerentes com suas crenças, como tal é o caso das campanhas de desarmamento, que tentam associar a venda de armas legais com ataques muitas vezes perpetrados com armas ilegais, ou, armas outras que não as de fogo. Temos, por exemplo, o slogan “Livros sim! Armas não!”, apregoando que a proibição, ou maior restrição a comercialização de armas legais, levaria ao fim desta e de outras situações de violência urbana. Ocorre que por vezes tais ataques não são efetivados por meio de armas de fogo e sim por outros instrumentos, tais como: explosivos, facas, bestas, etc.
Todos concordam sobre a necessidade de se incrementar políticas públicas de proteção ao ambiente escolar, a divergência passa a ocorrer, no entanto, quanto a quais políticas seriam as mais adequadas e quais outras não estariam se aproveitando do medo gerado pela situação para a aprovação de leis vinculadas a uma pauta ideológica previamente definida e indiferente a existência ou não de ataques no ambiente escolar.
Muitas vezes os ataques as escolas são perpetrados por alunos ou ex-alunos e os motivos alegados tendem a direcionar para uma vingança em relação a situações constrangedoras de bullying pelas quais os atuais agressores teriam passado. Quando um atentado destes é perpetrado com êxito, por vezes ao final do mesmo os próprios autores do atentado cometem suicídio. O suicídio já estava dentro do roteiro exaustivamente planejado pelos autores antes da execução do ato.
Algumas medidas preventivas ocasionalmente são tomadas quando diante da ocorrência de um ataque ou da ameaça do mesmo ocorrer. Geralmente tais medidas incluem a abertura de investigação por parte da polícia de situações envolvendo a possibilidade de um ataque (mensagens veiculadas nas redes sociais, jogos violentos, aplicativos, pichações no ambiente escolar, etc.), reforço no policiamento próximo a unidades escolares, disponibilização de canais para recebimento de denúncias, etc.
Há quem cogite um “efeito contágio” que atuaria depois da realização de um ataque a uma unidade de ensino em algum lugar do mundo, sendo a mesma amplamente noticiada pelos meios de comunicação e gerando, deste modo, a inspiração ou mesmo a motivação para que pessoas ou grupos em outros locais possam empreender situações semelhantes.
Criou-se também o receio de que aplicativos e jogos disponíveis na Internet ou mesmo a troca de mensagens por meio de redes sociais, possa de alguma forma incentivar e produzir tais ataques. Há também quem defenda que por trás da maioria dos ataques concretizados ou em preparação encontra-se a presença de grupos na Internet ou mesmo redes sociais de trocas de ideias e informações onde o ataque possa ser preparado, estimulado e mesmo orientado. Também há os que defendem que na motivação básica dos que praticam tais atos se encontraria motivos tais como: misoginia, homofobia, racismo e xenofobia. Também muitas vezes tais agressores são associados a grupos extremistas radicais.
O discurso endossado por educadores e especialistas em segurança, política e ideologicamente de esquerda, tem sido culpar a extrema direita pelos sucessivos ataques, bem como, a Internet e grupos neonazistas. A este suposto extremismo de direita, associam o discurso de ódio e a cooptação do aluno por grupos radicais neonazistas que defenderiam uma pauta marcada pela ideia da supremacia branca e masculina, valorizando o preconceito, a discriminação e o uso indiscriminado da força. Seria um discurso de encorajamento a atos agressivos e violentos no ambiente escolar. Dentro deste discurso temos a narrativa de que tais atos criminosos estariam associados ao discurso de ódio e a propagação de uma cultura das armas. Interessante que é o mesmo discurso que se mostra contrário, afirmando ser ineficaz, a maior presença de um policiamento ostensivo e armado próximo ao ambiente escolar, muitas vezes considerando, mesmo, como ofensivo a presença de policiais armados próximos ao ambiente escolar.
Alguns estudos e comentadores do tema buscam traçar um perfil do agressor. Ao buscar traçar um perfil deste agressor, encontram alguns indícios que levam a um perfil onde temos geralmente indivíduos jovens do sexo masculino, brancos, com baixa autoestima, não populares no ambiente escolar, com uma presença mais acentuada em relações virtuais pela internet. Geralmente tais indivíduos não possuem perspectiva ou propósito definido para sua vida no momento presente e futuro. Pode haver, também, uma sensação de pertencimento a algum grupo mais radical ou a identificação com algum personagem ficcional ou real que tenha praticado atos violentos, como o próprio caso de um ataque a uma instituição de ensino. O óbvio é que na ausência de uma cadeia de comando vinculada ao lucro ou a vingança e penalização por parte de um comportamento não aceito em uma organização, como o que pode ocorrer na Máfia e no crime organizado em geral, o que temos é um desequilíbrio emocional ou mesmo algum tipo de transtorno mental presente, mesmo que não tenha sido anteriormente diagnosticado. Ser alvo de bullying jamais seria a causa única de um tal comportamento, mas pode atuar como elemento catalizador e motivador. Também a exposição a comportamentos violentos desde a mais tenra idade, seja em sua própria casa ou na região em que vive, pode ter um efeito que contribua em alguma medida para tal desfecho.
