Por: Silvério da Costa Oliveira.
O Renascimento é um movimento que abrange os séculos XIV (Trecento), XV (Quattrocento) e XVI (Cinquecento), em particular na Itália, onde tem início e a partir do qual se espalha pelo restante da Europa. Nesta época passamos a ter um grande interesse e resgate da Antiguidade clássica, por meio de seus maiores representantes em todas as áreas do saber. Também estamos diante de uma crise de valores baseada no questionamento das crenças e ideias até então vigentes e aceitas. Neste período temos o surgimento e desenvolvimento da ideia de individualidade, se contrapondo ao coletivismo e anonimato presente da Idade Média.
Lembremos que a Idade Média vai do século V ao XV, tendo seu início com a queda do império romano do ocidente em 476 d.C. e seu final com a queda do império romano do oriente, em 1453 d.C. quando tem início a Idade Moderna. Deste modo, podemos entender que o Renascimento se situa entre o final da Idade Média e o Início da Moderna, um período histórico de transição em todos os campos da cultura e economia.
O termo “Renascimento” é uma criação contemporânea à referida época e estudos apontam que a palavra carregando este sentido teria surgido no século XVI por meio do pintor e arquiteto italiano Giorgio Vasari (1511-1574).
Neste período histórico de três séculos cabe a ocorrência de diversas transformações sociais na Europa, tendo como foco iniciador a Itália. Esta transformação se dá na cultura como um todo, na ordem política e social, na esfera econômica, científica, artística, literária e mesmo religiosa.
O crescimento do comércio e o progresso das cidades italianas proporcionou grande enriquecimento para alguns, que passaram a investir parte deste dinheiro no patrocínio de artistas os mais diversos. Estes que patrocinavam os artistas passaram a ser chamados de “mecenas” e são, com certeza, grandes responsáveis pelo desabrochar cultural desta época. Arte e comércio passaram a manter laços profundos e benéficos para ambas as partes.
Dentre os vários autores e as várias obras literárias que podem ser vinculados ao período, poderíamos citar, de Dante Alighieri (1265-1321), “A divina Comédia”, de Giovanni Boccaccio (1313-1375), “Decamerão”, e de Francesco Petrarca (1304-1374), “África”. Também importantes são Torquato Tasso (1544-1595), “Jerusalém libertada”, Ludovico Aristo (1474-1533), “Orlando Furioso”, Francesco Guicciardini (1483-1540), “História da Itália”.
Por sua vez, na política, Machiavelli (Maquiavel) inova com “O príncipe” e temos diversos e inúmeros outros trabalhos de autores distintos, como tal é o caso também de Erasmo de Roterdam (1466-1536), “O elogio da Loucura”. Mas mais especificamente neste período, penso que cabe um destaque especial a Leonardo da Vinci (1452-1519), Nicolas Machiavelli (1469-1527), Giordano Bruno (1548-1600), Galileu Galilei (1564-1642).
O termo “Renascimento” foi cunhado tendo em vista que se buscava um rompimento com os valores e modo de pensar da Idade Média e um ressurgimento da cultura antiga, dos gregos e romanos. Esta foi a orientação do movimento, claro está, no entanto, que o próprio movimento é fruto do final da Idade Média e representa, também, uma conclusão deste período, que não deixa de estar presente. Há um rompimento sim, mas a partir de uma continuação como um desfecho ou conclusão de várias teses, debates e eventos anteriormente ocorridos.
O humanismo antecede o renascimento. No humanismo temos um movimento com características mais universais e cujos principais expoentes estavam restritos às letras e ao resgate e publicação de livros antigos, por vezes mantidos em mosteiros ou outros lugares vinculados à Igreja. Com o surgimento da Imprensa, invenção de Gutenberg (1430), temos a possibilidade de termos uma quantidade maior de livros circulando, por um preço mais baixo e mais rapidamente do que pelo antigo processo de copiar o manuscrito manualmente. Os humanistas por vezes buscavam manuscritos antigos nos mais distintos lugares, associados a alguma casa editorial, que objetivavam encontrar e publicar por meio da imprensa, tornando conhecidos tais trabalhos. O Renascimento surge logo após o humanismo, mas sem interromper o mesmo. No Renascimento temos algo mais restrito e inicialmente vinculado a região da Itália, envolvendo também as letras, mas também as artes e o início da ciência moderna. Quando se espalha para o restante da Europa, agregando novos elementos e se incorporando às culturas locais, para diferenciar do ocorrido inicialmente na Itália, há uma tendência de substituir o termo renascimento por “maneirismo”, já no século XVI, claro está que o maneirismo pode ter seu surgimento também vinculado a Itália, de onde se irradia para as demais regiões.
Durante o transcurso da Idade Média predominou o teocentrismo, ou seja, tudo girava em torno de Deus, dos dogmas da religião, da promessa de salvação, da autoridade da Igreja, dos escritos sagrados. Durante o período do Renascimento esta ênfase muda do teocentrismo para o antropocentrismo, onde o ser humano passa a ocupar o lugar de destaque. Mudança profunda e que vem conjuntamente com a valorização do indivíduo, da individualidade. Se durante a Idade Média obras de arte e outras produções por vezes não eram assinadas, caindo em um coletivo anonimato, agora é importante a autoria, saber quem fez o que.
A religião cristã tradicional com seus dogmas cede espaço a ideias oriundas do antigo paganismo, a fé por sua vez há de ceder espaço a razão, a autoridade da razão. Claro que é um processo e não uma mudança súbita e claro também que há uma mescla de valores medievais presentes aos ideais humanistas e renascentistas.
O teocentrismo presente na Idade Média é substituído pelo antropocentrismo, o humano passa a ser glorificado como algo belo, como uma obra de arte. O corpo humano nu passa a aparecer em estátuas e pinturas. O corpo humano também passa a ser dissecado e estudado minuciosamente. Leonardo da Vinci está entre aqueles que estudaram por meio de dissecação de cadáveres toda a estrutura do corpo humano, fazendo anotações e desenhos precisos que poderiam ter revolucionado a medicina se tivessem sido divulgados a sua época. Nesta época histórica a relação “humano / Deus”, cede a vez a relação “humano / natureza”. Temos o nascimento triunfante do individualismo, deixando de lado o anonimato e coletivismo anteriormente presente na sociedade.
O ideal do humano do Renascimento era resgatar e retomar em sua época a cultura clássica greco-romana, sua visão sobre o período anterior, a Idade Média, era de uma era obscura, no entanto, por mais que o Renascimento tenha importância e apresente uma renovação cultural, a Idade Média não deve ser vista como uma era de trevas. Sem retirar a importância destes três séculos, não cabe denegrir a imagem da Idade Média, pois tal não é condizente com a realidade e mais se aproxima de uma ilusão. Podemos, no entanto, falar com certeza em uma valorização da antiguidade clássica durante o Renascimento e uma tentativa de ruptura com valores e práticas tidos como medievais.
Diversas são as diferenças entre os dois períodos históricos, a Idade Média que estava findando e o Renascimento que surgia de início na Itália do século XIV. Vejamos algumas comparações. Na Idade Média tudo gira ao redor de Deus, é o teocentrismo, já no Renascimento temos o antropocentrismo. Na Idade Média há uma tendência ao conformismo e já no Renascimento temos uma orientação ao inconformismo e ao progresso. O ascetismo se contrapondo ao hedonismo. O coletivismo dando lugar ao individualismo. Se antes a verdade estava na Bíblia e em outros escritos reconhecidos pela autoridade da Igreja, agora se encontra na ciência que começa a surgir. Em virtude do pecado original narrado na Bíblia, onde Adão e Eva se encontravam na natureza, esta era associada ao pecado, agora não mais, pois a natureza passa a ser associada ao belo. O ser-humano era visto como um equívoco, agora passa a ser entendido como o ápice da criação. A ênfase estava na fé voltada para a salvação e agora passa aos poucos para a razão e a realidade terrena.
O Renascimento é um momento histórico no qual constatamos ocorrer na Europa transformações marcantes que envolvem vários aspectos da sociedade, tais como a cultura, política, economia, religião e filosofia. Estamos, também, diante do fim do feudalismo da Idade Média e o início do capitalismo por meio do mercantilismo.
Compreender o período dito “Renascimento” é fundamental para entender as profundas mudanças culturais ali ocorridas e que vem a marcar a ruptura com um modo de pensar, e a mudança para outra forma de se colocar diante da vida, da sociedade e da religiosidade. Muda o pensamento e muda também a atitude diante da vida, com certeza o humano da renascença tem uma visão de mundo distinta da do humano medieval. A busca pela mudança e progresso traz junto um otimismo e uma valorização maior da vida. Em vez de se viver voltado para a salvação pós morte, agora se busca viver mais intensamente a vida que se tem, valorizando o corpo e o prazer (hedonismo), bem como buscando se afirmar individualmente, saindo do anonimato coletivo. Agora é importante para o artista assinar suas obras, deixando um registro para a posteridade de sua existência e valor. Os valores da sociedade moderna foram ali aos poucos elaborados e consolidados. Para entendermos movimentos distintos do pensamento e da filosofia posterior, tal o caso do Racionalismo, Empirismo, Iluminismo ou mesmo o advento da ciência moderna e as descobertas na astronomia, física e matemáticas, é preciso primeiro entender e compreender este momento histórico onde tudo está germinando e aflorando.
Silvério da Costa Oliveira.
Prof. Dr. Silvério da Costa Oliveira.
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