A rigor devemos afirmar não existir fundamentação teórica para montar um perfil deste tipo de agressor e que um perfil montado com base em dados aleatórios e não devidamente comprovados tende a ser perigoso, pois, se por um lado podemos classificar como perigosos alguns alunos que na verdade não o são, por outro lado, tendemos a deixar de lado potenciais agressores. Sem maiores dados, tal esforço pode ser visto como reducionista e perigoso. Os atuais estudos nos apresentam que não há um perfil social ou psicológico de agressores, seja por meio do uso de facas, armas de fogo ou outras ferramentas que denotem a presença de violência, o que temos nestes casos ocorridos nas escolas é um conjunto de fatores, os quais, quando presentes em sua totalidade, tendem a propiciar ao sujeito a tomada de uma decisão, uma escolha individual, que o leva a praticar tal ato.
Ao contrário de crimes passionais, crimes motivados unicamente por vingança ou raiva, o que temos aqui via de regra é uma situação exaustivamente preparada e cujo objetivo se dá com a consequente notoriedade ao aparecer na mídia, seguido pelo sentimento de obter o reconhecimento de seu valor pelo grupo ou comunidade ao qual o indivíduo se sente inserido, não necessariamente na realidade, mas sim em sua fantasia.
Analisando os casos ocorridos no Brasil temos que situações de uso de armas de fogo, ou facas, ou outras, dentro do ambiente escolar visando atacar alunos, professores e funcionários, não é algo que possua uma resposta simples ou causa única, como também não possui uma solução simples, imediata e única. Constitui um problema social complexo e no qual temos uma multiplicidade de fatores envolvidos, vão desde o bullying sofrido no passado pelos agressores, até o possível perfil sociopsicológico mais violento e agressivo destes sujeitos. Nestes agressores em geral temos o histórico de problemas de saúde mental, incluindo depressão, ansiedade, transtornos psicóticos, entre outros. Passa também pelas possíveis estratégias de segurança e prevenção que possam vir a ser adotadas diante deste grave problema social, bem como, pelas relações sociais e afetivas ocorridas dentro do ambiente escolar entre todos os seus atores (alunos, professores, funcionários). As relações sociais e familiares dos agressores, seu vínculo emocional e sua sensação de pertencimento ou não a um determinado grupo também deve ser analisada.
Já os sobreviventes irão passar por momentos sociais e emocionais muito difíceis, como, por exemplo, o estresse pós-traumático. Não são somente as pessoas mortas ou fisicamente feridas que sofrem as consequências de um tal evento, mesmo pessoas que não estiveram presente no local no momento do evento irão vivenciar um drama particular, como no caso dos familiares das vítimas e daqueles que mesmo não tendo sofrido consequências físicas, estavam presentes no local e poderiam tê-las sofrido.
Para crianças o problema é maior, podendo afetar o desenvolvimento cognitivo, emocional e social, a não superação deste evento traumático tende a proporcionar o desenvolvimento de uma sintomatologia de modo continuado com impacto marcante na vida da pessoa.
Quando pensamos em estratégias para lidar com a situação, precisamos ter em mente que esta cena já foi repetida diversas vezes por todo o Brasil, bem como, em muitos outros países. Não há uma solução fácil ou mesmo definitiva, pois, envolve estados emocionais e patológicos, vínculos sociais e familiares. A curto prazo, no entanto, alguma solução precisa ser dada e levando em consideração que a tendência é que este problema continue a se repetir nos próximos anos. A ideia de ampliar os mecanismos de segurança nas escolas é paliativa, pois, não atinge as causas do fenômeno, mas pode reduzir a probabilidade da ocorrência do mesmo. Estratégias de segurança devem, portanto, serem adotadas, que podem envolver o projeto arquitetônico de futuros prédios destinados à escola, a presença de algum tipo de alarme ou aplicativo de fácil uso para comunicar a ocorrência e pedir ajuda, a uma maior presença de segurança armada no entorno da escola, colocação de um sistema de câmeras de segurança na escola, reforçar a segurança nas entradas de acesso a escola, treinamento de todos (seguranças, funcionários, professores, alunos) para como se comportarem diante de um evento deste nível.
Cabe entender, por exemplo, que o agressor planejou o ataque em seus mínimos detalhes por muito tempo e que ao final do mesmo pretende se suicidar. O objetivo é proporcionar o maior número de vítimas e conseguir notoriedade com a ação. Por tal motivo, este indivíduo não está propenso ao diálogo ou negociação. Cabe às pessoas no local fugirem ou, se não for possível, se trancarem em alguma sala bloqueando as entradas com algo bem pesado, ou ainda, se as duas primeiras opções não forem possíveis, se esconderem e saírem totalmente da vista do agressor. Se nenhuma destas opções for possível e a pessoa estiver próxima do agressor, suas melhores chances estarão em atacar e neutralizar o agressor, pois, previamente o agressor já pretende matar a todos, e se você nada fizer será morto pelo agressor. Quanto ao pessoal treinado para segurança, cabe eliminar a ameaça, tendo em mente que pelos motivos que levam ao ataque, este indivíduo não irá se entregar e se ferido for, irá preferir cometer suicídio, algo presente desde o início do planejamento do ato.
A solução pode ser encontrada na prevenção e intervenção precoce diante da demonstração de problemas mentais graves, em combater o bullying e assédio no ambiente escolar, em proporcionar um ambiente que favoreça o diálogo e a inclusão social entre os alunos, professores e funcionários, dentre outros fatores também importantes.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.
Site: www.doutorsilverio.com
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